FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NO MUNICÍPIO DE VENDA NOVA DO IMIGRANTE: UMA CARACTERIZAÇÃO

CONTINUING TRAINING OF TEACHERS IN THE MUNICIPALITY OF VENDA NOVA DO IMIGRANTE: A CHARACTERIZATION

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202411101353


Maurício Vágner Guimarães1


RESUMO

Este trabalho é um trecho da dissertação de mestrado intitulada Formação continuada colaborativa: uma experiência com professores de Educação Física de Venda Nova do Imigrante. Este texto não tem a intenção de esgotar as informações acerca da educação no município, mas apenas caracterizar resumidamente a história da educação no município. O estudo aponta o processo de desenvolvimento da região desde a chegada dos primeiros imigrantes, perpassando pela instituição de sua primeira escola, seguindo para a educação nos tempos atuais apontando o modelo de formação adotado pelo município nos últimos anos segundo os documentos oficiais. 

Palavras chave: Educação; Formação continuada.

ABSTRACT

This work is an excerpt from the master’s dissertation entitled Collaborative continuing education: an experience with physical education teachers in Venda Nova do Imigrante. This text does not intend to exhaust the information about education in the municipality, but only to briefly characterize the history of education in the municipality. The study points out the development process of the region since the arrival of the first immigrants, through the establishment of its first school, and continuing to education in the present day, pointing out the training model adopted by the municipality in recent years according to official documents.

INTRODUÇÃO

O Município de Venda Nova do Imigrante, criado em 10 de maio de 1988, através do Decreto Lei nº 4.069, de 06 de maio do mesmo ano, desmembrando-se de Conceição do Castelo, possui uma área de 185,909 km² e cerca de 26.204 habitantes. Situa-se às margens da Rodovia Federal Presidente Costa e Silva – BR 262, na região serrana do Espírito Santo, a 110 km da Capital Vitória, com uma altitude variando de 630 e 1550 metros (IBGE, 2021).

O nome Venda Nova teve origem numa mercearia antiga já existente na região e que era utilizada principalmente por viajantes que utilizavam a rota do ouro que ligava Ouro Preto – MG a Vitória – ES, antes da chegada dos imigrantes italianos. Essa “venda” foi reformada, passando a se chamar venda nova e no processo de emancipação, em 1987, o nome foi sugerido para representar o município adicionando “do imigrante”, como forma de distinguir-se de uma cidade de Minas Gerais com o mesmo nome na época, além de fazer menção ao processo imigratrório vivenciado pela região no final do século XIX (Falchetto, 2017; Falchetto, 2000; Venda Nova do Imigrante, 2015).

A educação vendanovense institucionalizada teve início com a chegada dos imigrantes, que fundaram, em 1897, a primeira escola na comunidade de Pindobas, nome dado pelo povo indígena Puri que habitava a região, dos quais pouco se tem registro atualmente. A partir dessa, outras escolas foram surgindo e a escola da comunidade permanece em funcionamento com o nome de Escola Municipal de Ensino Fundamental de Pindobas (Falchetto, 2000; Venda Nova do Imigrante, 2015).

É importante ressaltar que após a abolição da escravatura, em 1888, as fazendas produtoras de café caíram em abandono, já que os portugueses residentes não podiam mais contar com a mão de obra de pessoas escravizadas. Diante disso, acabaram por abandonar as fazendas produtoras de café da região, que foram vendidas por quantias irrisórias aos imigrantes que chegavam (Falchetto, 2000; Venda Nova do Imigrante, 2016). Mas para onde foram os negros dessa região? Poucos registros oficiais contêm informações sobre eles. O Sítio eletrônico da Prefeitura e Câmara municipais não trazem nenhuma informação sobre esses indivíduos.

Outro questionamento é sobre a educação de seus filhos. Barros (2016) afirma que a matrícula e permanência dos negros na escola era dificultada por parte dos brancos, mesmo após a abolição, onde se cobrava vestimentas adequadas, materiais didáticos ou mesmo documentos para realizar a matrícula. Esse cenário demonstra uma parte do preconceito que tinham que enfrentar, já que o próprio Estado brasileiro foi um grande incentivador da escravidão e tinha o consentimento de instituições como a Igreja por exemplo (Pereira, 2022).

Quanto ao povo Puri, que segundo Poloni (2022) eram chamados genericamente de “Botocudos”, tiveram igualmente sua história apagada, de modo que não se tem registros de seus descendentes ou para onde foram, já que a figura do imigrante italiano, de forma hegemônica, tomou a história como um agente do progresso que trouxe educação, cultura e fé para a região como se não existissem antes; exterminando a cultura e história dos povos nativos que simplesmente desapareceram, já que segundo o CENSO do IBGE no ano de 2010, não havia nenhum índigena Puri no município e adjacências.

A primeira escola foi reconhecida oficialmente como Escola Mista de São Pedro de Venda Nova pelo então governador do Estado do Espírito Santo, Nestor Gomes, no dia 07 de abril de 1921. O Decreto nº 4.301 oficializou a escola e também nomeou a primeira professora de Venda Nova do Imigrante, Dona Maria Dinorah Waitt. O Decreto foi publicado do Diário Oficial no dia 08 de abril de 1921 (Venda Nova do Imigrante, 2015).

A escola, inicialmente com 35 alunos, iniciou suas aulas no mês de maio, e não teve nenhum aluno aprovado naquele ano. O modelo de educação vigente transparece na fala do senhor Augusto Minitte:

A gente tinha muita dificuldade de entender o que a professora falava. Ela ensinava em outra língua, o Português. É que a gente só falava o dialeto italiano. Primeiro, nós tivemos que aprender a falar em português. Por isso, no final do ano, ninguém passou para o segundo ano (Venda Nova do Imigrante, 2015).

Apenas em 1998 essa escola inaugurou sua quadra poliesportiva, ampliando os espaços direcionados para as aulas de Educação Física, além da promoção de eventos escolares e da comunidade. Atualmente a escola se encontra sob a responsabilidade do Estado com o nome de Escola Estadual de Ensino Fundamental Domingos Perim.

Depois da criação da primeira escola, outras surgiram, porém, muitas crianças permaneciam sem acesso à educação. Havia algumas escolas em locais isolados do município com apenas cinco ou seis alunos, onde se promovia uma educação precária. Documentos oficiais indicam que essas escolas possuíam classes multisseriadas, onde os professores realizavam todas as funções, sejam elas referentes a docência, a administração, alimentação e limpeza (Venda Nova do Imigrante, 2015).

Nas décadas de 80 e 90, as escolas rurais foram substituídas por escolas que se localizavam no centro da cidade. A princípio alguns alunos caminhavam distâncias consideráveis para chegar até a sala de aula, quadro que foi se alterando gradativamente na medida em que a oferta de transporte escolar alcançou todas as comunidades do município (Venda Nova do Imigrante, 2015).

Em 1985 foi criada a primeira creche, em São João de Viçosa, Vovó Elvira, que era mantida pela LBA – Legião Brasileira de Assistência, órgão federal, posteriormente extinto, e administrada pela Associação Pró-Melhoramento de São João de Viçosa. As crianças de quatro meses a seis anos eram atendidas com foco nos cuidados básicos, como alimentação, sono, banho e brincadeiras. No dia 07 de dezembro de 1987, através do Decreto nº 202/87, a creche Vovó Elvira passou a ser um logradouro público e, em 1988, após a emancipação política, passou a ser mantida pela Prefeitura (Venda Nova do Imigrante, 2015).

Em 30 de janeiro de 1988 foi criada a primeira escola municipal na sede da cidade, Vovó Helena Sossai, pelo então prefeito Nicolau Falchetto. No entanto, já existiam salas de aula de educação infantil, instituídas por Antônio Roberto Feitosa e Brígida Bernabé Feitosa, que eram conveniadas com o Estado (Venda Nova do Imigrante, 2015).

Em 1991, no dia 12 de dezembro, pelo Decreto nº 1.119, foi criada e transferida para um prédio novo, no bairro Vila Betânea, a creche Vovó Helena Sossai, desvinculando-se do prédio da Rua Elizabete Perim, que passou a ser apenas escola da educação infantil Antônio Roberto Feitosa, atendendo crianças de cinco e seis anos (Venda Nova do Imigrante, 2015). Atualmente um novo prédio foi construído no bairro Tapera para atender crianças de três a cinco anos, com o nome de EMEI Antônio Roberto Feitosa, e o prédio antigo situado na Rua Elizabete Perim passou a se chamar EMEI Flor de Ipê atendendo crianças de zero a dois anos.

Em 1997, o Estado forçou os municípios a assumirem mais compromissos com o ensino fundamental e, a partir de 1º de fevereiro de 1998, as escolas de primeiro grau das comunidades do Caxixe, e de Pindobas, de acordo com o Decreto nº 754/98, foram municipalizadas, passando a se chamar, respectivamente, Escola Municipal do Ensino Fundamental Caxixe e Escola Municipal do Ensino Fundamental Pindobas.

Em 1º de setembro de 2005, pelo Decreto nº 1.231/05, a escola estadual Atílio Pizzol foi também municipalizada, passando a se chamar Escola Municipal do Ensino Fundamental Atílio Pizzol, integrando-se às escolas da rede municipal de ensino de Venda Nova do Imigrante.  Outras escolas de educação infantil foram criadas ao longo dos anos de emancipação: a escola de educação infantil Antenor Honório Pizzol; a escola de educação infantil de Vargem Grande; a escola de educação infantil de Caxixe. Além da creche Jardim Camargo, Vila da Mata, James Yung e Flor de Ipê.

A partir de 2009 todas as creches foram transformadas em escolas, desenvolvendo o trabalho pedagógico com crianças a partir dos seis meses de idade (Venda Nova do Imigrante, 2015). Segundo o Censo escolar 2023, a rede municipal é composta por 12 escolas, com 1.064 alunos no ensino fundamental, 575 na educação infantil de três a cinco anos, e 635 crianças de seis meses a três anos de idade nas creches (INEP, 2023). 

Mesmo considerado um município pequeno, com 23.831 habitantes (IBGE, 2023), Venda Nova do Imigrante possui uma estrutura educacional que oferece atendimento da educação infantil ao ensino superior. Além da rede de ensino municipal e estadual, o município possui escolas particulares atendendo nos mesmos segmentos. Além de polos de faculdades privadas, o município conta com um polo da Universidade Aberta do Brasil (UAB) e um campus do Instituto Federal do Espírito Santo – IFES, que promove ensino técnico e superior. Além de desenvolver pesquisas em muitos eixos, têm contribuído de forma determinante com o aperfeiçoamento de pessoas, processos e produtos na região e adjacências.

A rede municipal oferece Educação Física nas escolas que estão sob sua responsabilidade em todas as etapas de ensino. No ensino fundamental I e II, como no modelo adotado pela rede estadual, as aulas de Educação Física acontecem duas vezes por semana.

Um destaque do município está na oferta de Educação Física para alunos da educação de crianças bem pequenas. Nessa etapa de ensino os alunos têm três aulas semanais que são elaboradas e desenvolvidas por professores de Educação Física. A proposta recebeu o nome de “Movimentos e Brincadeiras” (MB) e está orientada pelo documento norteador denominado “Revisão do Plano Anual de Ensino”, que contêm algumas reflexões baseadas no Currículo do Espírito Santo – Educação Infantil, principalmente no Campo de Experiências: Corpo, Gestos e Movimentos.

As aulas na Educação Infantil acontecem das 7h às 16h. No período da manhã, os alunos têm aulas com um professor regente e seis aulas de Atividade Direcionada (ADA1) com outro professor, ambos formados em pedagogia. No turno vespertino, os alunos ficam sob responsabilidade dos auxiliares de sala, que são profissionais de nível médio que atuam nos cuidados básicos como segurança, higiene e alimentação. Três vezes por semana, no mesmo turno, os alunos têm aulas de MB.

Formação continuada na rede municipal de educação

O município possui um documento norteador para as ações formativas, produzido em 2016. É intitulado “Formação continuada na rede municipal de educação” e aborda uma série de questões relacionadas à FC no município, como as que serão descritas a seguir.

Figura 4. Modelo organizacional do programa de formação do município.

Fonte: Venda Nova do Imigrante, (2016). Elaborado pelo autor

Os cursos de FC do município são organizados pelos coordenadores técnico-pedagógicos (CTP’s) da Secretaria Municipal de Educação, sendo responsáveis por ministrar aos pedagogos e aos gestores a FC em serviço. A formação de professores fica a cargo dos pedagogos, que com o apoio do diretor desenvolvem as formações com os professores de forma subsequente, como exposto na figura 4 (Venda Nova do Imigrante, 2016).

Utilizando-se do modelo proposto, a rede municipal tem como objetivo “[…] formar profissionais cada vez mais reflexivos e que utilizem a própria prática como fonte de investigação” (Venda Nova do Imigrante, 2016). A Secretaria de Educação propõe os objetivos conforme quadro 2.

Quadro 2. Objetivos de formação continuada na rede municipal.

Fonte: Formação Continuada Venda Nova do Imigrante, 2016.p, 08.

O quadro 3 aponta os objetivos que precisam ser adotados pelos pedagogos das unidades escolares.

Quadro 3. Objetivos que precisam ser adotados pelos pedagogos das unidades escolares.

Fonte: Venda Nova do Imigrante, 2016. p, 09.

O formato adotado apresenta um modelo verticalizado de formação, em que o professor assume um papel de receptáculo de informações e conhecimento, não participando da elaboração ou mesmo dialogando sobre as dificuldades enfrentadas na sua lida diária.

Quando se concentra sobre os CTP`s  e pedagogos toda a responsabilidade sobre a escolha de temas, estratégias e métodos, corremos o risco de limitar uma série de possibilidades que poderiam ser desenvolvidas no programa de FC, ou seja, a participação efetiva dos professores e profissionais da educação poderia enriquecer o debate e trazer novas possibilidades para o programa além de aumentar o interesse pelos temas abordados, já que foram desenvolvidos coletivamente.

Como são traçadas as metas e objetivos de formação

Os passos utilizados para elaboração dos planos de formação de pedagogos, que por sua vez irão realizar formações com os professores da unidade de ensino, dependem de diagnóstico das necessidades a partir dos itens descritos na tabela 1.

DIAGNÓSTICO DAS NECESSIDADES DE APRENDIZAGEM

Tabela 1. Tabela de diagnóstico para traçar metas de formação.

Fonte: Venda Nova do Imigrante, 2015.

O documento parece concentrar nos CTP´s a interpretação dos dados e informações que são captadas a partir de suas percepções da realidade vivenciada pelos pedagogos e professores. O texto norteador indica que:

A partir do diagnóstico inicial, os CTP’s organizam o plano de formação com ações que possibilitam o aprimoramento da competência dos pedagogos para a própria atuação nas escolas. (Venda Nova do Imigrante, 2016).

É importante ressaltar que, nos itens pontuados na Tabela 1, não parece ficar claro um diagnóstico a partir do olhar do pedagogo sobre o desenvolvimento das atividades, propostas pedagógicas ou mesmo os resultados das aprendizagens; dando indícios de que o esse processo de análise se dá através do olhar do CTP, aparentando um diagnóstico externo de indivíduos que não vivenciam diretamente a lida diária do pedagogo e do professor. Esse método de análise pode comprometer a correta interpretação dos dados, uma vez que resultados de aprendizagens e análises das práticas dos professores não refletem integralmente a realidade vivenciada no cotidiano escolar.

Utilizando os dados obtidos a partir do diagnóstico referenciado na Tabela 1, os CTP´s elaboram um plano de formação com o intuito de sanar as demandas formativas para pedagogos, que num segundo momento serão repassadas para os professores.

Assim, os pedagogos nas escolas tornam-se formadores de professores, através da vivência e da prática de ações formativas; e com o apoio dos CTP’s, passam a ganhar competências para trabalhar na formação de professores (Venda Nova do Imigrante, 2015, p.11).

Essas atribuições parecem indicar uma transferência da responsabilidade formativa, uma vez que o setor pedagógico exerce outras atividades próprias da função, podendo tornar deficitário o processo de FC na unidade escolar. Diante das múltiplas demandas do setor pedagógico, o tempo disponibilizado para formação de professores tende a ser reduzido sob pena de não atender às demais expectativas do cargo.

O método proposto pode não estar surtindo o efeito prático desejado, ou seja, é possível que o dispêndio de tempo dos pedagogos não tenha alcançado os objetivos propostos, já que, como mencionado, o professor não compõe o processo de elaboração do processo formativo ou sequer tem conhecimento antecipado dos elementos que estão sendo discutidos sobre o seu fazer. O docente pode ainda não reconhecer essas reuniões com os pedagogos como formação. Ademais, a dificuldade em reunir os professores por área de conhecimento pode agravar a qualidade do processo.

O documento orientador que rege os processos de formação em rede determina a carga horária mínima para cada grupo de profissionais, conforme tabela 2. As formações são realizadas de duas maneiras distintas: nas unidades escolares com todos os profissionais e fora da escola com todos os professores e profissionais da rede.

Número de encontros e carga horária mínima

As formações que acontecem na escola são essencialmente realizadas pelos pedagogos com apoio dos diretores escolares. A tabela não exige que as formações sejam realizadas nas unidades escolares e geralmente a carga horária é atendida nos encontros com todos os profissionais que acontecem ao final de cada trimestre.

Além de elaborar os processos de FC, os CTP´s exercem a atribuição de interventores diretos através dos “trabalhos de campo” e/ou observação da prática. O documento norteador para Formação Continuada na Rede indica que essas observações têm o objetivo de:

[…] ajudar a equipe gestora a acompanhar determinada situação pedagógica ou didática, para, posteriormente, ajudar a aprimorar sua prática e, consequentemente, melhorar a atuação do professor, com o objetivo de melhorar também a aprendizagem dos alunos (Venda Nova do Imigrante, 2015, p.15).

A partir do olhar dos CTP´s, algumas intervenções são propostas junto ao setor pedagógico da unidade. O documento não detalha ou traz aprofundamentos sobre o envolvimento do professor neste processo, fazendo parecer que este atua como um reprodutor de ações que são determinadas por outros agentes. Neste cenário, são tidos como “superiores” por ocuparem cargos técnicos.

Essa talvez seja uma das principais fragilidades quando pensamos em estratégias para construção de programas de FC. Nóvoa (2019) afirma que é na complexidade de uma formação que se alarga a partir das experiências e das culturas profissionais que poderemos encontrar uma saída para os dilemas dos professores. Dessa forma, as experiências vivenciadas no chão da escola contribuem diretamente para a resolução de problemas vivenciados na própria prática. O autor indica o pensamento errôneo que aponta a formação na escola como uma forma de isolar o corpo docente em práticas rotineiras e medíocres, não lhes permitindo o acesso a novas ideias, métodos e culturas (Nóvoa, 2019). Na mesma esteira indica a abertura que esse tipo de fala dá para o mercado de cursos, eventos, seminários e encontros nos quais especialistas diversos montam seu espetáculo pessoal para venderem novidades inúteis ou qualquer outra novidade do momento.

De qualquer forma, as mudanças geradas no interior da escola se constroem principalmente quando os professores se juntam para pensar o trabalho, para construírem práticas pedagógicas diferentes e para responderem aos desafios colocados pelo cotidiano escolar (Nóvoa, 2019). Diante destas constatações, o modelo de FC adotado pela SEMED, na forma como está descrito no documento norteador,  se aproxima e ao mesmo tempo se distancia das propostas defendidas por Nóvoa (2019). Aproxima-se no momento em que promove formações no ambiente escolar e com seus pares; e se distancia ao centralizar no pedagogo a figura de formador e detentor dos saberes, de forma que o docente passa a ocupar um lugar de coadjuvante e receptor de informações.

O documento norteador de FC no município não faz apontamentos quanto à capacitação por disciplinas ou mesmo áreas de conhecimento. Logo, os cursos de FC para as áreas de conhecimento estão fadadas ao esquecimento. Este fato fica evidenciado nas palavras de uma professora de Educação Física da rede:

Em 23 anos de atuação na área, esse é o primeiro momento que a gente tem a oportunidade de sentar pra discutir. Eu observo a educação física como um plano B (Gabriela, professora).

O déficit na oferta de programas de FC direcionado às áreas de conhecimento no município pode estar atrelado a uma série de fatores, entre eles a falta de profissionais qualificados para condução desses eventos. Além disso, a organização da escola dificulta a “saída” do profissional, já que durante a aula de Educação Física o professor regente está em horário de planejamento. Silva e Figueiredo (2021) encontraram situação similar em seu estudo na rede municipal de Cariacica – ES, onde uma participante indicou que a organização da prefeitura dificulta a saída do profissional da escola.

Alguns estudos acerca da FC na área da Educação Física têm apontado que esta tem sido pautada, de modo hegemônico, por cursos de curta duração e apresentado interesses mais burocráticos e comerciais do que educacionais (Figueiredo; Heringer, 2009; Azevedo et al., 2010; Marin et al., 2011; Bastos; Anacleto; Henrique, 2018). Esse modelo parece dominar os processos formativos nas redes de ensino.

Diante dessas constatações, Almeida et al. (2022) aponta para a necessidade de pensarmos cursos de FC que dialoguem com o “chão” da escola, ou seja, que tenham significado e partam dos problemas advindos da atuação dos docentes. Assim, os encontros de formação devem conferir ao professor um momento oportuno de “[…] vivenciar processos de investigação, reflexão e contato com concepções inovadoras de ensino e aprendizagem” (Chimentão, 2009 apud Ferreira; Santos; Costa, 2015, p. 290).

Os modelos de cursos oferecidos pelas secretarias de educação de alguns municípios do Estado demonstram um cenário comum no que diz respeito às formações continuadas na área da Educação e da EF. Trata-se, de modo geral, de modelos clássicos que privilegiam uma abordagem por “[…] transferência de conhecimentos sem a preocupação com a experiência e os saberes construídos pelos professores e suas principais necessidades de formação” (Mendes Sobrinho, 2006 apud Ferreira; Santos; Costa, 2015, p. 291). Nesse caso, o professor em formação é concebido como um receptáculo de informações (Almeida et al. 2022).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As formações em formato verticalizado, como o modelo adotado pela SEMED, têm como característica a replicação do conceito de que a prática educacional tem como função a aplicação dos conhecimentos científicos para resolução de problemas técnicos (Pereira, 2002; Pérez Gomez, 1995, 1998). Dessa forma, o professor passa a ocupar o lugar de receptor e reprodutor de conhecimentos, sem que seus saberes e experiências sejam considerados.

REFERÊNCIAS

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1Mestre em Educação Física pela Universidade Federal do Espírito Santo. Professor efetivo da rede municipal de Venda Nova do Imigrante e da rede estadual de ensino.