REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202411111242
Inaê Caroline Rebouças1
Tiago Soares de Lima Pinto2
Luciane Lima Costa e Silva Pinto3
RESUMO
O tema da responsabilização jurídica dos filhos no abandono afetivo inverso de idosos em Rondônia é fundamental, visto que, demonstra a crescente preocupação com o bem-estar dos idosos e o papel das famílias na prestação de cuidados emocionais. Nesse sentido, o presente estudo tem como objetivo analisar a responsabilidade dos filhos em relação ao abandono afetivo inverso, sob a ótica jurídica no contexto do Estado de Rondônia. O abandono afetivo inverso ocorre quando os filhos, já adultos, negligenciam o cuidado afetivo e emocional que seus pais idosos necessitam, o que pode resultar em sofrimento psicológico significativo para esses últimos. Para tanto a metodologia utilizada é de caráter qualitativo, bibliográfico e descritivo. A partir desse enfoque, o estudo pretende contribuir para o fortalecimento do princípio da afetividade nas relações familiares, promovendo uma reflexão sobre a importância do respeito e do cuidado mútuo entre gerações.
Palavras-chave: Responsabilidade civil. Idoso. Abandono
ABSTRACT
The topic of the legal responsibility of children for reverse emotional abandonment of the elderly in Rondônia is essential, as it highlights the growing concern for the wellbeing of the elderly and the role of families in providing emotional care. In this sense, the present study aims to analyze the responsibility of children regarding reverse emotional abandonment from a legal perspective in the context of the State of Rondônia. Reverse emotional abandonment occurs when adult children neglect the emotional and affective care that their elderly parents need, which can result in significant psychological suffering for the latter. To achieve this, the study uses a qualitative, bibliographic, and descriptive methodology. Through this approach, the study seeks to contribute to the strengthening of the principle of affection in family relationships, fostering reflection on the importance of mutual respect and care between generations.
Keywords: Civil responsibility.Elderly.Abandonment
1. INTRODUÇÃO
A instituição familiar é reconhecida como a célula fundamental da sociedade, sendo única em sua natureza devido à conexão emocional e de afinidade entre seus membros, em contraste com associações baseadas em interesses puramente utilitários. É dentro deste contexto que se inicia o processo de socialização, educação e preparação para a integração dos indivíduos na sociedade (Wieczorikievicz, 2020).
Mediante isso, o presente objeto de estudo intitulado como: responsabilização jurídica dos filhos no abandono afetivo inverso de idosos em Rondônia, emerge de uma realidade complexa e sensível que permeia nossa sociedade contemporânea.
A escolha desse tema se fundamenta não apenas na sua relevância científica, mas também em sua importância social e humana. No âmbito profissional e pessoal, é possível compreender a necessidade premente de investigar e compreender as nuances dessa questão que afeta a qualidade de vida e o bem-estar dos idosos.
Dessa forma, o abandono afetivo inverso de idosos representa uma inversão do papel tradicionalmente atribuído às relações familiares, em que os idosos, que durante grande parte de suas vidas foram cuidadores e provedores, encontram-se agora desamparados emocionalmente, muitas vezes negligenciados por seus próprios filhos ou familiares (Balak, 2020).
A partir disso, o problema a ser abordado neste trabalho é: Saber qual é a da responsabilização da família em relação ao abandono afetivo de idosos na proteção de idosos no âmbito do Estado de Rondônia?
Dessa forma, definiu-se como hipótese: a responsabilização legal da família em casos de abandono afetivo de idosos contribui para a proteção e o fortalecimento dos direitos dos idosos no Estado de Rondônia, proporcionando um meio de prevenção e combate à negligência familiar.
A partir disso, o objetivo geral foi: analisar a responsabilidade dos filhos quanto ao abandono afetivo inverso de idosos, a partir da perspectiva jurídica no âmbito do Estado de Rondônia. Já os objetivos específicos: Identificar os principais fatores que contribuem para o abandono afetivo inverso de idosos, considerando aspectos familiares, socioeconômicos e culturais; apresentar a responsabilização dos filhos acerca do abandono inverso, a partir de jurisprudências; descrever as medidas legais e políticas públicas existentes em Rondônia voltadas para a proteção dos idosos em situação de abandono afetivo inverso.
O tema do abandono afetivo inverso é de suma importância no contexto atual, pois reflete uma realidade social que está se tornando cada vez mais evidente. Tradicionalmente, o abandono afetivo era associado principalmente à negligência dos pais em relação aos filhos (Lima, 2015).
Dessa forma, há várias razões fundamentais para justificar a relevância desse tema. Em primeiro lugar, o abandono afetivo inverso constitui uma transgressão aos direitos humanos fundamentais, tais como o direito à dignidade, ao cuidado e à proteção, especialmente numa fase da vida em que os idosos se encontram em maior vulnerabilidade física e emocional.
Além disso, o abandono afetivo inverso tem implicações significativas na saúde e no bem-estar dos idosos.
Dessa forma, a metodologia utilizada a metodologia utilizada, é de caráter qualitativo, sendo realizada uma revisão de literatura, através de artigos, teses, dissertações disponíveis em plataformas como: Scielo e Capes, foram verificados ainda através da análise de legislações e jurisprudências pertinentes, indicando a possibilidade de aplicação de sanções legais em casos de negligência familiar; legislação brasileira, especialmente o Estatuto do Idoso, prevê mecanismos de proteção aos idosos, incluindo a responsabilização civil e penal dos familiares em casos de abandono afetivo; a análise de Jurisprudências no âmbito de Rondônia sobre casos de abandono afetivo de idosos permite identificar padrões de conduta familiar passíveis de responsabilização jurídica, contribuindo para a construção de precedentes judiciais e o fortalecimento da proteção jurídica dos idosos.
2. CONCEITO DE ABANDONO AFETIVO INVERSO
A afetividade é o princípio que sustenta o Direito das Famílias, promovendo a estabilidade das relações socioafetivas e a comunhão de vida, priorizando esses aspectos em detrimento de considerações patrimoniais ou biológicas. O termo affectio societatis, frequentemente utilizado no Direito Empresarial, pode ser igualmente aplicado no contexto familiar, ilustrando a ideia de afeição entre duas pessoas que desejam formar uma nova unidade: a família (Sacconi, 2004).O afeto transcende o vínculo que une os membros de uma família; ele também possui um aspecto externo, que liga diferentes famílias, humanizando cada uma delas.
Dessa forma, o abandono afetivo inverso pode ser compreendido como uma forma de negligência emocional, onde os filhos se distanciam afetivamente de seus pais, não oferecendo o suporte e a atenção que estes necessitam. Segundo o advogado e professor de Direito de Família, Rolf Madaleno (2013), a relação entre pais e filhos deve ser pautada não apenas pela assistência material, mas também pelo cuidado afetivo, sendo este último igualmente relevante e necessário.
A doutrina brasileira tem avançado na compreensão do abandono afetivo inverso, reconhecendo que a falta de atenção e apoio emocional por parte dos filhos pode resultar em sofrimento psicológico significativo para os pais. Paiva (2016), destaca que o dever de cuidar dos pais na velhice é uma extensão do vínculo familiar, onde o amor e a proteção devem ser recíprocos.
Dessa forma, o abandono afetivo pode ser interpretado como a ausência de afeto e atenção. Embora o amor não possa ser forçado, existe uma obrigação legal de prover assistência. Portanto, é crucial realizar uma análise mais detalhada, especialmente sobre o abandono afetivo inverso e a responsabilidade civil dos descendentes. De fato, o amor não pode ser imposto, mas o dever de cuidar é intrínseco e respaldado pela legislação (Balak, 2020).
2.1 Abandono afetivo e material
Dias (2016) argumenta que o abandono afetivo inverso decorre da falha dos descendentes em cumprir com os deveres de cuidado e afeto para com os ascendentes, conforme estabelecido na Constituição Federal, em seu artigo 229.
Conforme estabelecido no artigo 4º do Estatuto da Pessoa Idosa, é vedado qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão contra as pessoas idosas, e qualquer violação de seus direitos, seja por ação ou omissão, deve ser punida conforme a lei (Brasil, 2003).
De acordo com o Código Penal Brasileiro, Art. 244
Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo: Pena -detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País. Parágrafo único Nas mesmas penas incidem quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada (Brasil, 1940).
Com base no exposto, compreende-se que o abandono material é igualmente respaldado pela lei, visando garantir o sustento do idoso. De acordo com a legislação, é obrigação dos filhos amparar os pais na velhice. Esse amparo engloba tanto aspectos materiais quanto afetivos, e sua negligência configura abandono ao idoso.
Portanto, a pessoa que enfrenta enfrenta o abandono afetivo inverso na velhice, justamente quando espera receber mais apoio e afeto da família. A necessidade de atenção, carinho e respeito se torna ainda mais crucial nessa etapa da vida (Balak, 2020). O foco primordial deve ser o bem-estar do idoso, garantindo-lhe uma vida gratificante e de qualidade, pois não basta apenas sobreviver, é essencial viver com dignidade.
Assim, Silva e Leite (2018) afirmam que o filho que não amparar seus pais na velhice deixa de cumprir uma obrigação imaterial, cometendo um ato ilícito que pode resultar em danos morais. No entanto, essa indenização não tem como objetivo forçar os filhos a amarem seus pais, mas sim exercer um papel punitivo, compensatório e pedagógico.
Conforme Viegas (2016) quando não se garantem aos idosos itens básicos para a sobrevivência, como água, comida, moradia e vestuário adequado, isso configura abandono material. O abandono afetivo, por sua vez, está relacionado ao cuidado, convivência familiar e apoio nessa fase delicada da vida, respeitando os direitos garantidos às pessoas idosas. Sabe-se que não se pode impor o afeto e tampouco precificá-lo, devido à inexistência de uma obrigação legal de amar. Isso contraria dispositivos legais e compromete a expectativa de vida digna do idoso.
3. DOS ASPECTOS DA AFETIVIDADE E A PROTEÇÃO DO IDOSO
Afetividade e afeto possuem significados distintos que não devem ser confundidos. O afeto, do ponto de vista da psicologia, refere-se a um fenômeno psicológico que envolve sentimentos de amor, ódio, afeição ou desafeição, assim como estados emocionais e de humor (Tartuce, 2012).
Já a afetividade, no campo jurídico, é uma forma encontrada pelo direito para suprir a ausência de afeto nas relações interpessoais. Mesmo que não haja afeto ou amor entre pais e filhos, a Constituição Federal impõe o dever de afetividade nas relações entre eles, assim como entre cônjuges e companheiros, sendo que esse princípio só deixa de valer quando não há mais convivência (Tartuce, 2012). Nesse contexto, o direito seleciona os acontecimentos da vida que devem ser regulados pela norma jurídica.
Desse modo, a afetividade é fundamental para a estrutura familiar, e sua ausência afeta diretamente os membros mais vulneráveis, como os idosos. O abandono afetivo no caso dos idosos pode gerar impactos negativos tanto em sua saúde física quanto psicológica. Conforme Calderón (2017), a afetividade passou a ter primazia sobre critérios econômicos, políticos, religiosos, sociais e de interesse do grupo familiar, superando os fatores que até então influenciavam as relações familiares.
O critério afetivo, anteriormente relegado a segundo plano na constituição das famílias brasileiras, tem ganhado maior relevância, uma vez que a afetividade e a solidariedade são vistas como a base para a manutenção dos laços familiares.
Segundo Souza (2013) o princípio da afetividade fundamenta as relações interpessoais e o direito de família, tanto nas conexões socioafetivas de caráter patrimonial ou biológico quanto na comunhão de vida. A família contemporânea não se justifica sem o afeto, que é um elemento formador e estruturante da entidade familiar, sendo essencial que as relações baseadas nesse princípio sejam protegidas pelo Estado.
Dessa forma, o princípio da afetividade está implícito na Constituição Federal de 1988. Embora a palavra afeto não esteja explicitamente mencionada no texto constitucional, a afetividade está entrelaçada no contexto de sua proteção (Dias, 2018). Esse princípio decorre da doutrina e tem como fundamento o princípio da dignidade da pessoa humana (Gonçalves, 2019).
Então, é interessante notar que a afetividade pode ser vista como uma pedra angular, assentada em bases sólidas e consolidadas, ligadas ao Princípio da Afetividade, que decorre da Dignidade Humana. Esse princípio estabelece o dever de cuidado mútuo que deve existir entre os membros da família (Lobô, 2018).
Assim, ressalta-se que a pessoa idosa necessita de atenção, carinho, cuidado e afeto, pois o avanço da idade torna sua saúde física e emocional mais vulnerável. Nesse sentido, a convivência familiar torna-se essencial para garantir uma boa qualidade de vida. Apenas a afetividade e a solidariedade são capazes de fortalecer e preservar esses laços.
3.1 O Estatuto da Pessoa Idosa
Ao pensar na palavra idoso, observa-se que é amplamente doutrinada, em razão principalmente das diferentes condições sociais e biológicas. Conforme o art 1°, da Lei n° 10.741 alterado pela Lei nº 14.423, de 2022: “É instituído o Estatuto da Pessoa Idosa, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) ano” (Brasil, 2022).
O autor Pereira (2016) argumenta que o surgimento do Estatuto do Idoso foi fundamental para uma mudança de paradigma na sociedade, pois buscou a igualdade de forma material, ampliando os direitos dos idosos. A autora destaca que, até a implementação do Estatuto do Idoso, havia apenas a vigência da Lei nº 8.842/94, que se limitava a políticas para idosos, deixando uma lacuna em relação aos direitos e proteções que foram estabelecidos com a Lei nº 10.741/03.
Em relação a proteção do idoso a Constituição Federal em seu art. 3° inciso IV, pontua a seguinte redação: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”(Brasil, 1988)
Assim, o art. 229 da Constituição Federal apresenta a responsabilidade dos pais vejamos: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”, ou seja, é dever dos filhos na velhice dos pais os protegê-los (Brasil, 1988).
Assim, entende-se que a lei enfatiza a reciprocidade das responsabilidades dentro das relações familiares, destacando que, assim como os pais têm o dever de cuidar dos filhos durante a infância e adolescência, os filhos adultos possuem a obrigação legal de cuidar dos pais na velhice ou em situações de necessidade (Silva; Medeiros; Penna; Ozaki, 2020).
3.2 Alguns aspectos comparativos entre o estatuto da pessoa idosa e o estatuto da criança e do adolescente
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) implementou e detalhou a Doutrina da Proteção Integral, reforçando, em seu artigo 4º, os princípios estabelecidos no artigo 227 da Constituição Federal.
Esse marco legal trouxe significativas mudanças políticas, culturais e jurídicas no tratamento das questões relacionadas à infância e adolescência no Brasil, inaugurando uma mudança de paradigma.
Dessa forma, o artigo 4º do Estatuto estabelece que é responsabilidade da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público garantir, com prioridade absoluta, a efetivação dos direitos à vida, saúde, alimentação, educação, esporte e lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade e convivência familiar e comunitária (Brasil, 1990)
Segundo Sarlet (2006), a prioridade absoluta atribuída pela Constituição às crianças e adolescentes visa dar preferência às políticas sociais públicas, definindo que cabe à família, à comunidade, à sociedade civil e ao Poder Público essa responsabilidade.
O parágrafo único do artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente destaca essa prioridade em quatro aspectos: i. Garantia de proteção e socorro em qualquer situação; ii. Precedência de atendimento nos serviços ou órgãos públicos de qualquer natureza; iii. Preferência na formulação e execução de políticas sociais públicas; iv. Destinação prioritária de recursos públicos às áreas de proteção da infância e juventude (Brasil, 1990).
Para melhor compreensão do tema, será apresentada uma tabela comparativa entre o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto do Idoso, destacando pontos de convergência entre ambos
Tabela 1 Comparativo dos Estatutos
Estatuto da Criança e do Adolescente | Estatuto da pessoa idosa |
Previsão constitucional: Art.227 da Constituição Federal de 1988 | Previsão constitucional: Art. 230 da Constituição Federal de 1988 |
Princípio da Proteção Integral e Prioridade Absoluta da criança e do adolescente | Princípio da Proteção Integral e Prioridade Absoluta dos idosos |
Previsão infraconstitucional:Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. | Previsão infraconstitucional:Lei nº 10.741, de 1° de outubro de 2003 |
Pessoas vulneráveis | Pessoas vulneráveis |
Família substituta por meio da guarda, da tutela e da adoção | família substituta por meio do dever de cuidado e da curatela |
Fonte: MARODIN et al (2016) adaptado pelos autores.
A partir da tabela comparativa, compreende-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Estatuto da Pessoa Idosa, ambos sustentados por previsões constitucionais nos artigos 227 e 230 da Constituição Federal de 1988, refletem o compromisso do Estado brasileiro com a proteção integral de grupos vulneráveis. Esses estatutos afirmam o princípio da proteção integral e da prioridade absoluta, assegurando que tanto crianças e adolescentes quanto idosos recebam atenção especial na garantia de seus direitos fundamentais.
O ECA, instituído pela Lei nº 8.069 de 1990, estabelece mecanismos específicos de proteção para crianças e adolescentes, incluindo a possibilidade de integração a uma família substituta através de guarda, tutela e adoção. Da mesma forma, o Estatuto da Pessoa Idosa, criado pela Lei nº 10.741 de 2003, define medidas de proteção para idosos, como o dever de cuidado e a possibilidade de curatela em casos de vulnerabilidade ou incapacidade.
Ambos os estatutos reconhecem esses grupos como pessoas vulneráveis, demandando um sistema jurídico que promova a segurança, o amparo e a dignidade de vida de cada grupo, seja no contexto familiar, social ou institucional. Enquanto o ECA concentra-se no desenvolvimento e no bem-estar da criança e do adolescente, o Estatuto da Pessoa Idosa reforça a proteção e o respeito à autonomia e aos direitos do idoso, evidenciando o papel das políticas públicas em atender às necessidades específicas dessas faixas etárias em todos os âmbitos da sociedade.
3.3 O idoso e a Relação Familiar
Envelhecer pode ser considerado uma conquista do desenvolvimento humano. O ambiente familiar desempenha um papel crucial para um envelhecimento saudável, uma vez que, nessa fase, os laços familiares têm grande impacto na vida do idoso (Dias, 2016).
A família proporciona um vínculo afetivo importante, e, de acordo com pesquisas, os idosos que vivem com suas famílias e mantêm boas relações afetivas demonstram menor dependência emocional, o que os torna menos vulneráveis. Por outro lado, aqueles que não têm uma boa relação com seus familiares tendem a ser mais vulneráveis, destacando a importância do carinho e apoio familiar para a estabilidade emocional do idoso (Sousa, 2018).
No entanto, é necessário que a família encontre um equilíbrio na organização das atividades domésticas, incluindo o idoso nas atividades planejadas. Muitas vezes, os desejos dos idosos são ignorados, pois a família se preocupa mais com as tarefas diárias, deixando de realizar atividades apropriadas para a idade e os interesses dos mais velhos.
Conforme Tartuce (2017), para o desenvolvimento físico e mental, o ser humano precisa de condições essenciais, como a convivência e o relacionamento com os outros, o que é válido para todas as áreas da vida. Assim, para alcançar um envelhecimento saudável, a convivência com a família e a comunidade é fundamental para a vida dos idosos.
4. RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO
A responsabilidade civil visa, em primeiro lugar, compensar o dano sofrido pela vítima e, em segundo, punir o ofensor. Essa responsabilidade pode ser classificada em dois tipos: a responsabilidade civil contratual e a responsabilidade civil extracontratual. A responsabilidade civil contratual ocorre em função de uma relação jurídica pré-existente e se manifesta quando uma das partes não cumpre a obrigação estipulada no contrato, resultando em prejuízos. Os artigos 389 a 393 e 395 do Código Civil brasileiro (Brasil, 2002) abordam essa temática. Vamos analisar:
Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. Art. 390. Nas obrigações negativas o devedor é havido por inadimplente desde o dia em que executou o ato de que se devia abster. Art. 391. Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor. Art. 392. Nos contratos benéficos, responde por simples culpa o contratante, a quem o contrato aproveite, e por dolo aquele a quem não favoreça. Nos contratos onerosos, responde cada uma das partes por culpa, salvo as exceções previstas em lei. Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
De acordo com Almeida (2016) não há um valor específico previsto para casos de dano moral, particularmente no contexto de abandono afetivo. O juiz deve considerar os danos sofridos, a duração da omissão dos filhos e outras circunstâncias específicas de cada caso para arbitrar um valor que satisfaça o ofendido.
No julgamento do AgInt no AREsp 1.286.2429, sob relatoria do ministro Salomão, citando decisão anterior relatada pela ministra Gallotti, foi destacado que o dever de cuidado inclui sustento, guarda e educação dos filhos (Brasil, 2019).
Não havendo um dever jurídico de cuidado afetuoso, seu descumprimento não pode ser considerado um delito, configurando assim um ato ilícito que obrigue a fornecer apoio afetivo.
Há divergências e dificuldades em julgar e indenizar pelo dano causado pelo abandono afetivo devido à dificuldade de provar a falta de afeto. Como é impossível expressar em papel a dor e o mal causados pela falta de carinho e amor, o afeto permanece subjetivo. Mesmo sem quantificar o afeto, o judiciário brasileiro tem sido auxiliado por outros métodos há alguns anos, com pareceres técnicos de outras áreas contribuindo para decisões mais justas (Garrot, 2015).
Um exemplo de decisão que não reconhece o dever de indenizar por abandono afetivo é a decisão dos desembargadores do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – DANO MORAL – ABANDONO AFETIVO –
IMPOSSIBILIDADE. Por não haver nenhuma possibilidade de reparação a que alude o art. 186 do CC, que pressupõe prática de ato ilícito, não há como reconhecer o abandono afetivo como dano passível de reparação (Minas Gerais, 2017).
Mediante isso, Calixto (2018) afirma que a falta de convivência entre ascendentes e descendentes, devido ao afastamento entre os membros da família, resulta em sequelas psicofísicas que impactam negativamente a vida dos afetivamente abandonados. A comprovação desse dano pode servir de base para uma possível indenização por abandono afetivo.
Portanto, pode-se afirmar que a responsabilidade por danos morais no âmbito familiar deve ser analisada de forma cuidadosa e minuciosa pelos julgadores, com a coleta de provas irrefutáveis de que o dano ocorreu, evitando assim a banalização e o enriquecimento injustificado da indústria do dano moral (Cardin, 2012)
Dessa forma, é importante ressaltar que de acordo com Alves (2014) no Brasil, o Estatuto do Idoso, em seu artigo 9º, estabelece que é obrigação do Estado garantir à pessoa idosa políticas sociais públicas efetivas que permitam um envelhecimento saudável, proporcionando assim condições dignas para a terceira idade. Desse modo, entende-se que o Estado tem a responsabilidade de zelar pelo bem-estar dos idosos, mas isso não exime a família de sua responsabilidade de estar presente na vida do idoso.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objeto deste artigo era investigar a responsabilização jurídica dos filhos no abandono afetivo inverso de idosos no Estado de Rondônia. A questão a ser verificada foi compreender como a responsabilização da família contribui para a proteção dos idosos em casos de abandono afetivo, especificamente no contexto da legislação de Rondônia. Como hipótese, acreditava-se que a responsabilização legal da família em casos de abandono afetivo de idosos contribui para a proteção e o fortalecimento dos direitos dos idosos no Estado de Rondônia, proporcionando um meio de prevenção e combate à negligência familiar.
Ao longo da pesquisa, observou-se que o abandono afetivo inverso, caracterizado pela falta de suporte emocional dos filhos adultos para com seus pais idosos, têm implicações significativas no bem-estar físico e psicológico dos idosos. Este comportamento negligente viola o princípio da dignidade humana e, em muitos casos, configura uma infração ao dever legal de cuidado. Esse contexto reforça a necessidade de responsabilização jurídica como um instrumento eficaz para combater a indiferença e assegurar que os idosos recebam o apoio emocional e afetivo necessário.
Além disso, ficou claro que o fortalecimento da responsabilidade civil no âmbito familiar pode gerar conscientização sobre a importância do respeito e da afetividade entre as gerações. A responsabilização dos filhos por meio de medidas legais pode não apenas amparar os idosos, mas também promover uma mudança cultural, estimulando práticas de cuidado que vão além do apoio financeiro e asseguram uma convivência digna.
Portanto, as reflexões trazidas por este estudo sugerem que o Estado de Rondônia, ao promover e aplicar rigorosamente a responsabilização jurídica dos filhos em casos de abandono afetivo de idosos, pode contribuir para uma sociedade mais atenta às necessidades dos idosos. Fortalecer o princípio da afetividade nas relações familiares e consolidar medidas preventivas podem minimizar casos de abandono afetivo e garantir um envelhecimento mais digno e saudável para a população idosa.
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1Acadêmica de Direito. Artigo apresentado à (Faculdade de Direito de Porto Velho-Unisapiens) como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO, 2024.
2Acadêmico de Direito. Artigo apresentado à (Faculdade de Direito de Porto Velho-Unisapiens) como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO, 2024.
3Professora Orientadora.