A UTILIZAÇÃO DA MEDIAÇÃO FAMILIAR PARA IDOSOS EM SITUAÇÃO DE RISCO NO MUNICÍPIO DE PORTO VELHO/RO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202411112240


Jaquilene de Oliveira de Araújo Galvão1
Ingrid Rayani Texeira Lopes2
Jennifer Alves Rates Gomes3


RESUMO

O presente estudo objetiva analisar a eficácia da mediação familiar no município de Porto Velho/ RO como estratégia de intervenção para proteger os idosos em situação de risco. Diante do crescente número de idosos vulneráveis, a mediação se apresenta como um meio eficaz para promover o diálogo entre familiares e garantir a proteção dos direitos e necessidades dos idosos. Dessa forma, buscou-se discutir o conteúdo a estrutura familiar, os desafios enfrentados pelos idosos em situações de fragilidade e a relevância de envolver a família na busca por soluções adequadas. A mediação familiar é abordada como um espaço de comunicação e negociação, onde os envolvidos podem discutir questões relacionadas aos cuidados, à saúde e à convivência, sempre visando o melhor interesse do idoso. O estudo destaca a importância da participação familiar e comunitária na promoção de um envelhecimento saudável e ativo. A metodologia adotada é de caráter bibliográfico, qualitativa e descritiva, permitindo uma análise profunda das teorias e práticas existentes sobre mediação familiar e sua aplicação no contexto dos idosos em Porto Velho. Foram examinados artigos, livros e documentos relevantes que discutem tanto a mediação quanto a situação dos idosos, oferecendo uma base sólida para a compreensão do tema. Os resultados obtidos indicam que a mediação familiar não apenas facilita a resolução de conflitos, mas também promove um ambiente mais colaborativo entre os familiares, contribuindo para a proteção e dignidade dos idosos. 

Palavras-chave: Mediação Familiar. Vulnerabilidade. Idosos. Porto Velho.

ABSTRACT

The present study aims to analyze the effectiveness of family mediation in the municipality of Porto Velho, RO, as an intervention strategy to protect elderly individuals in situations of risk. Given the increasing number of vulnerable elderly people, mediation emerges as an effective means to promote dialogue among family members and ensure the protection of the rights and needs of the elderly. Thus, the content discusses the family structure, the challenges faced by the elderly in situations of fragility, and the relevance of involving the family in seeking appropriate solutions. Family mediation is approached as a space for communication and negotiation, where those involved can discuss issues related to care, health, and coexistence, always with the best interest of the elderly in mind. The study highlights the importance of family and community participation in promoting healthy and active aging. The methodology adopted is bibliographical, qualitative, and descriptive, allowing for an in-depth analysis of existing theories and practices on family mediation and its application in the context of the elderly in Porto Velho. Relevant articles, books, and documents discussing both mediation and the situation of the elderly were examined, providing a solid foundation for understanding the topic. The results obtained indicate that family mediation not only facilitates conflict resolution but also promotes a more collaborative environment among family members, contributing to the protection and dignity of the elderly.

Keywords: Family Mediation, Vulnerability, Elderly, Porto Velho

1. INTRODUÇÃO

Em conformidade com os princípios constitucionais de proteção aos idosos, foi estabelecida a Lei nº 8.842/94, que estabelece a Política Nacional do Idoso. O propósito dessa legislação, conforme disposto em seu artigo 1°, é assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade (Brasil, 1994).

A partir disso, o tema da mediação familiar para idosos em situação de risco surge da interseção entre a crescente complexidade das dinâmicas familiares (Martins, 2017). Em muitos casos, os idosos em situação de vulnerabilidade enfrentam desafios decorrentes de conflitos familiares, negligência, abuso físico, emocional ou financeiro, bem como isolamento social.

A mediação familiar se apresenta como uma abordagem promissora para lidar com conflitos intrafamiliares e para promover a proteção dos idosos em situação de risco. Ao invés de recorrer imediatamente a soluções legais ou institucionais, a mediação oferece um espaço para o diálogo construtivo e a busca por soluções colaborativas, levando em consideração as necessidades e os interesses de todas as partes envolvidas.

A partir disso, o problema a ser abordado neste trabalho é: Como o município de Porto Velho/RO tem aplicado a mediação familiar para proteger idosos em situação de risco dentro de seus lares?

Por isso, definiu-se como objetivo geral: analisar a eficácia da mediação familiar no município de Porto Velho/ RO como estratégia de intervenção para proteger os idosos em situação de risco. Para tanto, será preciso analisar as principais causas de conflitos intrafamiliares envolvendo idosos em situação de risco, identificando fatores de vulnerabilidade e riscos associados. Apresentar as diferentes abordagens de mediação familiar no município de Porto Velho aplicados para lidar com conflitos familiares específicos de idosos em situação de risco e compreender os efeitos da mediação familiar na proteção e bem-estar dos idosos em situação de risco a partir de decisões judiciais no âmbito de Porto Velho.

Dessa forma, considerou-se a seguinte hipótese: a mediação familiar, quando adequadamente conduzida, pode reduzir os conflitos intrafamiliares e promover a segurança e o bem-estar dos idosos em situação de risco, proporcionando-lhes um ambiente familiar mais saudável e protegido.

Ressalta-se que a escolha desse tema de pesquisa foi escolhida devido à sua relevância social e científica, além de seu alinhamento com a formação jurídica. A pesquisa busca abordar as complexidades das relações familiares contemporâneas, especialmente no que diz respeito ao bem-estar dos idosos. 

Entre 2020 e 2023, mais de 408 mil denúncias de idosos em situação de risco foram registradas, com destaque para a região sudeste, que concentrou 53% dos casos (Martins, 2017). Diante do aumento da vulnerabilidade dos idosos e da importância de garantir sua segurança, a mediação familiar se apresenta como uma solução promissora para resolver conflitos intrafamiliares de forma colaborativa. A investigação sobre a eficácia dessa abordagem é fundamental para o desenvolvimento de políticas que protejam os idosos, promovendo uma sociedade mais inclusiva.

Em relação a metodologia, a pesquisa em questão é de natureza bibliográfica e qualitativa, utilizando o método hipotético-dedutivo. Esse método permite a formulação de hipóteses a partir da observação de fenômenos, seguida da dedução de consequências e da criação de testes para validar as hipóteses. A pesquisa bibliográfica envolve a análise de obras publicadas, como livros, artigos científicos, legislação, teses e dissertações, com base em dados obtidos de plataformas como e o portal da Capes. Os descritores utilizados na pesquisa incluem Idosos, Mediação, Tribunal de Justiça de Rondônia, Mediação de Conflitos e Idosos em situação de vulnerabilidade.

A abordagem qualitativa visa uma compreensão aprofundada dos fenômenos sociais relacionados à mediação familiar para idosos em risco, levando em consideração valores, crenças, experiências e percepções dos envolvidos. A análise dos dados será qualitativa, focando na interpretação e síntese das informações coletadas para identificar padrões, tendências e relações, além de explorar os desafios, benefícios e limitações da mediação familiar nesse contexto.

2. O PROCESSO DE ENVELHECIMENTO E O CUIDADO

A população idosa tem crescido significativamente. Nesse contexto, as observações de Martins (2017) são pertinentes: Planejar a velhice e os cuidados que se possa necessitar nesta fase é algo relevante em qualquer etapa da vida.

Durante o envelhecimento, os conflitos que surgem entre os idosos e seus familiares muitas vezes decorrem das fragilidades características dessa fase, que demandam dos filhos responsabilidades e cuidados especiais. Cachapuz (2011) ressalta que algumas famílias se tornam insensíveis em relação à pessoa idosa. Frequentemente, não conseguem perceber que esse processo é natural e uma parte essencial da vida do ser humano.

No entanto, o aumento da longevidade não necessariamente se traduz em melhor qualidade de vida. Portanto, é crucial garantir os direitos dos idosos não apenas porque representam a história e a ancestralidade de toda uma nação, mas também porque enfrentam diversas vulnerabilidades. Além disso, são exemplos importantes para as gerações mais jovens e merecem todo o respeito devido às suas próprias trajetórias de vida.

A vulnerabilidade associada ao envelhecimento é resultado de diversos fatores e processos físicos, econômicos, sociais, psicológicos e fisiológicos. O declínio funcional é frequentemente apontado como a manifestação mais significativa dessa vulnerabilidade, refletido na fragilidade que afeta a capacidade funcional, equilíbrio, mobilidade, função cognitiva, deficiências sensoriais, condições emocionais como sintomas depressivos, suporte familiar e social adequado, condições ambientais e risco nutricional (Lacas, 2012).

Dessa forma, Lima e Trintinalha (2024) ressaltam que a maior responsabilidade pelos cuidados com os idosos recai sobre as mulheres, uma realidade observada nas famílias contemporâneas. Quando essa responsabilidade é compartilhada entre vários filhos, e há um entendimento mútuo entre eles, a carga individual tende a ser mais leve (Lima e Trintinalha, 2024).

No entanto, quando poucos se encarregam dessa tarefa seja devido ao tamanho reduzido da família ou à indisponibilidade dos filhos para dividir essa responsabilidade normalmente se designa um cuidador principal, que na maioria das vezes é uma mulher (Lima e Trintinalha, 2024).

Essa cuidadora frequentemente não consegue prever quanto tempo durará seu compromisso, que pode se estender por semanas, meses ou até anos. Além disso, é crucial considerar que cada pessoa idosa possui uma história única, seu próprio contexto familiar e as relações que dele emanam (Lima e Trintinalha, 2024).

Segundo a definição da Organização Mundial da Saúde (OMS) (2002),  a velhice é caracterizada como um estágio que envolve um conjunto de alterações físicas e psicológicas resultantes do processo natural de envelhecimento ao longo do tempo. É um período em que ocorre uma progressiva deterioração do organismo, tornando mais desafiadoras as atividades que antes eram realizadas com facilidade. Esse processo é considerado irreversível no contexto da vida orgânica, resultando no encurtamento progressivo da expectativa de vida à medida que a idade avança.

Por outro lado, a violência contra os idosos, conforme definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) (2002), compreende qualquer ação ou omissão que ocorra dentro de relações de confiança, causando danos ou aflição à vítima. Esta violência pode manifestar-se de diversas formas, como agressão física, psicológica, sexual, financeira, negligência e abandono (Minayo, 2014).

No contexto brasileiro, 28% dos domicílios têm ao menos um idoso, sendo os filhos e cônjuges os principais perpetradores (Matos et al., 2019).

Assim, mudanças na estrutura familiar contemporânea, como a inserção da mulher no mercado de trabalho, redução no número de filhos e aumento dos divórcios, contribuem para a marginalização dos idosos e para o aumento da violência. Apesar disso, a família é vista como uma rede crucial de apoio para os idosos, conforme preconizado pela legislação brasileira (Martins, 2017).

Portanto, é fundamental que as políticas públicas sociais, assim como os profissionais que atuam com idosos e suas famílias, adotem uma abordagem sistêmica que leve em conta a realidade específica de cada família atendida, ao mesmo tempo que reconhecem a singularidade de cada fase da velhice. Isso implica compreender a pessoa idosa como um sujeito de direitos no contexto social e familiar em que se encontram (Lima e Trintinalha, 2024).

2.1 Questões históricas e culturais de abandono familiar do idoso

Conforme pesquisa divulgada em 2018 pelo então Ministério do Desenvolvimento Social, o abandono de idosos registrou um aumento de 33% entre 2012 e 2017. Esses dados indicam a necessidade de uma atenção especial ao tema, especialmente diante do crescimento da população idosa e do aumento dos casos de abandono enfrentados por essa faixa etária. Além de representar uma questão numérica no contexto do envelhecimento em massa, esses números refletem transformações sociais e culturais ao longo dos anos que resultaram na exclusão do idoso do convívio familiar.

Aspectos históricos e culturais, além dos fatores demográficos, demonstram que o abandono de idosos os colocou em uma condição de vida precária, marcada pelo esquecimento e pelo desprezo familiar. Embora, nas últimas décadas, os idosos tenham sido reconhecidos globalmente como uma população vulnerável a abusos, essa questão ainda permanece invisível em muitos contextos (Sarlet, 2006).

Ressalta-se que esses dados só têm crescido, em 2023, o número de denúncias de abandono de idosos teve um aumento de 855%, conforme informações do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (G1, 2023).

 Entre janeiro e maio do mesmo ano, foram registrados quase 20.000 casos de abandono, enquanto no mesmo período de 2022, o total foi de 2.092 casos. Esse crescimento representou o maior aumento entre os diversos tipos de violações contra idosos, como negligência, violência psicológica e violência física, todas com aumento no número de denúncias (G1, 2023).

Em relação aos casos de negligência, situação em que o responsável pelo idoso não oferece os cuidados essenciais, como higiene e saúde, foram contabilizados 37.441 registros no período de janeiro a maio (G1, 2023).

Este estudo realizado pelo G1  destaca as consequências históricas, culturais e populacionais como fatores fundamentais para o atual cenário de abandono de idosos no Brasil. Observa-se uma profunda inversão de valores, especialmente em relação ao cuidado e à responsabilidade familiar para com o idoso. Esse processo tem levado a uma transferência significativa dessa responsabilidade para o Estado, que, devido à crescente demanda, enfrenta dificuldades para atender adequadamente às necessidades dessa população.

Diante do aumento expressivo nos casos de abandono de idosos, a mediação familiar surge como uma estratégia essencial para mitigar os conflitos e resgatar a responsabilidade familiar. Conforme o estudo aponta, o abandono não é apenas uma questão numérica, mas reflete mudanças sociais e culturais que contribuíram para que os idosos fossem afastados do convívio familiar. Nesse sentido, a mediação busca reconectar familiares, promovendo o diálogo e favorecendo soluções que envolvam a participação de todos na assistência ao idoso.

Para Teixeira (2019), a mediação em contextos familiares envolvendo idosos é fundamental, pois permite promover o entendimento mútuo e construir soluções personalizadas que atendam tanto às necessidades dos idosos quanto dos familiares. A mediação, portanto, não apenas favorece a manutenção dos vínculos afetivos, mas também auxilia na redução do impacto sobre o sistema público de amparo aos idosos, redistribuindo a responsabilidade entre família e Estado.

2.2 A transferência da responsabilidade familiar para o acolhimento estatal

As famílias são as principais responsáveis pelos cuidados dos idosos, não apenas por uma questão legal, mas também por razões morais. Considera-se que os idosos foram responsáveis pela criação dos indivíduos que, em teoria, deveriam protegê-los na velhice. Quando as famílias não assumem essas obrigações básicas, acabam transferindo a responsabilidade para o Estado, que também tem o dever de garantir uma vida digna para todos, especialmente para as minorias e grupos em situação de vulnerabilidade social.

Sousa (2011) expressa esse ponto de forma brilhante ao afirmar que o bem-estar dos idosos está relacionado à estrutura familiar, à sociedade e ao seu respeito complexo e antiético pelo idoso, além da caridade e da responsabilidade que recaem sob a tutela estatal. 

A participação da família na vida do idoso é essencial para seu desenvolvimento e qualidade de vida, podendo até contribuir para a longevidade e a saúde dele. O sentimento de pertencimento a ambientes familiares, sociais e comunitários é fundamental para que o idoso se sinta valorizado, especialmente em uma fase da vida marcada por perdas, como a saída do mercado de trabalho, que muitas vezes é dolorosa. A falta de interação familiar pode resultar em consequências graves para a integridade física e mental do idoso.

A presença da família na vida do idoso é fundamental para seu desenvolvimento e bem-estar, contribuindo até mesmo para a extensão de sua vida saudável. 

O sentimento de pertencimento do idoso a ambientes familiares, sociais e comunitários é fundamental para preencher sua existência, especialmente em um período marcado por perdas significativas, como a saída do mercado de trabalho, que muitas vezes é dolorosa. A falta de familiares pode ter consequências severas e prejudiciais para a integridade física e mental do idoso. Guilherme Calmon Gama destaca a importância do cuidado e da solidariedade, afirmando que:

O cuidado e a solidariedade viabilizam o envelhecimento ativo, o que significa que todos, especialmente os familiares, devem participar do processo de otimização das oportunidades de saúde, convívio social e comunitário e segurança do idoso, permitindo assim o aprimoramento de sua qualidade de vida à medida que envelhece (Gama, 2019).

Em Porto Velho, existe o Centro de Convivência do Idoso que visa promover atividades que favoreçam um envelhecimento ativo e saudável, além de incentivar a sociabilidade. Seu propósito inclui o fortalecimento das relações familiares e o convívio social, bem como a prevenção de situações de vulnerabilidade social, no entanto, não se trata propriamente da mediação (SEMASF, 2024).

2.3 Proteção jurídica dos idosos 

No Brasil, é possível afirmar que a definição de idoso abrange qualquer indivíduo que tenha 60 anos ou mais, independentemente de ser homem ou mulher, nacional ou estrangeiro, residente em áreas urbanas ou rurais, atuante na iniciativa privada ou no setor público, esteja em liberdade ou cumprindo pena, e que possa estar empregado ou aposentado, incluindo também os pensionistas, sem levar em conta sua condição social (Martinez, 2005).

A Constituição Federal do Brasil estabelece que a proteção aos idosos é responsabilidade não apenas do Estado, mas também da sociedade e da família. Essas entidades devem garantir o amparo, defender o bem-estar e a dignidade dos idosos, além de trabalhar para promover sua inclusão na comunidade em que vivem (Brasil, 1988).

De caráter progressista, a Constituição assegura a igualdade de gênero e os direitos sociais, incluindo educação, saúde, bem-estar, lazer e trabalho para todos os cidadãos. No que tange aos idosos, o artigo 230 da Constituição Federal dispõe que é:

Dever da família, do Estado e da sociedade amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação nas comunidades, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. (BRASIL,1988)

Vejamos que a responsabilidade é conjunta da família, do Estado e da sociedade na proteção e assistência aos idosos, conforme previsto na Constituição de 1988. Essa abordagem demonstra uma visão de cuidado, reconhecendo que o amparo à população idosa não é tarefa exclusiva de um setor, mas um dever coletivo.

Assim, o Estatuto do Idoso, por sua vez, reforça esses direitos ao estabelecer medidas concretas de proteção. O artigo 3º da referida lei declara que:

É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária” (BRASIL, 2003). 

Esse marco normativo assegura uma série de garantias, inclusive com relação à proteção contra abusos e negligência, sendo um avanço significativo na defesa da população idosa no Brasil.

Além disso, a legislação garante aos idosos prioridades em diversos aspectos, como atendimento preferencial em serviços públicos e privados, gratuidade nos transportes coletivos e a criação de programas voltados à promoção da saúde e bem-estar. 

3. PANORAMA HISTÓRICO DA MEDIAÇÃO DE CONFLITOS

O termo mediação, que se origina do latim mediare, refere-se ao ato de dividir algo ao meio (Cachapuz, 2011). A prática de mediação para resolver conflitos não é algo recente, pois tem raízes profundas na história.

 Conforme destaca Moore (1998), a mediação tem uma longa e eficaz trajetória nas culturas judaica, cristã, islâmica, hindu, budista, confucionista e em diversas tradições indígenas. Embora haja muitas discussões sobre o surgimento da mediação, é difícil identificar um ponto inicial, pois há registros antigos dessa prática no Ocidente, especialmente por meio da concepção de conciliação cristã influenciada pelo Direito Romano. 

Segundo Cachapuz (2011), a mediação é um conceito ancestral, presente na cultura jurídica romana, conhecido como Diritto Fecciali, que é considerado um direito derivado da fé. Assim, a mediação é vista como uma ferramenta facilitadora para a resolução de conflitos. 

Na antiga China, esse processo também se destacou como uma maneira eficaz de lidar com divergências entre as pessoas, continuando a ser um método eficaz de resolução de conflitos até os dias atuais, com a China já formando um milhão de mediadores que atuam inclusive nas escolas (Cachapuz, 2011). 

Embora a busca por métodos pacíficos de resolução de conflitos seja uma prática antiga, foi somente no início do século passado que a mediação se tornou formalmente institucionalizada e reconhecida como uma profissão. A esse respeito, 

Moore (1998) observa que esse aumento pode ser atribuído, em parte, a uma compreensão mais abrangente dos direitos humanos e da dignidade de cada pessoa, à ampliação do desejo de participação democrática em diferentes esferas sociais e políticas, bem como à convicção de que todos têm o direito de influenciar e controlar as decisões que impactam suas vidas. Além disso, é resultado de um respaldo ético aos acordos individuais e de uma crescente aceitação da diversidade em certas regiões.

3.1 Mediação familiar com familiares de e para idosos

A aplicação da mediação familiar para idosos é um recurso valioso, especialmente em situações em que os idosos não têm condições de saúde adequadas para participar ativamente, ou quando estão interditados. Nesses casos, a mediação é realizada com os familiares, priorizando aspectos fundamentais como a comunicação, os cuidados e o bem-estar do idoso (Marodin, et al., 2016).

As situações mais frequentes que demandam mediação envolvem conflitos relacionados ao cuidado de idosos em condição de fragilidade, que apresentam uma capacidade funcional reduzida e dependência em atividades básicas da vida diária, além da necessidade de atenção e cuidados de saúde (Marondin, et al., 2016).

Durante esse processo, diversas questões são frequentemente discutidas, incluindo: quem será responsável pelos cuidados do idoso; a divisão das responsabilidades; frequência das visitas; despesas relacionadas ao tratamento; consultas médicas; auxílio na administração da medicação; cuidados com alimentação e higiene; contratação de cuidadores; e gestão dos bens e da pensão do idoso (Nepumoceno e Schneider, 2016).

Se a decisão da família e do idoso contemplar a internação em uma clínica geriátrica, outros aspectos podem ser trabalhados, como a escolha da instituição (considerando as condições de conforto e o tipo de cuidados oferecidos), a divisão das despesas relacionadas ao atendimento geriátrico, e a definição de como como será organizada a convivência e possível passeios aos finais de semana, ou férias, com o objetivo de manter os laços familiares.

A importância da mediação nesse contexto é enfatizada por autores como Rivas e Ferreira (2020), que afirmam que a mediação pode atuar como um facilitador no processo de comunicação entre os membros da família, permitindo que as preocupações e necessidades do idoso sejam adequadamente expressas e consideradas. 

Além disso, segundo Mendes (2019), a mediação familiar não só ajuda a resolver conflitos, mas também promove a construção de um ambiente mais colaborativo e respeitoso, onde todos os membros da família podem trabalhar juntos em prol do bem-estar do idoso.

Nesse sentido, a mediação familiar se torna uma ferramenta essencial para garantir que os direitos e a dignidade dos idosos sejam preservados, promovendo uma abordagem mais integrada e humanizada em relação ao cuidado e à assistência a essa população.

3.2 Histórico do projeto de mediação para idosos da promotoria de justiça cível do foro regional de santo amaro, São Paulo. uma sugestão para Porto Velho/RO

Após a participação em um curso teórico sobre Mediação no Modelo Transformativo promovido pela Escola Superior do Ministério Público, a Promotora de Justiça Cível, Dr.ª Mônica Lodder de Oliveira dos Santos Pereira, e a Procuradora de Justiça, Dr.ª Isabella Ripoli Martins, perceberam a viabilidade de mediar conflitos familiares identificados em Procedimentos Administrativos instaurados com idosos em situação de risco (Martins, 2017). De acordo com o Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/2003), artigo 74, inciso V, é responsabilidade do Ministério Público:

Instaurar procedimento administrativo e, para instruí-lo: a) expedir notificações, colher depoimentos ou esclarecimentos e em caso de não comparecimento injustificado da pessoa notificada requisitar condução coercitiva, inclusive pela Polícia Civil ou Militar; b) requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades municipais, estaduais e federais, da administração direta e indireta, bem como promover inspeções e diligências investigatórias; c) requisitar informações e documentos particulares de instituições privadas (Brasil, 2003, s.p).

A Promotoria de Justiça de São Paulo recebe uma variedade de reclamações sobre idosos em situação de risco, que são relatadas por diversos canais, incluindo o Disque 100, atendimentos pessoais de familiares, assistentes sociais, terceiros e até mesmo pelos próprios idosos. Além disso, denúncias podem vir de Unidades Básicas de Saúde, hospitais e Centros de Referência do Idoso, entre outros (Martins, 2017).

O risco que esses idosos enfrentam, muitas vezes, é resultado de abandono seja ele total ou parcial, material ou moral levando a sérios danos físicos e psicológicos. As situações de abandono ou falta de cuidados frequentemente se originam de relações familiares conflituosas (Barbosa, 2015). Exemplos dessas circunstâncias incluem: Idosos com saúde debilitada que ficam sozinhos; idosos que recebem alta hospitalar, mas não são buscados pelos familiares; falta de acompanhamento em consultas médicas; desinteresse em relação à medicação prescrita; ausência de convivência com os filhos.

Nos procedimentos administrativos, os conflitos familiares surgem em diversas situações, como por exemplo, dificuldades nos cuidados, onde nenhum dos filhos assume a responsabilidade, ou apenas um filho se encarrega dessa função, sobrecarregando-se. 

Em relação à vulnerabilidade, a Constituição Federal Brasileira estabelece o princípio da solidariedade entre as gerações familiares e o princípio do melhor interesse.

Nesse contexto, Barletta (2010) destaca que os idosos têm direito ao mesmo cuidado especial que deve vir da família, conforme o princípio do melhor interesse. É importante notar que a atenção dada tanto a crianças e adolescentes quanto a idosos não se limita à solidariedade intergeracional dentro do núcleo familiar; ela também deve ser estendida pela sociedade e pelo Estado para com seus membros mais vulneráveis, independentemente da faixa etária, seja na juventude ou na velhice.

Entendendo, esse contexto de São Paulo para implantar um sistema eficaz de mediação em Porto Velho, inspirado nessas experiências, é fundamental considerar alguns passos estratégicos que garantam a proteção e o cuidado dos idosos em situação de risco

Em primeiro lugar, a formação de profissionais qualificados em mediação familiar é essencial. Como apontado por Nepumoceno e Schneider (2021), após seu curso teórico sobre mediação, a capacitação de mediadores pode facilitar a resolução de conflitos familiares que envolvem idosos, promovendo um ambiente de diálogo e entendimento. Isso pode ser alcançado por meio de parcerias com instituições de ensino e programas de formação continuada que abordem especificamente a mediação no contexto familiar, assim como o Modelo Transformativo.

Além disso, Porto Velho deve criar canais de comunicação efetivos para receber denúncias e reclamações, similar ao Disque 100 de São Paulo. A implementação de um sistema que permita o registro fácil de reclamações sobre a situação de idosos, através de plataformas digitais e atendimento presencial, pode ser uma maneira eficaz de garantir que os casos de abandono e negligência sejam tratados de forma rápida e eficiente. Santos (2022) destaca que a acessibilidade às informações é fundamental para que a população se sinta encorajada a relatar casos de abuso ou descaso.

Outra ação importante é a promoção de campanhas de conscientização sobre os direitos dos idosos e a importância do cuidado familiar e comunitário. Barletta (2010) enfatiza que a sociedade e o Estado têm um papel fundamental na proteção dos membros mais vulneráveis, e campanhas informativas podem ajudar a sensibilizar a população para essa responsabilidade. Através de eventos comunitários, palestras e workshops, Porto Velho pode engajar a comunidade e reforçar a solidariedade intergeracional.

Finalmente, é necessário que a Promotoria de Justiça em Porto Velho desenvolva parcerias com instituições de saúde, assistência social e organizações não governamentais (ONGs) para implementar uma rede de apoio para os idosos. Essa colaboração pode incluir a articulação de serviços de saúde, cuidado domiciliar e suporte emocional, garantindo que as necessidades dos idosos sejam atendidas de maneira abrangente e eficaz.

Dessa forma, Porto Velho pode construir um sistema de mediação que não apenas resolva conflitos familiares, mas que também promova um envelhecimento ativo e saudável, respeitando e garantindo os direitos dos idosos em sua comunidade.

3.3 Mediação familiar para idosos em situação de risco no município de Porto Velho/RO

O município de Porto Velho/RO tem avançado na aplicação da mediação familiar como uma estratégia de proteção para idosos em situação de risco, especialmente dentro de seus lares, no entanto, ainda é muito baixo. Por meio de parcerias com centros de referência em assistência social e programas de apoio à família, a administração municipal tem implementado práticas de mediação que visam mitigar conflitos familiares que possam ameaçar a segurança, a saúde e o bem-estar dos idosos, como já tem sido realizado também em outros estados do Brasil (CNJ, 

Essas ações de mediação familiar são conduzidas por profissionais capacitados, como assistentes sociais e psicólogos, que trabalham para facilitar o diálogo e promover o entendimento entre os familiares, buscando soluções colaborativas que respeitem a autonomia e os direitos dos idosos. Segundo dados da Secretaria Municipal de Assistência Social de Porto Velho, programas como o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) têm desempenhado papel essencial ao identificar situações de conflito e fragilidade, proporcionando um ambiente seguro para a resolução desses problemas dentro do próprio ambiente familiar (SEMASF, 2024).

A mediação em Porto Velho tem se mostrado eficaz em reduzir a judicialização de conflitos familiares, o que contribui para a manutenção dos laços familiares e para a diminuição do estresse psicológico entre os envolvidos. Essa abordagem também contribui para que os idosos tenham uma participação ativa no processo, garantindo que suas vozes e necessidades sejam consideradas nas decisões familiares. Dessa forma, o município busca fortalecer o núcleo familiar, promovendo maior proteção e qualidade de vida para os idosos em situação de risco( SEMASF, 2024).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A utilização da mediação familiar para idosos em situação de risco no município de Porto Velho/RO ressalta a importância dessa abordagem como uma estratégia eficaz para lidar com conflitos familiares que podem impactar a qualidade de vida e a segurança dos idosos. A mediação não apenas oferece um espaço para o diálogo, mas também promove a compreensão mútua entre os membros da família, contribuindo para a resolução pacífica de desavenças.

Diante do crescente número de idosos vulneráveis na sociedade, é fundamental que Porto Velho implemente um sistema de mediação familiar que leve em conta as especificidades e os desafios enfrentados por essa população. A criação de um ambiente que favoreça a comunicação e o entendimento pode resultar em um cuidado mais humano e adequado, alinhado aos princípios do Estatuto do Idoso, que estabelece a responsabilidade compartilhada entre família, sociedade e Estado na proteção e promoção dos direitos dos mais velhos.

Além disso, a capacitação de profissionais especializados em mediação é um ponto crucial para o sucesso desse sistema. Com mediadores bem treinados, os conflitos relacionados a cuidados, responsabilidades e decisões que envolvem idosos podem ser abordados de maneira sensível e eficiente, respeitando a autonomia e os desejos dos idosos, mesmo quando estes não estão em condições de se manifestar plenamente.

Outro aspecto relevante é a necessidade de conscientização da sociedade sobre os direitos dos idosos e a importância do cuidado familiar. Campanhas educativas podem ajudar a promover uma cultura de respeito e solidariedade intergeracional, fortalecendo os vínculos familiares e a participação da comunidade no apoio aos idosos.

Por fim, é imperativo que haja uma articulação entre os órgãos de saúde, assistência social e justiça para formar uma rede de apoio que amplie o alcance da mediação familiar e garanta que os idosos em situação de risco tenham acesso a recursos e serviços que promovam seu bem-estar e dignidade. A mediação familiar, portanto, se apresenta como uma ferramenta valiosa na construção de uma sociedade mais justa e cuidadosa com seus membros mais vulneráveis, especialmente os idosos.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Águida Arruda. Mediação familiar interdisciplinar. São Paulo: Atlas, 2015.

BARLETTA, Fabiana Rodrigues. O direito à saúde da pessoa idosa. São Paulo: Saraiva, 2010.

BELASCO AGS, OKUNO MFP. Realidade e desafios para o envelhecimento. Rev Bras Enferm. 2019;72(Suppl2):1-10. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0034-7167.2019-72suppl201. Acesso em: 14 de jun de 2024.

BRASIL. Estatuto do idoso: Lei Federal nº 10.741, de 01 de outubro de 2003.Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/L10.741.htm.Acesso em: 10 mar 2024.

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1Acadêmica de Direito. Artigo apresentado à (Faculdade de Direito de Porto Velho-Unisapiens) como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO, 2024.
2Acadêmica de Direito. Artigo apresentado à (Faculdade de Direito de Porto Velho-Unisapiens) como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO, 2024.
3Professora Orientadora.