REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202411101619
Ana Beatriz Ferreira Silva1
Fernanda Railhane De Souza Fernandes2
Orientador: Prof. Júlio Cesar Boa Sorte Leão Gama3
RESUMO:
O presente artigo trata sobre os limites da privacidade digital e suas implicações jurídicas no Direito Penal. Diante da complexidade evidenciada na era digital, este estudo objetivou analisar as implicações jurídicas no Direito Penal frente proteção de dados pessoais. Metodologicamente, utilizou-se a pesquisa bibliográfica mediante pesquisa em artigos, jurisprudência e livros para fundamentação do estudo. Analisa a tensão entre a proteção dos direitos individuais e a necessidade de combate ao cibercrime, enfatizando a importância de uma legislação adequada para garantir a segurança digital sem comprometer a privacidade dos cidadãos. A pesquisa utiliza uma abordagem qualitativa e bibliográfica, explorando desafios como a coleta de evidências digitais e as implicações legais da vigilância online. Ao final verificou-se grande avanço na legislação no combate aos crimes cibernéticos, fortalecendo a proteção aos dados pessoais. Contudo, a dificuldade de identificar infratores de crimes como esses ainda é um desafio, e, para ser combatido, exige melhorias na fiscalização e aprimoramento dos mecanismos de investigação digital, além de uma cooperação mais eficaz entre autoridades nacionais e internacionais. Isso inclui o desenvolvimento de tecnologias avançadas e a criação de protocolos legais específicos que auxiliam na identificação e responsabilização dos autores, sem comprometer os direitos dos indivíduos dos cidadãos.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Penal; Privacidade Digital; Proteção de Dados.
ABSTRACT:
This article deals with the limits of digital privacy and its legal implications in Criminal Law. Given the complexity evident in the digital era, this study aimed to analyze the legal implications in Criminal Law regarding the protection of personal data. Methodologically, bibliographical research was used through research in articles, jurisprudence and books to support the study. It analyzes the tension between the protection of individual rights and the need to combat cybercrime, emphasizing the importance of adequate legislation to guarantee digital security without compromising the privacy of citizens. The research uses a qualitative and bibliographical approach, exploring challenges such as collecting digital evidence and the legal implications of online surveillance. In the end, there was great progress in legislation in the fight against cybercrime, strengthening the protection of personal data. However, the difficulty of identifying offenders of crimes like these is still a challenge, and, to be combatted, requires improvements in supervision and improvement of digital investigation mechanisms, in addition to more effective cooperation between national and international authorities. This includes the development of advanced technologies and the creation of specific legal protocols that help identify and hold perpetrators accountable without compromising the rights of individual citizens.
KEY WORDS: Criminal Law; Digital Privacy; Data Protection
1. INTRODUÇÃO
O século XXI testemunha uma transformação sem precedentes na sociedade humana, impulsionada pela revolução digital. A ascensão da era digital trouxe consigo um novo paradigma de interconexão global, permeando todas as esferas da vida cotidiana (COUTINHO; GOMES, 2024)
No entanto, essa interconexão também gerou uma dicotomia entre os benefícios da tecnologia e as preocupações crescentes com a privacidade e segurança dos dados pessoais dos indivíduos (TRUZZI; DAOUN, 2015). Nesse contexto, este estudo objetiva explorar os limites da privacidade digital e suas implicações jurídicas no âmbito do Direito Penal, que emerge como uma questão necessária e complexa.
A privacidade digital abrange a proteção dos dados pessoais, mas também a preservação da autonomia, dignidade e liberdade dos indivíduos em um ambiente digital. A rápida proliferação de tecnologias como a internet, dispositivos móveis, redes sociais e inteligência artificial têm levantado preocupações sobre a coleta indiscriminada e o uso indevido de informações pessoais por parte de empresas, governos e indivíduos (TRUZZI; DAOUN, 2015).
Essa crescente digitalização da sociedade tem desafiado as noções tradicionais de privacidade e colocado em xeque os fundamentos éticos e legais que regem o tratamento dos dados pessoais (DE LIMA FILHO, 2021).
No contexto do Direito Penal, as questões relacionadas à privacidade digital adquirem uma relevância ainda maior. O aumento exponencial do cibercrime e outras formas de delinquência digital tornam imperativo o desenvolvimento de estratégias legais eficazes para lidar com essas ameaças. No entanto, garantir a segurança cibernética e a integridade dos dados digitais sem comprometer os direitos individuais dos cidadãos é um desafio complexo (DE LIMA FILHO, 2021).
Este estudo busca, portanto, aprofundar a compreensão dos desafios e implicações jurídicas decorrentes da interseção entre privacidade digital e Direito Penal. Foram analisadas questões como a legalidade da obtenção e utilização de evidências digitais, os critérios de admissibilidade de provas eletrônicas em processos criminais, os mecanismos de proteção da privacidade online e os limites da atuação estatal na investigação e monitoramento de atividades digitais. Além disso, foram examinadas as diferentes abordagens adotadas por diversos sistemas jurídicos no Brasil, visando identificar melhores práticas e desafios comuns.
Ademais, esta pesquisa possui grande relevância e contribui para o desenvolvimento de políticas públicas e estratégias jurídicas que equilibrem a necessidade de combater a criminalidade digital com o respeito aos direitos individuais e à privacidade dos cidadãos.
Ao compreender melhor os limites da privacidade digital e suas implicações no contexto penal, é proporcionado melhor preparo para enfrentamento dos desafios emergentes neste cenário em constante evolução tecnológica.
2. MATERIAIS E MÉTODOS
O presente estudo foi realizado por meio de pesquisa bibliográfica de caráter exploratório, com abordagem qualitativa. Para Martins (2001), a pesquisa bibliográfica, procura explicar e discutir um tema com base em referencias teóricas publicadas em livros, revistas, periódicos, teses e outros. Busca também, conhecer e analisar conteúdos científicos sobre determinado tema.
Este tipo de pesquisa tem como finalidade colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que foi escrito, dito ou filmado sobre determinado assunto (MARCONI & LAKATOS, 2007).
No que se refere a pesquisa exploratória, Severino (2007, p. 123-4), salienta que esta busca apenas levantar informações sobre um determinado objeto, delimitando assim um campo de trabalho, mapeando as condições de manifestação desse objeto.
Por fim, a pesquisa qualitativa, preocupa com aspectos da realidade que não podem ser quantificados, centrando-se na compreensão e explicação da dinâmica das relações sociais. Para Minayo (2008, p. 57), o método qualitativo é adequado aos estudos da história, das representações e crenças, das relações, das percepções e opiniões, ou seja, dos produtos das interpretações que os humanos fazem durante suas vidas, da forma como constroem seus artefatos materiais e a si mesmos, sentem e pensam.
3. DESENVOLVIMENTO
3.1 DESAFIOS NA PROTEÇÃO DA PRIVACIDADE DIGITAL
Em um mundo onde cada movimento no espaço digital pode revelar detalhes íntimos de nossas vidas, a proteção da privacidade digital torna-se não apenas uma necessidade, mas uma arte de navegação entre a conexão e a segurança. A onipresença da tecnologia nos oferece oportunidades sem precedentes de comunicação e acesso à informação, mas também levanta questões profundas sobre quem tem acesso aos nossos dados e como eles são utilizados (DE CARVALHO, et al., 2023).
Analisando historicamente a revolução digital, vejamos:
Quando se originou, no contexto da Guerra Fria na década de 1960, a internet, que é fruto de uma pesquisa militar, tinha como intuito levar informações de maneira rápida e com maior proteção, além de aumentar a comunicabilidade. À época, considerando-se o momento histórico, isso poderia gerar vantagens aos seus criadores norte-americanos no momento delicado em que viviam (GILES, 2010). Todavia, com as intensas mudanças vividas pelo mundo em diversos cenários, sobretudo pelo advento da globalização, a internet logo se expandiu e com ela surgiram novas transformações na sociedade. Ocorre nesse momento, de acordo com Ianni (1995, p.14), “um processo simultaneamente civilizatório, já que desafia, rompe, subordina, mutila, destrói ou recria outras formas sociais de vida e trabalho, compreendendo modos de ser, pensar, agir, sentir e imaginar”. Junto a esse novo processo, a constante evolução tecnológica trabalha cada vez mais forte para que as distâncias sejam reduzidas e as informações difundidas em velocidades inimagináveis. Por essa razão, o sociólogo espanhol Castells (2003, p.255), resume esse cenário dizendo que a “internet é um meio para tudo, que interage com o conjunto da sociedade”, acrescentando que “sem dúvida, essa tecnologia é mais do que uma tecnologia. É um meio de comunicação, de interação e de organização social” (DE CARVALHO, et al., 2023, p. 242).
No contexto atual, as observações ventiladas revelam-se ainda mais pertinentes, pois a internet tornou-se não apenas um canal de comunicação, mas um eixo central na estrutura das relações sociais, econômicas e políticas. Com a expansão das redes sociais, o avanço das plataformas digitais e a onipresença de dispositivos conectados, vivemos um cenário onde a internet permeia praticamente todas as atividades humanas (DE CARVALHO, et al., 2023).
Esse novo panorama transformou-se no modo como ganhamos, consumimos, interagimos e até pensamos a respeito de nós mesmos e do mundo ao nosso redor. As fronteiras físicas foram minimizadas, permitindo trocas culturais e econômicas em tempo real, mas também gerando novos desafios, como a proteção da privacidade e a necessidade de regulamentações que equilibrem inovação e segurança (DE CARVALHO, et al., 2023).
Um dos principais desafios para promoção da privacidade digital diz respeito à dificuldade em estabelecer limites claros para o compartilhamento de dados, além do tratamento repressivo que deve ser dado ao tema. Com a proliferação de dispositivos conectados à internet e o aumento da coleta de dados por parte de empresas e governos, tornou-se cada vez mais difícil determinar o que constitui uma violação da privacidade e como aplicar as leis existentes de forma eficaz (PORTELA, et al., 2023).
Quanto ao direito à privacidade, a doutrina assevera:
O direito à privacidade tutela a dignidade da pessoa humana e para se efetivar é imperioso que se proteja a intimidade da vida íntima, colocando-a salvo da curiosidade alheia, nesse ponto também há um dever negativo por parte do Estado, um não agir quando o objeto dessa tutela é a vida doméstica, familiar, sexual e afetiva da pessoa (SAHD, 2022, p. 21).
A privacidade não se limita apenas à ausência de interferência externa, mas também inclui o direito de manter certas esferas da vida pessoal e íntima fora do alcance da curiosidade alheia. Isso implica que o Estado tem o dever de se abster de intervir nas áreas consideradas privadas. Essa abordagem ressalta a necessidade de um respeito mútuo entre o cidadão e o Estado, no sentido de preservar a autonomia e a dignidade das pessoas, especialmente em questões intimamente ligadas à sua identidade e individualidade (SAHD, 2022).
Contudo, na era em que vivemos há a necessidade de o Estado cumprir preceitos constitucionalizados que se referem a vida privada do indivíduo posto a exposição de dados que interferem na vida privada no meio digital das pessoas.
No que tange a privacidade digital é importante destacar que, a falta de harmonização entre as leis nacionais e internacionais adiciona outra camada de complexidade ao cenário da privacidade digital. Enquanto alguns países têm leis rigorosas de proteção de dados, outros têm regulamentações mais permissivas, o que pode dificultar a cooperação internacional em casos de crimes cibernéticos transnacionais. Isso pode levar a lacunas na aplicação da lei e à impunidade de criminosos que operam além das fronteiras nacionais (PIAIA, et al., 2019).
Outro desafio significativo é a natureza volátil e evasiva das evidências digitais. A rápida evolução da tecnologia significa que os métodos de coleta, armazenamento e análise de evidências digitais estão em constante mudança, o que pode dificultar a obtenção de provas admissíveis em tribunal. Além disso, questões técnicas, como a criptografia e o anonimato online, podem complicar ainda mais o processo de investigação e punição de crimes cibernéticos (PORTELA, et al., 2023).
Esses desafios têm sérias implicações para a eficácia da justiça penal no contexto digital. Sem uma abordagem coordenada e abrangente para lidar com essas questões, corre-se o risco de que criminosos cibernéticos escapem da responsabilização e que os direitos individuais dos cidadãos sejam comprometidos. Portanto, é crucial que legisladores, autoridades judiciais e outras partes interessadas trabalhem juntas para desenvolver soluções eficazes que protejam a privacidade dos indivíduos e garantam a aplicação da lei no mundo digital (BOTELHO, et al., 2023).
3.2 PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS E DIREITOS INDIVIDUAIS
A Constituição Brasileira de 1988 representou um marco na proteção dos direitos individuais, estabelecendo princípios fundamentais que resguardam a privacidade e a liberdade dos cidadãos (BRASIL, 1988). No contexto constitucional, os direitos fundamentais são consagrados como pilares da democracia, garantindo a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, conforme disposto no artigo 5º, senão vejamos:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;” (BRASIL, 1988).
Essas disposições asseguram uma base legal sólida para a proteção da vida privada do indivíduo. Entretanto, com o avanço da tecnologia e a expansão da internet, surgiram novos desafios relacionados à proteção da privacidade digital. Nesse contexto, é fundamental garantir que os princípios consagrados na Constituição sejam aplicados de forma eficaz no ambiente digital, protegendo os cidadãos contra abusos e violações de seus direitos individuais (NETO; DE OLIVEIRA ZAMBERLAN, 2023).
No que tange ao uso de dados na era digital, é importante destacar:
A partir disso, é imperativo concluir que o uso desregrado dos dados não só viola o direito fundamental à privacidade em sua essência, como representa uma ameaça ainda maior para o sistema democrático. O que se percebe, então, é que o aumento gradativo do acesso à rede desde que se instalou no país, unido à evolução constante da tecnologia, propiciaram um cenário que não se esgota nesse momento. Nos dias atuais, embora os algoritmos demonstrem toda sua capacidade de ação, não se pode desconsiderar preceitos básicos que foram conquistados ao longo de décadas e formam uma base jurídica. Pois se o desafio humano de se apropriar da intimidade tornou-se mais difícil agora, por ter que apropriar-se também da privacidade virtual, explorar esse feito constitui uma grave violação. Torna-se cada vez mais necessário que os caminhos jurídicos se preocupem com esse processo e trabalhem com um panorama transparente, seguro e capaz de garantir a cada indivíduo a exposição de seus dados dentro dos limites em que foram autorizados, caminho esse que, no mínimo, condiz com os novos tempos, à luz de um momento histórico que não à toa, já é conhecido como Era Digital (DE CARVALHO, et al., 2023, p. 253).
No âmbito do direito brasileiro, a proteção jurídica dos direitos individuais, incluindo a privacidade digital, é abordada de forma abrangente, com destaque para o direito penal. O ordenamento jurídico brasileiro prevê medidas específicas para coibir condutas que violem a privacidade das pessoas no ambiente digital. O Código Penal, por exemplo, tipifica crimes como a invasão de dispositivo informático e a divulgação de informações pessoais sem autorização, visando resguardar a intimidade e a privacidade dos indivíduos (BRASIL, 1940)
Nesse sentido, à legislação penal brasileira é atribuído um papel fundamental para a garantia da segurança jurídica e na proteção dos direitos individuais dos cidadãos. A Lei 12.737/2012, também denominada como Lei Carolina Dieckmann, e conhecida como Lei dos Crimes Cibernéticos, representa um avanço significativo ao tipificar condutas ilícitas no ambiente digital e estabelecer penas proporcionais aos delitos cometidos. Essa legislação visa coibir práticas abusivas e promover um ambiente digital mais seguro e ético para todos os usuários (BRASIL, 2012).
A proteção constitucional dos direitos individuais, aliada à legislação penal específica, constitui um arcabouço normativo robusto para enfrentar os desafios da privacidade digital no Brasil. É fundamental que esses instrumentos legais sejam aplicados de forma efetiva, garantindo o respeito à intimidade e à dignidade das pessoas no mundo virtual, e contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e democrática (DE CARVALHO, et al., 2023).
3.3 IMPACTO DA PRIVACIDADE DIGITAL NA EFICÁCIA DA JUSTIÇA PENAL
A privacidade digital tem um impacto significativo na eficácia da justiça penal, afetando todos os aspectos da investigação, processamento e punição de crimes. Um dos principais impactos é a dificuldade em obter evidências digitais admissíveis perante um Tribunal. A natureza volátil e facilmente manipulável dos dados digitais pode tornar desafiador estabelecer a autenticidade e a integridade das evidências apresentadas, levantando questões sobre sua admissibilidade e confiabilidade (NETO; DE OLIVEIRA ZAMBERLAN, 2023).
Além disso, os desafios na identificação e responsabilização de criminosos cibernéticos podem minar a eficácia da justiça penal. A natureza muitas vezes anônima e descentralizada das atividades criminosas online pode tornar difícil rastrear e identificar os perpetradores, dificultando sua responsabilização perante a lei. Isso pode levar a uma sensação de impunidade entre os criminosos cibernéticos e extunuar a dissuasão de futuros crimes (NETO; DE OLIVEIRA ZAMBERLAN, 2023).
Em atenção à atuação do Direito Penal nos crimes cometidos contra a privacidade digital, a doutrina assevera:
Do ponto de vista do Direito Penal, é importante destacar que a possível mudança na Seção 230 e a implementação da LGPD podem afetar a forma como os crimes cometidos na internet são investigados e punidos. Se as empresas de internet se tornarem mais responsáveis pelo conteúdo postado em suas plataformas e pelo uso dos dados pessoais dos usuários, isso pode levar a uma maior cooperação entre as empresas de tecnologia e as autoridades policiais na investigação de crimes cibernéticos e na punição de responsáveis por violações à privacidade e à proteção de dados. Como observado por Cohn (2023), a possível alteração da Seção 230 tem sido objeto de um debate acalorado, com opiniões divergentes sobre o impacto que isso pode ter no futuro da internet e das empresas de tecnologia” (BOTELHO et al., 2023, p. 2722).
Outro impacto relevante da privacidade digital na eficácia da justiça penal é o efeito da vigilância em massa na presunção de inocência e no devido processo legal. O aumento da vigilância governamental e corporativa pode enfraquecer a privacidade e a autonomia dos cidadãos, comprometendo os princípios fundamentais da justiça e da equidade. Isso levanta questões importantes sobre o equilíbrio entre segurança e liberdade na sociedade contemporânea e destaca a necessidade de garantir que as práticas de vigilância sejam proporcionais, transparentes e sujeitas a escrutínio público (BOTELHO et al., 2023).
A privacidade digital tem um impacto significativo na eficácia da justiça penal, apresentando uma série de desafios que exigem uma abordagem cuidadosa e equilibrada. Isso inclui o desenvolvimento de políticas e práticas que garantam a proteção dos direitos individuais dos cidadãos, ao mesmo tempo em que permitem a aplicação eficaz da lei e a promoção da segurança pública (DE CARVALHO, et al., 2023).
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme abordado ao longo do estudo, foi possível reafirmar a importância do equilíbrio entre segurança e privacidade no contexto digital. As mudanças tecnológicas aceleradas desafiam o Direito Penal a se adaptar continuamente, de modo a proteger os dados pessoais e a privacidade dos indivíduos. Nesse sentido, o artigo expõe os limites da privacidade digital e a necessidade de uma legislação robusta que permita a investigação e o combate aos crimes cibernéticos sem comprometer os direitos fundamentais dos cidadãos. O respeito à privacidade é essencial para a manutenção da dignidade humana, e o Direito deve atuar como um mecanismo de proteção contra abusos e invasões indevidas.
Observando o avanço das regulamentações, como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), representa um marco importante, mas insuficiente, para o enfrentamento dos desafios pela era digital. É necessário que a aplicação prática dessas normas seja aprimorada, fortalecendo a eficácia na proteção de dados sem inviabilizar o acesso às provas em investigações penais. Este ponto levanta a relevância de uma abordagem penal que, além de punitiva, promove a prevenção de crimes cibernéticos. Assim, políticas públicas focadas na educação digital e na conscientização da população sobre o uso seguro da internet tornam-se indispensáveis para reduzir o impacto dos crimes cibernéticos e preservar a privacidade digital.
A pesquisa também revelou a complexidade da obtenção e validação de provas digitais, devido à natureza volátil e mutável dos dados na internet. A justiça penal enfrenta desafios na coleta, preservação e eliminação dessas evidências, o que compromete a eficácia das investigações. Portanto, é fundamental que sejam implementados métodos e protocolos especializados, que permitam a análise e a preservação da integridade das provas digitais. Avanços tecnológicos, como criptografia e ferramentas de autenticação de dados, podem ser utilizados para garantir a ocorrência das evidências e fortalecer a confiança em processos judiciais relacionados a crimes digitais.
Por fim, a proteção da privacidade digital requer uma visão equilibrada que leve em consideração os direitos individuais e a segurança pública. Este estudo reforça que o Direito Penal deve evoluir juntamente com as inovações tecnológicas, a fim de preservar a ordem e a segurança sem comprometer os direitos fundamentais. Assim, conclui-se que, embora o ordenamento jurídico brasileiro tenha avançado significativamente, ainda há um longo caminho a percorrer para que a legislação acompanhe as constantes mudanças no cenário digital, proporcionando uma resposta jurídica que respeite a privacidade e garanta a justiça e a proteção dos cidadãos no ambiente online.
REFERÊNCIAS
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1 Discente do curso de Direito do Centro Universitário FG – UNIFG.
2 Discente do curso de Direito do Centro Universitário FG – UNIFG.
3 Docente do Curso de Direito do Centro Universitário FG – UNIFG.