REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202411140952
Caroline Santos Lima;
Orientador(a): Paola Almeida de Araújo Góes.
RESUMO
A esporotricose em felinos é uma doença causada pelo fungo Sporothrix spp., sendo a Sporothrix brasiliensis a espécie mais comum associada a casos felinos. É uma micose subcutânea que afeta principalmente gatos, mas pode ocorrer em outros animais e por ser uma zoonose, acomete humanos. É causada pelo contato direto com o fungo presente no ambiente, geralmente através de ferimentos na pele. Os gatos são infectados ao entrarem em contato com o solo contaminado, espinhos ou arranhões de outros animais infectados. Os sintomas em gatos variam de lesões cutâneas ulcerativas a nódulos subcutâneos que podem ulcerar e drenar. As lesões geralmente ocorrem no nariz, orelhas, patas e cauda, mas podem se espalhar para outras partes do corpo.
Palavras-chave: fungo, felinos, zoonose.
ABSTRACT
Sporotrichosis in cats is a disease caused by the fungus Sporothrix spp., with Sporothrix brasiliensis being the most common species associated with feline cases. It is a subcutaneous mycosis that mainly affects cats, but it can occur in other animals and because it is a zoonosis, it also affects humans. It is caused by direct contact with the fungus present in the environment, usually through wounds in the skin. Cats become infected when they come into contact with contaminated soil, thorns or scratches from other infected animals. Symptoms in cats range from ulcerative skin lesions to subcutaneous nodules that can ulcerate and drain. Lesions usually occur on the nose, ears, paws and tail, but can spread to other parts of the body.
Keywords: fungus, felines, zoonosis.
1. INTRODUÇÃO
A esporotricose é uma micose causada por fungos dimórficos do género Sporothrix, especialmente pelas espécies clinicamente relevantes Sporothrix schenckii, Sporothrix brasiliensis e Sporothrix globosa. O S. brasiliensis, o mais virulento entre eles, está associado à transmissão de gatos para humanos por inoculação (arranhões ou mordidas) e é endémico na América do Sul (LIMA M.A., FREITAS D.F.S, 2022).
Descrita pela primeira vez por Benjamin Schenck em 1898 nos Estados Unidos, é uma zoonose causada por fungos do complexo Sporothrix schenckii, suas espécies apresentam como características o dimorfismo, sua prevalência ocorre em regiões de clima temperado e tropical úmido (LARSSON, 2011) e estão amplamente distribuídas na natureza colonizando plantas, árvores e solos associado com restos de vegetais (LOPES-BEZERRA et al. 2006; BRUM et al. 2007)
A esporotricose possui distribuição mundial, com predileção por zonas tropicais e subtropicais, é relatada na Europa, ainda que pouco frequententemente, na Ásia, Japão, Austrália e Américas. Na América Latina, é considerada a mais importante micose subcutânea (GREENE, 2020).
A doença é considerada uma zoonose, acometendo o ser humano e outros animais, como cães, equinos, camelos, suínos, bovinos e felinos domésticos, estes são considerados os principais transmissores da enfermidade (LORRET et al., 2013; WEESE; FULFORD, 2011). Eles são comumente encontrados em solo rico em material orgânico em decomposição, assim como em plantas, sem estabelecer qualquer relação simbiótica com elas. (ANDRADE et al., 2021).
As lesões mais comuns em cães e gatos são úlceras com nódulos cutâneos frequentes e envolvimento de mucosas, as partes do corpo dos gatos mais afetadas são cabeça, nariz, orelhas, a cauda e os membros posteriores (GREENE, 2015).
Os mecanismos exatos de patogenicidade desse microrganismo ainda não foram completamente compreendidos, no entanto, algumas características estruturais e fisiológicas são responsáveis pelo sucesso na propagação do fungo, incluindo sua capacidade de tolerância ao calor, produção de melanina, adesinas e proteínas que contribuem para sua virulência. (MEGID; RIBEIRO; PAES, 2016).
A parede celular do fungo contém adesinas e melanina. A presença de melanina não apenas inibe a formação de radicais livres, dificultando assim a ação dos fagócitos, mas também está associada à resistência do microrganismo a medicamentos antifúngicos, como terbinafina, anfotericina B e itraconazol (OROFINO-COSTA et al., 2017).
Nos gatos, o período de incubação pode variar. Geralmente, é de cerca de 14 dias, mas em alguns casos, os sinais clínicos podem demorar meses para se manifestar. (GREMIÃO et al., 2021). Para que a infecção ocorra, o agente não penetra a pele intacta, requerendo uma lesão ou solução de continuidade na pele. (SANTOS et al., 2018). Assim, a infecção geralmente surge após eventos traumáticos, como mordidas e arranhões de felinos, que carregam o fungo em suas unhas e cavidades orais (LECCA et al., 2020).
Após a penetração no tecido, ocorre a conversão da forma de micélio para levedura, desencadeando uma resposta inflamatória e a multiplicação do microrganismo na região afetada. Isso resulta em lesões nodulares e papulares que, em certos casos, podem se resolver espontaneamente. (JERICÓ; ANDRADE NETO; KOGIKA, 2015).
Inicialmente, as lesões podem parecer abscessos causados por mordidas ou celulite, levando ocasionalmente ao tratamento inadequado com antibióticos, sem sucesso. Com o tempo, essas lesões evoluem para feridas ulceradas, que produzem exsudato purulento ou castanho-avermelhado. (SANTOS et al., 2018). Em seguida, desenvolvemse grandes crostas, indolores, com bordas elevadas, que liberam exsudato. A inflamação é caracteristicamente piogranulomatosa, com a região central da lesão contendo macrófagos epitelioides e multinucleados, enquanto na periferia há presença de linfócitos e plasmócitos. (SANTOS et al., 2018).
Portanto, a esporotricose no Brasil é um grave problema de saúde pública que requer metodologias eficazes para enfrentar e conter surtos. (SANTOS et al., 2018) É fundamental implementar programas de conscientização sobre guarda responsável e educação em saúde, promover a castração de felinos, e garantir o diagnóstico, tratamento e acompanhamento acessível dos animais afetados, além disso, é essencial descartar os cadáveres de forma adequada, e deve-se também enfatizar a importância de manter os gatos domiciliados, restringindo seu acesso à rua e contato com outros animais. (SANTOS et al., 2018)
Um diagnóstico presuntivo de esporotricose pode ser obtido a partir da anamnese, epidemiologia, sintomas clínicos e exames adicionais. Um diagnóstico definitivo requer cultura micológica de exsudatos, tecidos ou aspirados de lesões e isolamento do agente (JERICÓ, 2015).
O diagnóstico da esporotricose é estabelecido com base em diversos elementos, incluindo anamnese, aspectos epidemiológicos, sinais clínicos e exames complementares (JERICÓ; ANDRADE NETO; KOGIKA, 2015). Lesões ulceradas de aspecto gomoso em áreas como face, orelhas ou membros são indicativas da doença e devem alertar o veterinário (MEGID; RIBEIRO; PAES, 2016).
Exames hematológicos, como hemograma e perfil bioquímico, são realizados para avaliar o estado geral do animal e possíveis complicações adicionais. Geralmente, exceto na forma sistêmica, não há alterações específicas significativas nos animais com esporotricose. No entanto, podem ocorrer algumas anomalias como anemia, leucocitose por neutrofilia, hiperproteinemia, hiperglobulinemia e hipoalbuminemia (LARSSON, 2011).
Para o diagnóstico definitivo, os principais exames laboratoriais incluem citopatologia, histopatologia e cultivo micológico, sendo este último considerado o padrão ouro (SANTOS et al., 2018). A citopatologia, frequentemente usada na rotina clínica, é vantajosa por ser de baixo custo e oferecer resultados rápidos. Em felinos, apresenta alta sensibilidade, com amostras coletadas a partir de swabs, imprints e aspiração de lesões (MEGID; RIBEIRO; PAES, 2016).
De acordo com Larsson (2011), a anamnese fornece elementos cruciais para alcançar um diagnóstico preciso. Através dela, é possível compreender a evolução e localização da lesão, sua progressão, o histórico de tratamentos anteriores, condições de imunossupressão, exposição a possíveis fontes de infecção e a ocorrência de sintomas semelhantes em pessoas em contato próximo.
A histopatologia, realizada através de biópsia incisional, permite uma avaliação mais detalhada da resposta inflamatória e do envolvimento tecidual da infecção. Também ajuda na exclusão de diagnósticos diferenciais (BAZZI et al., 2016; SANTOS et al., 2018).
O exame físico permite tipificar, avaliar a topografia e a distribuição da lesão no felino, bem como a eventual presença de sinais patognomonicos (rosário esporotricotico) (LARSSON, 2011). Os exames laboratoriais, como citodiagnóstico, cultivo micológico, prova sorológica, testes intradérmicos e histopatologia, devem sempre ser utilizados (LARSSON, 2011).
O cultivo micológico, considerado padrão ouro, é feito preferencialmente a partir de biópsias, embora swabs e curetagem das lesões também possam ser utilizados. É crucial para identificar o crescimento do agente em suas formas morfológicas. No entanto, este método tem desvantagens, como contaminação, demora no resultado e requisitos específicos de laboratório (GREMIÃO et al., 2021).
A cultura é o exame preferencial devido à sua maior eficiência no isolamento do agente, embora possa apresentar resultados negativos em casos localizados. A coleta do material pode incluir pus, exsudato, material de curetagem ou amostras de lesões abertas obtidas com “swab”, além de aspirado de nódulos cutâneos utilizando uma seringa. Esse processo pode ser facilitado pela injeção de 0,1 ml de solução salina estéril, seguida da aspiração (RESENDE; FRANCO, 2001).
Outros métodos diagnósticos, como sorologia e PCR, são utilizados principalmente em pesquisa (GREMIÃO et al., 2021).
O tratamento da esporotricose em felinos é fundamentado no uso de antifúngicos e iodetos, principalmente, enquanto em alguns casos, infecções bacterianas secundárias exigem o emprego de antibióticos sistêmicos em combinação com o protocolo inicial, por períodos de 4 a 8 semanas (MEGID; RIBEIRO; PAES, 2016).
A terapia medicamentosa é recomendada por, no mínimo, 2 meses e deve ser continuada por mais 2 meses após o desaparecimento das lesões. Contudo, a dificuldade em manter os animais doentes em isolamento e a falta de cooperação dos tutores representam desafios para o controle de surtos epidêmicos (REIS et al., 2016).
Porém, segundo GREMIÃO et al., 2021, o abandono do tratamento pelos tutores é frequente e ocorre geralmente após a observação do desaparecimento das lesões.
O itraconazol (ITZ) é um fungicida amplamente utilizado no tratamento da esporotricose felina, sendo considerado o fármaco de primeira escolha devido à sua eficácia e baixa toxicidade. Recomenda-se sua administração junto com a alimentação para facilitar a absorção do fármaco. No entanto, o uso de inibidores da bomba de prótons associado não é recomendado devido ao efeito alcalino que diminui a eficácia do ITZ (MEGID; RIBEIRO; PAES, 2016; REIS et al., 2016).
Nos últimos anos a associação de itraconazol e iodeto de potássio tem sido amplamente utilizada para tratar esporotricose e diferentes tipos de infecções fúngicas, além de esporotricose felina e humana (JIANG et al., 2009; MENDIRATTA et al., 2012; SONG et al., 2013; ROCHA, 2014; GUPTA et al., 2015).
Outros antifúngicos, como cetoconazol e fluconazol, também podem ser utilizados, embora o cetoconazol apresente efeitos colaterais variáveis. A terbinafina e o posaconazol demonstraram boa atividade antifúngica in vitro, mas não foram submetidos a estudos clínicos em animais até o momento (REIS et al., 2016). A administração intravenosa de anfotericina B em gatos é feita com cautela, pois há muitos efeitos adversos graves e também há muitos relatos de que o tratamento com esse medicamento não é tão eficaz para a cura clínica da esporotricose (DE SOUZA et al., 2016).
A terapia baseada na associação de itraconazol com iodeto de potássio tem demonstrado melhores resultados, tempo de ação mais rápido e menores relatos de efeitos colaterais. Recomenda-se retornos periódicos para monitorar a evolução do quadro, avaliar efeitos adversos e a necessidade de associação com iodeto de potássio (GREMIÃO et al., 2021).
Em caso de efeitos adversos, como náusea, anorexia, vômitos ou aumento de ALT sérico, é necessário suspender a terapia por tempo indeterminado e utilizar hepatoprotetores, como silimarina e S-adenosilmetionina, conforme indicado (GREENE, 2006; GREMIÃO et al., 2021).
Além do tratamento medicamentoso, outras opções terapêuticas como termoterapia, remoção cirúrgica ou criocirurgia podem ser benéficas, principalmente em casos refratários de esporotricose (GREMIÃO et al., 2021).
A eutanásia é indicada em casos de piora severa dos sinais clínicos com falha terapêutica ou quando não há possibilidade de tratamento (SANTOS et al., 2018).
Embora não exista vacinação para esporotricose, estudos têm demonstrado resultados promissores na formulação de vacinas utilizando proteínas da parede celular de S. schenkii com hidróxido de alumínio como adjuvante. No entanto, devido ao potencial desenvolvimento de sarcomas em gatos, o uso de hidróxido de alumínio deve ser revisado minuciosamente em estudos futuros (PORTUONDO et al., 2016).
Considerando a esporotricose como uma doença com potencial de transmissão zoonótica e ambiental, ela se encaixa em todas as esferas previstas no conceito de One Health. Nesse contexto, políticas públicas e equipes multiprofissionais desempenham um papel crucial para alcançar uma maior abrangência na população humana e animal em termos de diagnóstico, assistência e conscientização, visando prevenir e controlar a incidência da doença (GREMIÃO et al., 2020).
A educação em saúde também é fundamental em nível profissional, com profissionais de áreas em risco recebendo e divulgando conhecimento sobre o uso correto de equipamentos de proteção individual (EPIs) e hábitos de higiene adequados. Para médicos veterinários, isso inclui o uso de luvas, avental de manga comprida, máscaras de qualidade, como a N95 ou PFF2, e óculos de proteção, além da higienização adequada das mãos após o contato com animais de qualquer espécie (DA SILVA et al., 2012).
Por fim, os animais positivos que faleceram, independentemente da causa, devem ser descartados corretamente por meio de incineração, uma vez que o patógeno foi isolado em carcaças e pode se difundir no ambiente (OROFINO-COSTA et al., 2017).
Este trabalho tem como objetivo principal fazer um levantamento utilizando um questionário feito no Google Forms sobre o conhecimendo dos residentes da cidade de Guarulhos sobre a esporotricose e com os dados obtidos, montar estratégias de conscientização sobre essa doença.
2. METODOLOGIA
2.1 Levantamento de Informações:
Revisão da literatura existente sobre essa zoonose, incluindo estudos epidemiológicos, guias clínicos e materiais educacionais, como, Scielo; Google acadêmico
Identificação das áreas geográficas e populações com maior incidência em Guarulhos de esporotricose para orientar as atividades de conscientização.
2.2 Desenvolvimento de Materiais Educativos:
Criação de questionário na plataforma Google Forms para alcançar um público mais amplo de coleta de dados referente ao conhecimento dos moradores de Guarulhos acerca dessa zoonose.
Elaboração de folhetos pelo Canva, e materiais informativos sobre esporotricose, utilizando linguagem acessível e visual atrativo para o público alvo.
2.3 Utilização de Redes Sociais:
Utilização ativa das redes sociais, em especial o Instagram, para disseminar informações relevantes sobre a esporotricose e estimular a participação da comunidade em diálogos sobre o tema.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
No Brasil, o primeiro caso reportado de esporotricose zoonótica (gato-humano) foi em 1955 (Rodrigues et al. 2020), a partir da década de 1990 houve uma explosão de casos felinos no município do Rio de Janeiro e desde os anos 2000 houve relatos no estado do Paraná (Rodrigues et al. 2022) (Figura 01). Já para a doença em humanos, até 2019, com exceção de Roraima, todos os estados brasileiros já apresentam casos de esporotricose humana (Rodrigues et al. 2020) (Figura 02).
Figura 01. Panorama da esporotricose felina no Brasil a partir dos anos 50 até 2022
Figura 02. Panorama dos casos de esporotricose humana e felina no Brasil em 2019
Entre os anos de 1992 e 2015, cerca de 780 hospitalizações e 65 óbitos de pessoas foram registrados devido à esporotricose no Brasil. Neste período, o Rio de Janeiro foi o estado com o maior número de pessoas hospitalizadas, sendo cerca de 250 pessoas registradas e 36 óbitos. A partir de 1998, esta região passou a ser considerada hiperendêmica (FALCÃO EMM et. Al).
Gremião et al. citam que Se as autoridades de saúde do Rio de Janeiro tivessem implementado ações para controlar e prevenir a doença entre os felinos assim que surgiram os primeiros casos em humanos, o cenário atual poderia ser diferente, e os custos para o sistema público de saúde provavelmente teriam sido menores a longo prazo. Evidenciando assim a importância da abordagem de Saúde Única “One Health” para conter a expansão da esporotricose em humanos e animais no Brasil. Além disso, a atuação do Médico Veterinário pode colaborar com o diagnóstico humano, por meio da orientação e encaminhamento de tutores acometidos pela doença (ARAUJO AKL et. Al.)
Diante do aumento de casos, torna-se relevante realizar uma pesquisa em Guarulhos, Um município vizinho a São Paulo, situado na rota entre Rio de Janeiro e São Paulo, onde tem o maior aeroporto do país. Isso gera um intenso fluxo de pessoas e, consequentemente, de animais, favorecendo a propagação de doenças infecciosas. Conforme relatado por estudos anteriores, a cidade tem registrado uma elevação nos casos de esporotricose nos últimos anos. Esse fenômeno pode estar relacionado ao crescente número de pessoas que optam por ter gatos como animais de estimação.
A urbanização e o aumento de moradores em apartamentos e condomínios, onde o espaço é mais limitado, têm impulsionado a preferência por animais menores, como gatos. Além disso, o estilo de vida mais agitado e a necessidade de animais que demandam menos cuidados também favorecem a escolha por gatos, que são conhecidos por sua independência e autonomia. Porém como foi dito por CANATTO et. al., 2012, A população total de cães domiciliados no município de São Paulo foi estimada em 2.507.401, e a de gatos em 562.965. Nas áreas urbanas subnormais e rurais, há significativamente menos cães por pessoa, quando comparadas às áreas urbanas comuns, evidenciando a associação entre urbanização e altas densidades demográficas de humanos e cães. Nas áreas urbanas subnormais, há mais gatos por pessoa que nas áreas urbanas comuns (CANATTO et al., 2012)
Em 2011 foram detectados em Guarulhos – SP os dois primeiros casos e nos anos subsequentes o número de casos detectados aumentou, chegando a um total de 711 em 2017 e um acumulado de 1359 entre 2011 e 2017 (PEREIRA, 2020).
O primeiro caso registrado em Guarulhos aconteceu em uma comunidade, e já existem evidências de que haja uma relação entre vulnerabilidade social e maior prevalência da doença (PEREIRA, 2019). Em Guarulhos, diversas regiões apresentam média ou alta vulnerabilidade social, o que pode favorecer a disseminação dos casos causados por S. brasiliensis. Pereira (2019) destacou que muitas áreas com alto risco de esporotricose, devido à vulnerabilidade social e proximidade com outras áreas de alta incidência, não têm casos registrados.
SCUARCIALUPI, 2022 ainda cita que as ações preventivas comumente recomendadas para o controle da esporotricose felina enfrentam grandes desafios em áreas de comunidade, onde é mais difícil manter os animais confinados, há maior acúmulo de matéria orgânica nas ruas, que serve de abrigo para o fungo, e o acesso aos serviços de saúde é limitado, dificultando o diagnóstico e o tratamento rápido.
A ausência ou baixa ocorrência de casos em áreas de risco pode indicar que o risco potencial não representa um risco real, mas também pode revelar falhas na detecção. Nesse último caso, áreas com alto risco, que deveriam ser prioritárias, podem estar sendo negligenciadas. (SCUARCIALUPI, 2022)
A vigilância da esporotricose animal em Guarulhos é conduzida pelo Centro de Controle de Zoonoses (CCZ), que desempenha diversas funções e enfrenta o desafio de atender todo o município com recursos materiais e humanos limitados. Áreas silenciosas podem abrigar focos importantes de disseminação da doença, tornando fundamental a detecção desses focos para permitir um diagnóstico ágil e interromper a cadeia de transmissão. Dessa forma, a vigilância ativa deve priorizar as áreas de maior risco, considerando a possibilidade de áreas silenciosas devido a limitações na detecção.
a. DADOS DA PESQUISA
Gráfico referente ao número de casos de esporotricose em Guarulhos no ano de 2023 até abril de 2024, mostra que o maior pico de casos de esporotricose em Guarulhos foi no mês de maio de 2023, e o menor registro de casos foi em abril de 2024.
Com base nos resultados obtidos através do formulário do Google Forms, analisando as respostas das 208 pessoas residentes na cidade de Guarulhos, observamos que:
89.7% dos participantes possuem gatos em casa. Segundo o Censo 2010 do IBGE, o número de pessoas morando em apartamentos aumentou significativamente no Brasil nas últimas décadas, especialmente nas áreas urbanas e metropolitanas. Em Guarulhos, uma das maiores cidades da Grande São Paulo, é provável que uma parcela considerável da população resida em apartamentos. Esse cenário pode ter influenciado a escolha por gatos como animais de estimação, já que são mais fáceis de cuidar e se adaptam melhor a espaços menores, como os encontrados em apartamentos, tornandose uma escolha ideal para esses ambientes.
Entre os gatos dos participantes, 87.8% têm acesso livre à rua e 88.5% deles interagem com outros animais. Isso pode ocorrer por diversos motivos, muitos tutores acreditam que os gatos são mais felizes com a liberdade de explorar ao ar livre, o que contribuiria para o bem-estar físico e mental do animal. Além disso, como os gatos são naturalmente curiosos e exploradores, alguns tutores veem o acesso à rua como uma oportunidade para que o gato se exercite, cace e satisfaça seus instintos. No entanto, muitos também podem não estar cientes dos riscos que essa prática envolve, como acidentes de trânsito, brigas com outros animais, exposição a doenças, envenenamento ou até o desaparecimento do gato.
Estudos em Belo Horizonte mostraram que os felinos com acesso à rua têm três vezes mais chances de testar positivo para a doença do que os que têm restrição domiciliar. Além do manejo adequado (DA SILVA et al., 2012; LECCA et al., 2021.). 82.7% dos entrevistados disseram que seus gatos são castrados, e como citou DA SILVA et al., a posse responsável envolve cuidados com a saúde do animal, controle da população de animais no ambiente e a castração para evitar reprodução descontrolada, comportamentos de risco como agressividade e fugas, que aumentam o risco de contato e disseminação do agente.
Sendo assim, é de extrema importância que esses animais sejam castrados, após a castração felina há a diminuição dos hormônios esteróides gonadais, o que faz com que diminuam os comportamentos territorialistas do felino (VENDRAMINI, 2020). Além disso, assim como a esporotricose que é uma doença transmitida por mordidas e arranhões, Addie, 2019; Gremião, 2021 citaram que é importante lembrar que tanto machos como fêmeas não castrados e com acesso ao ar livre podem brigar, aumentando o risco da contração de doenças infecciosas
No âmbito das políticas públicas, a distribuição gratuita de medicamentos e serviços veterinários seria ideal para a prevenção de novos casos em áreas já afetadas, juntamente com a obrigatoriedade de notificação de casos positivos em todo o território nacional, permitindo o rastreamento, diagnóstico e tratamento precoce da doença, prevenindo surtos (GREMIÃO et al., 2020). Esses aspectos são destacados por Da Silva et al. (2012), ressaltando que o tratamento precoce da esporotricose felina é fundamental para o controle da doença. Além disso Lopes-Bezerra et al. citam que o atraso no diagnóstico de formas clínicas graves ou raras, especialmente associadas a novas espécies patogênicas emergentes, é um fator de extrema importância para o início de um tratamento correto e apropriado.
94.2% dos tutores não realizam quarentena quando adotam um novo animal. A quarentena é importante, pois como disse SANTOS et al., 2018 nos felinos, é comum que o fungo se espalhe através das vias linfáticas e sanguíneas, resultando em linfadenite e disseminação para outros órgãos, configurando a forma cutâneodisseminada da doença. (SANTOS et al., 2018). Sendo assim, é de extrema importância que as pessoas entendam que gatos não devem andar livremente pelas ruas, nem terem contato direto com outros animais a qual não estão acostumados a conviver.
Cerca de 91.4% dos entrevistados nunca ouviram falar sobre esporotricose ou sobre doenças com potencial zoonótico. Isso ressalta que informações sobre essa doença não estão sendo divulgada como deveria. A esporotricose é uma doença potencialmente zoonótica, que tem se espalhado em surtos epidêmicos e se tornou um sério problema de saúde pública. Ela afeta, principalmente pessoas de classes sociais menos privilegiadas. Nesse sentido, Kaliletal et. al. indicam a necessidade da disseminação de campanhas educativas para que o tutor esteja ciente da existência da doença, das formas de prevenção, bem com o dos tratamentos existentes.
Devido à alta frequência de diagnósticos de esporotricose felina, é essencial implementar medidas para controlar sua disseminação entre os gatos. Programas de saúde pública focados na educação da população são fundamentais, incluindo campanhas de castração, orientações específicas para os tutores sobre os cuidados com felinos domésticos e incentivo à posse responsável. Essas ações podem reduzir a propagação do fungo no ambiente e prevenir novos casos. Gatos infectados devem ser tratados adequadamente, e seus tutores devem ser conscientizados sobre a importância de seguir rigorosamente o tratamento recomendado, a fim de evitar recidivas e garantir a cura completa.
Sabe-se que muitos tutores enfrentam dificuldades em administrar o tratamento recomendado pelo médico veterinário em casos de esporotricose, especialmente quando envolve medicação oral. Além disso, o receio de manusear o animal devido ao medo de entrar em contato direto com as lesões pode comprometer o manejo adequado. Esses fatores podem contribuir para a falha no tratamento e dificultar a cura da doença.
Gremião et al. ainda citam que A falta de um programa de controle da esporotricose felina no Brasil, aliada às diversas dificuldades no manejo de gatos doentes e ao desconhecimento das medidas de controle pela maior parte da população, contribuiu para o aumento dos casos em humanos e animais. Como resultado, a doença tem se tornado um problema de saúde pública em várias regiões do país.
Essa pesquisa foi válida, pois contribuiu significativamente para a compreensão da esporotricose, um grave problema de saúde pública no Brasil. A investigação forneceu dados importantes sobre a carga fúngica nas lesões cutâneas dos animais afetados e a presença do fungo nas garras e na cavidade oral de felinos, tanto doentes quanto saudáveis. Além disso, a pesquisa destacou a necessidade de metodologias eficazes para enfrentar e conter surtos, incluindo programas de conscientização, castração, diagnóstico acessível, tratamento e descarte adequado dos cadáveres. A ênfase na importância de manter os gatos domiciliados também oferece uma abordagem prática para reduzir a propagação da doença.
4. CONCLUSÃO
Com base nesses dados, concluímos que uma parte significativa da população desconhece a esporotricose e seus riscos, como o fato de muitos gatos terem acesso à rua e interagirem com outros animais, o que aumenta o risco de exposição a doenças zoonóticas. Isso destaca a importância de educar o público sobre a esporotricose e incentivar medidas preventivas, como a quarentena ao adotar novos animais, para conter a disseminação da doença. Além disso, como citou Paiva MT et. al. a incidência de casos nos animais se torna um fator de risco para a disseminação da doença entre os humanos, sendo assim a prevenção e o controle da esporotricose humana inclui o controle da doença nos gatos.
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