GENDER VIOLENCE AND THE VULNERABILITY OF WOMEN IN STREET SITUATIONS
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202411131620
Bruna Honorio de Andrade1, Emilly Batista Ribeiro2, Amaury Sabino Ribeiro Filho3, Larissa Rabelo da Silva4, Rianna Jamily Ferreira da Silva5, Kaylenne Beatriz Alves Pereira6, Orientador: Adriano dos Santos Oliveira7, Coorientador: Victor Eduardo Pinheiro da Costa8
RESUMO
As mulheres em situação de rua se tornam mais vulneráveis por viver em um contexto permeado por preconceitos, violência, desigualdade de gênero e de direitos sociais. Essas mulheres convivem diariamente com a questão da violência física e sexual, principalmente por parte de seus companheiros e a falta de vínculo com profissionais de saúde dificulta a procura por ajuda por parte delas. Elas ainda enfrentam preconceitos no acolhimento e dificuldade em estabelecer vínculo com os profissionais nas unidades de saúde. O objetivo desse estudo foi conhecer e analisar os motivos que levam as mulheres em situação de rua a não procurarem outros serviços de saúde além do Consultório na Rua. Tratou-se de um estudo qualitativo, descritivo, realizado através de entrevistas semiestruturadas com mulheres que vivem em situação de rua, atendidas pelo Consultório na Rua. Todas as participantes assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Devido a pandemia da COVID-19 só foi possível entrevistar 3 mulheres. Essas mulheres possuem idades de 36,43 e 57 anos e tempos variados de situação de rua. Após a análise das entrevistas, percebe-se que as mulheres que saem de casa para a situação de rua, possuem problemas familiares, falta de vínculos afetivos e por isso na sua grande maioria, começam a usar substâncias psicoativas. A violência sofrida por elas na rua, seja, psicológica, física ou sexual, aparece em 100% das falas. Quanto às questões de saúde, elas não costumam procurar atendimento médico, a não ser em caso de grande necessidade ou urgência, já que quando buscam esse atendimento são discriminadas e mal tratadas pelas equipes de saúde, percebe-se que na maioria das vezes preferem procurar atendimento do Consultório na Rua devido ao Atendimento diferenciado e pelo carinho com que a equipe trata delas. Sendo assim, recomenda-se que a enfermagem, aprenda mais sobre a população em situação de rua e deixe seus preconceitos de lado para prestar um melhor atendimento para essa população.
Palavras-chave: População em situação de rua, mulheres em situação de rua, saúde de mulheres em situação de rua, vulnerabilidade.
ABSTRACT
Homeless women become more vulnerable because they live in a context permeated by prejudice, violence, gender inequality and social rights. These women face physical and sexual violence on a daily basis, mainly from their partners, and the lack of connection with health professionals makes it difficult for them to seek help. They also face prejudice in the reception and difficulty in establishing a connection with professionals in health units. The objective of this study was to understand and analyze the reasons that lead homeless women to not seek health services other than the Street Clinic. This was a qualitative, descriptive study, conducted through semi-structured interviews with women living on the streets, served by the Street Clinic. All participants signed a Free and Informed Consent Form. Due to the COVID-19 pandemic, it was only possible to interview 3 women. These women are 36, 43 and 57 years old and have been homeless for varying lengths of time. After analyzing the interviews, it is clear that women who leave home to live on the streets have family problems, lack of emotional bonds and, therefore, most of them start using psychoactive substances. The violence they suffer on the streets, whether psychological, physical or sexual, appears in 100% of the statements. Regarding health issues, they do not usually seek medical care, except in cases of great need or urgency, since when they do seek this care they are discriminated against and poorly treated by health teams. It is clear that most of the time they prefer to seek care at the Street Clinic due to the differentiated care and the care with which the team treats them. Therefore, it is recommended that nurses learn more about the homeless population and leave their prejudices aside to provide better care for this population.
Keywords: Homeless population, homeless women, health of homeless women, vulnerability.
1 INTRODUÇÃO
O número crescente de pessoas em situação de rua no Brasil é fruto do agravamento de questões sociais. Diversos fatores colaboram para esse crescimento, entre eles a rápida urbanização ocorrida no século XX, a migração para grandes cidades, a desigualdade social, a pobreza e o desemprego. O fenômeno “situação de rua” é consequência de diversos fatores como a ausência de moradia, trabalho e renda; a quebra de vínculos familiares; a presença de doenças mentais e o uso abusivo de álcool ou drogas (BRASIL, 2014). Certamente, a invisibilidade é um dos graves problemas que assola essa população e impede que ela tenha seus direitos reconhecidos. Em 23 de dezembro de 2009, através do decreto 7053, foi instituída a Política Nacional para a População em Situação de Rua, que foi o marco do reconhecimento dessa população. Um dos objetivos dessa política que podemos destacar é assegurar o acesso amplo, simplificado e seguro aos serviços e programas que integram as políticas públicas de saúde.
Conforme essa política, “considera-se população em situação de rua o grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória” (BRASIL, 2009). É importante lembrar que o §1°, artigo 23, da Portaria MS/GM n° 940, de 28 de abril de 2011, dispensa aos moradores de rua a exigência de apresentar o endereço do domicílio permanente para aquisição do Cartão SUS (BRASIL, 2014).
As mulheres em situação de rua convivem diariamente com a questão da violência física e sexual, principalmente por parte de seus companheiros e a falta de vínculo com profissionais de saúde dificulta a procura por ajuda por parte delas. A mulher enfrenta preconceitos no acolhimento e dificuldade em estabelecer vínculo com os profissionais nas unidades de saúde o que dificulta a criação de uma linha de cuidado para o enfrentamento dos riscos gerados pela condição de vulnerabilidade. Para ajudar essas mulheres a cuidar melhor de sua saúde este estudo tem como objetivo compreender quais os motivos que levam as mulheres que vivem em situação de rua a não procurarem os serviços de saúde.
Deve-se destacar também os objetivos e a justificativa da presente pesquisa. É o porquê da pesquisa. Justificar um projeto de pesquisa é mostrar de que forma os resultados obtidos poderão contribuir para a solução ou para melhorar a compreensão do problema formulado. Na justificativa, também se colocam os motivos que levaram o pesquisador a buscar a resposta ao problema proposto. Relacionar os argumentos que indiquem que a pesquisa é significativa ou relevante em termos teóricos e práticos.
O autor deve iniciar sua argumentação geral e ir levando o texto para algo específico, conforme figura abaixo, de forma a apresentar no fim da INTRODUÇÃO o seu objeto de estudo.
2 MULHERES EM SITUAÇÕES DE RUA
A vida sob o manto do descrédito social conduz o modo de viver das mulheres em situação de rua. Assim, compreender que as vivências das mulheres se inserem num universo de opressões que marca as relações, modos de viver e papéis sociais, implica saber que estamos na trama de um sistema em que a vida está associada a um estado desumanizado que, para Guzzo (2016), ultrapassa as repercussões objetivas da escassez de recursos financeiros e revela implicações das condições subjetivas de um contexto econômico desfavorável. Ainda que não seja o único vetor, a pobreza marca a situação de rua por expor a classe oprimida à ausência de renda, assim como a uma estrutura ideológica que subalterniza as pessoas pobres.
2.1 MULHERES EM SITUAÇÃO DE RUA E OS MOTIVOS PELOS QUAIS ACESSAM OU NÃO OS SERVIÇOS DE SAÚDE
Viver nas ruas faz com que as pessoas se deparem com uma diversidade de situações no dia a dia que envolvem desafios, como o acesso à alimentação e ao transporte, dificuldades financeiras, vícios e estigma social. Embora em menor número, a mulher em situação de rua se torna mais vulnerável por viver em um contexto permeado por preconceitos, violência, desigualdade de gênero e de direitos sociais. O Brasil vem avançando na implementação de políticas públicas de saúde para a população em situação de rua, em consonância com as diretrizes da atenção básica, a exemplo dos Consultórios na Rua. No entanto, o desafio está na viabilização da implantação desses consultórios, no sentido de as equipes de saúde conseguirem atuar sobre as singularidades deste público, visando efetivar os direitos à saúde para este grupo social (Biscotto et al. 2016). É importante destacar que entre a população em situação de rua são frequentes os relatos de mau atendimento em hospitais e de negativa de atendimento e impedimento de entrada nas unidades de saúde.
Um dado que confirma essas alegações foi trazido pela Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua, que revela que 18,4% das pessoas em situação de rua já passaram por experiências de impedimento de receber atendimento na rede de saúde. Por conta disso, essa população acaba por não procurar atendimento médico a não ser em casos de urgência e emergência (BRASIL, 2009) Pessoas em situação de rua apresentam vulnerabilidade em diversos aspectos que determinam as condições de saúde como escolaridade, renda, habitação, ocupação, alimentação e dificuldade de acesso aos serviços de saúde, além disso, enfrentam o preconceito nos serviços de saúde por conta da falta de higiene e da aparência (BRASIL, 2009). Não é fácil construir políticas de saúde voltadas para a população em situação de rua.
Experiências nacionais e internacionais indicam que nesse caso os serviços devem ir onde estão seus usuários, como já fazem as equipes de consultório na rua, em vez de aguardar que estes venham demandar cuidados de saúde, porém isso não é o suficiente para garantir o acompanhamento e o sucesso do tratamento, considerando inclusive doenças como tuberculose, AIDS e câncer que exigem uso contínuo de medicação (BRASIL, 2009). A Pesquisa Nacional sobre População em Situação de Rua levanta algumas questões como a faixa etária, as razões de ida pra rua, mobilidade, tempo de permanência na rua e/ou albergue, vínculos familiares, escolaridade, relação com o mundo do trabalho, formas de 10 obtenção de renda, acesso aos programas governamentais, posse de documentação, além de informações sobre como obter alimentos, as condições de saúde, recursos utilizados para a higiene e a discriminação sofrida que ajudam a conhecer um pouco mais as mulheres em situação de rua. Apesar de não ser a intenção original, alguns de seus resultados unidos a dados de outros estudos, proporcionam que se façam alguns questionamentos a respeito da vida dessas mulheres. A pesquisa também apontou que boa parte dessas mulheres são jovens, inclusive tendo leve prevalência sobre os homens na faixa etária de 18 a 35 anos (BRASIL, 2009). De acordo com minha vivência, percebo que as mulheres em especial, além de tudo o que já foi dito, ainda apresentam vulnerabilidade em relação ao gênero.
Elas sofrem violências de todos os lados, por parte dos companheiros quando os tem, por parte de outros homens quando não tem companheiros, principalmente violência sexual e ainda violência institucional quando procuram por atendimento de saúde, principalmente as gestantes que além da violência moral por parte dos profissionais nos hospitais, ainda tem seus filhos retirados. A vida nas ruas apresenta muitos desafios para a vida de uma mulher. Isso as obriga a criarem estratégias específicas de sobrevivência, optando muitas vezes por se “travestirem” ou se manter sem nenhuma higiene a fim de diminuírem as chances de violência sexual. Um estudo realizado em São Paulo, Brasil, indicou que especialmente as mulheres que pernoitam na rua sofrem violência física praticada por pessoas ou grupos intolerantes com a situação vivida por elas. Também apareceu a violência, de cunho higienista, praticada por policiais, indivíduos contratados por comerciantes ou moradores que se sentem prejudicados pela presença das pessoas em situação de rua nos arredores dos domicílios, comércios, monumentos e cartões postais da cidade.
A violência sexual foi relatada com frequência, sendo praticada quase sempre por homens, moradores de rua ou não, com potencial de causar danos físicos e mentais irreparáveis a essas mulheres (Biscotto et al. 2016). No entanto, o fato de essas mulheres estarem nas ruas não é motivo para se privarem de relações sexuais. Porém, as manifestações afetivas são pouco comuns e os tratamentos por parte dos homens são geralmente ríspidos e até agressivos. Algumas mulheres acabam utilizando o sexo como um meio para obter proteção ou mesmo amparo financeiro para a sobrevivência. E, por estarem expostas às ruas, apresentam dificuldades em ora dizer sim e ora dizer não aos parceiros sexuais. Por serem frágeis, muitas vezes não conseguem se defender quando forçadas a praticar sexo, e algumas acabam fazendo o uso de bebidas alcoólicas, o que as deixam ainda mais vulneráveis.
A maternidade pode ser um fenômeno social e consequentemente uma construção sócio-histórica. A gravidez pode ser considerada um fator de risco social na esfera da saúde pública e um reforço à marginalidade e pobreza, dependendo das condições em que se desenvolve. Assim, no caso da gestação em situação de rua pode-se identificar a possível precariedade das condições de vida e a dificuldade de acesso aos serviços como fatores de risco para mãe e bebê (COSTA, 2015). As mulheres em situação de rua têm os mesmos desejos de outras mulheres, porém a grande maioria não pode exercer o direito de ser mãe, por exemplo, devido as condições em que vivem.
Essas mulheres não tem o cuidado integral de saúde que deveriam ter por causa do preconceito de muitos profissionais de saúde (COSTA, 2015). Ao longo dos anos os planos de ação da saúde foram ampliados de modo a incluir grupos historicamente excluídos das políticas públicas, nas suas especificidades e necessidades. Entre elas, as mulheres que vivem em situação de rua (BRASIL, 2013). A vivência na rua é explicitada pelos motivos existenciais, revelados no processo de enfrentamento das adversidades da rua e na busca do albergue como possibilidade de minimizar as dificuldades. Esses motivos incluem também o conflito entre o desejo de saírem da rua e ao mesmo tempo se verem presas a esta realidade social. Ao trazer à tona suas experiências na situação de rua, as mulheres revelam as condições adversas que enfrentam no seu dia a dia, marcado por riscos e vulnerabilidades, que se expressam cotidianamente na situação de vida em que se encontram. As participantes apontam a falta de infraestrutura na rua para atender às suas necessidades básicas, especialmente as relacionadas ao universo feminino (Biscotto et al. 2016).
A Conferência Internacional de População e Desenvolvimento (ONU, 1994) estabeleceu que “a saúde reprodutiva é um estado geral de bem estar físico, mental e social, e não mera ausência de enfermidades ou doenças, em todos os aspectos relacionados com o sistema reprodutivo e suas funções e processos. Em consequência, a saúde reprodutiva inclui a capacidade de desfrutar de uma vida sexual satisfatória e sem riscos de procriar, e a liberdade para decidir fazê-lo ou não, quando e com que frequência” (Cap. VII, 7.2). No entanto, as mulheres em situação de rua não conseguem exercer seu direito a saúde reprodutiva (BRASIL, 2013).
Em 2004, foi criada a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM) com o objetivo de consolidar os avanços dos direitos sexuais e direitos reprodutivos com a preocupação de aperfeiçoar a atenção obstétrica e o acesso ao 12 planejamento familiar; melhorar a atenção nas intercorrências obstétricas e à violência doméstica e sexual; reduzir a morbimortalidade por causas evitáveis, a prevenção e o tratamento das infecções sexualmente transmissíveis incluindo o HIV/Aids; o câncer de mama e de colo de útero e o tratamento das doenças crônicas não transmissíveis. Para garantir a qualidade do atendimento e ampliar o acesso, o governo propôs novos programas como o Rede Cegonha e o Plano de Enfrentamento à Feminização das DST/HIV/Aids (BRASIL, 2013). Devido as iniquidades sociais em saúde vividas por esse grupo populacional, denota-se a importância de a enfermagem se aproximar deste público no campo prático e também da pesquisa. Dessa forma espera-se, que esta área de conhecimento sustente suas ações em evidências científicas, com vistas a qualificar o cuidado e a assistência a essa clientela (Biscotto et al. 2016).
2.2 ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA DE MULHERES QUE VIVEM EM SITUAÇÃO DE RUA.
A população em situação de rua consiste em pessoas que não possuem uma moradia habitual. É afirmado por Araújo e Tavares (2015) que esses indivíduos habitam em locais considerados precários, vivendo dias e noites na rua através de improvisações, pois não possuem residência fixa. Este grupo em específico é a representação da exclusão social, característica da desigualdade econômica vivenciada no país, representado como heterogêneo, mas com um tripé em comum: pobreza extrema, vínculos familiares rompidos ou enfraquecidos e a inexistência de moradia convencional. Ser um número inferior à quantidade de homens em situação de rua, está relacionado, segundo a Pesquisa Nacional sobre a população de rua (BRASIL, 2009), à obrigação de viver em uma realidade masculinizada e que apresenta desafios intensos às mulheres, por estarem em uma sociedade permeada pela desigualdade de gênero e preconceitos. Dados do Ministério da Saúde, agrupados pela Secretaria de Vigilância em Saúde (2017), mostram que mulheres são as principais vítimas de violências motivadas exclusivamente por ser uma pessoa em situação de rua. A violência é geralmente praticada por parte dos companheiros e/ou outros grupos ou relacionada às práticas higienistas. Os autores 4 Mattos e Ferreira (2004), explicam o discurso higienista como àquele que rotula e propaga o estigma do morador de rua sempre associado à sujeira, como um indivíduo imundo, de aparência imprópria, visto como algo que deve ser recolhido, segregado e, portanto, removido das ruas e dos olhares da população.
De acordo com a literatura de Biscotto et al., (2016) a vivência de mulheres em situação de rua se caracterizada diante de enfrentamentos do cotidiano e pela busca por albergues ou abrigos como suporte para o atendimento de suas necessidades básicas. Estes lugares devem oferecer serviços de qualidade que atendam às necessidades imediatistas, sendo que as usuárias devem adequar o cuidado com o corpo e seus hábitos ao que lhes são oferecidos, mas alguns fatores contribuem para que optem por não recorrer à eles. A Pesquisa Nacional Sobre a População em Situação de rua (2009), demonstra que grande parte não prioriza o uso dos albergues pela rigidez de regras e rotina, falta de segurança, proibição do consumo de drogas, ou mesmo pela dificuldade em conseguir vaga. A violência é outro fator que implica nessa decisão, o desafeto entre pessoas que vivem na mesma situação, acarreta a escolha de estar onde os seus “rivais” não estão.
A vivência dentro dos albergues para as mulheres também implica maiores dificuldades devido à sociedade machista. A convivência com os pares ou em grupos, não dormir desacompanhadas, além de recorrer ao porte de armas, se submeterem a relacionamentos violentos é também uma forma de proteção. Ao refletir sobre suas experiências, algumas mulheres indicam a prostituição e o tráfico de drogas como meios de subsistência, configurando-se em um ciclo que retroalimenta a manutenção delas na rua, como apontado por Coelho (2016). É salientado por Biscotto et al., (2016) que a vida na rua exige que as mulheres lidem, diariamente, diversificadas situações que se relacionam diretamente com sua sexualidade, corpo e, em alguns casos, dedicação ao filho.
3 METODOLOGIA
3.1 Tipo de estudo
Estudo qualitativo, com caráter exploratório-descritivo. Segundo Polit e Beck (2011), o estudo qualitativo é flexível, ajustando-se ao que é pretendido durante a coleta de informações e, holístico, pois busca a compreensão do todo. É indicado quando se deseja conhecer um fenômeno, opinião ou percepção.
3.2 Contexto do estudo
O estudo foi realizado no Consultório na Rua (CnaR) na Zona Leste que está vinculado à Unidade Básica de Saúde (UBS) Primavera e é administrado pela Secretaria Municipal da Saúde. Estão vinculados a esse serviço, diferentemente do estabelecido pela legislação que prevê maior número de profissionais, um médico, dois enfermeiros e um técnico de enfermagem. Os enfermeiros têm carga horária semanal de 36 horas, trabalhando de segunda a sexta-feira, atendendo demanda espontânea da população de rua e, também, realizando abordagem in loco desta população, ou seja, indo até os locais onde as pessoas em situação de rua estabelecem sua moradia provisória
3.3 População e amostra
A população foi de mulheres que vivem em situação de rua. Na época do projeto, estava sendo realizado um censo sobre a população de rua, porém devido a pandemia de COVID-19 não foi possível concluir o censo e por isso não se tem um número correto de 14 moradores em situação de rua de ambas as regiões estudadas, no Consultório na Rua. Foram entrevistadas apenas 3 mulheres devido a pandemia de COVID-19. Foram incluídas no estudo mulheres que vivem em situação de rua, que são atendidas no Consultório na Rua, maiores de idade. Foram excluídas mulheres que tinham dificuldade de verbalização, que estavam sob efeito de substâncias psicoativas ou que tinham algum acometimento de doença mental grave, como esquizofrenia, por exemplo. Devido o meu conhecimento dessas mulheres, convidei apenas as três que responderam à pesquisa, acredito que não teria nenhuma recusa pelo vínculo que já tenho com elas.
3.4 Coleta dos dados
A coleta dos dados se deu por meio de uma entrevista semiestruturada, conforme definido por Triviños (1987), com auxílio de roteiro disponível no Apêndice A. O instrumento, em sua parte inicial, procura traçar um breve perfil da mulher, como a idade, número de gestações e de filhos, tempo de rua, com quem convive nessa situação, se possui alguma ocupação laboral, entre outros. A segunda parte do instrumento contém perguntas abertas que procurarão responder o objetivo da pesquisa. As mulheres foram abordadas ao buscarem esses serviços, e/ou nos locais em que se abrigam na proximidade desses serviços. Após a apresentação da acadêmica de enfermagem, elas foram convidadas a participarem do estudo, com informações minuciosas do objetivo do estudo e qual a relação da acadêmica com o mesmo. Quando a participante aceitou o convite para fazer parte do estudo, foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (APÊNDICE B), somente então se procedeu a entrevista em local de comum acordo, na própria rua, Consultório na Rua ou Centro Pop, que oferecesse condições mínimas de conforto e privacidade. A entrevista foi gravada em meio digital (gravador digital portátil) e posteriormente transcrita pela acadêmica, ouvindo as gravações à exaustão e até a completa compreensão das falas, e as apagando logo em seguida.
3.5 Análise dos dados
Foi utilizada a análise temática segundo Minayo (2010), que diz que o método “consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação cuja presença ou frequência signifiquem alguma coisa para o objetivo analítico visado” (p. 216). É composta por três etapas (MINAYO, 2010): a) A pré-análise, que se baseia na escolha do material e dos documentos que serão analisados e na retomada dos objetivos e hipóteses propostas pela pesquisa. b) A exploração do material, que consiste numa operação classificatória, visando o núcleo de compreensão do texto. c) O tratamento dos resultados obtidos e a interpretação. As inferências e interpretações são inter-relacionadas com o quadro teórico inicial ou abrem-se novas dimensões teóricas e interpretativas, sugeridas pela leitura do material.
3.6 Aspectos éticos
Considera-se que toda pesquisa envolvendo seres humanos envolve risco, ou dano eventual poderá ser imediato ou tardio. O ato de responder um questionário ou ser abordado em uma entrevista possuem riscos aos sujeitos, uma vez que poderá causar constrangimentos ou trazer à memória experiências ou situações vividas que lhe causam sofrimento. Este estudo possuiu como riscos o tempo (mais ou menos 30 minutos) que a participante despendeu ao conversar com a pesquisadora e também poderia fazê-la pensar sobre sua situação, podendo, eventualmente, deixar-lhe mais triste. São possíveis benefícios da pesquisa para as participantes incentivá-las a procurarem os serviços, refletirem sobre suas necessidades de saúde, sobre a importância da prevenção e tratamento precoce de agravos de saúde. Também se espera no futuro poder ajudar outras mulheres. Os áudios foram apagados do meio digital após a transcrição das entrevistas e estas serão mantidas pela pesquisadora responsável por cinco anos para então serem destruídas.
4 RESULTADOS
Os resultados foram obtidos através de entrevistas semiestruturadas. Devido a pandemia da COVID-19 só foi possível entrevistar três mulheres. As informações sobre as participantes são as seguintes:
Y, foram obtidos três temas em comum entre as mulheres em situação de rua.
4.1 Motivos de estarem em situação de rua
Duas das três entrevistadas referem que o principal motivo de terem ido para a rua foi o uso de drogas como mostra nas falas.
Entrevista 01: “No começo, álcool e drogas. Eu fui casada durante 22 anos e tinha muita traição, meu marido me traía muito… daí um dia eu estava saindo pro trabalho e vi ele passar com uma moto num beco e fui atrás dele e descobri que ele estava usando drogas, daí pra ele não usar droga na rua, eu disse pra ele usar em casa, usar dentro do quarto escondido, daí, foi, foi que eu acabei entrando no meio junto, quando eu vi que estava envolvida com a droga, pra não prejudicar os meus filhos,… como eu não queria meus filhos vendo eu drogada, eu resolvi sair de casa.”
A segunda entrevistada teve um outro motivo.
Entrevista 02: “Falta de amor dos meus irmãos, quando a minha mãe faleceu, eu entrei em depressão profunda, ela faleceu em 2011, de 2011 a 2015 eu só chorava, daí eu entrei no abrigo e continuei chorando até 2017, fui detectada com depressão profunda. Eu fui para rua porque eu vendi meu apartamento, porque eu via jacaré na parede.”
O fenômeno “situação de rua” é consequência de diversos fatores como a ausência de moradia, trabalho e renda; a quebra de vínculos familiares; a presença de doenças mentais e o uso abusivo de álcool ou drogas (BRASIL, 2014).
Entre as mulheres, a principal razão de ir para a rua é a perda da moradia, indicada por 22,56% delas, seguido de problemas familiares (21,92%), alcoolismo e drogadição (11,68%) e o desemprego (8,8%) (BRASIL, 2014).
4.2 Motivos para procurar ou não um serviço de saúde
As entrevistadas referem que não costumam buscar serviços de saúde porque não se sentem acolhidas, que são discriminadas, porém, quando necessário, dão preferência por buscar os serviços do Consultório na Rua devido ao Tratamento diferenciado que lá recebem.
Entrevistada 01:“Quando tenho crise de asma, daí é bem complicado, geralmente isso acontece de madrugada, daí quando eu sei que o remédio não vai adiantar eu já procuro me encaminhar pro 24h né, que lá eles já tem o oxigênio, tudo essas ciosas assim, daí não tem nem como dar tempo de chamar vocês… Aqui em Novo Hamburgo isso aí [UPA] parece um açougue, porque dá outra vez que eu tive internada ali, eu estava em cima duma cama e escapou, quando 18 19 eu me virei escapou o soro e encheu a cama de sangue e eu tive que fazer uma briga pra elas me dar um banho e trocar o lençol da minha cama, elas disseram que eu tinha que esperar porque eu não tinha acompanhante e eu era só uma moradora de rua.”
Entrevistada 02: “O Consultório na Rua para mim é maravilhoso, porque tudo que eu preciso em questão de saúde eu sou bem atendida até mais do que se eu tivesse numa casa, não sei. O Consultório na Rua eu procuro só quando eu preciso mesmo, que nem essa questão de falarem que eu sou fedorenta e eu não sou, daí eu vou sempre lá incomodar, pedir para o médico o que podia fazer, não procuro nenhum outro serviço de saúde. Nunca precisei procurar outro serviço. Uma coisa que nunca gostei foi ginecologista porque o aparelho me dói.”
Destaca-se, sobretudo, o fato de que as participantes relatam que nos locais onde ocorre maior descriminação também ocorrem menor assistência, prejudicando deste modo, as condições de saúde. Os achados neste estudo, mesmo que com apenas três participantes, são reflexos das condições sociais em que essas mulheres vivem e das demandas que as mesmas trazem que não são assistidas como deveriam, causando um impacto na vida dessas mulheres, sobretudo no seu estado de saúde psicossocial. (SOUSA, 2016). Para a realização de ações qualificadas, deve-se trabalhar a atenção baseada em evidências com o apoio à melhoria da assistência e do acolhimento, pois, no cotidiano, as mulheres que vivem em situação de rua sentem-se pouco à vontade e apresentam dificuldade de comunicação, tornando impossível seguir recomendações, principalmente, quando se trata de usuária de drogas ilícitas ou lícitas (ARAÚJO et al., 2017).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo buscou analisar a violência de gênero e a vulnerabilidade mulheres em situação de rua, os resultados permitiram conhecer os motivos que levam essas mulheres a não procurarem outros serviços de saúde além do consultório na Rua.
De acordo com a análise das entrevistas, percebe-se que as mulheres que saem de casa para a situação de rua, possuem problemas familiares, falta de vínculos afetivos e por isso na sua grande maioria, começam a usar substâncias psicoativas. A violência sofrida por elas na rua, seja, psicológica, física ou sexual, aparece em 100% das falas. Nota- se também que todas elas têm um sonho de ter uma casa e uma família. Quanto as questões de saúde, elas não costumam procurar atendimento médico, a não ser em caso de grande necessidade ou urgência, já que quando buscam esse atendimento são discriminadas e mal tratadas pelas equipes de saúde, percebe-se que na maioria das vezes preferem procurar atendimento do Consultório na Rua devido ao Atendimento diferenciado e pelo carinho com que a equipe trata delas.
Durante o estudo foi possível perceber que a enfermagem, que é a principal responsável pelos cuidados com as pessoas, tem muito que aprender sobre a população em situação de rua e trabalhar melhor seus preconceitos para prestar um melhor atendimento para essa população. As dificuldades que tive foram devido à pandemia de COVID-19. Contudo há intenção de dar seguimento a essa pesquisa, pois existem muitas mulheres ainda que poderiam respondê-la para que se possa ter um resultado mais fidedigno e a partir disso quem sabe se consiga montar estratégias para um melhor atendimento e melhorar a promoção de saúde dessas mulheres em situações de vulnerabilidade.
REFERÊNCIAS
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MINAYO, Maria Cecília. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 12. ed. São Paulo: Hucitec, 2010.
SOUSA, Marluce Rufino. CAMPOS, Lorena Cardoso Mangabeira. OLIVEIRA, Jeane Freitas de. OLIVEIRA, Josias Alves de. SILVA, Dejeane de Oliveira. Mulheres em Situação de Rua: Práticas de Cuidados em Saúde. V Seminário Internacional Enlaçando Sexualidades. Salvador, 2016.
ESMERALDO, A. F. L., & Ximenes, V. M. (2022). Mulheres em situação de rua: Implicações psicossociais de estigmas e preconceitos. Psicologia: Ciência e Profissão, 42, 1-15. https://doi.org/10.1590/1982-3703003235503
Guzzo, R. S. L. A. (2016). A (des)igualdade social e a psicologia: Uma perspectiva para o debate sobre a pobreza. In V. M. Ximenes, B. B. Nepomuceno, E. C. Cidade & J. F. Moura Júnior (Orgs.), Implicações psicossociais da pobreza: Diversidades e resistências (pp. 149-164). Expressão Gráfica e Editora.
1Graduanda em Enfermagem Instituição: A Faculdade Metropolitana (FAMETRO)
Endereço: Manaus, AM, Brasil E-mail: brunahonorio65@gmail.com
2Graduanda em Enfermagem Instituição: A Faculdade Metropolitana (FAMETRO)
Endereço: Manaus, AM, Brasil E-mail: batistaemilly87@gmail.com
3Graduando em Enfermagem Instituição: A Faculdade Metropolitana (FAMETRO)
Endereço: Manaus, AM, Brasil E-mail: amaurysabinoribeirofihosabino@gmail.com
4Graduanda em Enfermagem Instituição: A Faculdade Metropolitana (FAMETRO)
Endereço: Manaus, AM, Brasil E-mail: lalasilvarabelo@gmail.com
5Graduanda em Enfermagem Instituição: A Faculdade Metropolitana (FAMETRO)
Endereço: Manaus, AM, Brasil E-mail: jamilyferreira800@gmail.com
6Graduanda em Enfermagem Instituição: A Faculdade Metropolitana (FAMETRO)
Endereço: Manaus, AM, Brasil
7Orientador – Docente do Curso de Enfermagem Adriano.oliveira@fametro.edu.br
Instituição de Formação: Univas – Universidade do Vale do Sapucaí
Rua Nossa Senhora de Fátima 950 bloco 16 AP 103
8Coorientador – Docente Acadêmico Ceuni-Fametro Victor.costa@fametro.edu.br
Instituição de Formação: Centro Universitário Fametro Endereço: Manaus, AM, Brasil