TRÁFICO HUMANO PARA FINS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL NO BRASIL

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202411091243


Marcos Antônio de Souza Mota1


RESUMO 

O presente trabalho aborda o tráfico humano para fins de exploração sexual no Brasil, analisando os meios pelos quais ocorre, as legislações vigentes e as falhas da legislação penal. O objetivo principal é compreender a complexa rede criminosa que explora vulnerabilidades sociais e econômicas para aliciar vítimas, utilizando, entre outros, redes de prostituição e aliciamento online. O estudo utiliza o método dedutivo, partindo de premissas gerais para hipóteses concretas, e se baseia em pesquisa bibliográfica e documental. Conclui-se que, embora a legislação brasileira, especialmente a Lei nº 13.344/2016, tenha avançado no combate ao tráfico de pessoas, persistem falhas relacionadas à eficácia das investigações, à aplicação das penas e à proteção das vítimas. A pesquisa destaca a importância de aprimorar políticas públicas integradas e fortalecer mecanismos de assistência às vítimas, buscando uma abordagem mais específica para os grupos mais vulneráveis, como mulheres e crianças.  

Palavras-chave: Tráfico humano. Exploração sexual. Legislação brasileira. Vulnerabilidade social.   

ABSTRACT 

This paper addresses human trafficking for the purpose of sexual exploitation in Brazil, analyzing the means by which it occurs, the current legislation, and the shortcomings in penal law. The primary objective is to understand the complex criminal network that exploits social and economic vulnerabilities to recruit victims, using, among others, prostitution networks and online recruitment. The study uses the deductive method, moving from general premises to concrete hypotheses, and is based on bibliographic and documentary research. It concludes that although Brazilian legislation, especially Law No. 13.344/2016, has made progress in combating human trafficking, there are still shortcomings related to the effectiveness of investigations, the application of penalties, and victim protection. The research highlights the importance of improving integrated public policies and strengthening victim assistance mechanisms, with a more specific focus on vulnerable groups, such as women and children. 

Keywords: Human trafficking. Sexual exploitation. Brazilian legislation. Social vulnerability 

1. INTRODUÇÃO

O tráfico humano para fins de exploração sexual é um problema alarmante e persistente no Brasil, que compromete os direitos humanos e a dignidade de milhares de vítimas, em sua maioria mulheres e crianças. Trata-se de um fenômeno complexo, enraizado em vulnerabilidades sociais, econômicas e institucionais, que permite o florescimento de redes criminosas especializadas em aliciar e explorar sexualmente pessoas tanto em território nacional quanto internacional. A exploração sexual das vítimas, muitas vezes conduzidas ao tráfico sob falsas promessas de emprego ou melhores condições de vida, representa uma grave forma de violência e opressão, além de ser um crime lucrativo que alimenta o submundo do crime organizado. 

Este trabalho se propõe a investigar o tráfico humano para fins de exploração sexual no Brasil, com foco nos meios pelos quais esse crime ocorre, as legislações brasileiras pertinentes ao tema e as falhas existentes no sistema jurídico que dificultam o combate efetivo ao problema. A pesquisa parte da hipótese de que o tráfico sexual no Brasil se dá por meio de uma rede altamente estruturada que se aproveita de lacunas na legislação, da precariedade socioeconômica e das deficiências nas políticas públicas de proteção às vítimas. Além disso, embora a Lei nº 13.344/2016 tenha representado um avanço na tipificação e repressão do crime de tráfico de pessoas, ainda existem limitações na aplicação dessas leis, especialmente em relação à investigação, punição dos culpados e assistência às vítimas resgatadas. 

A escolha deste tema é justificada pela necessidade urgente de aprofundar o entendimento sobre o tráfico humano no Brasil, principalmente no que tange à exploração sexual, e de contribuir para o desenvolvimento de políticas públicas mais eficazes. O tráfico de pessoas não é apenas uma questão criminal, mas também um problema social que envolve questões de desigualdade, pobreza e falta de oportunidades, especialmente para as populações mais vulneráveis. Assim, entender os mecanismos que perpetuam essa prática é essencial para formular estratégias de combate e prevenção mais robustas. 

O objetivo deste estudo é analisar o fenômeno do tráfico humano para fins de exploração sexual no Brasil, identificar os principais meios pelos quais ele ocorre, mapear a legislação existente sobre o tema e apontar as falhas na legislação penal que dificultam a erradicação do problema. Espera-se, com isso, contribuir para a formulação de novas abordagens e políticas que possam fortalecer a luta contra o tráfico humano no país. 

2. DESENVOLVIMENTO 

2.1 Evolução Histórica 

Segundo RODRIGUES (2012), no século XX, houve uma inversão nos fluxos migratórios relacionados ao tráfico de pessoas, especialmente após a Segunda Guerra Mundial. Enquanto no início do século a preocupação era com as chamadas “escravas brancas” – mulheres europeias levadas para a prostituição em grandes capitais sul-americanas, como Rio de Janeiro e Buenos Aires –, a partir do final do século XX, observou-se uma mudança, com países pobres e subdesenvolvidos se tornando os principais fornecedores de pessoas para exploração sexual em nações ricas, sobretudo para o mercado europeu-ocidental. Embora os tempos tenham mudado, muitas características do tráfico de outrora se mantiveram. De acordo com Rodrigues, o tráfico continua a explorar vítimas vulneráveis, utilizando-se de engodos no aliciamento e impondo situações de escravidão por dívida nos locais de destino. Com a globalização, esse processo se intensificou, permitindo que traficantes utilizem ferramentas modernas de comunicação e facilidades de transporte, tratando o tráfico de pessoas como um negócio comum, em que as vítimas são vistas como commodities, e buscadas em ambientes vulneráveis e vendidas nos mercados mais promissores. 

Conforme Rodrigues (2012), o tráfico internacional de pessoas para fins sexuais, como é conhecido atualmente, é um fenômeno recente. No entanto, uma análise histórica revela que o Brasil já enfrentava esse problema desde a época colonial. Durante os séculos XVI a XIX, as escravas negras eram forçadas à prostituição por seus senhores. Com o fim da escravidão, o país passou a receber mulheres brancas, que também foram exploradas sexualmente. Atualmente, o Brasil deixou de ser um destino principal e se transformou em um exportador de vítimas para o tráfico sexual. 

2.2 Conceito e Definição de Tráfico de Pessoas 

De acordo com Silva (2021), o tráfico de pessoas é um fenômeno global e multifacetado que envolve tanto interesses socioeconômicos quanto práticas criminosas, organizadas em redes locais e internacionais, com o objetivo central de explorar os seres humanos. Esse crime atenta contra os direitos humanos, ao limitar a liberdade, desprezar a honra e a dignidade das vítimas, além de ameaçar suas vidas. Trata-se de uma atividade criminosa transnacional, com baixos riscos e altos lucros, que se manifesta de diferentes maneiras em diversas partes do mundo, vitimando milhões de pessoas de forma brutal e profunda. 

O conceito de tráfico de pessoas está presente no Artigo 3º do Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças. 

A expressão ‘tráfico de pessoas’ significa o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos (BRASIL, 2004). 

O tráfico de pessoas é um crime terrível que captura indivíduos em uma teia de exploração. Ele se caracteriza pelo recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou acolhimento de pessoas, muitas vezes sob ameaça, uso da força, coação, rapto, fraude, engano, abuso de poder ou situação de vulnerabilidade. O objetivo final é cruel: explorar essas pessoas, seja por meio da prostituição, do trabalho forçado, da escravidão, da servidão ou da remoção de órgãos

Em 2004, o Brasil definiu o tráfico de pessoas de forma abrangente, reconhecendo as diversas formas de sofrimento que as vítimas podem enfrentar. Essa definição destaca que o consentimento da vítima pode ser obtido de forma ilícita, através de coerção, fraude ou abuso de poder. A exploração pode assumir diversas formas, incluindo a prostituição, o trabalho forçado, a escravidão, a servidão e a remoção de órgãos. A vulnerabilidade da vítima é um fator crucial que facilita o crime. 

2.3 Estatística 

De acordo com a Agência Senado (2023), mulheres e meninas são as principais vítimas do tráfico, pois são levadas para fins como exploração sexual, sendo nos últimos dez anos, 96% das vítimas desse crime em ações penais com decisão em segunda instância na Justiça Federal eram mulheres, essas informações são do relatório sobre o funcionamento de justiça brasileiro na repressão do tráfico internacional de pessoas, feito pela Organização Internacional para as Migrações (OIM) e pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2021. O relatório reúne 144 ações penais com decisão em segunda instância da Justiça Federal. 92% das 714 vítimas citadas nos processos, são brasileiras, isso mostra que 98% levadas para o exterior, ou houve tentativa de enviá-las para o mercado da prostituição, sua maioria sendo na Europa, sendo a Espanha o país que mais recebeu vítimas traficadas do Brasil, um número de 56,94%, seguida por Portugal, Itália, Suíça e Suriname, porém Estados Unidos, Israel e Guiana também foram destinos escolhidos para o tráfico. A Agência Senado relata que os meios mais utilizados para cometer o crime foram fraude (50,69%), abuso de situação de vulnerabilidade (22,91%), coação e grave ameaça (4,16%). 

O tráfico de pessoas para fins de exploração sexual é uma grave violação dos direitos humanos, que atinge principalmente crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. No caso do tráfico interno, que ocorre dentro do próprio país, a pobreza emerge como um fator determinante na exploração desses jovens, conforme destacado no livro “Cidadania, direitos humanos e tráfico de pessoas: manual para promotoras legais populares” (Organização Internacional do Trabalho, 2012). 

Segundo a obra, a pobreza extrema das famílias torna as crianças e adolescentes mais suscetíveis ao recrutamento por traficantes, que exploram a miséria e a falta de oportunidades para submeter essas vítimas à exploração sexual. Essa realidade cruel causa danos físicos, psicológicos e sociais devastadores, violando a dignidade e o futuro desses jovens. 

3. MEIOS QUE OCORREM O TRÁFICO HUMANO 

3.1 Vulnerabilidade das Vítimas 

De acordo com Silva (2023), o tráfico de pessoas no Brasil se caracteriza pela exploração de indivíduos aliciados por meio de promessas enganosas, principalmente pelas redes sociais. Essa prática se alimenta de diversos fatores, como pobreza, desigualdade social, falta de educação, violência e o crescimento de redes criminosas transnacionais.  

A migração, tanto interna quanto internacional, também contribui para o tráfico, especialmente em regiões com altos índices de desemprego e falta de oportunidades. A vulnerabilidade das vítimas facilita a manipulação emocional por parte dos aliciadores, que as atraem com promessas de uma vida melhor. Conforme descrito por Pinto (2016): 

Infelizmente o número de pessoas que são vítimas das redes de tráfico, vem crescendo constantemente e com o aumento da desigualdade social e a busca desesperada por uma colocação melhor no mercado de trabalho, torna ainda mais fácil para os aliciadores recrutarem as mesmas, fazendo-lhes promessas de melhoria de vida, trabalhos que geram grande lucratividade, trabalhos estes que são oferecidos para exercerem funções das mais diversas como, por exemplo, atendentes em bares, cafeterias, lanchonetes, salões de beleza, modelos em agência com grande reconhecimento no mundo da moda, entre outros. (Pinto, 2016). 

Lopes e Oliveira (2022) destacam a vulnerabilidade específica de mulheres e crianças, grupos frequentemente alvos desse tipo de crime devido à sua fragilidade e facilidade de serem manipulados pelos aliciadores. As autoras salientam que essas vítimas são frequentemente enganadas com promessas de melhores oportunidades de trabalho ou estudo, apenas para serem submetidas a condições degradantes de exploração sexual. 

Segundo De Santos et al. (2022), as vítimas do tráfico humano frequentemente vivem em regiões economicamente desfavorecidas, caracterizadas por condições sociais desiguais e baixo acesso à informação e educação de qualidade. Em tais contextos, essas pessoas se tornam alvos fáceis para criminosos, que se aproximam com promessas ilusórias de emprego e melhores condições de vida. Esses aliciadores, muitas vezes, possuem um perfil de aparente riqueza e elevado nível educacional, o que lhes permite convencer as vítimas de que podem proporcionarlhes oportunidades como trabalho, prostituição e até casamento com pessoas de alta classe. 

Diante da precariedade de suas condições, as vítimas, em busca de estabilidade financeira, acabam aceitando essas propostas sem avaliar os riscos envolvidos, expondo-se a perigos físicos e psicológicos. Esse contexto social vulnerável facilita a manipulação e o aliciamento, perpetuando as práticas de exploração próprias do tráfico de pessoas. 

3.2 O Lucro e os Danos da Exploração Sexual 

O tráfico de pessoas para fins de exploração sexual se configura como um negócio cruel e lucrativo, onde os criminosos investem um valor inicial na vítima, custeando falsificação de documentos, transporte, hospedagem e alimentação. No entanto, o retorno financeiro é exorbitante, com lucros estimados em pelo menos 50 mil dólares por vítima libertada da prostituição. Isso significa que o traficante pode submeter a vítima a dois anos de sofrimento e abuso para obter um lucro significativo. 

Assim expõe Evangelista (2018, p. 16): 

Muitas vezes os aliciadores oferecem trabalho para a vítima e nem sempre revelam o caráter da atividade. Estudo realizado pela UISG dividiu o preço que a pessoa traficada tem de pagar pelas despesas pelo preço do programa a ser pago a ela. O resultado mostra que a mulher terá de ter 4.500 relações sexuais para pagar a dívida. Meninas jovens do Interior são convidadas para trabalhar como babás, em cafés ou como modelos. Quando chegam ao destino final têm de trabalhar em casas de prostituição. Além disso, existem dívidas com os aliciadores. A dívida nunca termina e por isso se tornam escravas sexuais e em troca recebem apenas alimentação e moradia (EVANGELISTA, 2018, p. 16 apud, Matos, 2015). 

Segundo Vaz e Valle (2024), quando as vítimas ficam sobrecarregadas com dívidas que nunca poderão ser pagas, os indivíduos explorados tornam-se escravos da dívida a partir do momento em que deixam seus países de origem. Sem perceber, eles arcam com todos os custos da viagem, incluindo alojamento, alimentação e vestuário, além da própria passagem. Ao chegarem ao destino, descobrem que os documentos fornecidos são falsificados e sem validade, e que suas esperanças de uma vida melhor se transformaram em uma dura realidade. Assim, acabam contraindo dívidas exorbitantes com os aliciadores que jamais conseguirão saldar, tornando-se prisioneiros de uma vida de exploração na tentativa de quitar uma dívida e recomeçar, uma vida melhor, o que raramente acontece. 

O tráfico de pessoas para fins de exploração sexual gera diversos tipos de danos, que podem ser profundos e irreversíveis, configurando uma grave violação dos direitos humanos. As vítimas sofrem traumas físicos e psicológicos que variam em intensidade e combinação, e nem sempre se manifestam da mesma forma em cada caso. Diante disso, é crucial que toda a sociedade e o Estado se mobilizem para combater esse crime, erradicando as redes de tráfico e protegendo as pessoas vulneráveis. 

De acordo com De Santos et al. (2022), as vítimas do tráfico humano carregam traumas profundos e duradouros, que deixam marcas graves em sua saúde mental e as tornam especialmente vulneráveis a fatores psicológicos e emocionais. Em muitos casos, especialmente entre crianças, desenvolvem-se mecanismos de dissociação, que dificultam a capacidade de lidar com a realidade cognitiva e emocionalmente, levando-as a viver como se os traumas nunca tivessem ocorrido, criando uma realidade mental alterada. Esse tipo de resposta, embora funcione como um mecanismo de defesa inicial, pode causar problemas emocionais e comportamentais duradouros. 

Além dos sintomas dissociativos, observa-se que as vítimas frequentemente apresentam transtornos como depressão, ansiedade, estresse pós-traumático e uma sensação generalizada de desvalorização pessoal, e, em casos mais graves, ideação suicida. A constante necessidade de proteção e de criação de “estratégias de sobrevivência” se torna parte da realidade dessas vítimas, especialmente no contexto de exploração sexual, que exige delas uma resistência psíquica contínua para enfrentar situações de violência. Esses traumas são descritos como duradouros, moldando de forma permanente a vida e a saúde mental das vítimas (DE SANTOS et al., 2022). 

4. LEGISLAÇÕES SOBRE O TEMA 

Em 2004, o Brasil deu um passo importante no combate ao tráfico de pessoas ao ratificar o Protocolo de Palermo, um tratado internacional que visa prevenir e reprimir esse crime. Essa medida foi oficializada pelo Decreto nº 5.017/2004, incorporando o Protocolo ao ordenamento jurídico brasileiro. 

Doze anos depois, em 2016, a Lei nº 13.344 reforçou o compromisso do país com a causa. Essa lei, mais abrangente, dispõe sobre medidas de prevenção e repressão ao tráfico de pessoas, tanto no âmbito nacional quanto internacional, e também sobre o acolhimento e a proteção das vítimas. 

Como consequência dessa lei, o Código Penal Brasileiro foi alterado, incluindo o artigo 149-A, que define o crime de tráfico de pessoas e as respectivas penalidades. 

Essa mudança representou um marco na legislação brasileira, tornando o combate ao tráfico de pessoas ainda mais robusto e eficaz. 

A alteração no Código Penal brasileiro, com a inclusão do artigo 149-A, expandiu significativamente o escopo do crime de tráfico de pessoas. Antes limitado à exploração sexual, o crime agora abrange diversas outras formas de exploração, como tráfico de órgãos, trabalho análogo à escravidão, servidão e adoção ilegal. 

O artigo também detalha os métodos utilizados pelos traficantes para subjugar suas vítimas, incluindo coação, ameaça, violência, fraude e abuso de poder. Essa caracterização complexa do crime exige a atuação conjunta de diversos órgãos públicos e privados, além da mobilização da sociedade civil, para um combate eficaz ao tráfico de pessoas. 

O combate ao tráfico de pessoas no Brasil também encontra seu principal amparo nos artigos 231 e 231-A do Código Penal. Ambos definem o crime e estabelecem as respectivas penalidades, com a distinção fundamental residindo no local onde o crime for cometido. 

O artigo 231 trata do tráfico internacional de pessoas, abrangendo ações que visam levar a vítima para fora do país ou trazê-la do exterior. Já o artigo 231-A foca no tráfico interno, ou seja, ações que se desenvolvem dentro do território nacional. 

Essa distinção é crucial para determinar a aplicação correta da lei e garantir a devida punição dos criminosos, considerando as especificidades de cada caso. 

5. FALHAS NA LEGISLAÇÃO PENAL 

Segundo Silva (2023), o Código Penal brasileiro já previa a criminalização do tráfico de pessoas em nível internacional desde 1980, mas foi a ratificação da Convenção de Palermo e do Protocolo Adicional para a Prevenção e Punição do Tráfico de Pessoas, em 2004, que consolidou o compromisso do Brasil no enfrentamento desse crime. O Protocolo, fruto de um esforço global dos Estados Membros da ONU, estabeleceu objetivos claros, como a prevenção do tráfico, a proteção das vítimas e a promoção da cooperação internacional para garantir a punição dos responsáveis e a proteção dos direitos humanos, especialmente de mulheres e crianças. 

Conforme Silva (2023), a legislação brasileira voltada para o combate ao tráfico de pessoas apresenta diversas falhas que comprometem sua eficácia. Uma das principais questões apontadas pelo autor é a fragmentação das normas, que estão dispersas em diferentes leis e decretos, o que torna a legislação confusa e difícil de ser aplicada de forma consistente. Essa dispersão contribui para a criação de um cenário desafiador, tanto para as autoridades encarregadas da aplicação da lei quanto para as vítimas, resultando muitas vezes na impunidade dos criminosos e na revitimização das vítimas. Além disso, a aplicação inconsistente da legislação em diferentes regiões do país, associada à falta de recursos e treinamento para as autoridades, agrava ainda mais o problema. 

Silva (2023) também critica a Lei 13.344/2016, que foi criada com o objetivo de combater o tráfico de pessoas, mas que, segundo ele, apresenta um caráter excessivamente generalista. O autor destaca que a lei não leva em consideração as diferentes formas de vulnerabilidade das vítimas, como gênero, idade, orientação sexual, identidade de gênero e raça, o que resulta em uma proteção inadequada para grupos específicos, como mulheres, crianças, migrantes e membros de comunidades marginalizadas. Essa falta de sensibilidade às particularidades dos diferentes grupos vulneráveis acaba por dificultar não apenas a prevenção do crime, mas também a assistência, recuperação e reintegração social das vítimas. 

Outro ponto levantado por Silva (2023) é que as fragilidades da legislação impactam diretamente na proteção do direito à vida das vítimas de tráfico de pessoas. A ausência de um enfoque direcionado às necessidades específicas dos grupos mais vulneráveis impede a criação de políticas públicas eficazes que possam oferecer proteção e assistência adequadas. Para superar essas fragilidades, Silva propõe uma abordagem mais centrada nas vítimas, que considere as particularidades de cada grupo e que promova a criação de estratégias mais eficazes de cooperação internacional. Essa cooperação seria essencial para enfrentar a natureza transnacional do tráfico de pessoas, garantindo tanto a prevenção quanto a repressão do crime, além de assegurar que os direitos humanos das vítimas sejam plenamente respeitados e protegidos. 

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 

O tráfico de pessoas é um problema complexo e transnacional, que envolve múltiplos fatores de vulnerabilidade social e econômica, e que compromete profundamente os direitos humanos das vítimas. Ao longo da análise, observou-se que esse crime é alimentado por promessas enganosas e falsas oportunidades, direcionadas principalmente a indivíduos em situação de vulnerabilidade, que muitas vezes aceitam essas ofertas na busca por uma vida melhor. A exploração, especialmente para fins sexuais, gera impactos devastadores, não apenas nas vítimas, mas também em suas famílias e na sociedade, perpetuando um ciclo de desigualdade e sofrimento. 

A análise histórica revela que, embora o tráfico de pessoas tenha se intensificado no século XX, ele não é um fenômeno novo. No Brasil, práticas de exploração sexual remontam ao período colonial, e, ao longo dos séculos, o país se tornou não só um destino, mas também uma origem para o tráfico de pessoas, com uma rede criminosa que opera tanto internamente quanto em nível internacional. Nesse contexto, destaca-se a importância da evolução das legislações nacionais e internacionais para o combate a essa prática, como o Protocolo de Palermo e a Lei 13.344/2016. Contudo, as falhas legislativas e a fragmentação das normas continuam a comprometer a eficácia na prevenção e repressão desse crime, bem como na proteção das vítimas. 

As consequências emocionais, psicológicas e físicas para as vítimas do tráfico são profundas e duradouras. Crianças e adolescentes, principalmente, sofrem de traumas que, muitas vezes, se manifestam em dissociações cognitivas e transtornos mentais severos, como ansiedade, depressão e estresse pós-traumático. Essa realidade exige que o Estado e a sociedade se mobilizem para oferecer apoio às vítimas e trabalhar na erradicação desse crime, principalmente em regiões e comunidades mais vulneráveis. 

Conclui-se que o enfrentamento do tráfico de pessoas requer uma abordagem multidisciplinar, que envolva políticas públicas mais eficazes, o fortalecimento da cooperação internacional e a atuação integrada de diferentes órgãos e organizações. É necessário, ainda, que as legislações sejam aprimoradas para abarcar as especificidades dos grupos vulneráveis, como mulheres, crianças, migrantes e minorias raciais, de forma a garantir proteção e amparo adequados. Somente assim será possível reduzir os impactos desse crime e proteger as vítimas, assegurando-lhes um futuro com dignidade e respeito aos direitos humanos. 

7. REFERÊNCIAS 

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1Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário Fametro. Email: marcosmotaantonio_14_@hotmail.com. ORCID: https://orcid.org/0009-0003-8915-2069