THE CIVIL PROCEDURE CODE IN THE FORMATION OF PRECEDENTS IN BRAZIL
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202411052333
Isabel Cristina Arriel de Queiroz1
RESUMO
O verdadeiro precedente, resultado de um método científico de julgamento, é adotado em países com o sistema jurídico do Common Law, que é baseado nos costumes. Acompanhando os conceitos globais que buscam a convergência dos dois principais sistemas jurídicos do mundo – Common Law e Civil Law –, o legislador brasileiro incluiu no artigo 926 do Código de Processo Civil de 2015 a utilização de precedentes. O objetivo é promover a segurança jurídica, a uniformização das decisões judiciais, a redução de litígios e o aumento da credibilidade e eficiência da justiça brasileira. No entanto, em função de outros dispositivos inseridos no Código de Processo Civil e da interpretação divergente do Judiciário em relação ao sistema adotado, os precedentes brasileiros ainda não atingiram plenamente esse propósito, demandando um estudo mais aprofundado e possíveis ajustes por parte dos operadores do direito e do Legislativo, cujo intento é desestimular a litigiosidade.
Palavras-chave: Precedente. Código de Processo Civil. Common Law. Litigiosidade. Legislativo.
ABSTRACT
True precedent, the result of a scientific method of judgment, is adopted in countries with the Common Law legal system, which is based on customs. In line with global concepts that seek to converge the two main legal systems in the world – Common Law and Civil Law –, the Brazilian legislator included the use of precedents in article 926 of the 2015 Code of Civil Procedure. The objective is to promote legal certainty, standardize judicial decisions, reduce litigation and increase the credibility and efficiency of the Brazilian justice system. However, due to other provisions included in the Code of Civil Procedure and the divergent interpretation of the Judiciary in relation to the adopted system, Brazilian precedents have not yet fully achieved this purpose, requiring further study and possible adjustments by legal practitioners and the Legislature, whose intention is to discourage litigation.
Keywords: Precedent. Code of Civil Procedure. Common Law. Litigation. Legislative.
1 INTRODUÇÃO
O precedente, enquanto método científico de julgamento, é amplamente utilizado em países que adotam o sistema de Common Law. Ele proporciona segurança jurídica, orienta os tribunais na resolução de questões diversas e contribui para a construção do pensamento social.
Para a formação de um precedente, o tribunal realiza um estudo minucioso do caso escolhido, conhecido como leading case, do qual a questão jurídica relevante é extraída e amplamente debatida. Esse precedente deve, sempre que possível, estar relacionado a julgamentos anteriores que reflitam com precisão situações semelhantes. É importante destacar que o sistema de Common Law utiliza o princípio do stare decisis, permitindo que um precedente seja superado caso seu significado não corresponda aos anseios da sociedade contemporânea.
Na sociedade conectada do século XXI, existe uma busca constante por soluções mais ágeis, eficazes e precisas. Nesse contexto, a adoção de precedentes é uma ferramenta essencial para garantir a uniformização das questões jurídicas. No Brasil, essa necessidade de uniformização se torna ainda mais evidente devido ao crescente número de demandas judiciais, que muitas vezes carecem de coerência e consistência nas decisões dos tribunais.
O Código de Processo Civil brasileiro, instituído pela Lei Ordinária nº 13.105, de 2015, representa um avanço significativo ao introduzir o uso de precedentes e estabelecer mecanismos para enfrentar a alta demanda processual no Judiciário. O artigo 926 do CPC ressalta essa importância, embora seus benefícios sejam, em parte, prejudicados por outros dispositivos que o legislador infralegal incluiu no mesmo diploma processual.
2 O artigo 926 do Código de Processo Civil
O artigo 926 do Código de Processo Civil estabelece a obrigação fundamental dos tribunais de uniformizar sua jurisprudência, garantindo que ela permaneça estável, íntegra e coerente. Para isso, os tribunais devem apresentar essa jurisprudência por meio da edição de “enunciados de súmula”, que são ferramentas que retratam a posição predominante dos tribunais2 sobre questões jurídicas relevantes e amplamente debatidas3,4.
O legislador também determinou que, ao elaborar esses enunciados, os tribunais devem considerar as circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação, conforme disposto no artigo 926 do Código de Processo Civil.
Embora o Código de Processo Civil mencione expressamente os precedentes, observa-se que o legislador brasileiro não definiu claramente um conceito específico ou o modo de aplicação desses precedentes. Essa responsabilidade foi delegada a cada tribunal, que deve regulamentar a forma e os critérios para a elaboração dos enunciados5. Em outras palavras, os enunciados refletem a jurisprudência e são fundamentados em precedentes, sejam eles já existentes ou futuros.
Na jurisprudência, as súmulas são formuladas com termos gerais e abstratos, refletindo a interpretação dos tribunais e servindo como instrumento para promover a uniformidade parcial nas decisões, contribuindo para a redução de processos em massa. Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery explicam claramente que as súmulas não devem ser confundidas com precedentes6, posição que também compartilhamos.
Devido à liberdade atribuída aos tribunais para definir a forma e os pressupostos dos precedentes, até o momento, esses precedentes ainda não foram adequadamente estabelecidos no Brasil, especialmente quando comparados à originalidade e ao respeito que possuem no sistema do Common Law. Isso ocorre porque os tribunais brasileiros frequentemente confundem jurisprudência com precedentes, o que impede a consolidação desse importante instrumento jurídico no contexto social atual. Jurisprudência7 consiste em um conjunto de decisões judiciais sobre situações semelhantes8.
Segundo Taís Schilling Ferraz, precedente e jurisprudência não podem ser equiparados, pois são conceitos com naturezas e funções distintas9. Da mesma forma, José Rogério Cruz e Tucci afirma que, no sistema de Common Law, a decisão considerada precedente, baseada no princípio do stare decisis, é apenas uma ou, no máximo, algumas poucas decisões que são citadas para sustentar o precedente10.
Portanto, no Brasil, a prática revela interpretação e aplicação do precedente diversa da intenção do legislador ao dispor sobre o art.926 do CPC.11 .
O Código de Processo Civil, com o objetivo de contribuir para a formação de precedentes, também introduziu alguns mecanismos para reduzir a quantidade de processos em massa, conforme disposto no artigo 927.
3 O artigo 927 do Código de Processo Civil
No projeto brasileiro, o precedente tem sido compreendido como, praticamente, todas as decisões dos tribunais superiores, incluindo aquelas estabelecidas no artigo 927 do CPC, como as decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade e os enunciados de súmula vinculante. Nesses últimos casos, ambas as decisões têm caráter vinculante por força do texto constitucional brasileiro.
O artigo 927 do CPC confere força vinculante a outras decisões jurisprudenciais, que passam a ser adotadas como precedentes, como os acórdãos em IAC, IRDR, RE e RESP, bem como as orientações do plenário ou órgão especial dos tribunais aos quais o julgador estiver vinculado. Além disso, inclui os enunciados de súmulas do STF e STJ, que, como já comentado, representam jurisprudência e não precedentes.
Victor Vasconcelos Miranda adverte que o art. 927 do CPC estabelece um conjunto de decisões parametrizadas pelo legislador que devem ser consideradas como precedentes, sem que tenham sido efetivamente construídas pelo Judiciário.
Ele destaca que não é possível estabelecer um sistema focado na parametrização de padrões decisórios modelares sem um fortalecimento adequado do processo de formação da ratio decidendi, que é o elemento que efetivamente vincula um precedente12.
Assim, concluímos que, para que um pronunciamento judicial seja considerado vinculante, não é suficiente a mera previsão legal no artigo 927 do CPC/2015. É necessário que o processo decisório esteja revestido dos elementos estruturantes que definimos como essenciais para a universalização do precedente como norma judicial.
Na redação do artigo 927, observa-se que, em vez de um caráter meramente persuasivo, é utilizado o termo “observância”, que atribui ao magistrado13 um caráter moral de obrigação14. Isso fica evidente por dois motivos: primeiro, porque os dois primeiros incisos do artigo apresentam disposições que possuem efeito vinculante, conforme estabelecido pelo texto constitucional. Além disso, os artigos 311 e 332 do CPC reforçam claramente esse caráter vinculante atribuído aos juízes15.
Alexandre de Freitas Câmara reforça nossa posição ao afirmar que apenas os padrões decisórios enumerados nos dois primeiros incisos do artigo 927 do CPC/201516 possuem eficácia verdadeiramente vinculante.
3.1 – Incidentes de Uniformização de Jurisprudência
O art.927 também confere efeito vinculante aos acórdãos proferidos em incidentes de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas, o que, a nosso ver, representa um dos desafios enfrentados, pois afronta os princípios da celeridade e eficiência estabelecidos na Constituição Federal17. Esses incidentes têm o poder de suspender o processo por pelo menos um ano, mesmo sem um julgamento definitivo sobre a questão. Como consequência, o processo pode ficar paralisado por anos no Judiciário, com o risco de, ao final, a questão não se enquadrar na discussão do incidente.
Nota-se que, diferentemente do que poderia ser consolidado como verdadeiros precedentes, os incidentes de uniformização foram estabelecidos pelo legislador no Código de Processo Civil com o objetivo de controlar a quantidade de processos em massa e unificar a jurisprudência.
Os principais incidentes são: o incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR), inspirado no modelo alemão;18 o incidente de arguição de inconstitucionalidade (IAI), previsto nos artigos 948 a 950, inspirado nos modelos americano e alemão; e o incidente de assunção de competência (IAC), que já havia sido abordado no CPC de 1973, mas teve pouca aplicação prática19. No entanto, foi readequado pelo legislador no artigo 947 do CPC de 2015.
O incidente de assunção de competência (IAC) está regulamentado nos artigos 947 a 950 do CPC e é admissível quando o julgamento de um recurso, de remessa necessária ou de processo de competência originária envolver uma questão relevante de direito20, com grande repercussão social, demonstrando, assim, o interesse público (art. 947).
O artigo 947, § 1º, estabelece que, ocorrendo a hipótese de assunção de competência, o relator proporá, de ofício ou a requerimento (da parte, do Ministério Público ou da Defensoria Pública), que o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária seja julgado pelo órgão colegiado indicado pelo regimento21. Uma vez julgado o incidente, o acórdão vinculará todos os juízes e órgãos fracionários, exceto se houver revisão da tese (§ 3º).
Para fundamentar nosso entendimento sobre a intenção do legislador em atribuir efeito vinculante a essas decisões, Cassio Scarpinella Bueno afirma que “não há como querer emprestar efeitos vinculantes além dos casos permitidos pelo modelo constitucional22“.
José Henrique Mouta Araújo critica o caráter vinculante atribuído aos incidentes pelos tribunais, argumentando que isso representa uma tentativa de estabilizar e limitar a jurisprudência dos tribunais locais, retirando a liberdade interpretativa dos magistrados de primeira instância23. Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, por sua vez, afirmam que só há hierarquia jurisdicional do tribunal sobre o juiz em casos de competência recursal, ou seja, quando o tribunal julga matérias de sua competência. Nesse contexto, o tribunal pode cassar e reformar a decisão recorrida, mas o acórdão vincula apenas o caso concreto24.
Por esses motivos, entendemos que é necessário um ajuste legislativo no § 3º do artigo 947, com o objetivo de atribuir um caráter persuasivo ao incidente, em vez de vinculante, evitando a paralisação dos processos, considerando que não há, efetivamente, um julgamento definitivo da questão.
O instituto de resolução de demandas repetitivas (IRDR), disciplinado nos artigos 976 a 987 do CPC, foi inspirado no procedimento alemão (Musterverfahren), com o objetivo de resolver conflitos em massa25.
Teresa Arruda Alvim ressalta que o instituto é novo e está em plena harmonia com dois dos principais objetivos do novo sistema, in verbis:
(1) Agilizar a prestação jurisdicional, mantendo a qualidade e desafogando o Poder Judiciário; (2) Gerar uniformidade na jurisprudência, aplicando o princípio da isonomia e garantindo previsibilidade, criando segurança jurídica.. {…} Trata-se de um incidente que tem como objetivo, assim como muitos institutos do CPC/73, proporcionar a uniformização do entendimento sobre determinadas teses jurídicas26.
De acordo com o artigo 976, o IRDR é cabível diante de dois requisitos: primeiro, que a questão discutida no processo represente um risco simultâneo de ofensa à isonomia e à segurança jurídica; segundo, que a controvérsia sobre a questão de direito esteja sendo objeto de processos repetitivos27.
A busca por casos semelhantes pelos tribunais tem sido significativamente facilitada pela inteligência artificial, especialmente com o uso da jurimetria. Essa ferramenta auxilia na unificação das posições dos tribunais ao analisar casos semelhantes, oferecendo diretrizes claras aos operadores do direito e contribuindo para a redução da quantidade de processos em massa.
Embora a tecnologia tenha contribuído substancialmente para o trabalho da justiça, nota-se que os tribunais brasileiros ainda demonstram pouco empenho na construção de precedentes sólidos que possam ser seguidos e respeitados pela comunidade jurídica. A ausência desses precedentes limita a capacidade de influenciar tanto o legislador quanto o poder Executivo no exercício de suas atribuições.
A reunião desses processos repetitivos é intensificada pelo uso da inteligência artificial, por meio da jurimetria. Essa ferramenta estabelece critérios isonômicos para a análise de palavras-chave28, oferecendo uma solução eficaz para a contenção em massa dos processos, cujas decisões impactam significativamente os casos futuros30.
Tanto as partes, por meio de petição, quanto o juiz ou relator, de ofício, além do Ministério Público ou da Defensoria Pública, podem requerer a aplicação do IRDR31. Segundo o artigo 977, o pedido de instauração do incidente deve ser dirigido ao presidente do Tribunal, acompanhado dos documentos necessários que demonstrem o cumprimento dos pressupostos exigidos.
O CPC estabelece que, enquanto ocorre a discussão da tese no IRDR e não há um julgamento definitivo, todos os processos pendentes que tramitam na jurisdição (individuais ou coletivos) ficam suspensos por até um ano32, salvo decisão fundamentada pelo relator do processo no Tribunal. A suspensão dos processos cessará apenas se a tese for acolhida, e o precedente passará a ser adotado na jurisdição do Tribunal.
Há uma problemática relacionada ao IRDR, conforme o artigo 982 34, que determina que a suspensão dos processos é designada exclusivamente pelo relator enquanto se aguarda o debate. Como consequência dessa imposição, o instituto da Reclamação vem sendo utilizado para garantir a autoridade dessas decisões36, caso não sejam cumpridas as decisões proferidas no IRDR e no IAC, conforme previsão expressa no CPC. Em nossa percepção, é inadequada a aplicação do instituto da Reclamação para dar efetividade a decisões que não foram amplamente debatidas e julgadas. O julgamento em si, quando realizado, é feito por um órgão determinado a critério do tribunal, de acordo com o artigo 97835.
O Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade (IAI) está disciplinado nos artigos 948 a 950 do Código de Processo Civil. Para que o Tribunal possa declarar a (in) constitucionalidade de uma lei ou ato normativo37 do poder público, é necessário instaurar um procedimento específico38, que é o incidente de arguição de inconstitucionalidade39. Vale salientar que esse incidente, em particular, não foi mencionado no artigo 927.
3.2 – Outros dispositivos extraídos do artigo 927 do CPC
Além dos incidentes de uniformização, o artigo 927 também menciona os enunciados de súmula do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional (inciso IV), que, como já afirmamos, representam jurisprudência e não precedentes. Além disso, o artigo 927 faz alusão à orientação do plenário ou do órgão especial ao qual o juiz estiver vinculado (inciso V).
3.2.1 – Aspectos positivos tratados no artigo 927 do CPC, referente à doutrina do precedente do Common Law
Na tentativa de incorporar aspectos dos precedentes norte-americanos, o legislador brasileiro estabeleceu no artigo 927 a necessidade de dar publicidade e transparência à divulgação dos precedentes, além de garantir fundamentação adequada nas decisões judiciais, respeitando o contraditório e a ampla defesa, especialmente quando a decisão estiver baseada em um precedente preexistente ou na necessidade de sua modificação.
Para a formação desses precedentes, é essencial buscar a deliberação colegiada dos julgadores, resultando na vinculação de suas decisões, em conformidade com a doutrina do Stare Decisis. A intenção do legislador, fundamentada na estabilidade da aplicação do direito, está alinhada com a doutrina dos precedentes do Common Law.
A publicidade dos precedentes é um aspecto essencial na tradição do Common Law norte-americano, e foi bem incorporada pelo legislador brasileiro. Essa questão foi abordada no §5º do artigo 927 do CPC. Teresa Arruda Alvim comenta que também está por trás deste dispositivo a consciência de que as decisões judiciais, em alguma medida, integram a pauta de conduta do jurisdicionado e devem orientar os próprios juízes40.
Em razão desse dispositivo41, o Conselho Nacional de Justiça instituiu o Banco Nacional de Precedentes (BNP) por meio da Resolução nº 444/202242, permitindo a consulta e divulgação de precedentes judiciais por órgãos e pelo público em geral 43.
O art. 927 do CPC, por sua vez, intensificou as oportunidades de debate na formação de precedentes, permitindo a participação ampla de pessoas, órgãos ou entidades nessa discussão (§2º44). Essa abordagem democrática é desejável e representa uma tentativa válida do Brasil de avançar nesse sentido, nos moldes da doutrina do Common Law.
Em suma, é dever dos juízes, na construção dos precedentes, garantir às partes a oportunidade de exercerem o contraditório e a ampla defesa. Teresa Arruda Alvim acrescenta que é na fundamentação da decisão que o juiz ou tribunal demonstra o respeito ao princípio do contraditório45.
Teresa Arruda Alvim ainda explica que, no cenário atual, o Brasil utiliza o método seriatim, com algumas variações entre os tribunais, mas, de qualquer forma, a fundamentação da sentença serve como instrumento de controle. Outro método existente é o per curiam, no qual há uma decisão una, em que todos os julgadores concordam sobre todos os pontos analisados e decididos46.
Para Alexandre Freitas, é necessário que haja deliberação colegiada, em que todos os votos dialoguem entre si:
A colegialidade da deliberação, no caso dos pronunciamentos destinados a produzir eficácia vinculante, deve ser qualificada, tornando necessária a substituição do sistema seriatim pelo método de decisão per curiam47, por meio do qual se permite a identificação precisa dos fundamentos determinantes do pronunciamento do tribunal, o que é essencial para o adequado funcionamento de um sistema em que padrões decisórios devem ser empregados como base da construção de futuras decisões judiciais. Já há um movimento, ainda que embrionário, de passagem do método seriatim48 para o método per curiam de deliberação no Brasil. (…)Da definição de fundamentos determinantes decorre a importância de se mudar a forma de deliberação colegiada, exigindo-se que todos os votos dialoguem entre si, de modo a construir-se uma decisão que verdadeiramente é do colegiado, proferida per curiam49.
Por isso, é essencial que as decisões precedentes sejam amplamente discutidas pelo Tribunal, buscando a uniformização da tese, sendo o método per curiam ideal para alcançar o objetivo dos julgamentos colegiados.
No § 3º50 do art. 92751, o legislador brasileiro abriu a possibilidade para que tanto o STF quanto os tribunais superiores modulem os efeitos de sua jurisprudência dominante, sempre que a situação envolver interesse social e segurança jurídica.
Araken de Assis corrobora nosso entendimento ao defender que a revisão deve produzir efeitos ex nunc52, preservando a aplicação anterior da tese jurídica. Caso contrário, haveria a tentativa de rever o julgado desfavorável com base na tese anterior, utilizando meios processuais eventualmente cabíveis53.
O art. 927, §4º54, dispõe que a modificação de enunciado de súmula, jurisprudência pacificada ou tese adotada em julgamento de casos repetitivos deve observar a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, proteção da confiança e isonomia. Sobre a liberdade interpretativa dos magistrados subordinados aos tribunais, José Henrique Mouta Araújo salienta que o NCPC impõe o dever de fundamentação para afastar um precedente, seja por superação ou distinção, deixando claro que a simples discordância não constitui fundamentação adequada55. Constata-se, mais uma vez, a aproximação da tradição do Common Law pela adoção do dispositivo de distinção (distinguishing).
4 Outros dispositivos processuais brasileiros que se misturam com o método científico do precedente
Embora o Brasil esteja utilizando diversos institutos relacionados aos precedentes da tradição do Common Law, o método de construção adotado tem sido diferente, seja pela interpretação do próprio Judiciário, seja pelos métodos estabelecidos pelo Código de Processo Civil, conforme mencionamos neste artigo.
Outros dispositivos processuais também reforçam os precedentes brasileiros. Os artigos 1036 a 1041 do CPC mostram claramente que o legislador buscou utilizar o instituto dos precedentes do Common Law, especialmente ao selecionar um caso representativo da controvérsia, conhecido como leading case, para extrair uma tese (denominada Tema) com o objetivo de unificar a questão jurídica nos tribunais de todo o país.
Ao determinar a escolha de um caso relevante para ser julgado como – leading case –, para de formar a tese precedente, o Supremo Tribunal Federal utiliza inteligência artificial para selecionar casos com palavras-chave semelhantes. A análise de admissibilidade do recurso extraordinário combina diferentes aspectos para extrair um Tema, resultando em um precedente persuasivo. O mesmo método é aplicado pelo Superior Tribunal de Justiça56, que realiza o exame de admissibilidade do recurso especial, formando um recurso repetitivo denominado Tema, que resulta em um precedente com caráter vinculante, conforme disposto no artigo 927 do CPC57.
Assim, todos os demais casos identificados pela inteligência artificial e discutidos em todo o país ficam suspensos58 59,60, aguardando a decisão definitiva do STF. Cabe a aplicação do instituto da Reclamação caso algum órgão do Judiciário não suspenda os feitos idênticos. É possível que esses casos, considerados semelhantes pela inteligência artificial, não estejam necessariamente relacionados à mesma questão jurídica (racio).
Ao final62, o Supremo Tribunal Federal fixa a súmula da decisão, que é publicada no Diário Oficial e vale como acórdão, constituindo um precedente. O Superior Tribunal de Justiça segue a mesma prática do STF no julgamento dos recursos repetitivos63. Ricardo Luiz Nicoli e Lucas Cavalcanti Silva comentam que a técnica de julgamento dos recursos repetitivos no STJ diverge completamente do conceito de precedente64:
Na verdade, em relação à técnica de julgamento de demandas repetitivas, o sistema concebido pelo CPC/2015 não trata exatamente de “precedentes”, como entendidos no contexto do stare decisis consolidado no sistema de common law. Em vez disso, a vinculação necessária da fundamentação das decisões dos juízes com as teses fixadas sob o rito de demandas repetitivas atende ao objetivo da lei processual de criar mecanismos para solucionar as chamadas “ações em massa” ou questões jurídicas comuns, e não para estabelecer um sistema de precedentes como ocorre em países de common law65.
A professora Teresa Arruda Alvim explica claramente a distinção entre ratio e tese:61
A ratio é tradicionalmente considerada a parte que vincula o precedente. Trata-se da essência do raciocínio jurídico utilizado para decidir um caso concreto, que também pode ser aplicada a outros casos posteriores, desde que sejam semelhantes, ainda que não exatamente idênticos. O conceito de tese jurídica também deve ser analisado e compreendido, pois o estudo desse fenômeno pode fornecer diretrizes relevantes sobre quando essas teses devem ser elaboradas. A nosso ver, no direito brasileiro atual, após o Código de 2015, tem havido um certo excesso na identificação das hipóteses em que essas teses devem ser redigidas, além da crença equivocada de que a obediência aos precedentes pode ocorrer e ser controlada de forma quase automática. As teses, na verdade, devem ser o resumo da decisão do caso concreto. (…) As teses são enunciados curtos, e devem ser assim, pois devem expressar como uma questão foi decidida, cuja solução não admite variações.
Dessa forma, o Judiciário brasileiro não cria precedentes detalhadamente analisados, fruto de um trabalho humano66, minucioso e intenso, como ocorre no sistema de Common Law norte-americano. Em vez disso, cria um direito que é resultado dos métodos estabelecidos pelo legislador infralegal.
Taís Schilling Ferraz alerta que a edição de teses jurídicas67, como vem ocorrendo nos tribunais superiores, resulta na construção de normas a serem utilizadas como premissas principais em julgamentos subsequentes. No entanto, isso tem, na prática, limitado o potencial de desenvolvimento do Direito por meio dos precedentes, devido à mensagem que é transmitida aos tribunais de origem e juízes de primeira instância. A tendência é transformar a norma em um instrumento que subsuma todos os casos suspensos ou futuros, deixando pouco espaço para a individualização das questões e, paradoxalmente, restringindo sua aplicabilidade apenas aos casos idênticos68.
Portanto, a interpretação recente e inadequada dada art. 926 do CPC na formação dos precedentes justifica, em parte, a instabilidade jurídica observada no cenário brasileiro recente. Isso ocorre porque precedentes e jurisprudência69 são dispositivos distintos70, como estabelecido claramente pela redação do próprio artigo 926.
Os precedentes no modelo norte-americano têm o propósito de demonstrar a questão jurídica com precisão, extraída dos fatos, e acredita-se que, se aplicados corretamente, poderão orientar o Judiciário brasileiro no futuro. Esses precedentes, se aplicados em conformidade, mostram-se mais firmes e seguros71, fortalecendo, assim, a jurisprudência brasileira.
É importante destacar que o uso do precedente se torna especialmente relevante em situações que envolvem interesses globais, relacionados à segurança e à preocupação coletiva. Esse contexto reflete o interesse das universidades em capacitar estudantes e futuros advogados para compreenderem os dois sistemas jurídicos predominantes nas Américas.
2O legislador derivado engendrou que os Tribunais sistematizassem de forma organizada seu pensamento e os enunciados de súmula, assim, demonstrariam a sua verdadeira jurisprudência.
3A introdução da Súmula, no Supremo Tribunal Federal, atraiu juristas do mundo inteiro, dada a simplificação proporcionada nos julgamentos. Embora pudesse prejudicar advogados retardatários, a Súmula era uma vitória para as partes, pois garantiam que os processos iniciados em uma mesma época teriam o desfecho homogêneo. Este fato, na visão de Victor Nunes, contribui para o prestígio da Justiça, pois, as partes muitas vezes não compreendem as mudanças de orientação dos tribunais (…) Estudar a vida e obra de Victor Nunes Leal impressiona pela atualidade dos ensinamentos deixados. (Vale a pena ler a matéria editada por Marcus Gil Barbosa Dias, publicada no Senado Federal, sob o título “Controle de Constitucionalidade e Política Judiciária: evolução histórica das Súmulas no STF”. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/98700/Marcus%20Gil%20Barbosa%20Dias.pdf?sequence=1 (consulta realizada em 06/3/2024).
4Cumpre salientar que esses Enunciados de Súmula foram criados sob o amparo do Código de Processo Civil de 1973[3] e foram mantidos no atual CPC. Até hoje, auxiliam tanto o Judiciário quanto os operadores do direito, descrevendo a jurisprudência[3]de forma clara e acessível, contribuindo para a uniformidade das decisões e a previsibilidade no sistema jurídico. Cassio Scapinella Bueno assevera que o STF e o STJ e a maioria dos Tribunais já vinham fazendo e continuam a fazer em seus próprios sites, iniciativas que possam servir de modelo para outros Tribunais que não o façam, sempre com os necessários aperfeiçoamentos de qualquer prática humana e de seus avanços tecnológicos. (Bueno, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil: volume único. 4.ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p.705).
5O regimento interno é um ato normativo do judiciário.
6Nery Junior, Nelson. Código de Processo Civil Comentado/Nelson Nery Junior, Rosa Maria de Andrade Nery – 19.ed.rev.atual.e ampl. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p.1955.
7Para Lenio Luiz Streck, a jurisprudência pode ser entendida como um grupo uniforme de manifestações a respeito de um mesmo tema. (Streck, Lenio Luiz. Súmulas no direito brasileiro: eficácia, poder e função. 2.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p.83).
8Estamos no estágio inicial na construção dos precedentes e, por enquanto, lidamos com uma jurisprudência desorganizada e inconsistente. Torna-se imperativo que o Judiciário brasileiro assuma um papel fundamental na estruturação desse processo, visando estabelecer precedentes verdadeiramente consolidados. Para isso, devem efetivamente olhar para aqueles construídos pela tradição norte americana da Common Law, aplicando corretamente o seu método, já que inseridos no ordenamento jurídico brasileiro.
9Nesse mesmo sentido, é Zaneti Junior. (Ferraz, Taís Schilling. O precedente na jurisdição constitucional : construção e eficácia do julgamento da questão com repercussão geral / Taís Schilling Ferraz. – São Paulo : Saraiva, 2017. (Série IDP : Linha Pesquisa Acadêmica.), p.82 e 84).
10Tucci, José Rogério Cruz e, 1956- Precedente judicial como fonte do direito. 2.ed., ver.e atual.- Rio de Janeiro: GZ, 2021, pag.160.
11José Rogério Cruz e Tucci assevera que “É de observar-se que, sob o ponto de vista técnico, reina na prática do direito, inequívoca imprecisão daquilo que se concebe por jurisprudência, precedente judicial e súmula (e suas respectivas classificações dogmáticas). Assim, entendemos que se torna necessário traçar os respectivos conceitos, para que os juízes possam orientar-se ao proferir suas decisões e os advogados invocá-los e argumentar corretamente em seus arrazoados. (Tucci, José Rogério Cruz e, 1956- Precedente judicial como fonte do direito. 2.ed., ver.e atual.- Rio de Janeiro: GZ, 2021, pag.158).
12 Miranda, Victor Vasconcelos. Precedentes judiciais: a construção da ratio decidendi e o controle de aplicabilidade dos precedentes. Tese de Metrado da Pontifícia Universidade de São Paulo, 2017, p.197. Disponível em: https://tede.pucsp.br/bitstream/handle/21379/2/Victor%20Vasconcelos%20Miranda.pdf (consulta realizada em 01/06/2024).
13 O próprio Conselho Nacional de Justiça reconhece que há vinculatividade, ao dispor sobre o tratamento dos precedentes no Direito Brasileiro, através da Recomendação n.º 134, de 2022, que trata no art.5º a uniformização da jurisprudência preferencialmente mediante a formulação de precedentes vinculativos (qualificados), previstos no art.927 do CPC/2015. (Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/compilado2211202023090164f26188e797d.pdf (consulta realizada em 01/03/2024).
14 Comenta Teresa Arruda Alvim que o CPC apenas uma única vez tratou de vincular uma decisão, quanto tratou do Incidente de Assunção de Competência.: “A grande novidade do CPC/15 é tornar a decisão vinculante para todos os órgãos fracionários daquele Tribunal e para todos os juízes submetidos àquele tribunal. O legislador se utilizou do verbo “vincular”, ao prever no art.947, §3º que “o acórdão proferido em assunção de competência vinculará”. Essa é a única vez, no CPC, em que o legislador usou esse termo. É preciso que o intérprete tome certo cuidado, para que não se crie uma vinculatividade diferenciada em relação ao demais julgamentos em que se fixam teses. O precedente que nasce no bojo de um Incidente de Assunção de Competência tem vinculatividade forte: é um precedente qualificado” (grifamos). Alvim, Teresa Arruda. Precedentes, recurso especial e recurso extraordinário /Teresa Arruda Alvim, Bruno Dantas. – 7.ed.rev., atual.e ampl. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, p.88).
15 A ideia de parte da doutrina civilista pátria de época contemporânea é negar a eficácia efetivamente vinculativa do precedente, ao passo de se apresentar marcante tendência de admitir apenas eficácia meramente persuasiva aos acórdãos proferidos pelos tribunais pátrios[1]. [1] (Tucci, José Rogério Cruz e, 1956- Precedente judicial como fonte do direito. 2.ed., ver.e atual.- Rio de Janeiro: GZ, 2021, pag.173.
16 Câmara, Alexandre de F. Levando os Padrões Decisórios a Sério. – 1. ed. -São Paulo : Atlas, 2018.p.347.
17 Para Alexandre Câmara, “É preciso, então, ter claro este ponto: nem tudo o que está enumerado no art.927 do CPC/2015 tem eficácia vinculante. Há ali, também, o que tenha eficácia meramente argumentativa (ou, como se costuma dizer, persuasiva). A eficácia vinculante que (alguns) padrões decisórios possuem resulta da expressa imputação de tal eficácia por lei, (…) pois a Constituição da República de 1988 atribui, expressamente, eficácia vinculante às decisões proferidas pelo STF no julgamento dos processos de controle direto de constitucionalidade (art.102, § 2º, da Constituição da República) e aos enunciados de súmula vinculante (art.103-A), aos quais fazem referência os incisos I e II do art.927 do CPC/2015.(…) De sua parte, o Código de Processo Civil atribui expressamente eficácia vinculante aos acórdãos proferidos no julgamento do incidente de assunção de competência, no incidente de resolução de demandas repetitivas e na apreciação de recursos especiais e extraordinários repetitivos (art.927, III). Esta eficácia vinculante está expressamente prevista nos arts. 947, § 3º (para o julgamento do incidente de assunção de competência), 985 (para o julgamento do incidente de resolução de demandas repetitivas) e 1.040 (para o julgamento de recurso extraordinário ou especial repetitivo). Pois apenas estes acórdãos (e os enunciados de súmula vinculante, que não são acórdãos nem podem ser tidos por precedentes) têm eficácia vinculante, enquanto os enunciados das súmulas do STF em matéria constitucional e do STJ em matéria infraconstitucional (art.927, IV) e a orientação do plenário ou do órgão especial (art.927, V) devem ser vistos como dotados de eficácia meramente persuasiva”. (grifamos). (Câmara, Alexandre de F. Levando os Padrões Decisórios a Sério. – 1. ed. -São Paulo: Atlas, 2018.p.182).
18 Com os mesmos objetivos, criou-se, com inspiração no direito alemão, o já referido incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, que consiste na identificação de processos que contenham a mesma questão de direito, que estejam ainda no primeiro grau de jurisdição, para decisão conjunta. (Trecho extraído da exposição de motivos para o Código de Processo Civil de 2015 – Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/512422/001041135.pdf, página 30, consultado em 17/07/2022).
19Primeiros comentários ao novo código de processo civil: art.por art./ coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier … {et al}. – 1ª ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, pág.1345.
20 Para Cassio Scarpinella Bueno, esse parágrafo §2º deve ser entendido também no sentido de haver julgamento do caso concreto, e não apenas relevante questão de direito. (Bueno, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil: volume único. 4.ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p.718).
21 Teresa Arruda Alvim concorda que “o órgão colegiado que o regimento interno indicar, que pode ser o pleno, o órgão especial ou qualquer outro com quórum representativo.( Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo / coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier … {et al}. – 3ª ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2020, pág.1433). Já Cândido Rangel Dinamarco, acrescenta que esse órgão deve ter uma composição maior para julgar o incidente, vejamos: “A competência interna dos órgãos fracionários de um tribunal pode ser deslocada para outro órgão, mediante o incidente de assunção de competência, disciplinado pelo art.947 do Código de Processo Civil. (…) Em casos assim o deslocamento da competência far-se-á para o “órgão colegiado que o regimento indicar” (art.947, §1), o qual naturalmente deverá ter uma composição maior que a do órgão ao qual o feito houver sido inicialmente distribuído, sendo por isso mais representativo do pensamento do tribunal como um todo”. (Dinamarco, Cândido R. Instituições de direito processual civil: volume I/ Cândido Rangel Dinamarco. -10.ed., ver.e atual. segundo o Código de Processo Civil e de acordo com a Lei 13.256, de 4.2.2016. – São Paulo: Malheiros, 2020, p.703). Por fim, Nelson Nery reforça o discurso, dispondo que “A proposta do relator deverá ser aprovada pelo Colegiado (Câmara ou Turma) a quem caberá remeter a causa ao exame do órgão colegiado maior. Afetada a causa ao colegiado maior, é dele a competência para decidir se deve ou não assumir essa mesma competência. Assumindo-a, deve julgar a causa. ((Nery Jr., Nelson. Código de Processo Civil Comentado/Nelson Nery Jr., Rosa Maria de Andrade Nery – 19.ed.rev.atual.e ampl. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p.2011) (grifamos).
22 Bueno, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil: volume único. 4.ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p.721.
23 O autor indaga acerca do que pretendem esses institutos, como também nos chama à reflexão na atual etapa da ciência processual nacional, se estamos preparados para o encerramento da maioria das causas no âmbito local. (Araújo, José Henrique Mouta. Os precedentes vinculantes e o Novo CPC; O futuro da liberdade interpretativa e do processo de criação do direito”. Artigo apresentado no XXIII Congresso Nacional do Conpedi/UFPB, em novembro/2014 – atualizado com o novo Código de Processo Civil (Lei 13105/2015). Capítulo 20, p.437 e 438).
24 Nery Jr., Nelson. Código de Processo Civil Comentado/Nelson Nery Jr., Rosa Maria de Andrade Nery – 19.ed.rev.atual.e ampl. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p.1960.
25 Pritsch, Cesar Zucatti. Manual de prática dos precedentes no processo civil e do trabalho.2. ed. – Leme -SP: Mizuno, 2023, p.40.
26 Primeiros comentários ao novo código de processo civil: art.por art./ coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier … {et al}. – 3ª ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2020, pág.1495.
27Conforme comentamos, enquanto no IRDR o pressuposto é que se tenham inúmeros processos com a mesma discussão, no IAC – Incidente de assunção de competência inexiste a necessidade de discussão a partir de vários processos com a mesma tese.
28 Os precedentes, muito diferente do quem vem sendo praticado no Brasil, impõe desafios no sentido de repensar e promover um movimento humanizador da digitalização deste trabalho.
29 Comenta Teresa Arruda Alvim que é comum, no Brasil, o uso de precedentes quando se trata de casos absolutamente iguais, sob o aspecto fático. São as hipóteses que ensejam litigiosidade em massa, como aquelas que dizem respeito às instituições bancárias ou às empresas de telefonia. São milhares de ações que giram em torno da mesma questão de direito: casos idênticos. Alvim, Teresa Arruda. A fundamentação das sentenças e dos acórdãos.1.ed. – Curitiba, PR: Editora Direito Contemporâneo, 2023, p.128.
30 Importante transcrever aqui, as palavras de Patrícia Peck que se ajustam perfeitamente nesse contexto, quando afirma da “impossibilidade de conferir direitos personalíssimos humanos para não humanos, aliada à necessidade de manter os próprios humanos relevantes em um mundo onde os conteúdos criados por inteligência artificial vão direto aos componentes que melhor agradam a todos. ( Pinheiro, Patrícia Peck. Direito Digital Aplicado 3.0 – 1ª edição – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p.47).
31Na opinião de Luiz Fux, “há divergência acerca do cabimento do IRDR quando a multiplicidade de processos acerca da mesma questão jurídica se restringir ao primeiro grau de jurisdição, ainda não existindo processo em andamento perante o Tribunal. Argumenta-se, por um lado, que, neste caso, seu cabimento resultaria em criação infraconstitucional de competência originária ao respectivo Tribunal, o que violaria a Constituição da República, razão pela qual alguns entendem pela não viabilidade do IRDR quando ausente feito em trâmite no Tribunal. Por outro lado, a visão contrária potencializa o instituto, observando, mais fielmente, os requisitos legais. Com efeito, o art. 976, I, em momento algum exige a existência de sentenças conflitantes ou processos em curso no segundo grau de jurisdição. É perfeitamente possível que a pluralidade de casos em primeira instância leve à admissão do incidente e, se não houver processo modelo a ser resolvido pelo tribunal, a tese jurídica restaria igualmente fixada”. Fux, Luiz. Curso de Direito Processual Civil. 5.ed. Revista, atualizada e reformulada. Grupo GEN, Rio de Janeiro: 2022, p.1017.
32 Podendo ser renovado pelo relator por igual período, conforme se verifica da redação selecionada nos artigos 980 e 982, com os nossos grifos: Art. 980. O incidente será julgado no prazo de 1 (um) ano e terá preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus. Parágrafo único. Superado o prazo previsto no caput , cessa a suspensão dos processos prevista no art. 982 , salvo decisão fundamentada do relator em sentido contrário. Art. 982. Admitido o incidente, o relator: I – suspenderá os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na região, conforme o caso; …§ 1º A suspensão será comunicada aos órgãos jurisdicionais competentes. § 2º Durante a suspensão, o pedido de tutela de urgência deverá ser dirigido ao juízo onde tramita o processo suspenso.
33 Dispõe o artigo 982, § 1º que “A suspensão será comunicada aos órgãos jurisdicionais competentes”.
34 Art. 982. Admitido o incidente, o relator: I – suspenderá os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na região, conforme o caso; II – poderá requisitar informações a órgãos em cujo juízo tramita processo no qual se discute o objeto do incidente, que as prestarão no prazo de 15 (quinze) dias; III – intimará o Ministério Público para, querendo, manifestar-se no prazo de 15 (quinze) dias. § 1º A suspensão será comunicada aos órgãos jurisdicionais competentes.
35 É a redação: Art. 978. O julgamento do incidente caberá ao órgão indicado pelo regimento interno dentre aqueles responsáveis pela uniformização de jurisprudência do tribunal.
36 Quanto a natureza jurídica, Luiz Fux defende se tratar de uma ação autônoma “Situe-se, portanto, a controvérsia. Sabe-se que a reclamação não possui natureza jurídica de recurso, nem tampouco pode fazer as vezes de ação rescisória. A doutrina e a jurisprudência, portanto, debatem com base em três principais possibilidades. (…) Nesse sentido, encaminhamo-nos para a terceira corrente que, adianta-se, foi incorporada pelo CPC, segundo a qual a reclamação configura ação autônoma, eis que inaugura nova relação jurídico-processual.” Fux, Luiz. Curso de Direito Processual Civil. 5.ed. Revista, atualizada e reformulada. Grupo GEN, Rio de Janeiro: 2022, p.1054
37 Lembramos que no Brasil, a declaração de constitucionalidade na ação pode ter dois controles, o difuso ou o concentrado. No controle concentrado a ação pode ser proposta diretamente no STF, em conformidade com os artigos 102 e 103 da Constituição Federal, possuindo esse julgamento um efeito erga omnes. Diferentemente ocorre no controle difuso de constitucionalidade, que estamos nos referindo, qualquer juiz que interprete uma norma como inconstitucional pode deixar de aplicá-la sem a necessidade de procedimento específico, surtindo efeito apenas para as partes litigantes do processo.[1] Marinoni defende, nesse caso, que todo e qualquer juiz é dotado de conhecimento para controlar a lei a partir da Constituição e por isso, o controle de constitucionalidade deva possuir efeito obrigatório por todo o judiciário na formação do precedente. Enfatiza que esse seria o verdadeiro propósito de uma jurisdição, em virtude do impacto do constitucionalismo, no instante em que uma lei perde a supremacia, submetendo-se efetivamente à Constituição.
38 Teresa Arruda Alvim aduz que o CPC/15 usa a expressão “Incidente de arguição de inconstitucionalidade”, o que faz com que fique claríssimo não se tratar de recurso. (Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo / coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier … {et al}. – 3ª ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2020, pág.1436.
39 O incidente não se limita à inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal. A dicção legal é ampla, alcançando leis como fonte do direito de qualquer grau, isto é, Emenda à Constituição, Constituição Estadual, Lei Complementar, Lei Ordinária, Lei Delegada, Decreto-Lei, Decreto Legislativo, Decreto, Resolução ou Atos do Poder Público da União, Estados e Municípios bem como atos das três esferas, vale dizer: Executivo, Legislativo e Judiciário. (Fux, Luiz. Curso de Direito Processual Civil. 5.ed. Revista, atualizada e reformulada. Grupo GEN, Rio de Janeiro: 2022, p.1010).
40 Teresa Arruda Alvim aduz que o CPC/15 usa a expressão “Incidente de arguição de inconstitucionalidade”, o que faz com que fique claríssimo não se tratar de recurso. (Primeiros comentários ao novo código de processo civil: art.por art./ coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier … {et al}. – 3ª ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2020, pág.1408.
41§ 5º Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.
42 Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/4415(consulta realizada em 28/04/2023).
43 O jurista Matheus Cintra, com muita propriedade, faz uma crítica a esse banco de precedentes do CNJ. “O que o CNJ deseja com seu banco de dados é fornecer aos magistrados e operadores do direito uma gama de julgados nacionais para abalizar e probabilizar a prolação de decisões a serem dadas pelos magistrados no país. Note-se que dentre os precedentes qualificados estão os adotados em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), adotados nas ambiências dos tribunais, estaduais, regionais ou superiores. O Superior Tribunal de Justiça já possui a catalogação de seus julgados repetitivos disponível na internet e separados por tema. A maioria dos tribunais também a tem. Qual seria a necessidade de uma nova catalogação pelo CNJ? Outro tipo de precedente qualificado denomina-se súmula. Todos os tribunais possuem seus róis sumulares devidamente indexados e publicizados nos seus sítios eletrônicos. O Supremo possui ampla divulgação das suas súmulas vinculantes, conforme o nome traduz, por enunciados obrigatórios e cogentes a todos os julgadores e à administração pública, direta, indireta, em todas as instâncias. Não saberia o CNJ da existência de tais compêndios dos tribunais sob seu controle administrativo? (Fonte: https://www.conjur.com.br/2022-mar-04/matheus-cintra-cnj-tenta-reinventar-roda-banco-precedentes – consulta realizada em 31 Ago. 2023).
44 § 2º A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.
45 Teresa Arruda Alvim aduz que o CPC/15 usa a expressão “Incidente de arguição de inconstitucionalidade”, o que faz com que fique claríssimo não se tratar de recurso. (Primeiros comentários ao novo código de processo civil: art.por art./ coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier … {et al}. – 3ª ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2020, pág.1404.
46 Alvim, Teresa Arruda. A fundamentação das sentenças e dos acórdãos. 1.ed. – Curitiba, PR: Editora Direito Contemporâneo.2023, p.9 e 27.
47 Acrescenta Teresa Arruda Alvim que o modelo per curiam aparece para a sociedade como sendo a expressão da posição do colegiado, desprezadas as opiniões dos integrantes do órgão, individualmente considerados. Aduz que uma decisão tomada em conformidade com esse modelo fortalece as instituições e é capaz de gerar orientação segura como pauta de cnduta para os jurisdicionados e para os demais órgãos do Poder Judiciário, se se tratar de um Tribunal Superior. Ainda, que embora se trate de um modelo adotado na Europa continental, é, sem dúvida, adequado à ideia de a decisão do colegiado desempenhar a função de precedente.(grifamos). Alvim, Teresa Arruda. A fundamentação das sentenças e dos acórdãos.1.ed. – Curitiba, PR: Editora Direito Contemporâneo, 2023, p.7166 a 168.
48 É esta a forma de deliberação do STF no Brasil: as sessões em que se delibera são públicas. Os acórdãos, que não existem no sistema britânico, são compostos das motivações (de cada voto) e conclusão. Os acórdãos que resultam do modelo de julgamento adotado pelo nosso STF normalmente são “um conjunto difuso de votos, que, por vezes, obstaculiza a compreensão daquilo que, efetivamente, restou decidido pelo órgão jurisdicional. Portanto, aqui, de certo modo, também há uma ficção, já que não se pode falaer de uma decisão do Tribunal, assevera Teresa Arruda Alvim. Alvim, Teresa Arruda. A fundamentação das sentenças e dos acórdãos.1.ed. – Curitiba, PR: Editora Direito Contemporâneo, 2023, p.171.
49 Câmara, Alexandre de F. Levando os Padrões Decisórios a Sério. – 1. ed. -São Paulo: Atlas, 2018.p.348
50 § 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.
51 Art.927. Os juízes e os tribunais observarão: I – (…) § 1º … § 2º … § 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação[1] dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.
52 Segundo Nelson Nery, corrente da qual nos filiamos, também decorre da segurança jurídica a irretroatividade do direito, situação mais abrangente do que a irretroatividade da lei prevista na CF 5º XXXVI, porque aqui a CF dixit minus quam voluit; se o direito pudesse retroagir, estariam sendo desrespeitadas a segurança jurídica, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Logo, a irretroatividade do direito e das normas jurídicas em sentido lato significa que leis e decisões judiciais não podem retroagir para prejudicar terceiros.
53 ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p.469.
54 Art.927. Os juízes e os tribunais observarão:
I – (…) § 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.
55 Araújo, José Henrique Mouta. Os precedentes vinculantes e o Novo CPC; O futuro da liberdade interpretativa e do processo de criação do direito”. Artigo apresentado no XXIII Congresso Nacional do Conpedi/UFPB, em novembro/2014 – atualizado com o novo Código de Processo Civil (Lei 13105/2015). Capítulo 20, p.425 e 434.
56 Por enquanto, com exceção do Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça é único Tribunal Superior que edita precedentes.
57 Consultando o site do STF, assim como o do STJ, depreende-se que apenas o STJ menciona claramente a criação de precedentes, enquanto o STF, embora siga a dogmática processual, não trata explicitamente do produto final como precedente. Vide: https://processo.stj.jus.br/processo/precedentes e https://portal.stf.jus.br/ (consulta realizada em 07/06/2024.
58 Estabelece o artigo 1035: § 6º O interessado pode requerer, ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal de origem, que exclua da decisão de sobrestamento e inadmita o recurso extraordinário que tenha sido interposto intempestivamente, tendo o recorrente o prazo de 5 (cinco) dias para manifestar-se sobre esse requerimento. § 7º Da decisão que indeferir o requerimento referido no § 6º ou que aplicar entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos caberá agravo interno.
59 § 9º O recurso que tiver a repercussão geral reconhecida deverá ser julgado no prazo de 1 (um) ano e terá preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.
60 De acordo com a informação do STF, “A suspensão nacional dura enquanto não for julgado o mérito do recurso paradigma, salvo se determinado de forma diversa pelo relator”. 6. Julgamento da preliminar de repercussão geral: Juízo feito pelo STF sobre a existência, ou não, de repercussão geral de determinado tema. Geralmente a votação é realizada no Plenário Virtual, iniciando-se com a inserção do tema pelo relator, seguido dos campos “questão constitucional”, “repercussão geral” e “reafirmação de jurisprudência”, que devem ser analisados e votados. A inserção do tema no Plenário Virtual ocorre sempre às sextas-feiras e os demais ministros têm o prazo de vinte dias para votar (art. 324 do Regimento Interno do STF).A repercussão geral pode ser declarada com maioria simples, ou seja, bastam quatro votos para definir se a questão tem repercussão geral. Já a ausência de repercussão geral exige um quórum qualificado, sendo necessários oito votos para reconhecê-la (§ 3º do art. 102 da Constituição da República). As omissões computam-se a favor da existência de repercussão geral. O resultado apurado no Plenário Virtual no sentido de afirmar que a questão em julgamento tem natureza infraconstitucional observava a maioria simples dos votos. Essa regra foi modificada pela Emenda Regimental n. 47/2012. Desde então, nos termos da nova redação do § 2º do art. 324 do RISTF, a afirmação de que determinada questão tem natureza infraconstitucional é apurada a partir dos votos de 2/3 dos ministros votantes. Fonte: https://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=entendarg#:~:text=Instituto%20processual%20pelo%20qual%20se,os%20interesses%20subjetivos%20da%20causa. (consulta realizada 08/06/2024).
61 Alvim, Teresa Arruda. Precedentes, recurso especial e recurso extraordinário /Teresa Arruda Alvim, Bruno Dantas. – 7.ed.rev., atual.e ampl. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, p.332/333.
62 § 11. A súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no diário oficial e valerá como acórdão
63 Compartilhamos do entendimento de que esses institutos (IRDR, Recursos Repetitivos) não são formadores de precedentes. Nesse mesmo sentido, explica Teresa Arruda Alvim que o procedimento IRDR ou dos Repetitivos se mostram incompatíveis com a complexidade de se ter que descobrir a ratio do precedente aplicado e que as teses fixadas de acordo com o regime do IRDR ou de Repetitivos dispensam o intérprete de encontrar a ratio. Alvim, Teresa Arruda. A fundamentação das sentenças e dos acórdãos.1. ed. – Curitiba, PR: Editora Direito Contemporâneo, 2023, p.131.
64 Especificamente no art.16, a Resolução nº 134/2022 do CNJ estabelece a necessidade de precisão na definição da questão jurídica a ser apreciada, que deve ser extraída de uma questão de direito e não de fato. Além disso, a controvérsia deve ser atual e relevante, e deve ser objeto de uma quantidade significativa de processos. O Tribunal pode utilizar a inteligência artificial para realizar essa busca de forma eficiente (conforme art.13, parágrafo único). Ademais, é recomendado que haja discussão do tema com a comunidade interessada sempre que possível (conforme os arts.32 e 48).Parte superior do formulário
65 Nicoli, Ricardo Luiz. Silva, Lucas Cavalcanti. “Técnica de julgamento de demandas repetitivas e sua aplicação pelo Superior Tribunal de Justiça: todos têm seu dia perante a Corte?. O sistema de precedentes brasileiro [recurso eletrônico]: demandas de massa, inteligência artificial, gestão e eficiência/ coordenadores: Fabrício Castagna Lunardi, Frederico Augusto Leopoldino Koehler, Taís Schilling Ferraz; autores: Acácia Regina Soares de Sá … [et al.]. – Brasília: Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados- Enfam, 2022, p.229.
66 No STJ, o sistema utilizado pela inteligência artificial denomina ACTUS. No âmbito do STF, em agosto/2023, o assessor da Presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) Rodrigo Lobo Canalli discursou sobre a gestão de precedentes e a inteligência artificial (IA), durante o IV Encontro Nacional de Precedentes Qualificados: fortalecendo a cultura dos precedentes, evento promovido em conjunto pelo STF e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para aprofundar o estudo prático dos precedentes qualificados no âmbito dos tribunais brasileiros. Explicou como funcionam as duas ferramentas de IA utilizadas nessa área pelo STF. Uma é Victor, que classifica o recurso extraordinário de acordo com a repercussão geral, com acurácia de 80% nos temas em que foi treinado. A segunda é Rafa 2030, que auxilia na classificação dos processos em tramitação de acordo com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU, com precisão, nas ODS em que foi treinado, superior a 90%. (Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/25082023-Podcast-Radio-Decidendi-debate-contribuicao-da-IA-para-fortalecer-cultura-de-precedentes-.aspx – consulta realizada em 21/09/2023).
67 A professora Teresa Arruda Alvim também recomenda, que o uso desses institutos que tem o objetivo de minimizar a litigância em massa (Recursos Repetitivos e o IRDR), na formação de teses, que só aconteça quando se tratar de casos ditos binários, isto é, casos que não comportem variação, aqueles cuja resposta será ou um sim ou um não, nunca um depende… Assim, por exemplo: não se pode cobrar matrícula em universidades públicas. Nunca. Em nenhuma circunstância. Não há um “depende”. Alvim, Teresa Arruda. A fundamentação das sentenças e dos acórdãos.1.ed. – Curitiba, PR: Editora Direito Contemporâneo, 2023, p.129.
68 Ferraz, Taís Schilling. Ratio Decidendi x Tese Jurídica. A busca pelo elemento vinculante do precedente brasileiro. Revista de Processo/ vol.265/2017/ p.419-441/ Mar/2017 DTR\2017\428, p.5.
69 É certo que a noção de jurisprudência não é unívoca na doutrina. Deveras, jurisprudência é um termo polissêmico. A noção de jurisprudência comporta pelo menos cinco significados, que podem ser assim resumidos: (i) um conceito lato, abrangente de toda a ciência jurídica, teórica e prática, elaborada por jurisconsultos (doutrinadores e professores) e por magistrados; (ii) a doutrina jurídica ao elaborar conceitos e examinar hipoteticamente a incidência ou aplicação das normas jurídicas; (iii) a atividade prática dos jurisconsultos (juris prudentia) na elaboração de pareceres diante de casos concretos; (iv) o conjunto das decisões dos juízes e tribunais, ora convergindo ora divergindo sobre determinados temas jurídicos; (v) o conjunto de decisões do Poder Judiciário num determinado sentido, a respeito de certo objeto, de modo constante, reiterado e pacífico (MANCUSO, Rodolfo. Divergência Jurisprudencial e Súmula Vinculante. São Paulo: RT, 1998, p.26 e 27).
70 No mesmo sentido, Evaristo Aragão Santos que aduz que o termo jurisprudência designa a massa de decisões, normalmente em sentido constante, produzida por determinado órgão judicial, o termo precedente judicial, em sentido amplo, expressa a ideia de uma decisão potencialmente relevante para influenciar no julgamento de outros casos no futuro. Santos, Evaristo Aragão. “Em torno do conceito e da formação do precedente judicial”. In: ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa (coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Ed. RT, 2012, p.145.
71 o Código de Processo Civil de 2015 confere maior força aos precedentes judiciais no ordenamento jurídico brasileiro, contendo em seus dispositivos exigências aos tribunais para que mantenham sua jurisprudência coesa. THEODORO JR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; Pedron, Flávio Quinaud. Novo CPC – Fundamentos e Sistematização. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p.184.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVIM, Teresa Arruda. Precedentes, recurso especial e recurso extraordinário /Teresa Arruda Alvim, Bruno Dantas. – 7.ed.rev., atual.e ampl. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023.
ALVIM, Teresa Arruda. A fundamentação das sentenças e dos acórdãos.1.ed. – Curitiba, PR: Editora Direito Contemporâneo, 2023.
ARAUJO, José Henrique Mouta. Os precedentes vinculantes e o Novo CPC; O futuro da liberdade interpretativa e do processo de criação do direito”. Artigo apresentado no XXIII Congresso Nacional do Conpedi/UFPB, em novembro/2014 – atualizado com o novo Código de Processo Civil (Lei 13105/2015).
ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p.469.
BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil: volume único. 4.ed. – São Paulo: Saraiva Educação,2018.
CÂMARA, Alexandre de F. Levando os Padrões Decisórios a Sério. – 1. ed. -São Paulo : Atlas, 2018.p.347.
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Outras fontes:
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1Advogada atuante nas áreas trabalhista, cível e da proteção de dados pessoais e na defesa do servidor público federal. Docente e autora de artigos jurídicos publicados pela Revista dos Tribunais. Mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP. Doutoranda em Ciências Jurídicas pela Universidad del Museo Social Argentino. Pós-graduada lato sensu nas áreas de Direito Constitucional, Direito e Processo Administrativo, Direito Civil, Processual Civil e Empresarial. Pós-graduada em Direito Digital e Proteção de Dados Pessoais, pela Ebradi; Certificada pelo curso credenciado Exin “Privacy and Data Protection Practitioner” e pelo curso de certificação Exin ISFS – ISO-27001. Autora da obra A Lei Geral sobre a Proteção de Dados Pessoais – LGPD. Saiba como tudo vai funcionar, pela Editora Etheria, São Paulo-SP. Consultora LGPD e membro do IBDC; participação no livro “Direito & Tecnologia: uma visão sobre as novas realidades jurídicas”, com o Capítulo 5. “A Quarta Revolução Industrial: o Direito e a Educação Digital”, pela Editora Umanos, Cuiabá-MT; participação no livro “Pensamentos Jurídicos Contemporâneos”, com o tema “Século XXI – A Sociedade Digital e as transformações no sistema da Civil Law”, Editora Inovar, Buenos Aires. Membro regional da Comissão de Direito, Privacidade, Proteção de Dados e Inteligência Artificial da OAB/SP. Contato: isabelarriel@gmail.com.
Áreas do Direito: Constitucional; Processo Civil