REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202411141749
Márcia Cristina Freitas Nascimento1
RESUMO
O estupro é, sem dúvida, um crime que provoca um impacto profundo na vida de muitas pessoas, especialmente quando se trata do estupro de vulneráveis, que é considerado ainda mais grave. Este tipo de crime é dirigido a menores de 14 anos ou a indivíduos com deficiências, que não têm a capacidade de consentir de forma consciente ao ato sexual. Essa condição de vulnerabilidade torna ainda mais complexa a questão da prova, pois frequentemente as situações de abuso ocorrem sem testemunhas e em ambientes privados, dificultando a coleta de evidências materiais. Diante desse cenário, muitas condenações acabam se baseando predominantemente na palavra da vítima. Embora a palavra da vítima vulnerável possa ser considerada uma forma de prova, sua credibilidade pode ser questionada, e isso levanta preocupações sobre a possibilidade de condenações injustas. O risco de erros judiciais é elevado, especialmente em um contexto onde a pressão social e a gravidade do crime podem influenciar decisões. O objetivo da monografia mencionada é analisar a evolução do crime de estupro ao longo da história, assim como discutir o crime de estupro de vulnerável e os desafios associados à condenação que se apoia apenas no testemunho da vítima. A pesquisa qualitativa, embasada em métodos dedutivos e em procedimentos técnicos bibliográficos e documentais, fez uma revisão crítica sobre a questão. Os achados indicam que, embora a palavra da vítima tenha um valor probatório significativo, ela pode estar sujeita a interpretações e circunstâncias que podem comprometer sua veracidade. As investigações, mesmo realizadas com rigor, podem resultar em condenações indevidas, que não apenas afetam a vida dos inocentes, mas também podem deixar marcas permanentes na vida de todos os envolvidos, incluindo as próprias vítimas. Portanto, é essencial que o sistema judiciário busque um equilíbrio entre a proteção das vítimas e a garantia dos direitos dos acusados, adotando métodos que reduzam o risco de erros e promovam uma justiça mais equitativa. A implementação de protocolos rigorosos de investigação e a consideração de múltiplas fontes de evidência são passos importantes para evitar condenações baseadas exclusivamente na palavra da vítima, assegurando que a justiça seja feita de maneira justa e eficaz.
Palavras-chave: Estupro. Vulnerável. Vulnerabilidade. Palavra da vítima. Condenação.
ABSTRACT
Rape is undoubtedly a crime that has a profound impact on the lives of many people, especially when it comes to rape of vulnerable people, which is considered even more serious. This type of crime is aimed at minors under the age of 14 or individuals with disabilities who do not have the capacity to consciously consent to sexual acts. This condition of vulnerability makes the issue of evidence even more complex, as situations of abuse often occur without witnesses and in private settings, making it difficult to collect material evidence. Given this scenario, many convictions end up being based predominantly on the victim’s word. Although the word of the vulnerable victim can be considered a form of evidence, its credibility can be questioned, and this raises concerns about the possibility of unfair convictions. The risk of miscarriages of justice is high, especially in a context where social pressure and the seriousness of the crime can influence decisions. The objective of the aforementioned monograph is to analyze the evolution of the crime of rape throughout history, as well as to discuss the crime of rape of vulnerable people and the challenges associated with convictions based solely on the victim’s testimony. The qualitative research, based on deductive methods and bibliographic and documentary technical procedures, carried out a critical review of the issue. The findings indicate that, although the victim’s word has significant evidentiary value, it can be subject to interpretations and circumstances that can compromise its veracity. Investigations, even when carried out rigorously, can result in wrongful convictions, which not only affect the lives of innocent people, but can also leave permanent scars on the lives of everyone involved, including the victims themselves. Therefore, it is essential that the justice system seeks a balance between protecting victims and guaranteeing the rights of the accused, adopting methods that reduce the risk of errors and promote more equitable justice. Implementing rigorous investigation protocols and considering multiple sources of evidence are important steps to avoid convictions based solely on the victim’s word, ensuring that justice is served fairly and effectively.
Keywords: Rape. Vulnerable. Vulnerability. Victim’s word. Conviction.
1 INTRODUÇÃO
A implementação da Lei Federal nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, trouxe alterações significativas no tratamento legal dos crimes sexuais, refletindo a necessidade de adaptação às mudanças sociais e à proteção de grupos vulneráveis. A inclusão do estupro no rol dos crimes hediondos é uma das mudanças mais notáveis, evidenciando a gravidade desse delito. Uma das alterações mais impactantes foi a substituição do conceito de “presunção de violência” pelo conceito de “estupro de vulnerável”, que foi formalizado com a modificação do artigo 224 para o artigo 217-A do Código Penal. O conceito de vulnerabilidade foi ampliado para incluir não apenas menores de 14 anos, mas também pessoas com deficiências mentais que não possuem discernimento suficiente, além de indivíduos que, por qualquer outra razão, não conseguem oferecer resistência ao ato sexual. Neste contexto, a palavra da vítima torna-se uma prova central no processo penal, especialmente em crimes que, muitas vezes, ocorrem em segredo e sem testemunhas. No entanto, é importante reconhecer que as declarações de vítimas vulneráveis podem ser influenciadas por diversos fatores, como problemas psíquicos, imaturidade ou até coerção externa.
O modo como o depoimento é colhido, o ambiente do interrogatório e a natureza sugestiva das perguntas podem levar à criação de falsas memórias. Essas inconsistências podem dificultar a capacidade da vítima de relatar com precisão os eventos, mesmo que essa não seja sua intenção. Diante disso, a questão levantada sobre a possibilidade de uma condenação por estupro de vulnerável ser baseada apenas na palavra da vítima é extremamente relevante.
A complexidade dessas condenações reside no fato de que os vulneráveis têm uma capacidade intelectual reduzida, o que pode afetar a precisão de seus relatos. Sendo assim, condenações baseadas exclusivamente no testemunho da vítima demandam um rigoroso exame da qualidade das provas apresentadas. É fundamental que os profissionais envolvidos na investigação e no julgamento tenham competência para lidar com a fragilidade dessas provas, garantindo que elas atendam a um padrão mínimo de qualidade. No entanto, em casos em que haja dúvidas, por menores que sejam, sobre a veracidade do testemunho da vítima, deve prevalecer o princípio da presunção de inocência. Este princípio é um pilar do direito penal que protege os acusados de condenações injustas, assegurando que ninguém seja considerado culpado até que se prove o contrário. Portanto, a análise cuidadosa dos relatos de vítimas vulneráveis, somada à busca por evidências complementares, é essencial para a justiça de um processo penal que envolve crimes sexuais.
2. UM ESTUDO DA VALORAÇÃO DA PALAVRA DA VÍTIMA E O RISCO DE CONDENAÇÃO DO CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL.
O estupro de vulnerável ocorre quando há a conjunção carnal ou ato libidinoso, sendo a vítima menor de 14 anos. Ocorre também contra pessoa que tenha enfermidade ou deficiência mental, que não tenha discernimento, e não oferece resistência, tipificada no artigo 217- do CP.O crime em questão é absoluto quando se trata de menor de 14 (quatorze) anos, nesse caso, o consentimento da vítima é irrelevante, basta que seja menor de 14 anos para incorrer na conduta delitiva. Diante da conduta praticada contra enfermo ou deficiente mental é necessário que se comprove a falta de discernimento, sendo então relativa. Porém, é importante ressaltar que alguns tribunais proferem sentenças fundadas somente na palavra da vítima, que em alguns casos, por ter passado por um grande transtorno, acaba não reconhecendo o próprio agressor, acusando outra pessoa, assim interferindo diretamente na vida do suposto autor, que posteriormente, verifica-se que é o verdadeiro culpado pelo delito
2.1 Valoração da palavra da vítima
A palavra da vítima, em geral, possui valor probatório relativo e deve ser considerada com cautela. No entanto, em casos de crimes sexuais, essa palavra adquire relevância significativa, uma vez que tais delitos frequentemente ocorrem em circunstâncias ocultas e, por vezes, carecem de evidências materiais.
Quando a declaração da vítima é apresentada com convicção e coerência, seu testemunho pode ser suficiente para fundamentar uma condenação. Ao avaliar a prova testemunhal, o juiz deve considerar dois aspectos distintos:
- a coerência e fundamentação do depoimento e
- a credibilidade do depoente.
A coerência e fundamentação devem ser analisadas em conjunto com outros elementos probatórios presentes no processo, garantindo que o testemunho da vítima esteja alinhado com as demais evidências. A credibilidade da palavra da vítima pode ser comprometida em determinadas circunstâncias, especialmente quando o agressor é uma pessoa conhecida, como um vizinho ou alguém com quem a vítima tem um relacionamento. Essa dinâmica pode levar a situações em que a vítima se sente intimidada e opta por não denunciar o crime. É crucial que a vítima colabore durante o processo, mas é importante também notar que, devido à força probatória das alegações, algumas pessoas podem abusar dessa situação, acusando inocentes sem que o crime tenha realmente ocorrido. Um exemplo comum é quando filhos, descontentes com o novo relacionamento da mãe, acusam o parceiro dela de abuso.
Em casos envolvendo vítimas vulneráveis, há um risco elevado de manipulação, levando-as a relatar informações que não correspondem à realidade, muitas vezes sem plena compreensão das implicações do que estão dizendo, resultando em testemunhos falsos (Mangnani; Joaquim, 2013, p. 298)
As vítimas, por terem suas intimidades violadas, podem apresentar emoções instáveis, experienciando raiva, medo ou confusão, o que pode culminar em contradições nos seus relatos. Em algumas situações, as provas obtidas podem se mostrar insuficientes para a condenação do réu. Portanto, o foco deve ser menos sobre as falhas na palavra da vítima e mais sobre a possibilidade de não se conseguir colher seu testemunho, seja por ela optar pelo silêncio para evitar reviver a dor, seja por se tratar de crianças ou pessoas com deficiências mentais, ou uma combinação de ambos.
De acordo com os estudos de Amazarray e Koller (1998), embora as crianças reagem de maneiras variadas ao abuso, é um fato que sofrerão algum dano emocional, que pode manifestar-se de forma mais evidente com o tempo ou, em alguns casos, nunca se manifestar, dependendo de sua estrutura emocional, apoio familiar e assistência profissional.
O sistema judiciário frequentemente enfrenta impasses ao basear suas decisões apenas em fatos subjetivos, o que aumenta a probabilidade de não se chegar a uma conclusão precisa sobre os eventos ocorridos. Assim, a aceitação isolada da palavra da vítima pode ser tão arriscada quanto uma confissão do réu, dado o alto padrão de certeza requerido para uma condenação (NUCCI, 2010, p. 915). Em casos de dúvida, a absolvição do réu é a escolha adotada.
Observa-se que, após a análise, em algumas situações, as provas orais podem ser vistas como o único meio de prova necessário para sustentar uma condenação. Sob outra perspectiva, a prova psicológica surge como uma solução eficaz em casos de estupro de vulnerável. Embora a prova psicológica não ofereça uma verdade absoluta, ela serve como uma diretriz para o judiciário, e sua análise, em conjunto com outros elementos probatórios, pode proporcionar uma compreensão mais próxima da realidade. Ademais, é crucial que o intervalo entre a ocorrência do fato e o início da investigação não seja excessivamente longo, pois tanto a vítima quanto as testemunhas podem esquecer detalhes essenciais para a condenação do agressor
2.2 OS RISCOS DA CONDENAÇÃO BASEADA EXCLUSIVAMENTE NA PALAVRA DA VÍTIMA
No direito penal brasileiro, uma condenação baseada unicamente na palavra da vítima pode acarretar riscos significativos. Há muitos casos em que pessoas inocentes são condenadas por crimes sexuais, o que se deve à vulnerabilidade das vítimas, que podem ser manipuláveis, tanto por terceiros quanto pelas circunstâncias, resultando em relatos que não refletem a verdade.
Conforme aponta Aphonso Vinicius Garbin (2016), uma condenação injusta pode ter consequências devastadoras. Os efeitos sobre os inocentes podem ser irreparáveis, já que tal condenação não apenas destrói suas vidas, mas também os expõe a violências dentro do sistema carcerário, além de manchar sua reputação perante a sociedade e suas próprias famílias.
Zélia Maria de Melo (2005, p. 3) discorre sobre o impacto do estigma social no suposto condenado:
Afirmando que a sociedade restringe a capacidade de ação do indivíduo marcado, rotulando-o como desacreditado e determinando os efeitos prejudiciais que esse estigma pode acarretar.
Quanto mais evidente for a marca do crime, menores serão as chances de o indivíduo reverter a imagem que a sociedade formou sobre ele.
É essencial considerar diversos aspectos ao utilizar exclusivamente a palavra da vítima em processos desse tipo. Um desses aspectos é a imaturidade psíquica, que pode levar vítimas vulneráveis a fantasiar sobre os eventos relacionados ao crime, especialmente após experiências emocionais intensas. A vítima pode sentir-se pressionada a agradar a autoridade que a interroga, resultando em respostas que não correspondem à realidade. Aury Lopes Júnior (2019) sugere que memórias podem ser criadas em situações de estupro, principalmente quando a vítima é exposta a notícias ou relatos sobre o evento ao qual foi submetida.
2.3 Princípio da Presunção de Inocência
No sistema jurídico brasileiro, o princípio da presunção de inocência está consagrado na Constituição Federal, especificamente no artigo 5º, inciso LVII, que afirma:
“Art. 5º (…) LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”
Esse princípio, no entanto, já era mencionado antes da promulgação da Constituição e das leis atuais, como evidenciado pelo direito canônico, que, segundo Mirabete (1996), demonstrava a influência do cristianismo na legislação penal da época, com a Igreja buscando garantir seus interesses religiosos. A presunção de inocência ganhou forma mais robusta após a elaboração da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que, em seu artigo 9º, estabeleceu um duplo significado para esse princípio, conforme Renato Brasileiro de Lima (2012). Esse duplo significado se divide em regra de tratamento e regra processual: a primeira assegura que o acusado deve ser tratado como inocente durante todo o processo, enquanto a segunda estipula que o acusado não precisa provar sua inocência, pois esta é presumida; a carga da prova recai sobre o acusador.
Em 1948, a Organização das Nações Unidas (ONU) adotou a Declaração dos Direitos do Homem, que em seu artigo 11 reafirma que o acusado deve ser considerado inocente até que sua culpa seja comprovada em um tribunal legal, garantindo-lhe o direito à defesa (ONU, 1948).
Essa ideia foi incorporada por vários países em suas legislações, assegurando a presunção de inocência. Após essa evolução, o princípio da presunção de inocência foi formalmente incluído na Constituição Federal brasileira de 1988, que consagra valores centrais como liberdade, igualdade e dignidade humana. Fernando da Costa Tourinho Filho (2008) observa que, antes do reconhecimento do princípio na Constituição, o sistema judiciário não seguia de forma coesa a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, mesmo após sua aprovação pela ONU. Contudo, uma vez que o princípio foi incorporado à Constituição, passou a ser rigidamente aplicado pelos magistrados.
3. A PALAVRA DA VÍTIMA COMO MEIO DE PROVA NO CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL
A palavra da vítima, em geral, tem valor probatório relativo (juris tantum) e deve ser aceita com cautela. No entanto, nos casos de crimes sexuais, essa palavra se torna de extrema importância, uma vez que esses delitos normalmente ocorrem em segredo e frequentemente não deixam vestígios. Vitor Eduardo Rios Gonçalves (2013, p. 543) ressalta que:
É possível condenar um estuprador com base apenas na palavra e no reconhecimento da vítima, desde que não existam razões concretas que coloquem em dúvida seu depoimento. Há uma presunção de veracidade, embora relativa. Quando a palavra da vítima é apresentada com convicção e coerência, seu testemunho pode ser suficiente para a condenação.
Ao examinar a prova testemunhal, o juiz deve atentar para dois aspectos:
a) a coerência e fundamentação do depoimento; e b) a credibilidade do autor do testemunho. A coerência e fundamentação devem ser analisadas em conjunto com outros elementos probatórios do processo, assegurando que o testemunho da vítima esteja alinhado com as demais evidências.
Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) afirma;
Que a configuração do crime de estupro não depende da realização de exame de corpo de delito, sendo suficiente a manifestação clara e segura da vítima, desde que corroborada por outros elementos probatórios presentes na ação penal (BRASIL, 1999).
A credibilidade da palavra da vítima pode ser impactada por circunstâncias em que o agressor e uma pessoa conhecida, como um vizinho ou uma pessoa com quem a vítima tem um vínculo. Essas situações podem levar a vítima a se silenciar e a não denunciar o crime por medo. O apoio da vítima é essencial no processo, mas é importante reconhecer que a força probatória de suas alegações pode ser manipulada por pessoas de má-fé, que podem acusar inocentes sem que o crime tenha realmente ocorrido. Um exemplo disso é quando filhos, insatisfeitos com o novo relacionamento da mãe, acusam o parceiro dela de abuso.
Em casos envolvendo vítimas vulneráveis, há uma maior susceptibilidade à manipulação, levando-as a afirmar o que terceiros lhes dizem, mesmo que não compreendam plenamente a situação ou suas consequências, resultando em falsos testemunhos (MANGNANI; JOAQUIM,2013, p. 298).
A intimidade violada e as emoções instáveis da vítima, como ira, medo e confusão, podem resultar em contradições em seus depoimentos, tornando as provas insuficientes para a condenação do réu.
A jurisprudência também reflete essa dinâmica. Em um acórdão, foi observada a presença de contradições nas declarações da vítima, e o conjunto probatório foi considerado insuficiente para a condenação (BRASIL, 2010).
Nesse sentido, o foco não deve ser apenas nas falhas da palavra da vítima, mas também na impossibilidade de se colher seu testemunho, seja por ela optar pelo silêncio para evitar reviver a dor, seja por se tratar de uma criança ou de uma pessoa com deficiência mental, ou ambas as condições.
Luíza Nagib Eluf (1999, p. 20) destaca:
Que o descrédito da vítima é acentuado em delitos sexuais. Enquanto, em casos de roubo, a veracidade do relato da vítima é raramente questionada, o mesmo não ocorre nos crimes sexuais, em que as mulheres são frequentemente ouvidas com desconfiança.
Amazarray e Koller (1998) observam que cada criança reage de maneira diferente ao abuso, mas é certo que haverá algum dano emocional, que pode manifestar-se de forma mais evidente com o tempo ou, em alguns casos, permanecer latente, dependendo da estrutura emocional da criança, do apoio familiar e da assistência profissional recebida.
O judiciário pode encontrar impasses ao basear suas decisões apenas em fatos subjetivos, aumentando a probabilidade de não se chegar a uma conclusão precisa sobre o que realmente ocorreu. Assim, a aceitação isolada da palavra da vítima pode ser tão arriscada quanto uma confissão do réu, pois a certeza exigida para a condenação é essencial (NUCCI, 2010, p. 915).
Em casos de dúvida, a absolvição do réu deve prevalecer.
A validade da palavra da vítima como meio probatório em crimes de estupro é corroborada pela 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná .
Que reconhece que as declarações da ofendida têm valor probatório, especialmente quando apoiadas por outros elementos evidenciais (BRASIL, 2008).
Diante do exposto, é possível observar que, em determinados casos, as provas orais, após análise cuidadosa, podem ser consideradas suficientes para fundamentar uma condenação. Sob outra perspectiva, a prova psicológica se mostra uma solução eficaz em casos de estupro de vulnerável. Embora a prova psicológica não ofereça uma verdade absoluta, ela serve como uma orientação ao judiciário, e sua análise, em conjunto com outras provas, pode fornecer uma compreensão mais próxima da realidade. É crucial que o intervalo entre a ocorrência do fato e o início da investigação não seja excessivo, pois a vítima ou testemunhas podem esquecer detalhes essenciais para a condenação do agressor. O delegado Eduardo Herrera dos Santos (2012, p. 02) enfatiza que a rápida descoberta dos delitos contra a dignidade sexual é fundamental, uma vez que a volatilidade das provas pode comprometer a viabilidade da condenação. Com o aumento da confiança nas instituições policiais, o número de denúncias tem crescido, refletindo uma relação proporcional entre a conscientização da comunidade e a responsabilização dos agressores. Essa mudança não apenas intimida os criminosos, mas também encoraja as vítimas a denunciarem, contribuindo para o aumento das queixas formais.
3.1 Sujeito ativo
O estupro de vulnerável é um crime comum que pode ser perpetrado por qualquer pessoa, independentemente do gênero do autor. Assim, tanto homens quanto mulheres podem figurar como sujeitos ativos do delito, e a vítima também pode ser de qualquer sexo. Historicamente, apenas os homens eram considerados sujeitos ativos do crime de estupro, caracterizando-se como um crime próprio que exigia uma condição específica do agente. A mulher era reconhecida como sujeito ativo somente se atuasse como autora do crime ou em conjunto com um homem, conforme disposto no artigo 29 do Código Penal. Com a promulgação da Lei 12.015/09, essa situação mudou, permitindo que tanto homens quanto mulheres sejam considerados sujeitos ativos ou passivos no crime de estupro.
3.2 Sujeito passivo
Para que uma pessoa figure como sujeito passivo no estupro de vulnerável, deve haver a condição de vulnerabilidade. De acordo com o artigo 217-A do Código Penal, o polo passivo é composto por vulneráveis, que incluem menores de 14 anos, pessoas com enfermidades ou deficiências mentais que não possuem discernimento suficiente para a prática do ato, ou aqueles que, por qualquer outra razão, não conseguem oferecer resistência.
A vulnerabilidade do sujeito passivo está diretamente relacionada à incapacidade psicológica de compreender a natureza lasciva do ato sexual, bem como à ausência de condições mínimas para demonstrar consentimento em uma relação sexual. Se a vítima não se enquadrar em uma das condições específicas de vulnerabilidade, o ato não será classificado como estupro de vulnerável, mas sim como estupro simples, conforme estipulado no artigo 213 do Código Penal.
3.3 Quando a vítima for menor de 14 anos
A primeira condição de vulnerabilidade no contexto do estupro de vulnerável está prevista no caput do artigo 217-A do Código Penal, que adota um critério puramente objetivo e biológico. O contato sexual é considerado criminoso quando o sujeito passivo tem menos de 14 anos , independentemente de haver consentimento da vítima, de seu grau de maturidade emocional ou psicológica, de seu desenvolvimento físico ou de uma eventual relação afetiva com o autor do ato.
A expressão “menor de 14 anos” abrange a faixa etária que vai do nascimento até a véspera do aniversário de 14 anos. Assim, a partir do momento em que a pessoa completa 14 anos, ela não se enquadra mais na definição de menor de 14 anos e, portanto, fica fora do alcance da norma penal que tipifica o crime de estupro de vulnerável.
Segundo Nucci (2010, p. 365), não há um parâmetro específico que justifique a escolha dessa faixa etária; trata-se apenas de uma idade estabelecida pelo legislador para marcar a divisão entre os menores que carecem de discernimento e são reconhecidos como vulneráveis, e aqueles que podem vivenciar práticas sexuais sem impedimentos.
O entendimento predominante é que cabe ao guardião da Constituição proteger os princípios fundamentais, especialmente o da dignidade sexual da vítima. A idade limite imposta pelo Estado visa proteger indivíduos que ainda não possuem a capacidade de entender as implicações de seus atos. A escolha dessa idade baseia-se na premissa de que muitas pessoas não estão prontas para iniciar suas vidas sexuais, pois ainda não desenvolveram uma noção consolidada de identidade própria, sendo, portanto, consideradas imaturas. As atividades sexuais praticadas por menores de 14 anos podem ser prejudiciais ao seu desenvolvimento sexual, psicológico e emocional. A Constituição Federal, em seu artigo 227, § 4º, estabelece:
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.”
Dessa forma, a Constituição é clara ao repudiar atos sexuais cometidos contra crianças e adolescentes. Em 1990, foi sancionado o Estatuto da Criança e do
Adolescente, legislação voltada para a proteção dos direitos desses indivíduos, embora a criminalização de tais condutas também esteja presente no Código Penal de 1940.
Nos casos em que o agente, devido a uma falsa percepção da realidade, acredita genuinamente que a vítima possui mais de 14 anos e mantém relações sexuais com ela, pode ocorrer o erro de tipo, conforme disposto no artigo 20 do Código Penal.
Em situações excepcionais, é possível considerar a relativização da vulnerabilidade sexual de menores de 14 anos. Isso pode ocorrer, por exemplo, quando:
As relações sexuais entre autor e vítima decorrem de um relacionamento familiar ou conjugal, caracterizado por afetividade e estabilidade. O afeto familiar e o desejo de constituir uma família, que pode se manifestar em um casamento judicialmente autorizado ou em uma união estável, possuem amparo no artigo 226 da Constituição Federal. Nessas situações, não será a relação familiar ou conjugal posterior que eliminará a tipicidade penal, mas sim a existência de uma relação familiar-conjugal já estabelecida no momento da prática do ato sexual (COUTO, 2015, p.03).
A relativização também pode ocorrer em relacionamentos entre jovens namorados que, apesar de uma diferença de idade, mantêm um relacionamento amoroso por um período significativo. Se, ao completar 18 anos, um jovem continua a manter relações sexuais com uma namorada menor de 14 anos, a aplicação penal pode ser considerada inadequada, tendo em vista a maturidade do relacionamento.
3.4 Quando a vítima é enferma mental
O parágrafo primeiro do artigo 217-A do Código Penal brasileiro considera como vulnerável a pessoa que, em razão de enfermidade ou deficiência mental, não possui o discernimento necessário para a prática do ato sexual.
Greco (2011, p. 531) explica que:
“Enfermidade” é sinônimo de doença, moléstia, afecção ou qualquer condição que comprometa o funcionamento normal de um órgão, resultando em um estado mórbido. A enfermidade mental, portanto, abrange qualquer doença que afete o funcionamento adequado do aparelho mental, incluindo neuroses, psicopatia e demências. Por outro lado, “deficiência” refere-se à insuficiência ou debilidade, e a deficiência mental diz respeito ao atraso no desenvolvimento psíquico.
Os termos debilidade e alienação mental são amplos e não se restringem apenas à loucura; incluem diversas condições patológicas. Alienação, nesse contexto, é uma denominação geral para as enfermidades mentais, englobando perturbações mentais, falta de consciência, inadaptabilidade e ausência de funcionalidade. Indivíduos com enfermidades ou atrasos no desenvolvimento mental podem não ter a capacidade de compreender o significado dos atos sexuais e, portanto, não conseguem consentir adequadamente. O critério utilizado para definir a enfermidade mental é o biopsicológico, o que implica que não basta a simples comprovação de uma doença mental; é necessário que uma perícia psiquiátrica comprove que, no momento do ato sexual, a vítima não possuía a capacidade de julgamento necessária para entender e decidir sobre a prática.
Assim, a condição psíquica da vítima deve se assemelhar à inimputabilidade, eliminando completamente sua capacidade de compreensão ética e jurídica ou de autodeterminação, evidenciando a incapacidade de avaliar o ato que lesa sua liberdade sexual. Além disso, é importante ressaltar que não é necessário que a enfermidade seja comprovada apenas em relação à vítima, mas também deve ser demonstrado que o agente tinha conhecimento da incapacidade da vítima. A definição de estupro de vulnerável, nesta circunstância, pressupõe que o agente se aproveitou da incapacidade da vítima. Caso contrário a falta de conhecimento do agente caracteriza erro de tipo, excluindo o dolo e, consequentemente, a configuração do crime. Por fim, é fundamental observar que não se deve impedir que pessoas com enfermidades ou deficiências mentais tenham uma vida sexual saudável. No entanto, é vedado por lei manter relações sexuais com indivíduos que não possuem discernimento suficiente para consentir, configurando assim a prática de atos sexuais com uma pessoa vulnerável.
3.5 Consumação e tentativa
O estupro é classificado como um crime material, cuja consumação depende da produção de um resultado específico. Assim, a tentativa de estupro é viável quando o agente, após iniciar a ação, não consegue atingir o resultado almejado.
Para que o crime se consuma, não é necessário que ocorra a introdução completa do órgão genital masculino na vagina da vítima ou em outras práticas relacionadas ao delito. A simples introdução parcial já é suficiente para a consumação, sendo desnecessária a ejaculação ou o rompimento do hímen, caso a vítima seja virgem.
José Henrique Pierangeli (2007, p. 470) esclarece que:
o crime de estupro consuma-se com a introdução completa ou incompleta do pênis na vagina (imissio pênis in vaginam), sendo dispensável o orgasmo ou a ejaculação, ou seja, a imissio seminis. Se a vítima for virgem, o defloramento também é dispensável.
A consumação do crime pode ocorrer, ainda, em situações que envolvem atos libidinosos, como quando a vítima é constrangida a praticar toques lascivos em si mesma, no agente ou em terceiros, os quais precedem a conjunção carnal.
A tentativa de estupro é admissível devido ao caráter plurissubsistente do crime, que permite a realização de diferentes atos dentro de uma única conduta, possibilitando o fracionamento do iter criminis. No entanto, ao se analisar a tentativa de estupro, é crucial distinguir as nuances que a cercam. Isso se refere ao cenário em que o agente busca a conjunção carnal, mas não consegue obter o resultado por circunstâncias alheias à sua vontade.
Tal situação ocorre quando o agente, após iniciar a execução do crime por meio de constrangimento da vítima, utilizando violência ou grave ameaça, tem sua ação interrompida sem alcançar o resultado desejado, independentemente de ter realizado ou não qualquer tipo de contato íntimo. Essa distinção é fundamental para a correta tipificação da conduta e a aplicação das disposições legais pertinentes
3.6 Conjunção Carnal é ato Libidinoso
O estupro é considerado um crime polinuclear, caracterizado por dois núcleos: a conjunção carnal e a prática de atos libidinosos. Antes da promulgação da Lei 12.015/09, a situação em que o agente constrangia a vítima tanto à conjunção carnal quanto a um ato libidinoso distinto era tipificada como dois crimes: o de estupro e o de atentado violento ao pudor. Com a nova legislação, esses crimes foram unificados, de modo que agora apenas o crime de estupro é reconhecido nessas circunstâncias.
Paulo Andrade Trindade (2011, p. 2) explica que:
…ter conjunção carnal normal não é crime; o delito estará caracterizado quando alguém, mediante o emprego de violência ou grave ameaça, obrigar a vítima a ter conjunção carnal ou praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso.” Isso implica que tanto homens quanto mulheres podem ser sujeitos ativos ou passivos no ato sexual. Alguns juristas interpretam a conjunção carnal como uma espécie de ato libidinoso, mas com limitações específicas. O termo “conjunção carnal” refere-se à cópula entre o órgão sexual masculino e o feminino, independentemente de ser parcial ou se ocorrer ejaculação, caracterizando-se, assim, como uma relação exclusivamente heterossexual.
Na definição legal do estupro, temos o gênero (atos libidinosos) e uma de suas espécies (conjunção carnal). A lei considera que a conjunção carnal forçada possui o mesmo valor negativo que qualquer outro ato libidinoso (JESUS, 2009, p. 3).
Dentro desse contexto, os atos libidinosos abrangem uma variedade de ações que se enquadram na definição. Até mesmo um beijo inapropriado e hostil pode ser classificado como um ato libidinoso. Os atos libidinosos são todas as ações realizadas por uma ou mais pessoas que possuem uma conotação sexual. Diferentemente da conjunção carnal, um ato libidinoso pode ser análogo à cópula vaginal, ou seja, destinado a proporcionar prazer sexual e satisfazer a lascívia, incluindo práticas como sexo oral, sexo anal, masturbação e toques íntimos. Nesse sentido, qualquer pessoa pode ser tanto sujeito ativo quanto passivo, independentemente de ser homem ou mulher.
Julio Fabrini Mirabete (1989, p. 409) esclarece que esses atos são:
Lascivos, voluptuosos e dissolutos, destinados ao desafogo da concupiscência.” Alguns atos são equivalentes ou sucedâneos da conjunção carnal (como coito anal, coito oral, coito interfemoral, cunnilingus e heteromasturbação), enquanto outros, embora não sejam equivalentes, contrastam significativamente com a moralidade sexual, tendo como objetivo a satisfação da libido e a lascívia.
4. A PALAVRA DA VÍTIMA E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem se posicionado de maneira clara em relação à vulnerabilidade absoluta em casos de estupro de vulnerável, especialmente quando a vítima é menor de quatorze anos. A interpretação adotada é de que a presunção de violência é absoluta, conforme explicitado em decisões do STF.
No julgamento do HC 130297 AgR, a relatora Ministra Rosa Weber destacou que a mera revalidação dos elementos de prova não implica reexame do acervo fático, e que a jurisprudência do STF reconhece a presunção de violência em casos de estupro contra menores de 14 anos, independentemente da época em que o crime foi cometido, seja antes ou depois da vigência da Lei 12.015/2009.
Essa interpretação reforça que, para a configuração do crime de estupro de vulnerável, basta que a ação seja praticada contra uma vítima nessa faixa etária. Não é permitido que o agente se beneficie de princípios constitucionais que poderiam questionar a presunção de vulnerabilidade, nem é aceito que ele produza provas que contradigam a vulnerabilidade absoluta da vítima.
A Terceira Seção do STJ, através da Súmula 593, também consolidou o entendimento de que o crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou a prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante o eventual consentimento da vítima, sua experiência sexual anterior ou a existência de um relacionamento amoroso com o agente (REsp1.480.881/PI).
“O crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente.” (REsp 1.480.881/PI, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe 10/9/2015)
Esse entendimento é fundamental porque elimina a necessidade de se apurar a capacidade de consentir da vítima em casos de estupro de vulnerável, não deixando espaço para discussão sobre a vulnerabilidade quando a lei é clara e direta: é proibida qualquer relação sexual com menores de quatorze anos. A redação da lei é explícita e não admite interpretações que possam permitir a prática de atos sexuais com essa faixa etária, reforçando a proteção legal destinada a crianças e adolescentes.
4.1 A palavra da vítima tem especial relevância
Nos crimes sexuais, que frequentemente ocorrem de forma oculta e sem testemunhas, as declarações da vítima têm um valor probatório significativo, especialmente quando são coerentes com outras evidências apresentadas no processo. A jurisprudência dos tribunais superiores, incluindo o Superior Tribunal de Justiça (STJ), reforça a ideia de que a palavra da vítima deve ser considerada com especial atenção e valor probatório.
Essa valorização se justifica pelo fato de que os crimes sexuais, em sua maioria, são perpetrados em circunstâncias que dificultam a coleta de provas materiais ou a presença de testemunhas.
Portanto, quando o relato da vítima é coerente e verossímil, ele se torna um elemento central na apuração dos fatos e na formação do convencimento do juiz.
A coerência entre as declarações da vítima e os demais elementos probatórios é fundamental para a credibilidade do testemunho. Isso significa que, além da palavra da vítima, o juiz deve considerar como essas declarações se conectam a outras provas, como laudos periciais, depoimentos de testemunhas, e qualquer outra evidência que possa corroborar a narrativa apresentada.
A jurisprudência tem sido clara ao afirmar que, em crimes de natureza sexual, a palavra da vítima não deve ser desconsiderada simplesmente por não haver outras provas diretas do ato. O contexto em que esses crimes ocorrem exige uma análise cuidadosa e uma sensibilidade especial para garantir que a justiça seja feita, levando em conta a gravidade do delito e o impacto que ele causa na vida da vítima.
4.2 As provas ilícitas obtida pela polícia, mediante a acesso aos dados no aparelho celular
A proteção dos dados armazenados em dispositivos móveis, como celulares, é garantida pela Constituição Federal, especificamente no artigo 5º, inciso X, que assegura a inviolabilidade da intimidade e da vida privada do indivíduo. Isso significa que informações pessoais, incluindo mensagens SMS, comunicações via aplicativos de troca instantânea (como WhatsApp) e correio eletrônico, são consideradas invioláveis e não podem ser acessadas sem autorização. Para que haja um acesso legal a esses dados, é necessário que exista uma autorização judicial prévia. Esse requisito está em conformidade com as diretrizes estabelecidas pela Lei nº 9.472/97 e pela Lei nº 12.965/14, que tratam, respectivamente, da regulamentação dos serviços de telecomunicações e do Marco Civil da Internet.
Essas leis enfatizam a necessidade de proteção dos dados pessoais dos usuários, estabelecendo que a coleta, o acesso e a utilização das informações devem ser feitos de maneira legal e ética, respeitando os direitos fundamentais do indivíduo.
Assim, qualquer acesso não autorizado ou sem a devida autorização judicial é considerado uma violação dos direitos à privacidade e à intimidade, podendo ter consequências legais para quem realiza esse acesso indevido.
4.3 Cooperação e prática de atos virtuais.
No caso em questão, o Ministério Público imputou ao réu crimes relacionados ao abuso sexual de crianças e adolescentes, com base nos artigos 241-D, parágrafo único, inciso II, 240 e 241-B do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
1 **Artigo 241-D**: Este artigo tipifica como crime a conduta de assediar crianças ou adolescentes com o objetivo de praticar atos libidinosos ou de induzi-los a se exibirem de forma pornográfica ou sexualmente explícita. O Ministério Público, ao acusar o réu com base nesse artigo, destaca a intenção de manipular e explorar a vulnerabilidade da criança.
2 **Artigo 240**: Este artigo diz respeito à produção de cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo crianças e adolescentes. A acusação, nesse contexto, se baseou no fato de que o réu registrou a criança praticando atos libidinosos, resultando na criação de material pornográfico. A decisão de absolvição em primeira instância em relação a este crime pode indicar que o juiz considerou insuficientes as provas apresentadas ou que não ficou demonstrada a autoria ou a materialidade do delito.
3 **Artigo 241-B**: Este artigo tipifica como crime a posse de material pornográfico envolvendo crianças e adolescentes. A acusação se fundamentou na constatação, durante a execução de um mandado de busca e apreensão, de que o réu armazenava milhares de vídeos e fotografias contendo esse tipo de material. Essa conduta é severamente punida, dada a gravidade da exploração sexual de menores.
A absolvição em relação ao crime do artigo 240 do ECA pode suscitar debates sobre a interpretação das provas e a aplicação da legislação. Em casos envolvendo crimes sexuais contra crianças e adolescentes, é essencial que as decisões judiciais sejam fundamentadas em provas robustas, considerando a gravidade das acusações e a proteção dos direitos das vítimas. O processo envolve a análise cuidadosa das circunstâncias, assegurando que a justiça seja feita de maneira adequada e que a proteção das crianças e adolescentes seja uma prioridade.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Definição de Estupro de Vulnerável: Ocorre quando a vítima não tem discernimento para consentir, abrangendo pessoas com deficiência mental, aquelas em situações de diminuição da resistência e crianças menores de 14 anos.
Complexidade das Provas: Em casos de abuso sexual, especialmente com vítimas vulneráveis, é crucial considerar as provas cuidadosamente para garantir uma sentença justa.
Palavra da Vítima; A declaração da vítima é uma forma de prova, mas sua eficácia como único meio probatório é questionável devido a possíveis fantasias ou relatos distorcidos.
Desafios Judiciários: A palavra da vítima, sendo frequentemente a única evidência, apresenta desafios para o sistema judiciário, especialmente em crimes que podem ter demorado a ser denunciados.
Alterações Legislativas: Mudanças na legislação foram necessárias para acompanhar transformações culturais e sociais, mas a dificuldade em considerar a palavra da vítima como única prova persiste.
Consequências de Condenações Injustas: Inocentes podem perder liberdade, convívio familiar e enfrentar hostilidade no sistema prisional, o que destaca a importância de provas adicionais.
Princípio da Presunção de Inocência: Na falta de evidências adicionais, deve-se respeitar a presunção de inocência, considerando o acusado inocente em caso de dúvida.
Abordagem Abrangente nas Provas: Uma condenação justa em casos de estupro de vulnerável requer múltiplas evidências e uma análise cuidadosa das circunstâncias para respeitar os direitos de todos os envolvidos.
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1Graduanda do Curso de Direito do Centro Universitário Fametro.
E-mail: marciadamarcia@hotmail.com.ORCID: https://orcid.org/0009-0001-1544-5649