A TIPIFICAÇÃO DO CRIME DE ESTUPRO POR MEIO DO PRINCÍPIO DA ANALOGIA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202411061220


Rebecca Nandrielle Ipuchima Siqueira1


RESUMO

O acesso à internet pela população brasileira é algo fácil de se realizar no presente momento, tendo uma média de 80% da população com acesso, ocorre que junto desta facilidade os riscos à esta acessibilidade vêm junto. As diversas redes sociais que possibilitam a conexão, porém algumas pessoas têm utilizados com fins maliciosos, para que possam se aproximar de vítimas de uma forma mais segura, podendo praticar o ato libidinoso em si próprio ou exigindo que a vítima realize mediante grave ameaça, sendo recorrente tais atos em face de as faixas etárias das pessoas. Apesar da recorrência do ilícito, e por ser moralmente algo reprovável pela sociedade, a legislação não tem desenvolvido de forma eficiente para acompanhar, sendo necessário uma lei específica para responsabilizar os infratores, demonstrando que o projeto de pesquisa é essencial para o desenvolvimento técnico da área jurídica, por outro lado, caso tenha havido condenações através destes atos, pode ter havido ou não a violação de princípios regidos pela própria Carta Magna. Dessa forma, o presente artigo analisa se a legislação tipifica o “estupro virtual” como um crime. Verifica se o código penal tipifica os atos libidinosos por meio virtual como estupro previsto no Art. 213. Explora os princípios que regem a Carta Magna, o código penal e demais legislações pertinentes ao tema. Demonstra se há necessidade de uma nova tipificação penal para responsabilizar.

Palavras-chave: Tipificação. Estupro. Princípio da Analogia. Normas.  

ABSTRACT

Internet access by the Brazilian population is easy to achieve at the present time, with an average of 80% of the population having access, it happens that along with this facility the risks to this accessibility come with it. The various social networks that enable the connection, however, some people have used it for malicious purposes, so that they can approach victims in a safer way, being able to practice the libidinous act on themselves or demanding that the victim perform it under serious threat, such acts being recurrent in the face of all age groups of people. Despite the recurrence of the unlawful act, and because it is morally reprehensible by society, the legislation has not developed efficiently to keep up, and it is necessary to have a specific law to hold offenders accountable, demonstrating that the research project is essential for the technical development of the legal area, on the other hand, if there have been convictions through these acts, there may or may not have been a violation of principles governed by the Magna Carta itself. Thus, this article analyzes whether the legislation typifies “virtual rape” as a crime. It verifies whether the penal code typifies libidinous acts by virtual means as rape provided for in Article 213. It explores the principles that govern the Magna Carta, the penal code and other legislation pertinent to the subject. It demonstrates whether there is a need for a new criminal classification to hold accountable.

Keywords: Typification. Rape. Principle of Analogy. Standards.

1 INTRODUÇÃO 

O presente artigo trata da tipificação do crime de estupro virtual por meio do princípio da analogia ao crime de estupro, com a descrição dos elementos constitutivos do tipo. O estupro é descrito, entre outros, no artigo 213 do código penal, incriminando quem obriga uma pessoa a ter relações sexuais ou permite que ela seja usada para realizar outro ato libidinoso, por meio de violência ou ameaça grave.

No entanto, junto com o crescente acesso à rede mundial de computadores, o mundo tem sido infligido com crimes cibernéticos, que têm ganhado destaque na sociedade e, portanto, tornou-se essencial perceber a extensão da lei sobre esse assunto. 

No desenrolar do artigo, constatou-se que o estupro virtual consiste em uma forma de exploração sexual, que ocorre por meio de chantagem ou coação da vítima por meios tecnológicos, sem a ocorrência de contato físico direto, uma vez que não é necessária a relação sexual para que o estupro seja configurado.

A incriminação do crime de estupro virtual por meio do princípio da analogia representa uma análise jurídica complexa que captura no labirinto dos Princípios Gerais do Direito Penal, como princípios de legalidade, convencionalidade e tipicidade. A analogia, em termos legais, é identificada como a aplicação de uma disposição de uma regra a uma situação específica para outro caso que está intimamente relacionado e não expressamente previsto pela lei.

O uso de analogia no Direito Penal, especialmente no campo do crime, crimes contra pessoas, realmente tem que ser restringido com grande escrutínio sob os princípios constitucionais. Por um lado, nenhuma disposição é feita para o crime de estupro em alguns sistemas legais. E, no entanto, ao vê-lo como um exemplo parcial, há pouca dúvida de que o estupro se enquadra no título geral de crimes sexuais. A impunidade não é aceitável neste caso.

O objetivo é, então, considerar porque o delito de estupro virtual é tão raramente ouvido apesar da enorme exposição da tecnologia hoje em dia, levando em consideração o número escasso de casos que foram trazidos ao conhecimento público e qual leitura tem sido feita para a concretização do delito. O tema problemático do artigo é se o crime em questão tem fundamento na legislação penal vigente, tendo como referencial teórico o princípio da analogia.

Portanto, o uso da analogia para tipificar o crime de estupro é incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro, especialmente por se tratar de um crime grave que deve ser descrito de maneira precisa pela legislação penal. A tipificação por analogia nesse caso poderia levar a arbitrariedades e incertezas, violando direitos constitucionais fundamentais.

2 A TIPIFICAÇÃO DO CRIME DE ESTUPRO POR MEIO DO PRINCÍPIO DA ANALOGIA

O estupro é regido pelo artigo 213, caput, do Código Penal Brasileiro, estabelecido pela Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, que fundiu as definições de estupro com agressões violentas ao pudor. O objetivo do legislador é salvaguardar a liberdade sexual — o direito de controlar o próprio corpo — e a autonomia para fazer escolhas sobre relações sexuais ou outros comportamentos obscenos. Além disso, é classificado como crime grave, conforme descrito no artigo 1º, V, da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990.

A análise do crime de estupro mostra que ele consiste em vários componentes principais: coerção, uso de violência ou ameaças significativas, capacidade de atingir qualquer indivíduo, envolvimento em relação sexual e persuadir a vítima a realizar ou permitir que outra pessoa se envolva em qualquer ato obsceno.

Portanto, realizada uma breve análise de alguns elementos que compõe o crime de estupro, passamos agora a definir as mudanças na composição de relações virtuais e riscos, o mundo das redes sociais e seus riscos, para então adentrar no que seria o crime de “Estupro Virtual, sua tipificação por meio do princípio da analogia”, objeto deste trabalho, trazendo para a pesquisa, casos concretos ocorridos no país e o levantamento dos argumentos pós e contra acerca da tipificação de tal conduta.

2.1 Mudanças na composição de relações virtuais e riscos

Os autores Tomaél, Alcará e Chiara (2005) abordam que as pessoas se integram à sociedade por meio de relacionamentos que se formam ao longo de sua vida, sendo como exemplo primeiro na família, podendo até ser as relações que se formam na escola ou na comunidade em que vivem ou até mesmo trabalha; e, dentre as quais se destaca são as interações que os indivíduos criam e mantêm, o que fortalece a área econômico. 

A natureza humana resulta em uma conexão uns com os outros, organizando uma sociedade como vemos na atualidade. Cada pessoa nas redes sociais desempenha um papel específico e identidade com sua cultura, sua relação com os outros vai formar uma unidade, pois a partir da evolução das relações sociais por meio da Internet, ocorre sem depender do espaço físico e geográfico.

Cumpre destacar, que conforme Canela (2012) a legislação romana de séculos atrás já aborda sobre o tema de estupro, para que de alguma forma houvesse uma proteção as pessoas que sofriam algum tipo de violação sexual, bem como formas de penalizar os indivíduos que cometiam este tipo de delito, o qual evoluiu até a presente legislação de n° 2.848/1940, e que posteriormente houve a sua adequação a evolução da sociedade com o advento da lei 12.015/2009, garantindo que o bem jurídico fosse protegido.

2.2 Comunicação ou relações por meio de redes sociais.

O impacto da comunicação digital na sociedade remonta aos anos 60. Ercilia (2000), explica que a Internet surgiu em centros de pesquisa militar em 1962, quando começou a busca por uma rede de computadores à prova de bombas. Naquela época, a Guerra Fria estava em seu auge e os americanos estavam investindo em planos de defesa contra a União Soviética. Posteriormente, a rede desenvolvida começou a ser utilizada por instituições acadêmicas, centros de pesquisa e, eventualmente, chegou ao público em geral.

A principal diferença entre os sites de redes sociais e outras formas de comunicação mediadas por um computador, está na forma como eles permitem a visibilidade, articulação das redes sociais e a manutenção de laços sociais no espaço off-line (RECUERO, 2009).

A diferença para os dias atuais é a velocidade e a forma de como isso tem acontecido, deixando de ser demorado e limitado para ser mais rápida e fácil. Tudo isso graças ao surgimento da internet e das mídias de relacionamento, fazendo com que a distância deixasse de ser um fator impeditivo.

Em relatório divulgado pelas empresas, We are Social e Hootsuite, com o tema “Digital in 2018: The Americas”, a população brasileira tem 62% de pessoas ativas nas redes sociais. O relatório também apresenta que 58% já buscou por um serviço ou produto pela internet.

A velocidade com as mudanças comportamentais que vem acontecendo é tão surpreendente que faz com que mudanças significativas e inesperadas aconteçam, por exemplo, transformar um locutor em uma pessoa boa ou má muito rapidamente com base na concepção dos interlocutores sobre o que foi postado.

2.3 Nova dinâmica da legislação na proteção dos usuários virtuais

O controle da Internet é um processo que precisa ser abraçado: mais tecnologia, afinal (com os muitos benefícios), mais brechas criadas para muitos quando a tecnologia também traz consigo um lado negro para alguns. Portanto, para que os avanços digitais funcionem completamente em benefício de muitos (e não contra eles), a fronteira tecnológica é uma área muito importante para a legislação dentro das leis de qualquer país.

No momento, a Lei n.º 13.709/18 é uma das leis mais relevantes relacionadas ao uso online no ambiente brasileiro. A LGPD, como o próprio nome sugere, zela pelas proteções relacionadas aos dados pessoais e aos direitos fundamentais dos indivíduos.

2.4 Risco ao navegar em redes sociais

A exposição excessiva nas redes sociais é um grande problema. Muitos são os crimes cometidos com ajuda de informações obtidas por aquilo que as próprias vítimas postam em seus perfis – como golpes no WhatsApp ou e-mails de phishing, que podem levar, por exemplo, os usuários a terem o perfil de plataformas como o Instagram hackeado.

Falar excessivamente sobre sua rotina, sobre a vida das pessoas da sua casa, os bens que vocês possuem e o que gostam de fazer dá aos criminosos dicas valiosas sobre o que fazer e como agir para prejudicar e ferir a você e aqueles que você ama e o que você tem.

Outro ponto é como as redes sociais são permeadas por algoritmos de todos os tipos que são capazes não só de padronizar, mas até mesmo prever os padrões comportamentais dos usuários.

Eles fazem isso ao analisar suas atividades e buscas na internet e, por meio desses dados, direcionar sua navegação, estruturando padrões de consumo, incentivando a polarização política e criando bolhas de informação, nas quais os usuários apenas recebem notícias e publicações que confirmam suas opiniões pessoais.

3 ESTUPRO VIRTUAL

A autora Santos (2020) aborda que o conceito de estupro evoluiu com o tempo, muito embora a sociedade, que de forma imprevista passou a ver o estupro como apenas uma forma diferente de crime que não pudesse sofrer qualquer mutação ou evolução para atender as necessidades da sociedade, porém hoje, qualquer tipo de constrangimento sexual é considerado crime, conforme a constante atualização que o Código Penal Brasileiro vem sofrendo, como por exemplo o estupro de vulnerável por ser tratado de maneira específica, a legislação brasileira em seus artigos, determina que é considerado o crime de estupro vulnerável qualquer ato libidinoso ou conjunção carnal com menor de 14 anos. 

Anteriormente o ato de estupro teve como sujeito ativo apenas o homem e como sujeito passivo, a mulher. No entanto, com a Lei 12.015/09, homens e mulheres podem ser sujeitos ativos ou passivos do crime de violação. O crime de invasão não é mais um crime em si, mas agora é considerado um crime de direito consuetudinário (Fonseca, et al, 2020).

Fato é que o novo tipo de estupro é um crime contra a liberdade sexual da vítima, e, sob o prisma desta, pouco importa que o ato sexual tenha tido como origem intenção lasciva ou qualquer outra por parte do agente. Assim, basta que o ato seja de caráter sexual e que tenha sido imposto à vítima. Portanto, elogios merecem a lei em não se referir ao fim do agente, pois o elemento psíquico do delito está em querer o agente ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso que atente contra o pudor sexual da vítima (Araujo, 2010).

Por seguinte, o Código penal estabelece o seguinte sobre o crime de estupro: 

Art. 213.  Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. § 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. § 2o Se da conduta resulta morte: Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. (Decreto – Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940)

Conceitualmente, o estupro virtual “se caracteriza pela ameaça ou coação através da internet para o cometimento de todo e qualquer ato libidinoso. Ou até mesmo, o uso de imagens usadas para chantagear a outra parte” (CAMARGO,2019, p. 01).

Duarte (2020, p. 02), exemplifica o crime de estupro virtual com a seguinte situação:

[…] Determinada pessoa passa a conhecer alguém em uma rede social. A partir disso, se inicia um flerte e a troca de nudes. Em determinado momento, se inicia o recebimento de ameaças e que as imagens serão expostas. Para que isso não ocorra, a pessoa é “obrigada” a se despir e a se masturbar durante uma chamada de vídeo. Logo, isso é um estupro virtual.

De acordo com Gusmão (2001, p. 35), “a liberdade sexual é representada por sua característica maior que é o consentimento. Quando violada a liberdade sexual, impedindo que a vítima exerça o poder desse consentimento, afeta o direito sobre o seu corpo, tornando-se assim um crime”.

3.1 Tipificação do estupro conforme o código penal

A incidência do estupro como crime está prevista no Código Penal. O artigo 213 estipula o crime de estupro. No entanto, existem outros tipos de estupro, dependendo da idade da vítima ou da natureza do ato: 

Estupro contra menor de 14 anos: Definido no artigo 217-A do Código Penal, esse crime acarreta pena de prisão de 8 a 15 anos.
Estupro de menor de 14 a 18 anos: esse crime acarreta pena de prisão de 8 a 15 anos.
Estupro com lesão corporal grave ou morte: A pena para esse crime é de 12 a 30 anos de prisão A liberdade sexual é o objeto legal do crime de estupro, enquanto o objeto material é a pessoa contra quem a conduta criminosa é cometida.

3.2 Utilização da LINDB como garantia de proteção do bem jurídico

A Lei 13.655/18 (que alterou a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) nasceu com o declarado propósito de conferir maior segurança jurídica na regulamentação, interpretação e aplicação da legislação de Direito Público. 

A LINDB tem como função reger as normas, indicando como deve ser interpretada ou aplicada, determinado a sua vigência e a sua eficácia.

Ocorre que a legislação penal não abarca o estupro virtual de forma expressa, utilizando a LINDB (Lei4.657/1942) para poder dar o devido respaldo no “Art. 4°- Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

Os operadores do direito para que possam se adequar a legislação aos casos concretos utilizam a LINDB como fundamentação, utilizando o instrumento da analogia, vejamos o autor Ferreira (2014) aborda sobre o tal tema: “os textos normativos carecem de interpretação não apenas por não serem unívocos ou evidentes, mas sim porque devem ser aplicados a casos concretos. Por isso mesmo é que o intérprete discerne o sentido do texto a partir e em virtude de um determinado caso. A norma é produzida, pelo intérprete, não apenas a partir de elementos colhidos no texto normativo (mundo do dever ser), mas também a partir de elementos do caso ao qual ela será aplicada, a partir de dados da realidade (mundo do ser).”

O autor Zolet (2018) afirma que apesar de ser reconhecida a importância da LINDB, entende-se que esta ao utilizar argumentos consequencialistas é capaz de estabelecer uma sistematização da maioria dos argumentos jurídicos, este sentido, na hipótese da prática argumentativa judicial não será significativamente afetado no que diz respeito à maior racionalidade e consistência dos modelos que procuram expor os seus fundamentos com maior clareza e determinação, nesta linha de pensamento, entende-se que a busca por uma fundamentação prática apenas permitirá o surgimento de um número ilimitado de presunções que possivelmente se utilizarão de razões hipotéticas de decidir ao utilizar o princípio da analogia para definir casos abstratos à legislação vigente. 

No caso da sua modalidade virtual, no entanto, basta apenas as vias digitais, o que gera medo, dominação e/ou submissão psicológica na vítima, mesmo se ela estiver longe. A legislação penal brasileira não menciona especificamente a prática virtual, o que deixa sua interpretação mais ampla, para suprir as lacunas existentes no ordenamento jurídico brasileiro, enquanto não houver uma tipificação penal adequada (Gonçalves, 2022).

3.3 Aplicação do princípio da analogia ao estupro virtual

O princípio da analogia no direito penal é usar uma regra existente para um caso semelhante quando não há disposição expressa sobre o caso em questão. Mas, essa operação é limitada na área do direito penal, porque a aplicação das leis penais deve obedecer ao princípio da estrita legalidade: não pode haver punição sem uma previsão legal clara (nullum crimen, nulla poena sine lege).

Em relação ao “estupro virtual”, uma questão jurídica importante precisa ser considerada: em muitos países (incluindo o Brasil), não há uma tipificação criminal específica para esse tipo de conduta. Para o Código Penal Brasileiro (art. 213), estupro é ter “relação carnal ou outro ato libidinoso mediante violência ou grave ameaça”. O estupro virtual, por sua vez, pode não envolver um contato físico direto, mas sim práticas como extorsão sexual, chantagem com imagens íntimas ou forçar uma pessoa a realizar atos sexuais online contra a sua vontade.

Se não houver disposição de criminalização do estupro virtual na legislação explicitamente, então o princípio da analogia pode argumentar que algumas práticas virtuais devem ser tratadas como se fossem iguais ao estupro físico. Neste caso, a analogia poderia ser aplicada ao entendimento de que a coerção psicológica e a exploração de vulnerabilidades em um ambiente virtual são igualmente devastadoras para a vítima e justificam uma punição semelhante ao estupro.

No entanto, a analogia in malam partem (contra o réu) não é aplicável no direito penal. Como tal, tipos criminais não podem ser criados ou estendidos. Uma ação não deve ser criminalizada se não for expressamente prevista pela lei. No caso de estupro virtual sem disposição legal especial, analogias não podem ser aplicadas ao processar alguém por cometer estupro clássico porque violaria o princípio da legalidade.

A discussão sobre o estupro virtual exige um balanceamento entre o avanço das tecnologias e a necessidade de adaptação do direito penal para proteger a dignidade e a integridade das pessoas no ambiente virtual.

4 VIOLAÇÃO DE NORMAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

A tipificação do crime de estupro por meio do princípio da analogia no direito penal suscita debates importantes sobre a violação de normas e princípios constitucionais, especialmente no que se refere aos direitos e garantias fundamentais.

O uso da analogia para tipificar o crime de estupro pode violar princípios essenciais do sistema jurídico, tais como o princípio da legalidade estrita (nullum crimen, nulla poena sine lege), tendo em vista que a aplicação da analogia in malam partem (prejudicial ao réu) seria uma violação direta do princípio da legalidade, pois criaria uma base legal para punir uma conduta não explicitamente prevista em lei, como seria o caso de tentar enquadrar o “estupro virtual” na definição tradicional de estupro.

Outro princípio que pode ser considerado violado é o da taxatividade. Este princípio complementa o da legalidade ao exigir que a lei penal seja clara, específica e precisa. Isso significa que a tipificação de crimes deve ser redigida de forma a não permitir interpretações amplas que prejudiquem o réu. Ao utilizar a analogia para estender a definição de estupro para comportamentos que não estão claramente descritos na norma penal, estaríamos violando o princípio da taxatividade. Isso compromete a previsibilidade e a segurança jurídica, pois o cidadão não teria clareza suficiente sobre o que configura crime.

O princípio da proporcionalidade é outro princípio constitucional fundamental, exigindo que as penas aplicadas sejam proporcionais ao ato praticado. O direito penal brasileiro também busca garantir que as sanções sejam adequadas ao dano causado. Sua violação pode acontecer ao aplicar a analogia para equiparar o estupro físico e o estupro virtual poderia gerar um desequilíbrio, ao tratar de forma idêntica condutas que podem ter graus de gravidade e impacto muito diferentes. Isso poderia levar à imposição de penas desproporcionais ao crime cometido.

Já o princípio da irretroatividade da Lei Penal Mais Gravosa está previsto no artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal, e determina que a lei penal não pode retroagir para prejudicar o réu. Esse princípio impede que leis ou interpretações mais severas sejam aplicadas a fatos ocorridos antes de sua vigência. Aplicar a analogia ao estupro para casos de “estupro virtual” ou outras formas de coerção sexual digital, sem que essa conduta esteja previamente tipificada, também violaria o princípio da irretroatividade. O réu estaria sendo julgado por um comportamento que, ao tempo do fato, não era claramente definido como crime.

Por fim, o princípio da dignidade da pessoa humana consagrado no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, protege tanto a vítima quanto o acusado. No âmbito penal, esse princípio exige que o sistema penal proteja a dignidade das vítimas sem comprometer os direitos e garantias dos réus. A aplicação da analogia in malam partem poderia violar a dignidade do réu, ao submeter o indivíduo a uma acusação e condenação com base em interpretações amplas da lei, sem a devida clareza legal. Isso pode resultar em arbitrariedade na aplicação das normas penais.

4.1 Princípio da Legalidade conforme a Carta Magna e código penal

O Princípio da Legalidade surgiu com o desenvolvimento do liberalismo na segunda metade da era Moderna com a Revolução Francesa. Dado que a Revolução Francesa tinha como princípio a liberdade do ser humano, era indispensável que a legislação mudasse para proteger a propriedade e a liberdade dos indivíduos. 

Com a ascensão do liberalismo, o Estado se tornou essencialmente negativo; o Estado não deveria interferir nas liberdades inalienáveis ​​do indivíduo. Em outras palavras, Ferreira Filho (1988) define:

“Este Estado, em sua forma típica e original, caracteriza-se, primeiro, pelo reconhecimento de que o Poder é limitado por um Direito superior, que está fora de seu alcance mudar. Tal Direito, natural porque inerente à natureza do homem, constitui a fronteira que sua atuação legítima não pode ultrapassar. Visto do ângulo dos sujeitos (passivos) do Poder, esse Direito é um feixe de liberdades, que preexistem à sua declaração solene, e recobrem o campo da autonomia da conduta individual. Autonomia que é a regra, a qual sofre apenas as restrições estritamente necessárias ao convívio social.”. 

No Brasil, o Princípio da Legalidade vem desde a Constituição Imperial de 1824, cujo Art. 179, I, dispunha que: “nenhum cidadão será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da Lei”. Sobre o assunto em questão, Gilmar Mendes prossegue dizendo:

“no primeiro quartel do século XIX, a Constituição Imperial de 1824 incorporou o postulado liberal de que todo o Direito deve expressar se por meio de leis. Essa ideia inicial de ‘Império da Lei’, originada dos ideários burgueses da Revolução Francesa, buscava sua fonte inspiradora no pensamento iluminista, principalmente em Rousseau, cujo conceito inovador na época trazia a lei como norma geral e expressão da vontade geral (volonté general)”. 

E acrescenta que:

“a generalidade de origem e de objeto da lei (Rousseau) e sua consideração como instrumento essencial de proteção dos direitos dos cidadãos (Locke) permitiu, num primeiro momento, consolidar esse então novo conceito de lei típico do Estado Liberal, expressado no art. 4º da Declaração de Direitos de 1789: ‘A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudica ao outro. O exercício dos direitos naturais de cada homem não tem mais limites que os que asseguram a outros membros da sociedade o gozo desses mesmos direitos. Estes limites somente podem ser estabelecidos pela lei’”.

Todas as Constituições posteriores adotaram esse conceito, exceto pela Constituição de 1937. Na atual Constituição, o Princípio da Legalidade, consta no Art. 5º, II, cujos termos dispõe: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Além disso, a Constituição Federal inovou ao criar um artigo específico para definir a Administração Pública e submetê-la a vários princípios, dentre eles o da legalidade. A Constituição Federal de 1988 traz o princípio em análise diversas vezes, por exemplo, no Art. 5º, XXXIX “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia imposição legal” e no Art. 150, I que proíbe a União, Estados, Distrito Federal e Municípios “de exigir ou aumentar tributos sem lei que o estabeleça”.

O princípio da legalidade é básico para a aplicação do direito penal. Este princípio faz parte de uma concepção minimalista do Direito Penal do Equilíbrio, segundo a qual o equilíbrio é uma característica que deve estar na lei, não transbordando para nenhum lado para não prejudicar a gravidade e a eficácia da aplicação do direito penal. Rogério Greco comenta sobre a questão: “Em uma análise comparativa, podemos afirmar que o princípio da legalidade tem uma reserva em uma corrente minimalista voltada para o Direito Penal do Equilíbrio”.

4.2 Da Importância do princípio da legalidade como limitador do poder estatal

O Princípio da Legalidade visa assegurar que o poder estatal só pode impor restrições ou sanções às pessoas quando houver uma base legal específica, previamente definida. Ele protege os cidadãos de ações arbitrárias e abusos por parte do Estado.

O Estado detém o monopólio do uso legítimo da força, seja por meio do aparato policial, judiciário ou legislativo. Sem limites adequados, esse poder pode se tornar abusivo e autoritário. Nesse sentido, o princípio da legalidade funciona como um contrapeso essencial ao poder do Estado.

O princípio da legalidade impede que todas as autoridades públicas ajam aleatoriamente e criem regras à vontade. As decisões do Estado em questões criminais ou administrativas nunca podem ser oportunistas, mas sempre baseadas em uma regra legal existente que é pré-declarada e aprovada por meio de um processo legislativo.

No direito penal, por exemplo, o Estado não deve tornar o ato um crime depois que ele foi cometido ou criar penalidades após o fato, nem pode usar padrões vagos ou indefinidos. Isso garante que os cidadãos sejam avisados ​​sobre qual conduta é proibida e quais serão os resultados de sua conduta e, portanto, serve para promover a segurança jurídica.

Outro ponto sobre o princípio da legalidade é que este protege os direitos fundamentais, como a liberdade, a propriedade e a igualdade. Estes não devem ser interpretadas como restrições impostas pelo Estado, a menos que estejam previstas numa lei clara e específica. Pois dentro do Estado de Direito, toda ação governamental que implique a vida humana, a liberdade ou a propriedade é legal, justificada por lei, por sua vez no âmbito da Constituição.

O Princípio da Legalidade, uma das máximas mais importantes do Estado de Direito, atua fundamentalmente no aspecto de restringir o poder do Estado ao proteger os cidadãos de arbitrariedades e abusos, garantindo previsibilidade mais segurança jurídica e tornando possível que o Estado sempre atue dentro da lei, respeitando direitos e garantias constitucionais. Se esse tipo de princípio coordenador não existisse, não haveria, de fato, base para o equilíbrio entre o poder do Estado e as liberdades individuais; o resultado seria uma ameaça à Justiça e à Equidade dentro da comunidade.

4.3 Da ilegalidade ao aplicar norma infraconstitucional sob norma constitucional

É ilegal aplicar uma norma infraconstitucional sob uma norma constitucional pela qual uma lei ou norma inferior à Constituição é usada ou interpretada de tal forma que contrarie, viole ou desrespeite os princípios e garantias fundamentais previstos na Constituição. Ou, em outras palavras, a norma infraconstitucional não deve prevalecer sobre a Constituição porque a Constituição é a lei suprema de qualquer país.

O sistema jurídico brasileiro organiza as normas de forma hierárquica, com a Constituição Federal no topo. Logo abaixo da Constituição estão as normas infraconstitucionais, compostas por leis complementares, leis ordinárias, decretos, resoluções, entre outras. Essa hierarquia garante que nenhuma norma seja maior que a principal. Todas as normas devem estar em conformidade com a Constituição.

Então, qualquer norma infraconstitucional que vá contra ou desrespeite a Constituição seria inconstitucional e deveria ser derrubada. Esse mecanismo funciona para resguardar princípios fundamentais e garantir que os direitos dados na Constituição sejam respeitados.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo prova sem sombra de dúvida que nosso código penal atual está bastante desatualizado, pois é um dispositivo de 1940, em uma época em que a tecnologia ainda não existia. De fato, a ilusão não precisa enganar. 

Hoje o mundo está passando por consideráveis ​​desenvolvimentos tecnológicos por meio de comunicações virtuais que aumentaram milhões de vantagens para a comunidade, mas, nesse meio tempo, também deram origem a novas formas de crimes.

Assim, com as inovações trazidas pela Lei 12.015 de 2009, foi possível ampliar o conceito de estupro, tipificando-o não apenas como o ato de praticar sexo, mas também outros atos lascivos que buscam saciar a luxúria sexual do agente que coage a vítima.

No entanto, apesar desses avanços tecnológicos que cercam a sociedade, a disseminação desse crime ainda é escassa e consequentemente causa um crime de extrema importância, cada vez mais disseminado no cotidiano. Recebe incentivo errôneo quanto à sua definição.

Vale ressaltar que no Brasil há pouquíssimas decisões judiciais sobre o assunto, como se pode perceber, mas apenas essas pequenas e recentes abordagens mostram que o estupro virtual pode ser devidamente tipificado, dando chance para a punição daqueles que abusam do anonimato oferecido pela internet para a prática de tais tipologias de crimes.

Por fim, conclui-se que não há barreiras legais à incriminação e persecução do estupro virtual, uma vez que ele se enquadra completamente no conteúdo da norma jurídica, cumprindo sua constitucionalidade, sendo o contato físico não relevante. 

No entanto, é uma classificação subjetiva que precisa ser mais bem compreendida e comprovada uma vez que se aplique a lascívia do infrator para cometer o crime.

Definir esse delito é o correto, pois os crimes virtuais não devem ficar impunes, pois a Internet não pode ser considerada uma terra de ninguém, onde os criminosos têm um espaço amplo e disponível para criar delitos, contribuindo para fomentar uma onda de violência no mundo virtual.

REFERÊNCIAS

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1Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário Fametro. E-mail: rnandrielle@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0009-0001-2280-5702