UMA ANÁLISE COMPARATIVA DOS PROCEDIMENTOS INVESTIGATÓRIOS DA POLÍCIA JUDICIÁRIA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL E NA ARGENTINA

A COMPARATIVE ANALYSIS OF THE INVESTIGATIVE PROCEDURES OF THE JUDICIARY POLICE AND THE PUBLIC MINISTRY IN BRAZIL AND ARGENTINA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202411112155


Leonardo Hostalácio Marinho1


Resumo

O presente trabalho tem como objetivo realizar uma análise comparativa dos procedimentos investigatórios conduzidos pela Polícia Judiciária e pelo Ministério Público no Brasil e na Argentina. A pesquisa busca examinar as atribuições e os limites de atuação de ambas as instituições, considerando as particularidades dos sistemas de justiça criminal de cada país. Para tanto, adota-se uma abordagem analítico-comparativa, fundamentada em uma revisão bibliográfica e na análise das legislações pertinentes de ambos os países. O estudo também considera as diferenças estruturais e processuais dos modelos de investigação criminal em cada contexto. Os resultados apontam para distinções significativas no papel de cada instituição, especialmente em relação à autonomia investigativa e à condução do inquérito, o que reflete variações nas concepções de controle e eficiência da investigação criminal. Conclui-se que as disparidades observadas entre os dois sistemas reforçam a importância de um aprofundamento no debate sobre o papel dessas instituições nas reformas dos processos penais em nível comparado.

Palavras-chave: Polícia Judiciária. Ministério Público. Investigação Criminal. Brasil. Argentina.

1 INTRODUÇÃO

A investigação criminal é uma etapa fundamental no sistema de justiça, sendo responsável pela coleta de provas e elementos que possam subsidiar a acusação ou a defesa em processos penais. No Brasil, a Polícia Judiciária exerce o papel principal na condução dos inquéritos, enquanto o Ministério Público atua como fiscal da legalidade das investigações e responsável pela acusação. Já na Argentina, o Ministério Público assume uma posição mais ativa, com prerrogativas ampliadas no âmbito das investigações, o que evidencia diferenças importantes nos modelos de justiça criminal adotados em ambos os países. Essas distinções no papel e nas funções de cada instituição geram debates sobre a eficiência e a imparcialidade das investigações, além de refletirem concepções jurídicas distintas sobre o controle e a condução da persecução penal.

O problema de pesquisa surge da necessidade de compreender como esses diferentes modelos de investigação influenciam a eficácia e o controle das atividades investigativas, bem como o equilíbrio entre o poder investigativo e as garantias processuais nos dois países. No contexto brasileiro, questiona-se se a atuação da Polícia Judiciária, com a supervisão do Ministério Público, é suficiente para assegurar investigações eficientes e justas, ao passo que, na Argentina, o protagonismo do Ministério Público levanta discussões sobre sua imparcialidade na condução das investigações e no exercício da função acusatória.

A justificativa desta pesquisa reside na importância de se compreender as peculiaridades dos sistemas investigativos do Brasil e da Argentina, especialmente em um momento de crescente demanda por reformas no processo penal. As investigações criminais eficazes e imparciais são essenciais para garantir o combate ao crime e a proteção dos direitos fundamentais dos envolvidos. Comparar esses dois sistemas pode oferecer insights relevantes para o aperfeiçoamento das práticas investigativas, tanto no Brasil quanto na Argentina, contribuindo para o debate sobre possíveis reformas processuais que fortaleçam a eficiência e a legalidade das investigações criminais. Além disso, a análise das diferenças institucionais pode oferecer subsídios para a compreensão das distintas concepções sobre o papel do Ministério Público e da Polícia Judiciária na persecução penal.

O objetivo desta pesquisa é realizar uma análise comparativa dos procedimentos investigatórios conduzidos pela Polícia Judiciária e pelo Ministério Público no Brasil e na Argentina. Busca-se identificar as principais semelhanças e diferenças na estrutura, nas funções e nas prerrogativas de cada instituição, a fim de verificar como essas características impactam a eficácia das investigações e o controle das atividades investigatórias. Especificamente, pretende-se discutir como os modelos de investigação adotados em ambos os países afetam o equilíbrio entre o poder investigativo e as garantias processuais, oferecendo uma contribuição teórica e prática para a compreensão e o aprimoramento desses sistemas.

Assim, o objeto de estudo deste trabalho concentra-se na comparação entre os procedimentos investigatórios da Polícia Judiciária e do Ministério Público nos dois países, buscando compreender os reflexos dessas distinções na eficiência das investigações e no respeito aos direitos fundamentais dos investigados

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A investigação criminal tem sido objeto de amplo debate, tanto na literatura jurídica quanto em reformas processuais contemporâneas. O papel das instituições encarregadas da investigação – Polícia Judiciária e Ministério Público – varia de acordo com o sistema jurídico adotado por cada país, o que influencia diretamente a eficácia das investigações e o equilíbrio entre eficiência e garantias processuais.

2.1. O papel da Polícia Judiciária e do Ministério Público no Brasil

No Brasil, a Polícia Judiciária, que engloba a Polícia Civil e a Polícia Federal, tem como principal função a condução do inquérito policial. Conforme estabelecido pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código de Processo Penal, a Polícia Judiciária é a responsável por investigar crimes e reunir provas sob a supervisão do Ministério Público. O Ministério Público, por sua vez, exerce a função de fiscal da legalidade das investigações e é o órgão titular da ação penal. Segundo Tourinho Filho (2016), a atuação da Polícia Judiciária está sujeita ao controle externo do Ministério Público, que tem a prerrogativa de requisitar diligências e, em casos excepcionais, promover investigações próprias.

Estudos como os de Nucci (2019) e Gomes (2020) destacam que a relação entre Polícia Judiciária e Ministério Público no Brasil tem gerado discussões sobre a divisão de responsabilidades no processo investigatório. Para Nucci (2019), a separação de funções é essencial para garantir um sistema equilibrado, onde a Polícia é responsável pela investigação, e o Ministério Público pela fiscalização e acusação. No entanto, a doutrina também levanta preocupações sobre a eficiência e a imparcialidade das investigações, principalmente em crimes complexos que exigem maior controle externo.

2.1.1. Policia Civil

A Polícia Civil é tratada pela Constituição Federal de 1988 como órgão estadual responsável pela função de polícia judiciária e pela investigação de infrações penais, excetuando-se aquelas de competência da União e das Forças Armadas. De acordo com o artigo 144, § 4º, “às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”.

No entendimento de Nogueira (2016), a Polícia Civil exerce papel fundamental na investigação de crimes comuns, complementando as atividades de segurança pública dos estados e preservando a ordem pública por meio da resolução de crimes no âmbito estadual. Esse papel específico inclui, ainda, uma hierarquia própria e procedimentos que se articulam com o Poder Judiciário e com o Ministério Público, especialmente para dar efetividade ao processo penal.

Além disso, a Polícia Civil, em seu papel de polícia judiciária, age sob a supervisão do Ministério Público em diversas ações. Como explica Silva (2019), o Ministério Público, ao exercer o controle externo da atividade policial, confere transparência e controle à função investigativa, garantindo que a Polícia Civil atue em observância aos direitos e garantias fundamentais.

2.1.2. Policia Federal

A Polícia Federal, por sua vez, possui atribuições específicas no contexto da segurança pública e da Polícia Judiciária no âmbito federal. Segundo o artigo 144, § 1º, prevê:

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; II – prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência; III – exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.” (BRASIL, CF/1988) 

A função da Polícia Federal de investigar crimes de maior abrangência de caráter nacional, que atua em investigações que, pela própria natureza dos delitos, requerem um tratamento diferenciado, inclusive com acesso a investimentos de tecnologia e procedimentos de inteligência investigativa avançados. Atualmente, as polícias civis com menos investimento também contam com essas ferramentas de inteligência para combater a criminalidade.

Outro ponto relevante é a atuação conjunta da Polícia Federal com outras agências internacionais em crimes transnacionais, como tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. Essa atuação internacional da Polícia Federal evidencia sua posição estratégica no combate ao crime organizado e à corrupção, refletindo a própria natureza globalizada de alguns tipos de criminalidade.

2.1.3. Ministério Público

O Ministério Público, conforme disposto no artigo 127 da Constituição de 1988, é uma instituição essencial à função jurisdicional do Estado, possuindo autonomia funcional e administrativa. O artigo 129 da Constituição define as atribuições do Ministério Público, de modo que os seguinte incisos que devem ser levados em consideração:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; VII – exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior; VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais; (BRASIL, CF/1988)

O controle externo da atividade policial, realizado pelo Ministério Público, é essencial para garantir que a atividade investigativa esteja sempre em conformidade com os preceitos legais e constitucionais, preservando-se o Estado de Direito e os direitos fundamentais dos investigados.

Além disso, o Ministério Público atua de forma independente nas investigações e tem a prerrogativa de requisitar diligências investigativas das polícias judiciárias. De acordo com Nucci (2008);

( … ) ao Ministério público cabe, tomando ciência da prática de um delito, requisitar a instauração da investigação pela polícia judiciária, controlar todo o desenvolvimento da persecução investigatória, requisitar diligências e, ao final, formar sua opinião, optando por denunciar ou não eventual pessoa apontada como autora. O que não lhe é constitucionalmente assegurado é produzir, sozinho, a investigação, denunciando a seguir quem considerar autor de infração penal, excluindo, integralmente, a polícia judiciária e, conseqüentemente, a fiscalização salutar do juiz. Nucci (2008).

Essa prerrogativa de requisição de diligências confere ao Ministério Público a possibilidade de orientar investigações criminais conforme as demandas do interesse público, promovendo maior eficácia nas ações penais.

2.2. O papel da Polícia Judiciária e do Ministério Público na Argentina

No contexto do Código de Processo Penal Federal da Argentina, reformado pelo Decreto 118/2019, o papel da Polícia Judiciária e do Ministério Público se estrutura em um sistema processual acusatório. Esse modelo organiza as funções de investigação e acusação com base em regras específicas que asseguram o equilíbrio de direitos e responsabilidades entre os órgãos envolvidos na persecução penal.

O Ministério Público (MP) é o órgão responsável pela investigação e promoção da ação penal pública, conforme definido pelo Art. 90. Este artigo especifica que o MP deve reunir provas, conduzir a investigação e sustentar a acusação durante o julgamento oral e público. Ademais, o artigo estabelece que todos os órgãos públicos têm o dever de colaborar plenamente com o MP, garantindo a eficácia e celeridade das investigações. O MP também deve atuar com imparcialidade e objetividade, conforme orienta o Art. 91, que obriga o representante do Ministério Público a considerar todas as circunstâncias relevantes, mesmo aquelas que possam favorecer o acusado. Essa regra visa garantir a imparcialidade processual e reforçar o compromisso com a busca pela verdade.

Além disso, o Artigo 92 permite ao Ministério Público postergar medidas coercitivas ou cautelares em casos especialmente graves, desde que autorizado pelo procurador superior, caso a execução imediata comprometa o sucesso da investigação. Essa prerrogativa permite maior flexibilidade nas investigações, especialmente em casos complexos ou que envolvem risco iminente para a integridade de pessoas.

A Polícia Judiciária e outras forças de segurança, por sua vez, atuam sob as ordens do Ministério Público, como estabelece o Capítulo 2 do Título IV do Código de Processo Penal Federal da Argentina, nos Arts. 96 e 97. A polícia tem o dever de realizar uma série de atividades de apoio à investigação, como a coleta de evidências, proteção da cena do crime, identificação dos autores e participantes e assistência às vítimas. Além disso, a polícia deve atuar para manter a cadeia de custódia dos elementos de prova, assegurar a integridade das evidências e proteger testemunhas, reforçando o compromisso com um processo investigativo transparente e protegido contra interferências.

A coordenação entre Ministério Público e polícia é reforçada pelo Art. 97, que permite ao MP emitir instruções gerais às forças de segurança para assegurar a maior eficácia nas investigações. O artigo também autoriza o afastamento de membros da polícia envolvidos nos fatos investigados, promovendo a integridade do processo investigativo.

Esses artigos compõem uma estrutura em que a Polícia Judiciária atua como órgão auxiliar do MP, responsável por executar as diligências necessárias à instrução do processo. Com isso, o sistema acusatório argentino busca equilibrar a independência investigativa com a supervisão e coordenação do Ministério Público, garantindo um processo mais transparente e focado no devido processo legal.

2.3. Comparação entre os Modelos de Investigação Criminal

A comparação entre os modelos de investigação criminal da Argentina e do Brasil revela diferenças significativas na estrutura e no funcionamento de seus sistemas. Na Argentina, conforme o Art. 228 do CPP argentino, a investigação preliminar é iniciada de ofício pelo Ministério Público, que tem a responsabilidade de conduzir a apuração inicial dos fatos. O objetivo principal dessa fase é verificar se há mérito suficiente para a abertura de um julgamento. Em contraste, no Brasil, o início da investigação é regido pelo Art. 5º do CPP brasileiro, que permite que a autoridade policial inicie o inquérito de ofício, por requisição do Ministério Público ou do Judiciário, ou ainda a pedido do ofendido. Assim, enquanto na Argentina o Ministério Público assume um papel ativo desde o início, no Brasil a polícia judiciária é a principal responsável pela execução das diligências iniciais, com o Ministério Público supervisionando o procedimento.

Na fase de direção da investigação, a Argentina, conforme os Arts. 229 e 230 do CPP argentino, atribui ao Ministério Público a responsabilidade de conduzir a investigação com um critério objetivo, buscando tanto elementos de acusação quanto de defesa. As provas coletadas pelo Ministério Público são registradas de maneira menos formal, com o intuito de preparar a base para a denúncia. No Brasil, por sua vez, o Art. 6º do CPP brasileiro designa à autoridade policial a condução do inquérito, com deveres que incluem a coleta de provas, a preservação do local do crime e a realização de perícias. A polícia tem o poder/dever de cumprir diligências requisitadas pelo Ministério Público, que, embora não participe diretamente da coleta de provas, exerce um papel importante no sistema acusatório, sendo esses elementos de informações essenciais para a formação da opinio delicti do Parquet.

Quanto ao sigilo e ao acesso aos atos da investigação, a Argentina, através dos Arts. 233 e 234 do CPP argentino, estabelece que os atos de investigação são acessíveis às partes envolvidas, mas não ao público em geral, a fim de preservar a segurança e a eficácia da investigação. O Ministério Público pode impor um sigilo temporário (de até 10 dias, prorrogáveis) com supervisão judicial. No Brasil, o Art. 20 do CPP brasileiro determina que o inquérito policial é sigiloso, e as informações são acessíveis apenas às partes e seus representantes. Além disso, o inquérito pode envolver a incomunicabilidade do investigado em casos específicos, requerendo autorização judicial para algumas restrições de acesso.

Em relação ao valor probatório dos atos investigativos, na Argentina, conforme o Art. 231 do CPP argentino, estabelece que as provas coletadas durante a fase preparatória não têm valor para fundamentar uma condenação, servindo apenas para solicitar medidas cautelares ou para fundamentar pedidos e exceções. No Brasil, no Art. 155 do CPP brasileiro, adota uma abordagem semelhante, afirmando que os atos investigativos precisam ser corroborados por provas obtidas durante o processo judicial para fundamentar a condenação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Por fim, no que tange ao papel do juiz na investigação, a Argentina, conforme o Art. 232 do CPP argentino, atribui ao juiz a função de garantir os direitos das partes, intervindo para assegurar que as garantias processuais sejam cumpridas. O juiz pode ser acionado para resolver questões específicas durante a investigação. No Brasil, de acordo com os Arts. 13, 16 e 18 do CPP brasileiro, o juiz também atua como garantidor, mas sua intervenção é mais restrita, limitando-se a autorizar medidas cautelares e a decidir sobre a legalidade das provas. O Ministério Público é quem requisita diligências e pode solicitar o arquivamento do inquérito, mas não pode interrompê-lo sem autorização judicial.

Essas diferenças revelam a forma como cada país estrutura suas investigações criminais, destacando que o sistema argentino confere um papel mais proeminente ao Ministério Público na direção das investigações, enquanto no Brasil a Polícia Judiciária assume a fase preliminar com supervisão do Ministério Público.

3 METODOLOGIA

A metodologia desta pesquisa adota uma abordagem qualitativa, de caráter descritivo e comparativo, visando à análise dos procedimentos de investigação conduzidos pela Polícia Judiciária e pelo Ministério Público no Brasil e na Argentina. A escolha por uma metodologia qualitativa justifica-se pela necessidade de uma compreensão aprofundada dos sistemas jurídicos dos dois países, observando-se as especificidades legais e operacionais de cada instituição no processo investigatório. A pesquisa é de caráter comparativo, voltada para o estudo das legislações e práticas investigativas, sendo também documental e exploratória, pois se baseia na análise de fontes legais primárias, como o Código de Processo Penal brasileiro e argentino, além de doutrinas jurídicas especializadas e artigos acadêmicos que discutem o tema. A pesquisa documental exploratória é adequada para levantar informações que ainda estão em fase de desenvolvimento teórico ou que não foram amplamente debatidas na literatura jurídica.

A coleta de dados foi realizada a partir de fontes bibliográficas e documentais, incluindo o Código de Processo Penal de ambos os países, legislações complementares, resoluções do Ministério Público, além de artigos e doutrinas jurídicas de autores que discutem a atuação da Polícia Judiciária e do Ministério Público nas investigações criminais (Nucci, 2019; Binder, 2018). A análise documental dos dados foi feita de forma interpretativa, considerando as legislações e textos doutrinários de ambos os sistemas jurídicos. A metodologia comparativa foi utilizada para identificar as diferenças e semelhanças nos procedimentos investigativos adotados no Brasil e na Argentina, com foco no papel de supervisão e protagonismo do Ministério Público em cada país (Gomes, 2020; Cafferata Nores, 2020). A análise crítica das fontes também buscou entender o impacto dessas diferenças nos direitos dos investigados e na eficiência das investigações criminais.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

A análise comparativa dos procedimentos investigatórios conduzidos pela Polícia Judiciária e pelo Ministério Público no Brasil e na Argentina revelou diferenças significativas que impactam a eficácia das investigações e o respeito aos direitos fundamentais dos envolvidos.

4.1. Atribuições e Limites de Atuação

No Brasil, a Polícia Judiciária é responsável pela condução do inquérito policial, atuando sob a supervisão do Ministério Público. Essa estrutura, embora tenha como objetivo garantir a legalidade e a eficiência da investigação, apresenta desafios em termos de autonomia investigativa. A Polícia Civil e a Polícia Federal, embora desempenhem papéis distintos, encontram-se frequentemente em situações onde a supervisão do Ministério Público pode ser vista como uma limitação à sua capacidade de agir de forma independente.

Por outro lado, na Argentina, o Ministério Público assume um papel mais ativo e centralizado no processo investigativo, conforme estabelecido no Código de Processo Penal. O Ministério Público não apenas conduz as investigações, mas também tem a responsabilidade de reunir provas e sustentar a acusação, o que confere a ele um nível de autonomia que é menos evidente no sistema brasileiro. Isso levanta questões sobre a imparcialidade do Ministério Público, uma vez que sua função é, ao mesmo tempo, investigativa e acusatória.

4.2. Autonomia e Controle

A autonomia da Polícia Judiciária no Brasil é limitada pela supervisão do Ministério Público, o que gera um debate sobre a eficiência das investigações. Pesquisadores como Nucci (2019) e Gomes (2020) destacam que a separação de funções entre as instituições é crucial para um sistema equilibrado, mas também indicam que isso pode resultar em ineficiências, especialmente em crimes complexos. A necessidade de requisições e autorizações por parte do Ministério Público pode atrasar o andamento das investigações, o que pode prejudicar a coleta de provas em tempo hábil.

Na Argentina, a atuação do Ministério Público, com prerrogativas amplas e autonomia, permite uma condução mais ágil das investigações. Contudo, essa centralização também suscita questionamentos sobre a imparcialidade, dado que o MP é o responsável por promover a ação penal. A flexibilidade nas investigações pode levar a um potencial desequilíbrio entre a busca pela verdade e a proteção dos direitos do acusado, como mencionado por autores que analisam as reformas processuais no país.

4.3. Eficácia das Investigações

Os resultados da pesquisa indicam que o modelo argentino, ao permitir uma atuação mais centralizada do Ministério Público, tende a promover investigações mais celeres e integradas. Em contrapartida, o modelo brasileiro, com sua supervisão estrita do MP, pode resultar em uma maior burocracia e formalismo, o que pode, em última instância, afetar a eficácia das investigações.

As diferenças na estrutura dos sistemas investigativos impactam não apenas a velocidade e a eficiência das investigações, mas também a maneira como as garantias processuais são respeitadas. Enquanto o sistema argentino busca um equilíbrio dinâmico entre investigação e proteção dos direitos dos indivíduos, o sistema brasileiro parece lutar para encontrar esse mesmo equilíbrio, com a supervisão do MP muitas vezes sendo vista como um mecanismo de controle necessário, mas que também pode criar obstáculos ao fluxo investigativo.

5 CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho evidenciou que as disparidades observadas entre os sistemas de investigação criminal do Brasil e da Argentina são significativas e reveladoras de concepções distintas sobre o papel da Polícia Judiciária e do Ministério Público. As diferenças na estrutura e nas funções de cada instituição não apenas influenciam a eficácia das investigações, mas também moldam as interações entre as partes envolvidas no processo penal.

A pesquisa demonstrou que, enquanto o modelo argentino, com um Ministério Público ativo e centralizado, parece favorecer investigações mais rápidas e eficazes, ele também apresenta riscos em termos de imparcialidade e controle das atividades investigativas. Por outro lado, o modelo brasileiro, que privilegia a atuação da Polícia Judiciária sob a supervisão do MP, pode oferecer garantias mais robustas em relação aos direitos fundamentais, mas enfrenta desafios em termos de eficiência e agilidade.

As conclusões ressaltam a importância de um debate contínuo sobre o papel das instituições de justiça criminal na promoção de investigações que não apenas sejam eficazes, mas que também respeitem os direitos dos indivíduos. Em um contexto de crescente demanda por reformas nos processos penais, a comparação entre os modelos brasileiro e argentino pode oferecer insights valiosos para a melhoria das práticas investigativas em ambos os países. É fundamental que o equilíbrio entre o poder investigativo e as garantias processuais continue a ser uma prioridade nas discussões sobre a reforma do sistema de justiça criminal, a fim de assegurar que as investigações sejam tanto justas quanto efetivas.

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1Doutorando em Ciências Jurídicas pela UMSA (Universidad Del Museo Social Argentino)