CHALLENGES AND OPPORTUNITIES: BLACK WOMEN IN LEADERSHIP POSITIONS
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202411061142
José Rafael Pedro Lima1
Lídia De Cassia Damascena Da Silva2
Victor Hugo De Almeida De Souza3
Resumo
Nas últimas décadas, o Brasil tem vivenciado debates intensos sobre diversidade, equidade e inclusão, focando na presença persistente de racismo, machismo e outras formas de discriminação. Este trabalho examina os desafios enfrentados pelas mulheres negras na ascensão a cargos de liderança no ambiente corporativo. A presença de negros em cargos de liderança é limitada, apesar de avanços como as cotas para acesso ao ensino superior. Apesar do aumento na matrícula de pessoas negras no ensino superior, a sub-representação nas pós-graduações reflete um preconceito enraizado contra negros em papéis intelectuais. A análise revela que o racismo estrutural impacta negativamente o acesso à educação e oportunidades de carreira, perpetuando a sub-representação de profissionais negros em posições de comando. A participação feminina também diminui em níveis hierárquicos mais elevados, refletindo barreiras organizacionais e sociais. Quando combinadas, essas desigualdades de raça e gênero tornam a ascensão das mulheres negras ainda mais desafiadora, agravada por discriminação interseccional, ou seja, de cor e de raça, que frequentemente as relega a funções subservientes e de menor prestígio. Estudos demonstram que mulheres negras enfrentam altas taxas de desocupação e subocupação, além de rendas inferiores comparadas a mulheres brancas A revisão bibliográfica adotada neste estudo buscou mapear iniciativas e práticas que promovam a inclusão de mulheres negras em posições de liderança, destacando políticas públicas e empresariais eficazes. A pesquisa enfatiza a importância da diversidade racial e de gênero para ambientes corporativos mais inclusivos e equitativos, e aponta para a necessidade de um esforço coordenado entre setores públicos e privados para superar as barreiras históricas e estruturais que limitam a ascensão de mulheres negras no mercado de trabalho.
Palavras-chave: Igualdade. Diversidade. Mercado de trabalho. Representatividade. Mulheres negras.
1. INTRODUÇÃO
Vive-se, especialmente na última década, muitos debates no Brasil acerca da diversidade, equidade e inclusão, sendo postas em questão a existência do racismo, machismo e outros tipos de discriminação (Almeida, 2019). Muitos são os esforços no sentido de afirmar que esses preconceitos ainda estão presentes no cotidiano, para a partir do seu reconhecimento, combatê-los de forma efetiva e buscar uma melhor sociedade mais igualitária para ser vivida. É nesse campo de disputas que se coloca este trabalho, que tem como objetivo analisar os desafios da ascensão da mulher negra no ambiente corporativo.
A primeira questão a ser apresentada é a pouca presença de pessoas negras em cargos de liderança. Apesar dos avanços, como a implementação de cotas, responsáveis por tornar menos excludente o acesso de negros e pardos a instituições de ensino superior – essencial para uma carreira de sucesso -, ainda persiste uma disparidade significativa nas estruturas sociais, econômicas e organizacionais. Ainda está presente a baixa inserção de profissionais negros em papéis de liderança, pois o racismo estrutural segundo (Almeida, 2019) se reflete nas organizações, com a falta de acesso à educação de qualidade e oportunidades, cujo resultado é a sub-representação notável de negros em cargos de gestão.
Quando se analisa a participação feminina nas organizações, percebe-se que esta tende a diminuir à medida que se analisa níveis mais altos da hierarquia, refletindo uma estrutura social e organizacional que limita a ascensão profissional das mulheres (Sobral & Ribeiro, 2018 apud Conceição et al., 2021). Quando se analisa a literatura referente à presença feminina em cargos de liderança, é percebido que há redução de conflitos organizacionais devido à capacidade de comunicação e relação com a equipe desse grupo (Sobral & Ribeiro, 2018 apud Conceição et al., 2021). Dessa maneira, é percebida uma contradição, pois ainda que as pesquisas tratem de uma atuação feminina efetiva em cargos de liderança, a sua presença neles, no entanto, é inferior à dos homens.
Isso certamente não tem origem em algo acidental ou coincidente, há um histórico que aponta para a construção desse contexto. A pesquisa realizada pelo Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE, 2018) revela que muitas mulheres são chefes de famílias e trabalham na informalidade, dedicando menos horas ao negócio devido a responsabilidades domésticas. Esses dois quadros, referentes à participação de pessoas negras e mulheres em cargos de liderança, são preocupantes. A questão se torna ainda mais complexa quando se estuda a intersecção entre esses dois grupos.
A dupla discriminação enfrentada pela mulher negra no Brasil, resultante da interseção entre machismo e racismo, é um ponto crucial. Alguns estudos apontam para como a mulher negra é frequentemente relegada a um papel subserviente, sendo necessário considerar variáveis de raça e gênero; ademais, pesquisas também apontam para a dificuldade de mulheres negras de classe baixa frequentemente enfrentarem uma inserção precoce e precarizada no mercado de trabalho, o que agrava sobremaneira suas desvantagens (Carneiro, 2003) (Aguiar, 2007) (Bento, 1995) (Marcondes, 2013 apud Fick, 2022).
No contexto do trabalho, Abramo (2007 apud Freitas, Santos & Jacinto, 2022) argumenta que a discriminação está relacionada à exclusão social e que as desigualdades de raça e gênero são estruturantes, ou seja, dialogam diretamente com a vivência na sociedade. Dados de Fileti, Gorayeb e Melo (2021 apud Freitas, Santos & Jacinto, 2022) sobre mulheres negras no mercado de trabalho indicam alta taxa de desocupação e subocupação, bem como renda muito abaixo de homens e mulheres brancas.
Quando se analisa a entrada de mulheres negras na universidade, já visto como essencial para melhor profissionalização, o que se percebe é que apesar do aumento na matrícula de pessoas negras no ensino superior, o Censo da Educação Superior de 2019 e o pesquisador Gonçalves (2018 apud Freitas, Santos & Jacinto, 2022) mostram uma sub-representação de mulheres negras na pós-graduação. Isto ocorre por conta de um imaginário simbólico na sociedade brasileira, marcado pela percepção das pessoas negras como pessoas não pertencentes ao campo do trabalho intelectual (Freitas, Santos & Jacinto, 2022).
Ainda que a presença feminina em cargos de alto escalão tenha aumentado, a situação para mulheres negras permanece desafiadora. O site Isto É Dinheiro (2022) revela que, entre 900 líderes, apenas 3% são mulheres negras, ilustrando a persistência do racismo e a exclusão no mercado de trabalho. Soma-se a isso o estudo o do Banco Interamericano de Desenvolvimento e Instituto Ethos (2018), que destacou que pessoas negras representam apenas 5% dos cargos executivos nas maiores empresas brasileiras e que mulheres negras enfrentam barreiras adicionais devido ao racismo estrutural, o qual se manifesta no mercado de trabalho e dificulta sua ascensão profissional (Hassen, 2018 apud Fick, 2022).
Este artigo tem como objetivo evidenciar a problemática do acesso das mulheres aos cargos de liderança dentro das organizações, apresentando questões não só do tempo presente, mas sim as percebendo como parte de um processo histórico. Analisar-se-á procedimentos empresariais e políticas públicas eficazes na promoção da diversidade em cargos de comando, destacando casos de sucesso empresarial e propondo recomendações práticas para organizações. Através de uma abordagem analítica – baseada na materialidade dos fatos – e reflexiva, almeja-se contribuir para a construção de ambientes corporativos e institucionais que reconheçam a importância da diversidade racial e de gênero, com o intuito de incentivar a inclusão de negros em todos os níveis hierárquicos. de maneira a identificar os motivos e o contexto no qual o problema de pesquisa foi identificado. Diante desses desafios, há caminhos possíveis para que as empresas revisem seus critérios de contratação e promoção, invistam em capacitação da liderança e em programas de mentoria para profissionais negros. Além disso, é necessário criar ambientes de trabalho mais inclusivos e diversos, onde o pertencimento seja valorizado como um fator de retenção e atração de talentos.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Todo trabalho que verse sobre a interseccionalidade ainda mais no âmbito racial ligado ao gênero no Brasil, visa abordar o tema de mulheres negras devendo sempre referenciar uma das mentes mais brilhantes a tratar desse tema: Lélia Gonzalez. A autora afirma que o país é marcado por uma grande miscigenação resultada da violência sexual perpetrada contra mulheres negras pela minoria branca dominante (senhores de engenho, traficantes de escravos etc.). Esse fenômeno levou, na década de 1930, à criação do mito da democracia racial, um conceito promovido (ainda que não nomeado dessa forma por ele) principalmente por Gilberto Freyre (Gonzalez, 2020). O principal impacto desse mito é a crença de que o racismo não existe no país devido ao processo de miscigenação. Esse tipo de perspectiva é responsável por camuflar as violências e discriminações raciais sofridas por pessoas negras durante todo o período da escravidão, assim como máscara as continuidades advindas desse momento histórico. É preciso, não ignorar, mas sim pôr em evidência o racismo como forma de análise, para então combatê-lo.
A autora também afirma que os negros também estiveram envolvidos nos movimentos de libertação nacional, tanto no período colonial quanto no império. Entre esses movimentos estão a Revolta dos Alfaiates, a Confederação do Equador, a Sabinada, a Balaiada e a Revolução Praieira, entre outros. No entanto, apesar de sua significativa contribuição, os negros nunca receberam os mesmos benefícios que os demais setores da sociedade brasileira, predominantemente brancos (Gonzalez, 2020).
De acordo com Gonzalez (2010), de maneira consciente ou inconsciente, a população brasileira classificada como “pessoas brancas”, absorveram elementos das culturas africanas representadas pelos negros. Especificamente a “mãe preta”, como um sujeito de conhecimento suposto, foi responsável por influenciar o português falado no Brasil, que os africanos lusófonos chamam de “pretuguês”, e, por conseguinte, moldou a africanização da cultura brasileira. Ela se utiliza da teoria lacaniana – que vê a linguagem como um meio de humanização e inserção na ordem cultural – para afirmar que a cultura brasileira é profundamente marcada pela influência negra. Isso acontece apesar do racismo e das práticas discriminatórias contra a população negra na formação social do Brasil Gonzalez (2020). Com base nisso, fica claro o papel fundamental da mulher negra em nossa sociedade.
A autora, em outro texto do mesmo livro citado, aponta que após quase cem anos da abolição da escravatura (ela escreveu em fins do século passado) o que se percebe é a permanência da marginalização do povo negro. Antes, eram considerados bons para o trabalho escravo, mas depois da abolição eram ruins para o trabalho livre (Gonzalez, 2020). Ela afirma que, no Brasil de então, havia 87% das trabalhadoras negras ocupando ocupações manuais, e que 60% delas não tinham carteira assinada. A autora defende existir uma tríplice opressão: de gênero, de classe e de raça. Para ilustrar, apresenta casos de trabalhos considerados femininos, mas que não podem ser realizados por negros. O disfarce para tal prática é a utilização da exigência de “boa aparência”, critério para assumir vagas de secretária, recepcionista, comissária de bordo, entre outras profissões (Gonzalez, 2020).
A desigualdade de gênero e raça é uma questão estrutural que se reflete nas oportunidades de trabalho e na ascensão profissional. No mercado formal brasileiro, mulheres negras enfrentam uma dupla discriminação, resultado da interseccionalidade entre machismo e racismo. Essa exclusão restringe as oportunidades de liderança, uma vez que as empresas tendem a relegar essas profissionais a posições de menor prestígio e remuneração inferior (OXFAM BRASIL, 2021). Além disso, mulheres negras frequentemente são sobrecarregadas por funções não remuneradas, como o trabalho doméstico e o cuidado de terceiros, o que prejudica sua participação na economia formal e seu desenvolvimento profissional (OXFAM BRASIL, 2021).
A pandemia de COVID-19 agravou essa situação, impondo novos desafios para a atuação feminina no mercado de trabalho. O isolamento social levou ao aumento da violência doméstica e da carga de trabalho não remunerado para as mulheres, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade (VERDÉLIO, 2023). Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, os casos de violência doméstica cresceram 5,2% em 2020, e isso tem impacto direto na produtividade e estabilidade profissional das mulheres negras (OXFAM BRASIL, 2021).
Embora as mulheres brasileiras apresentem, em média, um nível de escolaridade mais alto que os homens, essa vantagem educacional não se traduz em equidade salarial ou acesso a cargos de liderança (OXFAM BRASIL, 2021). De acordo com uma pesquisa do IBGE, as mulheres ainda recebem salários significativamente mais baixos, mesmo ocupando funções equivalentes às dos homens (VERDÉLIO, 2023). Essa discrepância é mais acentuada entre mulheres negras, que estão sub-representadas em posições de poder e lideram uma parcela significativa dos trabalhos informais e precarizados.
A pesquisa “Outras formas de trabalho”, realizada em 2019 pelo IBGE, revelou que as mulheres gastam, em média, 21,4 horas semanais em tarefas domésticas e de cuidado, enquanto os homens dedicam apenas 11 horas para as mesmas funções. Esse desequilíbrio afeta a capacidade das mulheres de se dedicarem integralmente a carreiras formais e aumenta a desigualdade no mercado de trabalho (OXFAM BRASIL, 2021).
Nataliene Fick traz dados de uma pesquisa conduzida pela Box 1824 e pela Indique uma Preta em 2020, focada em mulheres autodeclaradas pretas ou pardas com idades entre 18 e 65 anos. Os resultados mostram que as mulheres negras estão sub-representadas em posições de liderança, com apenas 8% delas ocupando cargos de gerência. A autora afirma ser esse um dado muito problemático, tendo em vista que mulheres negras representam a maior parcela da população, 28%. Esse quadro não se resume à liderança dessas pessoas. O mesmo é percebido no salário, campo em que mulheres negras recebem apenas 43% do que ganha um homem branco (Fick, 2022).
Essa disparidade se reflete na estrutura das empresas, onde 74% das diretorias executivas (primeiro nível) não contam com afrodescendentes e 4% das empresas não fornecem informações sobre a presença de negros. Além disso, 42% dos empresários relatam a ausência de negros na gestão (segundo nível) e 1% afirma que não há negros nem mesmo na força de trabalho. Esse cenário preocupa, já que mulheres negras representam apenas 0,1% e 1,0% do pessoal administrativo e gerencial, respectivamente (Ethos, 2018 apud Fick, 2022).
No portal Geledés, Fick também traz, em sua pesquisa Potências Invisíveis realizada entre março e setembro de 2020, entrevistou mil mulheres negras na mesma faixa etária. Os dados indicam que a maioria dessas mulheres não está empregada formalmente. Entre as que possuem empregos formais, somente 2% ocupam cargos de diretoria, 3% são sócias proprietárias e outros 3% são gerentes (Geledés, 2020 apud Fick, 2022).
A questão da diversidade racial e de gênero nas organizações é um tema importante na Administração e tem sido amplamente estudada. Artigos científicos apontam que a diversidade é crucial para o sucesso das empresas, trazendo diferentes perspectivas e habilidades para a tomada de decisões. Além disso, a diversidade pode ajudar a reduzir preconceitos e estereótipos, melhorando o ambiente de trabalho e a produtividade das equipes (Calegari; Santos, 2020 apud Fick, 2022).
Freitas, Santos e Jacinto também são autores que se debruçaram sobre a dificuldade de mulheres negras no mercado de trabalho. Através de análise de outras literaturas, afirmam que o racismo e o sexismo contribuem para a perpetuação das desigualdades no ambiente de trabalho enfrentadas pelas mulheres negras. É evidenciado na pesquisa que essas mulheres vivenciam diversos desafios, incluindo precarização do trabalho a partir da perda de direitos e estabilidade nas relações de trabalho, insegurança no trabalho, condições laborais precárias, salários inferiores e segregação ocupacional. Além disso, elas enfrentam o “teto de vidro” (fragilidade dos vínculos profissionais), a pressão para manter uma “boa aparência” – problema apresentado quando foi trazida a contribuição de Lélia Gonzalez – e a escassez de representatividade em cargos de gestão e liderança (Freitas, Santos & Jacinto, 2022).
De acordo com Malpighi et al. (2020 apud Freitas, Santos & Jacinto, 2022), mulheres negras e homens negros representam apenas 4,7% dos cargos executivos nas 500 maiores empresas brasileiras, o que reflete a significativa falta de representatividade nesse nível. As autoras observam que, ao longo dos anos, houve um aumento mínimo na presença de mulheres negras em muitos setores, com exceção dos cargos de gerência e da alta administração, onde se notou um leve decréscimo.
Santos e Filgueiras (2020 apud Freitas, Santos & Jacinto, 2022) destacam que, em Salvador, uma cidade onde 80% da população é negra, apenas 8,9% das mulheres negras ocupam cargos de direção e planejamento, enquanto 26,2% das mulheres brancas estão nessas posições. Os autores apontam que as entrevistas realizadas pelo trabalho das pesquisadoras revelam uma percepção de que apenas homens brancos são adequados para ocupar posições hierárquicas elevadas. Uma das entrevistadas relatou que, como advogada, seu trabalho foi recusado devido à sua condição de mulher negra.
O trabalho de Thamires dos Santos e Fernanda da Silva também traz uma contribuição importante para o debate. Elas apresentam a autora Maria Simone Euclides (2017 apud Santos, 2022), que afirma existir uma tendência equivocada de associar as mulheres negras apenas a funções tradicionalmente exercidas durante o período da escravidão, como lavadeiras, babás e cozinheiras. Esse estereótipo persiste até os dias atuais, influenciado pela mídia, que frequentemente retrata mulheres negras em papéis secundários em relação às mulheres brancas. Ou seja, a representação midiática contribui para o imaginário de que as pessoas negras não aspiram a cargos de maior responsabilidade.
Além disso, quando uma mulher negra alcança uma posição mais elevada, ela frequentemente enfrenta o desafio constante de precisar provar sua competência e lidar com tentativas de desqualificação profissional. Conforme relata Loras (2019 apud Santos, 2022), ex-consulesa da França e consultora, mesmo mulheres negras com ensino superior ainda são percebidas como menos capacitadas para assumir cargos de liderança. Quando conseguem ocupar essas posições, são pressionadas a demonstrar resultados para validar sua presença, algo que não é exigido da mesma forma dos homens brancos.
A presença de mulheres negras em cargos de liderança, tanto na política quanto nas empresas, é impactada significativamente pelo preconceito (Santos, 2022). Esse desafio não se restringe apenas às mulheres, mas afeta também os negros em geral. Uma das iniciativas que têm contribuído para melhorar essas estatísticas, afirmam as autoras, é a Lei 12.711, de 29 de agosto de 2012, que instituiu o sistema de cotas nas universidades e instituições federais de ensino. Essa legislação prevê que 50% das vagas sejam destinadas a estudantes de escolas públicas, reservando parte dessas vagas para autodeclarados pretos, pardos e indígenas. A ampliação do acesso ao ensino superior proporciona uma melhor preparação para o mercado de trabalho, é essencial para a ascensão profissional dessas populações (Santos, 2020).
Outra medida importante para promover a inclusão de pessoas negras são os planos de diversidade adotados por várias grandes empresas. Segundo Pinheiro (2021 apud Silva, 2022), na segunda edição do Índice de Equidade Racial Empresarial (IERE 2021), foi constatado que nas 65 empresas participantes, apenas 29,6% dos colaboradores eram pretos e pardos, e essa porcentagem diminui para 15,8% quando se trata de cargos de gerência e supervisão. Vicente (2021), coordenador da Iniciativa de Equidade Racial e Empresarial, destaca que as empresas que adotam políticas de inclusão já estão observando reflexos positivos nos seus resultados, evidenciando como essa prática agrega valor tanto à empresa quanto à sociedade.
3. METODOLOGIA
Para a realização deste trabalho, será utilizado o método da revisão bibliográfica, que consiste em fazer uso da literatura existente sobre um tema específico como fonte de dados. Esse tipo de revisão é especialmente útil para integrar os dados de múltiplos estudos realizados separadamente sobre um determinado tema, que podem apresentar resultados importantes para se melhor compreender uma temática, perceber as estratégias que estão funcionando – quando se trata da inserção de mulheres negras em cargos de liderança, no caso deste trabalho – e o que pode ser melhorado.
Sampaio e Mancini (2006) definem que para uma boa efetivação desse método, é preciso seguir algumas etapas, são elas: 1) Definição da pergunta, pois uma pesquisa científica deve sempre partir de uma problematização, através da qual se buscará as respostas; 2) Busca da evidência, que consiste em definir os melhores meios para encontrar os artigos necessários, delimitando palavras-chave e termos essenciais para uma boa pesquisa da temática proposta; 3) Revisão e seleção dos estudos, momento em que se deve pensar ler e definir quais dos trabalhos podem ser incluídos na pesquisa ou devem ser excluídos desta; 4) Analisar a qualidade metodológica dos estudos, cuja finalidade é identificar se os métodos empreendidos pelos trabalhos utilizados são válidos e, por fim, 5) Apresentação dos resultados.
Para a efetivação do presente trabalho, perguntas foram feitas pelos integrantes do grupo, com o intuito de nortear a pesquisa. São elas “Há iniciativas que incentivem a entrada de mulheres negras em papéis de liderança?”, “Quais são os casos de mulheres negras que conseguiram ascender na vida profissional?” e “O que pode ser feito para que esse número se expanda?”. Para a busca do material de pesquisa, utilizou-se termos abrangentes, como “mulheres negras liderança”, “mulheres negras em cargo de liderança”, “mulheres em cargo de liderança” etc. Como recorte temporal, buscou-se trabalhos realizados entre os anos de 2019 e 2023, pois compreende um período mais próximo do atual e que permite ter um panorama sobre a realidade presente.
Para a seleção dos estudos, foram selecionados aqueles que tinham ligação direta com a pesquisa, ou seja, mulheres negras em liderança no mercado de trabalho e como se dá sua participação nele. Trabalhos relacionados à liderança em religiões, comunidade, movimentos e semelhantes foram desconsiderados, pois o intuito é que se compreenda o aspecto empresarial, campo historicamente responsável pela exclusão de mulheres negras desse ambiente. Além disso, também se buscou a fiabilidade das pesquisas realizadas, sendo todas referentes a revistas importantes sobre administração e produto de um trabalho acadêmico em universidades sérias.
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
A primeira pesquisa a ser contemplada é a realizada por Natalie Fick (2022), que realizou um trabalho de cunho qualitativo, aplicando questionário a mulheres negras que estão em cargos de liderança. Dentre as respostas do seu estudo, encontra-se estratégias específicas para mulheres negras em suas carreiras de liderança. Essas perspectivas destacam a importância de diversas estratégias para promover o avanço profissional e superar os desafios enfrentados por mulheres negras em posições de liderança. Em sua pesquisa, há diversos relatos, como a de uma entrevistada que enfatizou a importância do autoconhecimento, controle emocional e valorização das origens. Ela destaca a importância de conhecer a si mesma, gerenciar as emoções e se orgulhar das origens para construir uma base sólida na jornada de liderança. Outra ressaltou a importância de buscar inspiração e apoio. A estratégia sugere criar uma rede de apoio, estabelecer objetivos claros e investir no autoconhecimento como pilares essenciais. Há também quem destacou a importância do apoio e da rede de conexões: “Ter uma rede de apoio que te fortaleça e te possibilite conexões, networking; fazer terapia para fortalecer a si e sua mente; reconhecer sua potência e sua trajetória como diferencial; valorizar a trajetória que te trouxe até aqui; ser tecnicamente excelente no que você faz; ser tão boa que eles não poderão te ignorar.” (Fick, 2022, p. 58-59).
Uma entrevistada ligada à área de tecnologia destacou a educação como uma estratégia transformadora: “Sem dúvida, a educação é libertadora em todas as suas formas de acesso. Sempre gostei de explorar demais esse ponto, isso me gerou reconhecimento” (Fick, 2022, p. 59). Ela enfatiza a importância de aproveitar as oportunidades educacionais e explorar diversas formas de aprendizado como um meio de alcançar reconhecimento e crescimento profissional.
O trabalho de Dilma Campos (2023) é necessário também, pois traz questões de ordem estrutural necessárias para o debate. Antes de tratar propriamente da sua pesquisa, ela aponta que em agosto de 2020, por conta da baixíssima presença de mulheres negras em lideranças executivas e conselhos, foi criado um programa de incentivo à presença de mulheres negras em conselhos de administração. O Conselheira 101 (C101), programa de incentivo à presença de mulheres negras em conselhos de administração, criado por um coletivo de mulheres com o apoio da consultoria KPMG e da Women Corporate Directors (WCD).
A primeira edição do programa capacitou 20 mulheres negras para enfrentar os desafios do cargo de conselheira de administração, abrangendo desde conceitos fundamentais, como introdução à governança e estruturação de conselhos e comitês, até temas mais complexos, como a prática de reuniões simuladas. Até o momento da pesquisa, 60 mulheres haviam sido preparadas pelo programa, responsável por aprimorar competências técnicas e comportamentais, assim como expandir o campo de possibilidades de atuação de mulheres negras como conselheiras – uma trajetória difícil e vista como inalcançável por muitas. Esse processo teve bons resultados, visto que 47% das participantes passaram a integrar conselhos consultivos, eméritos, fiscais ou administrativos, com 50% delas também registrando ascensão em cargos executivos.
A pesquisa de Dilma Campos foi de caráter quantitativo e contou com a resposta de 60 mulheres, das quais a maioria respondeu que a criação de órgãos para fomentar a inclusão de mulheres negras na gestão, políticas de inclusão e diversidade nas organizações, e a adoção crescente de práticas ESG (sigla estrangeira que se refere à pauta governança ambiental, social e corporativa) são marcos importantes. Algumas executivas também mencionaram demandas regulatórias e ações afirmativas, como regras de diversidade em conselhos para empresas participantes do mercado de ações Nasdaq (Campos, 2023).
Ao fim da pesquisa, as respondentes colocaram como recomendações importantes para a ampliação da participação de mulheres negras na gestão as seguintes ações: a) maior suporte e envolvimento das empresas no impulsionamento da carreira de mulheres negras; b) importância de grupos de apoio, como o C101; c) engajamento de pessoas não negras para apoiar e abrir espaços nas instituições e d) criação de indicadores claros de promoção para pessoas negras (Campos, 2023).
A pesquisa empreendida por Glaucia dos Santos (2020) é essencial para a proposta deste trabalho, pois ela apresenta algumas dificuldades sofridas por mulheres negras em cargos de liderança – algumas delas já trabalhadas no referencial teórico –, mas não se limita a isso, trazendo contribuições advindas de sua pesquisa qualitativa, que serão abordadas a seguir.
Embora as mulheres, em geral, estudem mais que os homens, a educação e a qualificação profissional são vistas como os caminhos principais para que alcancem cargos de liderança. No entanto, para as mulheres negras, a educação também é o caminho, mas com uma barreira extra: o menor acesso à formação acadêmica. Dados do IBGE (2018) (apud Santos, 2020) mostram que enquanto as mulheres brancas representam 23,5% da população com mais de 25 anos e ensino superior completo, as mulheres negras são apenas 10,4%. A educação se apresenta, assim, como a principal ferramenta para a mobilidade social da população negra.
A estrutura familiar também impacta essas trajetórias. Famílias bem estruturadas, tanto emocionalmente quanto financeiramente, contribuem para uma carreira de sucesso. Por outro lado, casamento e maternidade têm influências diferentes: um casamento com parceria e harmonia pode impactar positivamente, enquanto a maternidade tende a afetar negativamente a projeção profissional das mulheres, devido à sociedade ainda atribuir a elas a responsabilidade pelo cuidado das crianças e do lar (Santos, 2020).
Santos (2020) ainda defende que a falta de representatividade feminina em posições de liderança resulta na ausência de referências e impede que políticas eficazes sejam implementadas para apoiar a ascensão de mais mulheres a cargos mais elevados. As conexões também são cruciais para que as mulheres sejam lembradas e consideradas no mercado.
O estudo de Santos (2020) também traz recomendações necessárias, como desenvolvimento de políticas públicas focadas na inclusão de mulheres negras, aumento da inserção de mulheres negras em cargos políticos, implementação de políticas e equiparação salarial entre homens e mulheres, assim como a criação e expansão de programas de inclusão e diversidade nas empresas. Ao seu ver, essas medidas podem contribuir para um ambiente mais justo e inclusivo, onde as mulheres, especialmente as negras, tenham melhores oportunidades de alcançar cargos de liderança e superar os desafios históricos que ainda limitam seu progresso profissional.
O trabalho de Gleice Lopes (2022) utiliza os dados disponibilizados pelas empresas do grupo Movimento pela Equidade Racial (MOVER), focando nas políticas afirmativas, além de análise do recorte racial e de gênero entre seus funcionários e cargos. A partir da análise desses dados, observou-se que, apesar de algumas empresas adotarem programas e projetos que incentivam a equidade racial, o básico, como a realização de um censo interno para mapeamento do perfil racial, foi feito por apenas 12 empresas, enquanto o perfil de gênero foi levantado por 32 empresas, das 47 que participam do Movimento pela Equidade Racial.
O trabalho da autora concluiu que grandes empresas brasileiras, que costumam ser indicadoras de mudanças sociais por liderarem essas transformações ou por se adequarem às exigências sociais, estão implementando diversas ações e programas afirmativos com o objetivo de diversificar seu quadro de funcionários, refletindo melhor a composição da sociedade. No entanto, foi percebido que essa não é uma tarefa simples e que exige maior compromisso para ser efetivada, e a plena igualdade racial ainda está longe de ser alcançada. Mesmo a luta pela igualdade de gênero, que vem sendo promovida há mais tempo pelas mulheres, ainda não se reflete proporcionalmente nos cargos de alta direção (Lopes, 2022).
Os dados apresentados ao longo do trabalho de Lopes apontam que as políticas de incentivo à diversidade têm um impacto positivo na sociedade, especialmente para as empresas que as adotam. Contudo, esses impactos ainda são limitados em relação ao alcance que deveriam ter na comunidade negra. Não foi possível avaliar o impacto das políticas de promoção à diversidade voltadas especificamente para mulheres negras em cargos de liderança, devido à falta de detalhamento no censo divulgado nos relatórios de sustentabilidade. O estudo concentrou-se nos dados de lideranças femininas sem distinção de raça e em uma análise separada para o recorte racial em cargos de liderança, não sendo possível explorar a interseccionalidade entre cargos de alta liderança e mulheres negras.
Por fim, é preciso apresentar o trabalho dos autores Freitas, Santos e Jacinto (2022), que utilizaram de uma revisão da literatura muito bem acurada. A análise dos dados sobre a presença de mulheres negras no mercado de trabalho revelou uma discrepância significativa em relação à sua participação no mercado formal, principalmente quando comparadas a homens brancos, especialmente em cargos de liderança. As mulheres negras predominam nos trabalhos informais, frequentemente enfrentando as piores condições e os salários mais baixos. Esse cenário é resultado do racismo e do machismo estruturais e institucionais, que se manifestam através de práticas socialmente enraizadas (Freitas, Santos & Jacinto, 2022).
Mesmo com políticas afirmativas e o aumento da presença de mulheres negras no ensino superior, há uma falta de apoio suficiente para que elas avancem para etapas mais altas da educação, como mestrado e doutorado. Mesmo com mais anos de escolaridade, elas continuam a enfrentar discriminação nos processos seletivos, tanto no setor público quanto no privado. As políticas adotadas por essas instituições são falhas, concentrando-se na conciliação de múltiplas jornadas, uma vez que o trabalho doméstico e o cuidado de terceiros são frequentemente atribuídos às mulheres negras (Malpighi et al., 2020 apud Freitas, Santos & Jacinto, 2022). Além disso, muitas mulheres negras enfrentam dificuldades em se sentir autorizadas a ocupar cargos de destaque, devido ao histórico de opressão social. Esse estigma de inferioridade leva muitas a buscarem acumular conhecimentos para superar essas barreiras.
As mulheres negras enfrentam também baixa mobilidade social. Durante a escravidão, seu trabalho foi explorado sem reconhecimento e, após a abolição, elas foram muitas vezes relegadas ao desemprego ou a trabalhos informais. O capitalismo se estruturou sobre a marginalização de pessoas negras, em especial das mulheres, impedindo-as de acessar empregos formais. No imaginário social brasileiro, as contribuições das mulheres negras no período pós-escravidão foram desconsideradas, apesar de terem desempenhado um papel crucial na construção do país, geralmente sem qualquer reconhecimento. A noção de que a inserção de mulheres negras no mercado de maneira formalizada que ocorreu muito tempo depois, por volta dos anos 90, é superficial, pois elas sempre estiveram ativas, embora em condições precárias e informais (Freitas, Santos & Jacinto, 2022). A trajetória das mulheres negras tem sido marcada pela informalidade e pela precariedade no mercado formal. Elas são desproporcionalmente afetadas pelo desemprego, principalmente em momentos de crise econômica.
No mercado formal, enquanto pessoas brancas foram sistematicamente escolhidas para posições valorizadas, as mulheres negras foram empurradas para funções subalternas e desgastantes, com menor valorização social. A organização do trabalho, defendem os autores, manteve essa lógica excludente, com homens brancos dominando os espaços de poder e decisão. Apesar dos avanços nas qualificações das mulheres negras, a absorção pelo mercado de trabalho ainda não é proporcional.
Essa desigualdade na inserção e permanência no mercado de trabalho impacta diretamente a saúde das mulheres negras, devido a condições precárias de moradia, falta de mobilidade social e acesso inadequado a serviços básicos. A perpetuação do status quo no mercado de trabalho contribui para valores que desvalorizam as mulheres negras, impedindo que elas se vejam como aptas a ocupar posições de liderança. É crucial abordar questões relacionadas à autoestima e ao sentimento de pertencimento dessas mulheres, pois as estruturas sociais frequentemente limitam suas oportunidades de reconhecimento, minando até mesmo suas aspirações por uma participação igualitária no mercado (Freitas, Santos & Jacinto 2022).
A inclusão das mulheres negras é essencial para o acúmulo de capital humano necessário à produtividade e à inovação, mas elas são frequentemente excluídas de contribuir para o desenvolvimento do mercado de trabalho. Essa exclusão prejudica não apenas o desenvolvimento individual e familiar dessas mulheres, mas também o progresso do Estado e da sociedade como um todo. É necessário promover políticas de inclusão que assegurem o desenvolvimento social e econômico de forma ampla e equitativa.
Sobre as políticas de inclusão, os autores versam bem. As pesquisas apontam que, embora as mulheres negras tenham mostrado resiliência para enfrentar adversidades, em cenários de desigualdades extremas, são essenciais as ações de movimentos sociais antirracistas e políticas públicas que combatam o racismo e promovam a igualdade racial e de gênero. Isso é percebido através do aumento significativo do número de mulheres negras nas universidades a partir de 2003, impulsionado por políticas afirmativas na educação, como o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), lançado em 1999, e o Programa Universidade para Todos (PROUNI), iniciado em 2004. Embora essas iniciativas no ensino superior não contemplem diretamente um recorte de raça e gênero, elas ampliaram o acesso à educação para mulheres negras (Freitas, Santos & Jacinto, 2022). No entanto, ainda se faz necessária a formulação de políticas públicas mais direcionadas para atender satisfatoriamente esse grupo.
Proni e Gomes (2015 apud Freitas, Santos & Jacinto) mostram que, em 2003, apenas 4,1% das mulheres negras estavam matriculadas em universidades, número que subiu para 27% em 2022, segundo dados do IBGE. Esse crescimento deve-se, em grande parte, a ações afirmativas, como programas de financiamento educacional e cotas. Apesar do aumento no número de mulheres negras cursando o ensino superior e obtendo diplomas, Malpighi et al. (2020 apud Freitas, Santos & Jacinto) observam que poucas alcançam níveis avançados de formação, como mestrado e doutorado. Além disso, mesmo quando atingem essas qualificações, enfrentam a ausência de políticas afirmativas que incentivem sua contratação nos setores público e privado. Existe, portanto, uma disparidade entre as políticas públicas de educação e as políticas empresariais, que, frequentemente, ignoram as desigualdades de raça e gênero em seus processos de contratação.
Apesar das ações pontuais e das penalidades legais para casos de discriminação, ainda persistem diferenças significativas no mundo do trabalho devido ao tratamento desigual enfrentado por mulheres negras. Eles alertam que, embora tenha havido avanços na agenda política contra a desigualdade, essas medidas ainda são insuficientes para reparar os danos deixados pelos séculos de escravidão. Assim, as políticas de inclusão devem ser reformuladas para transformar as bases da estrutura social.
Os trabalhos apresentados aqui, ainda que tenham intuitos diferentes, tocam na mesma temática e dão um panorama mais abrangente sobre a questão das mulheres negras em papéis de liderança. É perceptível em todos os estudos que uma das grandes problemáticas encontradas pelo grupo é a forma como elas se veem. É estabelecido de forma estrutural na sociedade que as mulheres negras devem desempenhar atividades ligadas apenas ao cuidado do lar, com os filhos e toda a organização da casa. Isso se estende ao trabalho, pois a elas é relegado quase que exclusivamente o labor doméstico, enquanto babás ou empregadas domésticas, muitas vezes sem a devida regularização. De acordo com Verdélio (2023), o número de trabalhadoras domésticas apresentou uma queda significativa na última década. Esses dados refletem mudanças nas dinâmicas do mercado de trabalho e na forma como as ocupações consideradas tradicionalmente femininas e racializadas são impactadas pela economia formal e informal. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que em dez anos o número de empregadas domésticas diminuiu. Neste período, houve crescimento da atuação de diaristas. Atualmente, três em cada quatro trabalhadoras domésticas no Brasil trabalham sem carteira assinada. Quando a profissional trabalha até dois dias na mesma casa, não fica configurada relação trabalhista e não há obrigação de pagamento de encargos. As mulheres são a maioria da categoria, ocupando 92% das vagas de trabalho doméstico no Brasil, sendo 65% delas, mulheres negras. (Vardélio 2023). Há um problema de consciência na sociedade brasileira, marcado pela escravização e machismo históricos.
Por conta disso, muitas são as propostas encontradas nos trabalhos analisados voltadas a estimular que as mulheres negras confiem em si, saibam que são capazes, assim como é necessário criar uma rede de apoio confiável, formada por pessoas que entendem sua realidade, independentemente de gênero ou raça. É uma luta que envolve o trabalho de descolonizar a própria mentalidade e saber que é capaz.
No entanto, não é apenas esse o problema encontrado por esse grupo. Pensar a temática exclusivamente por essa perspectiva seria uma forma de responsabilizar as mulheres negras, como se elas fossem culpadas e devessem sozinhas lidar com isso. Na realidade, esse é um problema decorrente da desigualdade de gênero que ocorre na sociedade, que construiu preconceito de gênero, de raça e de classe ao longo dos séculos. A própria cultura, patriarcal, estrutural de desigualdade de gênero afligindo as mulheres negras atrapalha a inserção em cargos de liderança. Para isso, as pesquisas apontam para as necessidades de políticas públicas que contemplem todas as etapas da vida dessas pessoas. Garantir que haja um ensino básico adequado, uma eficaz entrada e permanência nas universidades, para que se profissionalizem e sejam pessoas competitivas no mercado de trabalho.
A valorização da diversidade e inclusão racial e de gênero tem ganhado espaço nas discussões sobre equidade no mercado de trabalho e na sociedade. Em um contexto em que o racismo estrutural e o machismo ainda persistem, destaca-se a necessidade de criar ambientes mais inclusivos, que permitam a ascensão de mulheres negras em cargos de liderança. Diversos eventos têm surgido com o objetivo de fortalecer essa pauta e dar visibilidade ao afroempreendedorismo, como a Expo Preta, realizada desde 2022 no RioMar Shopping Recife, em parceria com o Instituto JCPM de Compromisso Social (IJCPM). O evento mistura valorização da cultura negra com oportunidades de negócios, estimulando o desenvolvimento e a visibilidade de empreendedores negros e negras (RioMar Recife, 2024).
O conceito de afroempreendedorismo reflete a luta diária de pessoas negras para superar as barreiras históricas e sociais que limitam seu crescimento profissional. Essas dificuldades são ainda mais acentuadas para as mulheres negras, que enfrentam discriminações interseccionais, combinando racismo e sexismo. Como evidenciado por eventos como a Expo Preta, o afroempreendedorismo não apenas amplia a economia local, mas também dá visibilidade ao potencial criativo e à liderança feminina negra. Desde sua criação, a Expo Preta se consolidou como um espaço para fomentar debates sobre raça, cultura e empreendedorismo, além de abrir portas para pequenos negócios liderados por pessoas negras, incluindo mulheres (RioMar Recife, 2024).
Foi percebido que, com algumas políticas públicas executadas, houve maior inserção desse grupo em papéis de liderança. Entretanto, ainda que sejam avanços, são tímidos. Graças a leis como a política de cotas, muitas mulheres negras entram na universidade e conseguem se profissionalizar, porém as corporações apresentam resistência em permitir que elas assumam postos de comando. O racismo e machismo, ainda que muitas vezes não se apresente de forma explícita, está incrustado nas relações de poder. Por isso, as pesquisas apontam que são necessárias também políticas que atendam à necessidade de abertura nas próprias empresas, não apenas nos âmbitos educacionais, ainda que estes são necessários e precisam de constante expansão.
De acordo com a gerente de sustentabilidade do Grupo JCPM, Thayara Paschoal, essa diversificação nas ações permitiu que os empreendedores aprimorassem não apenas seus produtos e serviços, mas também a forma de se comunicar com o mercado e aumentar seu alcance nas redes sociais (RioMar Recife, 2024). Essa trajetória ilustra como a representatividade e o apoio institucional são fundamentais para superar os desafios enfrentados por mulheres negras em cargos de liderança e no empreendedorismo.
Ao abordar os desafios e oportunidades enfrentados por negros em cargos de liderança, é fundamental considerar como a gestão eficaz pode catalisar a promoção da equidade e diversidade corporativa. O racismo estrutural nas organizações se reflete em políticas e práticas que criam barreiras para o acesso de minorias raciais a cargos de liderança. Diante disso, é crucial aprimorar as ações afirmativas que combatam essa desigualdade e promovam a inclusão.
5. CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS
A valorização da diversidade e inclusão racial e de gênero tem ganhado espaço nas discussões sobre equidade no mercado de trabalho e na sociedade. Em um contexto em que o racismo estrutural e o machismo ainda persistem, destaca-se a necessidade de criar ambientes mais inclusivos, que permitam a ascensão de mulheres negras em cargos de liderança. Diversos eventos têm surgido com o objetivo de fortalecer essa pauta e dar visibilidade ao afroempreendedorismo, como a Expo Preta, realizada desde 2022 no RioMar Shopping Recife, em parceria com o Instituto JCPM de Compromisso Social (IJCPM). O evento mistura valorização da cultura negra com oportunidades de negócios, estimulando o desenvolvimento e a visibilidade de empreendedores negros e negras (RioMar Recife, 2024).
A presente pesquisa buscou compreender as dificuldades encontradas pelas mulheres negras em exercerem cargos de liderança nas empresas. Graças a uma revisão da literatura, foi encontrada uma problemática histórica e que permanece de maneira patente na sociedade brasileira, sofrendo opressões de raça e de gênero, a elas foram relegados espaços considerados menos nobres. Além de sofrerem duplas, às vezes triplas jornadas de trabalho, a sua inserção em cargos de liderança é impedida por questões estruturais que vão desde os baixos níveis educacionais à falta de representatividade.
A pesquisa apontou para uma melhora percebida nos últimos anos, notadamente pela atuação de políticas públicas no sentido de melhor profissionalizar essas pessoas, assim como atividades voltadas para seu empoderamento. No entanto, foi percebido que os avanços ainda não são substanciais, é preciso maior efetividade estatal e empresarial. Ainda que as mulheres negras sejam capacitadas e com alto grau de profissionalização, as organizações resistem à sua presença em papéis de comando.
Com isso, esta pesquisa teve o intuito de dilatar o conhecimento sobre a temática, apresentando como está sendo discutida na academia. Acredita-se que este trabalho, alinhado a outros que foram e precisam ser produzidos, é importante para incentivar grupos empresariais e ligados ao governo para que criem políticas efetivas na inserção de mulheres negras em cargos de liderança. É preciso haver um esforço conjunto de todos os setores da sociedade para criar um clima corporativo marcado pela diversidade e compromissado com a realidade social.
REFERÊNCIAS
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1José Rafael Pedro Lima Silva do Curso Superior de Administração do Instituto Universidade Católica de Pernambuco Campus Recife e-mail: jose.2020207565@unicap.br
2Lídia De Cassia Damascena Da Silva do Curso Superior de Administração do Instituto Universidade Católica de Pernambuco Campus Recife e-mail: lidia.2020207592@unicap.br
3Victor Hugo de Almeida de Souza do Curso Superior de Administração do Instituto Universidade Católica de Pernambuco Campus Recife e-mail: victor.2020131592@unicap.br