REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102411141740
Vanessa de Almeida Rocha Malveira[1]
RESUMO
Este artigo tem como objetivo analisar o art. 146-A e parágrafo único acrescida pela Lei n. 14.811/2024 no Código Penal Brasileiro, analisando o art. quanto a pena cominada em ambos os tipos penais e demonstrar a impossibilidade de aplicação de pena de multa isolada para crimes, adequada apenas as contravenções penais. A metodologia de pesquisa para este estudo de revisão ocorreu através de uma pesquisa on-line efetuada em bases de dados multidisciplinares e revistas de direito integradas na secção metodológica deste estudo. A coleta de dados delimitou-se na extração de artigos de Direito dos últimos seis anos (exceto Leis e Decretos e obras de grande relevância acadêmica), com publicações realizadas entre janeiro de 2019 e setembro de 2024. Através da lacuna inserida na temática proposta, este estudo responderá os seguintes questionamentos: “como é possível superar a impossibilidade de aplicação de pena de multa isolada para crimes, cominada no caput do artigo 146-A do Código Penal Brasileiro, que trata da intimidação sistemática “Bullying”?” e “o Cyberbullying, encontra-se em harmonia com o disposto no conceito de crime definido pelo Código Penal?”. Através da analise bibliográfica, conclui-se que as questões de proteção a crianças e adolescentes e a violência escolar demandam atenção especial. O legislador fortaleceu políticas de prevenção, mas, na área criminal, trouxe incertezas. Um novo tipo penal foi criado com atecnia, gerando ambiguidades e deixando a interpretação ao julgador. Isso pode dificultar a aplicação prática da lei e torná-la ineficaz.
Palavras-chave: Práticas Legais. Bullying. Cyberbullying. Código Penal Brasileiro.
ABSTRACT
This article aims to analyze article 146-A and the sole paragraph added by Law No. 14,811/2024 to the Brazilian Penal Code, analyzing the article regarding the penalty imposed in both criminal types and demonstrating the impossibility of applying an isolated fine for crimes, suitable only for criminal misdemeanors. The research methodology for this review study was through an online search carried out in multidisciplinary databases and law journals integrated in the methodological section of this study. Data collection was limited to the extraction of Law articles from the last six years (except Laws and Decrees and works of great academic relevance), with publications carried out between January 2019 and September 2024. Through the gap inserted in the proposed theme, this study will answer the following questions: “how is it possible to overcome the impossibility of applying an isolated fine for crimes, set out in the caput of article 146-A of the Brazilian Penal Code, which deals with systematic intimidation “Bullying“?” and “is Cyberbullying in harmony with the provisions of the concept of crime defined by the Penal Code?”. Through the bibliographic analysis, it is concluded that the issues of protection of children and adolescents and school violence require special attention. The legislator strengthened prevention policies, but in the criminal area, it brought uncertainties. A new criminal type was created with technique, generating ambiguities and leaving the interpretation to the judge. This can make it difficult to apply the law in practice and render it ineffective.
Keywords: Legal Practices. Bullying. Cyberbullying. Brazilian Penal Code.
1 INTRODUÇĀO
Diante da complexidade das questões aventadas, acredita-se a cominação de multa isolada para o crime de Bullying no ambiente físico prevista no caput do artigo 146-A do Código Penal pelo legislador poderá ser sanada mediante suspensão pela via legislativa por meio do Congresso Nacional, pois é o ente competente para legislar, ou pela via do controle de constitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal, se provocado a manifestar-se sobre o tema específico.
A pesquisa justifica-se pela relevância em abordar a importância da inovação legal no combate ao Bullying e Cyberbullying, apresentando de forma clara e didática o recente dispositivo legal do art. 146-A e seu parágrafo único acrescida pela Lei n. 14.811/2024, que tratam da pena cominada contra essa prática discriminatória.
De igual modo, a aludida pesquisa poderá proporcionar ao acadêmico de Direito uma interpretação mais didática acerca da recente inovação legal no combate ao Bullying e Cyberbullying afinada com a moderna doutrina penal, estudando as teorias doutrinárias, o posicionamento da jurisprudência pátria, em confronto com a realidade social brasileira.
Assim, este artigo visa contribuir com um melhor esclarecimento na interpretação do texto legal afeto aos institutos do Bullying e do Cyberbullying, bem como dos equívocos metodológicos do legislador na tipificação do crime e seus reflexos, pois o posicionamento definitivo acerca do tema trará segurança jurídica, contribuindo para a adequada aplicação da norma penal.
Nesse contexto o tema será abordado na legislação aplicável dentro do ordenamento jurídico, dando ênfase a Lei Federal 14.811/2024 que instituiu medidas importantes à proteção as vítimas de bullying e cyberbullying, especialmente, a espécie de tipo penal do artigo 146-A e seu parágrafo único, acrescentado pela referida Lei ao Código Penal Brasileiro, na seção de crimes contra a liberdade individual, bem como suas respectivas penas cominadas que tratam da desta pratica discriminatória.
Para tanto, abordar-se-á nos demais dispositivos legais correlatos, dentre os quais os dispositivos Constitucionais de proteção a dignidade da pessoa e da criança, insculpidos no art. 5º e art. 227 da CF/88, da Lei n. 13.185/2015 que instituiu o programa de combate a intimidação sistemática (bullying), a Lei n. 13.431/2017 – que altera o ECA e a Lei n. 14.344/2022 – Lei Henry Borel.
A pesquisa on-line efetuada buscou arquivos com a temática proposta neste artigo, delimitando-se em abordar o art. 146-A e parágrafo único acrescida pela Lei n. 14.811/2024 no Código Penal Brasileiro.
Esta pesquisa baseada em uma revisão de literatura delimitou-se na coleta de artigos de Direito dos últimos seis anos (exceto Leis e Decretos e obras de grande relevância acadêmica), com publicações realizadas entre janeiro de 2019 e setembro de 2024.
A busca destes arquivos ocorreu por meio de periódicos multidisciplinares e revistas específicas da área de Direito, tais como: Scientific Electronic Library Online – Scielo, Scholar Google, Revista Direito e Justiça, Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Revista Eletrônica Direito e Política, Revista do Direito Publico, Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, Revista da Faculdade de Direito UFPR, Revista Gênero e Direito, Revista da Faculdade Mineira de Direito, Revista Brasileira de Direito, Revista Eletrônica da Faculdade de Direito Da UFP, Revista de Direito Internacional, Revista do Direito, RFD Revista da Faculdade de Direito da UERJ, Revista Direito E-Nergia e Revista Brasileira de Ciências Criminais- IBCCRIM.
Após a busca dos artigos de principal interesse, a seleção ocorreu por meio dos critérios de inclusão e exclusão. Para a inclusão, os artigos e demais obras coletadas para este estudo precisaram obter os seguintes critérios, tais como: a) Pertencer a temática proposta; b) Publicado entre os períodos de 2019 a 2024; e c) Destacar o Direito Penal.
Para a exclusão, foram direcionados os critérios como: a) Não possuir vinculo com a temática norteadora, b) Publicação inferior ao período datado para esta pesquisa – dos últimos 6 anos e c) Outros estudos que não forneçam dados satisfatórios das problemáticas interpostas neste estudo.
2 INTIMIDAÇÃO SISTEMÁTICA
O termo bullying vem sendo apontado como um fenômeno que afeta a vida das pessoas, principalmente os jovens e adolescentes, impactando negativamente no seu cotidiano, criando grande dificuldades para seus familiares e preocupando a sociedade de um modo geral, de modo que sua ocorrência vem se mostrando principalmente no ambiente escolar, assim como tem evoluído ao longo do tempo para o meio virtual, o que por seu turno é denominado de cyberbullying.
2.1 Breves considerações sobre o Bullying
Conforme o Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa (Michaelis, 2015), no que tange a etimologia da palavra, o termo bullying tem origem inglesa e significa valentão, brigão. No Brasil, ainda não há uma tradução compatível, sendo o referido termo usado da mesma forma como no estrangeiro. Na prática, o termo bullying diz respeito as práticas de intimidação sistemática, de modo intencional e repetitivo, por meio de ameaças e de violência física ou psicológica, com a finalidade de oprimir e humilhar sua vítima.
Segundo Zych et al., (2017 apud Pereira J.F, 2020), esta conduta discriminatória em ambiente escolar manifesta-se como “um tipo de comportamento agressivo extremamente destrutivo que pode ter início na infância e manter-se continuamente ao longo dos anos de escolaridade.” Afirma Smith et al., (2016 apud Pereira J.F, 2020), que o bullying não se restringe especificamente a um espaço geográfico, tampouco a grupos socioeconómicos e culturais específicos. Inclusive por ser um tema complexo, há dificuldade de se definir tal fenômeno (Zych et al., 2017 apud Pereira J.F, 2020).
Dentro do ambiente escolar pode ser caracterizado como diversas formas de agressão, repetidamente e intencional, tendo como autores um ou mais discentes contra um ou mais vítimas estudantes. Quanto a caracterização do bullying leciona Alessandro Costantini, (2004):
O bullying é um comportamento ligado à agressividade física, verbal ou psicológica. É uma ação de transgressão individual ou de grupo, que é exercida de maneira continuada, por parte de um indivíduo ou de um grupo de jovens definidos como intimidadores nos confrontos com a vítima predestinada.
Contudo nota-se que atualmente a definição de bullying vem ultrapassando o ambiente escolar, podendo estar presente em diversos meios sociais, como meio acadêmico das faculdades, no seio familiar, no ambiente de trabalho, assim como evoluindo para o ambiente virtual, não se restringindo a autoria apenas por crianças e adolescentes, mas, presente inclusive em qualquer faixa etária.
Desta forma, o bullying caracteriza-se pela prática de atos de violência de natureza física, psicológica ou verbal, de maneira intencional e habitual, de autoria individual ou coletiva, contra uma ou mais pessoas em ambiente físico. Por outro lado, o cyberbullying é uma forma derivada do bullying, que corresponde a prática do bullying não em ambiente físico, mas em ambiente virtual.
2.2 Dados sobre a ocorrência do Bullying
Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE) e do Instituto Brasileiro de Estatística – IBGE, mais de 40% dos estudantes adolescentes brasileiros registraram algum episódio em que se consideraram vítimas intimidação com uso de ameaça e violência no ambiente escolar.
Conforme pesquisa realizada pelo instituto IPSOS no ano de 2018, o Brasil é o segundo país com maior registro de casos Bullying e cyberbullying, ficando apenas atrás da Índia onde 37% dos entrevistados relatam que crianças e adolescentes já sofreram com tal prática discriminatória. No Brasil, de acordo com levantamento feito com 20,8 mil pessoas, 29% dos pais ou responsáveis brasileiros consultados relataram que os filhos já foram vítimas de bullying, registrando considerável aumento, pois na sondagem anterior, divulgada em 2016, esse índice era de 19%. Dados de outra pesquisa realizada em 30 países pelo UNICEF no ano de 2019, apontaram que um em cada três jovens relatou ter sido vítima da discriminação na modalidade cyberbullying.
Corroborando os dados retromencionados, no ano de 2023, houve um grande número nos registros de atas notariais nos cartórios brasileiros, relatando episódios de bullying e cyberbullying, segundo levantamento realizado pelo Colégio Notarial do Brasil, entidade que representa os tabelionatos do país. O número de ocorrências dessa prática atingiu a marca de 121 mil casos —uma média superior a mais de 10 mil por mês. Desde 2010, quando foram registrados 19 mil casos, a quantidade desse tipo de registro vem numa crescente no país.
O registro dos casos de violência e discriminação por bullying e Cyberbullying em ata notarial nos cartórios dos pais tendem a crescer, em razão do advento da recém-sancionada Lei Federal 14.811/24, que tipificou o bullying e cyberbullying como crime no Código Penal, trazendo suas respectivas penas cominadas visando a punição dos agressores contra essa prática discriminatória.
2.3 A tipificação penal do Bullying
No ordenamento jurídico brasileiro, antes mesmo da publicação da Lei 14.811/2024 já existiam normas que tratavam dessa conduta gravosa discriminatória como a exemplo da Lei 13.185/2015 , porém, nada mencionava em seu bojo sobre a aplicação de sanções administrativas, civis ou penais diantes dos casos de bullying e ciberblullying, concentrando-se apenas em medidas preventivas e suas respectiva previsã conceitual. Nesse sentido o bullying é discriminado no artigo 2º da Lei Nacional n.º 13.185/2015, como atos de discriminação e intimidação sistemática, com uso de violência física ou psicológica, insultos pessoais, comentários sistematizados e apelidos pejorativos, ameaças por quaisquer meios, grafites depreciativos, expressões preconceituosas, isolamento social consciente e premeditado e pilhérias (Brasil, 2015).
Já no artigo 3º do mesmo diploma legal, o bullying é classificado como verbal quando visa insultar, xingar e apelidar pejorativamente. Quando visa difamar, caluniar, disseminar rumores será classificado como bullying moral. Já a classificação do bullying sexual decorre de condutas que visam assediar, induzir e\ou abusar das vítimas. Há ainda a classificação do bullying social quando a natureza das agressões visa ignorar, isolar e excluir a vítima do seio social.
Há ainda, segundo o supracitado artigo 3º da Lei, as modalidades de bullying psicológico, quando tem por finalidade perseguir, amedrontar, aterrorizar, intimidar, dominar, manipular, chantagear e infernizar as vítimas. Temos ainda o bullying material, que visa privar a vítima de seus bens por meio de práticas de furto, roubo, destruir de seus pertences. O bullying físico, sendo a mais agressiva das modalidades, pois tem como meio o uso direto de violências físicas tais como socar, chutar, bater nas vítimas.
E por fim, o bullying virtual, ora doravante denominado de cyberbullying, cuja finalidade caracteriza-se por depreciar, enviar mensagens intrusivas da intimidade, enviar ou adulterar fotos e dados pessoais que resultem em sofrimento ou com o intuito de criar meios de constrangimento psicológico e social (Brasil, 2015).
3 INTIMIDAÇÃO SISTEMÁTICA VIRTUAL
O uso da tecnologia tem proporcionado vários benefícios para a sociedade, inclusive têm ajudado muitas crianças e adolescentes no aprendizado e progresso escolar, porém, o excesso de exposição ao ambiente virtual e uso frequente da internet sempre trazem riscos aos seus usuários, dentre os quais estão o bullying virtual.
3.1 Breves considerações sobre Cyberbullying
Dentre os elementos que caracterizam a intimidação sistemática, a legislação refere a diversos pontos habituais à agressão virtual, tais como: Violência física ou psicológica por meio de atos de discriminação, humilhação e intimidação.
O cyberbullying é uma forma derivada do bullying, caracterizada pela prática do bullying feito por um agressor que não está presente no mesmo ambiente que o da vítima, sendo um agir agressivo desenvolvido dentro e fora do espaço geográfico da escola, de modo atemporal e em rápida propagação, por meio da internet (Azevedo; Miranda; Souza, 2012).
Leciona Ramalho Terceiro, 2006, em relação a definição de crimes virtuais que:
Os crimes perpetrados neste ambiente se caracterizam pela ausência física do agente ativo; por isso, ficaram usualmente definidos como sendo crimes virtuais. Ou seja, os delitos praticados por meio da Internet são denominados de crimes virtuais, devido à ausência física de seus autores e suas asseclas.
3.2 Dados da ocorrência do Cyberbullying
De acordo com (Avilés, Martinez, 2010), pesquisas têm demonstrado que em razão da hipótese de poder ficar sob anonimato em ambientes virtuais, tem influenciado para a prática do cyberbullying, onde o agressor sente-se à vontade para praticar condutas que em ambiente físico e real optasse pelo controle de agir por temor de sofrer punição perante a lei penal por tais atos discriminatórios denominado bullying.
Segundo Fante e Pedra (2008), estudos realizados na Inglaterra demonstraram que 25% das meninas são vítimas de cyberbullying pelo aparelho celular. Destacam ainda que estudos feitos nos Estados Unidos, 20% dos alunos do ensino fundamental relataram ser alvo dessa forma de violência por meios virtuais.
No Brasil segundo estudo realizado pela Intel Security, 2015, com 507 crianças e adolescentes de idades entre 8 e 16 anos, demostrou 66% já presenciaram situações de agressões em redes sociais, 21% afirmaram que já foram vítimas de bullying virtual, sendo a maioria com idade entre 13 e 16 anos.
Assim, observa-se um aumento expressivo nos casos de bullying e de cyberbullying, principalmente entre os jovens que fazem uso das redes socias, embora já exista legislação que pune os agressores pela prática de intimidação sistemática.
3.3 O Cyberbullying no ordenamento jurídico brasileiro
Desde o ano de 2015, o Brasil conta com em seu amparo legal para a caracterização e prevenção de qualquer modalidade de bullying, no qual surgiu à Lei 13.185/15, ora doravante denominada Lei Anti-Bullying, que institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática e aumenta a importância de tratar este tema nas instituições de ensino. O texto que implementa o Programa de Combate à Intimidação Sistemática.
O Parágrafo único, do art. 2º da referida lei supracitada dispõe que o Ciberbullyng se apresenta quando: “Há intimidação sistemática na rede mundial de computadores, quando se usarem os instrumentos que lhe são próprios para depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar meios de constrangimento psicossocial”, (Brasil, 2015).
Ressalta-se a importância da criação dessa lei, visando resguardar os direitos conferidos em nossa Constituição Federal, no que tange a dignidade da pessoa humana, protegendo as vítimas de bullying e cyberbullying. Corroborando para esta temática é claro a inteligência do caput do art. 227 da CF\88 que dispõe sobre diversos direitos inerentes às crianças e aos adolescentes, visando conferir-lhes a mais ampla proteção, vejamos:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, (Brasil, 1988).
No entendimento de Correio, 2013, a Constituição Federal determina que o Estado, através de políticas específicas, aliado à família e a sociedade, deve garantir a criança e o adolescente a segurança contra toda a forma de negligência, discriminação e opressão.
À luz do Estatuto da Criança e Adolescente verifica-se o intuito do legislador em prever em seus dispositivos legais a proteção e a garantia os direitos fundamentais, previstos constitucionalmente, para as crianças e os adolescentes, vejamos alguns artigos abaixo elencados:
Art. 3º ECA- A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem.
Art. 4º ECA- É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Art. 5º ECA- Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
4 O ADVENTO DA LEI 14.811/2024
A nova lei federal 14.811/2024 trouxe em seu bojo medidas importantes acerca da proteção as vítimas de bullying e cyberbullying, especialmente na proteção da criança e do adolescente contra a violência em estabelecimento educacionais ou similares contra a prática discriminatória de jovens e crianças.
Embora haja um grande número de leis criminalizadoras, o advento da lei federal 14.811/2024 surge como um novo diploma legal de extrema relevância, pois além de possibilitar a proteção jurídico-penal, tanto no âmbito da dignidade pessoal, como da saúde mental e funcional das vítimas, criminalizando o comportamento discriminatório, qual seja, a prática de bullying e cyberbullying.
4.1 Novas figuras (Bullying e cyberbullying)
A nova Lei Federal 14.811/2024 traz significativas mudanças no contexto criminal ao inserir como condutas delitivas o bullying e ciberbullying no Código penal brasileiro. Esta Lei acrescentou o crime de Intimidação sistemática (bullying), nos termos do Caput do art. 146-A que consiste em:
art. 146-A- Intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais: Pena – multa, se a conduta não constituir crime mais grave.
Já a versão virtual da Intimidação sistemática (cyberbullying) disposta no Parágrafo único, do referido dispositivo dispõe que:
Se a conduta for realizada por meio da rede de computadores, de rede social, de aplicativos, de jogos on-line ou por qualquer outro meio ou ambiente digital, ou transmitida em tempo real: Pena – reclusão, de 2 (dois) anos a 4 (quatro) anos, e multa, se a conduta não constituir crime mais grave.
4.2 O suposto equívoco do legislador na tipificação no caput do Art. 146-A do CP
O suposto equívoco metodológico do legislador na tipificação do crime de bullying cyberbullying, disposta no artigo 146-A e seu parágrafo único, bem como suas respectivas penas cominadas acrescentados pela Lei 14.811/2024 ao Código Penal Brasileiro, demonstra um desequilíbrio e desproporcionalidade entre a figura do caput e sua forma qualificada, pois a espécie de sanção cominada isoladamente para o crime descrito no caput, que é de multa, não é aplicada para crimes na legislação penal brasileira.
O Artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal estabelece o seguinte:
Art.1º- Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente, (Brasil, 1941).
Verifica-se no dispositivo acima que o art.1º do Decreto Lei 3.914/1941 deixa claro a diferença entre crimes e contravenções, definidas e baseada nas penas previstas pela lei.
Ocorre que o Decreto Lei n. 3.914/1941 prevê a crimes somente pena de prisão, podendo ou não cumular com multa. Todavia, o legislador ao culminar equivocadamente no artigo 146-A do CP a pena de multa isolada para o crime de bullying, destoa da metodologia legal e tradicional da tipificação de crimes e cominação de penas no ordenamento jurídico brasileiro, que veda a previsão isolada da pena de multa para crimes, pois a cominação de forma isolada da pena de multa aplica-se apenas as contravenções penais, conforme Decreto Lei n. 3.688/1941.
Na prática e conforme previsão legal a pena de multa isolada é adequada apenas as contravenções penais, desta forma ao prevê pena de multa isoladamente para a figura do caput do art. 146-A do CP, o legislador contraria a própria definição de crime disposta na lei de introdução do Código Penal Brasileiro. Por outro lado, a pena cominada no parágrafo único do referido artigo, que trata da intimidação sistemática virtual denominado “Ciberbullyng” como qualificadora comina “pena de reclusão, de 2 (dois) anos a 4 (quatro) anos, e multa, se a conduta não constituir crime mais grave.” Desta forma observa-se uma disparidade entre as penas cominadas para a intimidação sitemática prevista tanto no caput do artigo 146-A quanto a sua forma qualificada do paragrafo 1º, pois como mencionado acima a pena prevista pelo legislador para o bullying praticado na forma virtual pelo autor da conduta criminosa é de 2 à 4 anos de reclusão e para o bullying praticado presencialmente a pena prevista é somente de multa isolada, contrariando o disposto no art.1º do Decreto Lei 3.914/1941.
Nesta senda, segundo entendimento de Souza; Freitas, 2024 , há doutrina que admite como critério único ou principal para diferenciar crime e contravenção o disposto no Decreto Lei n. 3.688/1941, desta forma, baseando-se em tal premissa, causa perplexidade a pena cominada imposta pelo legislador de multa,isoladamente, ao caput do art.146-A ,tratando assim de uma contravenção.
Além disso, tal entendimento causa dificuldades quanto a aplicação da norma aos casos concretos como exemplifica Souza; Freitas, 2024:
as contravenções penais não admitem a punição da forma tentada (art. 4º da LCP), ao passo em que os tipos penais previstos no CP admitem (art. 14, II, CP); a reincidência, nas contravenções penais, tem regra própria (art. 7º, LCP), diferente da reservada aos crimes (arts. 63 e 64, CP).
O direito brasileiro tradicionalmente distingue entre crimes (ofensas graves com penas de prisão) e contravenções (ofensas menos graves com penas não privativas de liberdade). Apesar de algumas ambiguidades na redação da lei, o artigo 146-A define um crime, não uma contravenção, devido à multa imposta. A regra que distingue, juridicamente, crime de contravenção penal, já foi objeto de apreciação na exceção prevista no crime de posse de drogas para consumo próprio (Lei 11.343/2006, art. 28), substituindo a prisão por advertências, serviço comunitário e medidas educacionais. Isso reflete uma mudança de política em direção à reabilitação sobre a punição.
O Supremo Tribunal Federal (STF) defende o Lei de introdução ao Código Penal, mas reconhece o poder da legislatura de criar exceções. O artigo 28 da Lei 11.343/2006 é um exemplo válido de tal exceção, demonstrando flexibilidade legislativa na definição de infrações e sanções. O STF decidiu que o porte de drogas para uso pessoal continua sendo considerado um comportamento ilícito, ou seja, permanece proibido usar a droga em local público, mas as consequências passam a ser de natureza administrativa e não criminal.
4.3 Possibilidades de correção da redação do caput do art.146-A do CP
Como mencionado anteriormente, no direito penal brasileiro, tradicionalmente, não se admite cominar pena de multa isoladamente para crimes, assim como não tem previsão na legislação esparsa. Assim o Legislador ao incluir no caput do art.146-A do CP por meio da Lei 14.811/24, pena de multa isolada, acaba incorrendo em equívoco grosseiro, pois contrairia disposição sobre crime disposta na lei de introdução do Código Penal Brasileiro conforme Decreto Lei n. 3.914/1941, devendo ser sanado na esfera legislativa pelo próprio legislador, corrigindo dispositivo com nova lei, ou quando provocado, através do poder judiciário.
Salienta-se que ao tipificar na nova lei os crimes de intimidação sistemática – bullying e intimidação sistemática virtual- Ciberbullyng o legislador atuou com evidente falha técnica legislativa, criando um tipo penal com previsões desnecessárias que, possivelmente ensejará em problemas de interpretação, e com isso causar óbice quanto a correta punição dessas condutas de intimidação sistemática.
Portanto a redação do recente do caput do artigo 146-A do Código Penal mostra-se problemática, além de conter trechos redundantes que podem prejudicar e causar impedimento quanto à sua aplicação no caso concreto.
5 CONSIDERAÇŌES FINAIS
O bullying é um problema sério que afeta crianças e jovens em todos os lugares. Não é apenas moralmente errado, mas também é ilegal. É importante que jovens, pais e educadores entendam as consequências legais do bullying e o que pode ser feito se alguém for vítima.
Em muitos países, incluindo o Brasil, o bullying pode ser considerado uma ofensa criminal. Aqueles que se envolvem nesse comportamento podem enfrentar acusações de agressão, assédio ou cyberbullying. Dependendo da gravidade do comportamento, um indivíduo pode estar sujeito a multas, prisão e antecedentes criminais. Aqueles que testemunharem bullying e não o denunciarem também podem enfrentar acusações.
É importante que as vítimas entendam que elas têm opções legais. Em muitos casos, eles podem buscar ordens de proteção, ordens de restrição e até mesmo entrar com ações civis contra aqueles que os intimidaram. Vítimas de cyberbullying também podem ter a opção de denunciar o comportamento às autoridades.
Assim, prevenir o bullying é fundamental para evitar consequências legais. Pais, educadores e jovens têm um papel a desempenhar na prevenção do bullying. Os pais devem conversar com seus filhos sobre a importância do comportamento respeitoso e incentivá-los a denunciar o bullying se o testemunharem.
Os professores devem ter políticas claras em vigor para lidar com a prática e devem educar os alunos sobre a importância da bondade e da empatia. Os jovens, portanto, devem ser encorajados a falar contra o bullying e apoiar seus colegas que possam estar passando por isso.
O bullying não é apenas uma questão moral, também é legal. É importante que todos entendam as consequências legais do ato e o que pode ser feito para evitá-lo. Trabalhando juntos para criar uma cultura de bondade e respeito, será possível garantir que todas as crianças e jovens possam prosperar em um ambiente seguro e saudável.
Questões que envolvem a proteção de crianças e adolescentes, assim como incidentes de violência no ambiente escolar, requerem, sem dúvida, atenção especial. Nesse contexto, o legislador foi assertivo ao fortalecer aspectos inerentes às políticas de proteção e prevenção à violência contra crianças e adolescentes.
No entanto, na esfera criminal, o legislador trouxe situações problemáticas e incertas, incluindo a criação de um tipo penal com evidente atecnia, dando margem a ambiguidades, ficando a critério do julgador a interpretação com base em um tipo penal com atecnia legislativa, que pode culminar com a dificuldade de aplicação na prática do tipo penal em relação a conduta praticada, resultando na letra morta da lei.
REFERÊNCIAS
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[1] Graduanda do Curso de Direito do Centro Universitário Fametro. E-mail: vanrochamalveira@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0009-0005-7016-534X