REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202411042126
Janaina Muniz Lobato1
Orientadora: Raviny Lopes do Nascimento2
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo fazer uma análise do direito à proteção de dados e sua relação com o princípio da dignidade da pessoa humana e a forma como encontra-se inserido no ordenamento jurídico brasileiro. Em pesquisas bibliográficas, observou-se que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é um consenso internacional resultado das mazelas ocasionadas pela Segunda Guerra Mundial. No Brasil, referido princípio é um fundamento da Constituição Federal, sendo que o direito de personalidade além de inserido em capítulo próprio do Código Civil, tem alta relevância em vários incisos do art. 5º da Carta Magna. O direito de proteção de dados pessoais é uma das formas de proteção da personalidade e foi atualmente incluído com direito fundamental por meio da Emenda Constitucional 115. Como todo direito fundamental, não pode ser absoluto, cabendo aos tribunais sempre que se deparar com confronto entre o direito de proteção de dados pessoais e o interesse coletivo, buscar alternativas de decisão que possam assegurar também os direitos coletivos. Dessa forma, podemos concluir que o direito à proteção de dados é um direito fundamental, que visa assegurar o desenvolvimento da personalidade advinda do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Palavras chaves: dignidade; personalidade; dados; proteção.
ABSTRACT
The aim of this paper is to analyze the right to data protection and its relation to the principle of human dignity and how it is included in the Brazilian legal system. Bibliographical research has shown that the Principle of the Dignity of the Human Person is an international consensus resulting from the evils caused by the Second World War. In Brazil, this principle is a cornerstone of the Federal Constitution, and the right to personality, as well as being included in its own chapter of the Civil Code, it is highly relevant in various sections of Article 5 of the Magna Carta. The right to personal data protection is one of the forms of personality protection and has now been included as a fundamental right through Constitutional Amendment 115. Like any fundamental right, it cannot be absolute, and it is up to the courts, whenever they are faced with a confrontation between the right to protect personal data and the collective interest, to seek alternative decisions that can also ensure collective rights. Thus we can conclude that the right to data protection is a fundamental right, which aims to ensure the development of the personality arising from the Principle of the Dignity of the Human Person.
Keywords: Dignity; Personality; Data; Protection.
1. INTRODUÇÃO
O filósofo grego Aristóteles3, em sua obra A Política, escreveu que “O homem é um animal cívico, mais social do que as abelhas e os outros animais que vivem juntos”. É pela capacidade de ser social que o homem consegue se relacionar, sindicalizar, agremiar, formar família.
Contudo, o simples fato de viver em sociedade, não concedia ao homem o direito de viver com dignidade. Para os autores Pires & Pozzoli (2020), a dignidade do homem era mensurada pelo seu status social, ou seja, pelo seu lugar de destaque na sociedade.
A concepção de que o homem deve viver com dignidade é talvez o maior diferencial entre o homem de ontem e o de hoje. Ainda que a Declaração dos Direitos do Homem tenha sido instituída em 1789, foi somente após a Segunda Guerra Mundial que o homem virou o centro da proteção, em seus aspectos individuais, políticos e sociais.
Reconhecidamente, vários pensadores como Cícero, Pico della Mirandola e Kant, escreveram sobre o tema – dignidade humana-, mas apenas após a Segunda Guerra, o mesmo passou a ser integrado no ordenamento jurídico (GRIMM, 2010, p. 4).
Após o holocausto várias nações atualizaram seus textos constitucionais elevando a dignidade da pessoa humana, a condição de princípio e por meio dele a busca pela paz mundial.
No Brasil, o tema foi incorporado ao ordenamento jurídico, por meio da adesão do país à Declaração Universal do Direito do Homem em 1948, e, quatro décadas depois, tornou-se Fundamento da República Federativa, estampado na Carta de 88.
Com a dignidade humana inserida no texto constitucional, e ainda, a importância dada pelo constituinte, localizando-a entre um dos Fundamentos da Constituição, obrigou a releitura de vários direitos distribuídos em legislação infraconstitucional. Para Doneda4
A posição da cidadania e da dignidade da pessoa humana como fundamentos da República (Constituição Federal, art. 10, 11 e 111), juntamente com as garantias de igualdade material (art. 30, 111) e formal (art. 50), ‘condicionam o intérprete e o legislador ordinário, modelando todo o tecido normativo infraconstitucional com a tábua axiológica eleita pelo constituinte’ e marcam a presença, em nosso ordenamento, de uma cláusula geral da personalidade. nas quais algum aspecto ou desdobramento da personalidade esteja em jogo, estabelecendo com decisão a prioridade a ser dada à pessoa humana, que é ‘o valor fundamental do ordenamento, e está na base de uma série (aberta) de situações existenciais, nas quais se traduzir a sua incessantemente mutável exigência de tutela.
Uma das mudanças ocorridas na legislação infraconstitucional, ocorreu no Código Civil de 2022, que colocou o homem no centro das relações, e dedicou capítulos próprios para o Direito de Personalidade.
Na sequência constitutiva do arcabouço jurídico de proteção desse direito surgiu, recentemente, um novo componente nessa questão, que é a proteção dos dados pessoais, introduzido pela Emenda Constitucional n. 115 e Lei nº 13.709/2018 (LGPD).
Desse modo, no presente artigo, pretende-se avaliar à luz da Constituição Federal de 1988, como a proteção de dados pessoais se relaciona com o princípio da dignidade humana, bem como a inserção dessa (proteção de dados), no direito de personalidade do indivíduo.
Para tanto, será necessário entender topograficamente como a dignidade da pessoa humana foi inserida no direito brasileiro, bem como o direito fundamental à proteção de dados, e a possibilidade de relativização desse direito.
Com relação à metodologia de elaboração, o presente estudo se constitui numa pesquisa exploratória que busca “proporcionar maior familiaridade com o problema” (Gil, 2002, p.41), de modo que conduza a um “aprimoramento de ideias ou a descoberta de intuições” (idem). Para materializá-la, adotar-se-á como procedimento técnico a pesquisa bibliográfica, que “abrange toda bibliografia já tornada pública em relação ao tema de estudo” (Marconi e Lakatos, 2003, p.183).
As fontes hábeis para a pesquisa bibliográfica são amplas, incluindo teses, dissertações, artigos científicos, livros, jornais, revistas, material audiovisual e assim por diante (Marconi e Lakatos, 2003, p.184). No caso concreto, além desse tipo de material, serão consultadas como fontes a Constituição Federal de 1988, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ), entre outras.
2. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO BRASIL E O DIREITO DE PERSONALIDADE
Após a Segunda Guerra Mundial, vários países se envolveram em busca de um modelo capaz assegurar ao homem um não retrocesso acerca de sua dignidade, uma vez que nenhum modelo anterior foi capaz de barrar as atrocidades do holocausto.
Conforme Pires & Pozzoli5:
É possível apontar os anos dos pós segundo guerra mundial, ou seja, a partir de 1945, como o período em que o conceito de dignidade humana vem a ganhar legitimação jurídica (codificação), com sua presença na Declaração Universal dos Direitos Humanos e, gradativamente, presente nas constituições dos países membros da ONU. Após esse momento marcante na história da humanidade, ou seja, a segunda guerra mundial, o mundo se assustou, pois viu, caindo por terra, toda aquela estrutura que havia montado nos últimos séculos.
Diante do contexto daquela época, surgiu a necessidade de assegurar a dignidade da pessoa humana, capitulando-a na Constituição. No Brasil, a temática foi delineada a Declaração Universal do Direito do Homem pelo qual o país é signatário.
Mais tarde, a temática foi alçada a um novo patamar por meio de sua inclusão na Constituição Federal de 1988, que elegeu com fundamento da República Federativa do Brasil a Dignidade da Pessoa Humana. Segundo Mendes6:
A Constituição, que, significativamente, pela primeira vez na História do nosso constitucionalismo, apresentava o princípio do respeito à Dignidade da pessoa humana e o Título dos direitos fundamentais logo no início das suas disposições, antes das normas de Organização do Estado, estava mesmo disposta a acolher o adjetivo cidadã, que lhe fora predicado pelo Presidente da Assembleia Constituinte no discurso da promulgação.
Nesse diapasão, sendo a dignidade da pessoa humana, um fundamento insculpido na carta de 88, necessariamente, precisou que todo o arcabouço em que se apoia o direito brasileiro, fazer sua releitura a partir do citado fundamento.
De acordo com Sarmento7: “O reconhecimento da centralidade do princípio da dignidade da pessoa humana é recorrente na jurisprudência brasileira, tendo o STF afirmado que se trata do “verdadeiro valor-fonte” que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso país”.
Nesse sentido, todo o sistema de garantia passou a ser interpretado à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. Segundo Soares8:
Uma vez situado como princípio basilar da Constituição Federal de 1988, o legislador constituinte brasileiro conferiu à ideia de dignidade da pessoa humana a qualidade de norma embasadora de todo o sistema constitucional, que orienta a compreensão da totalidade do catálogo de direitos fundamentais, tais como os direitos individuais à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (art. 5º); os direitos sociais: a educação, a saúde, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados (art. 6º); os direitos sociais dos trabalhadores urbanos e rurais (arts. 7º a 11); os direitos da nacionalidade (arts. 12 e 13); os direitos políticos (arts. 14 a 17); os direitos difusos, regulados em diversos preceitos da Carta Magna, a exemplo do direito de manifestação e acesso às fontes da cultura nacional.(art. 215), bem assim o direito difuso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225).
Apesar de não estar expressamente na Constituição Federal, um viés da dignidade humana é o direito de desenvolver sua personalidade. Referido direito, foi incluído na Constituição Federal Alemã ao lado do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana: Conforme Bioni9:
Nesse sentido, por exemplo, a Constituição Federal alemã passou a prever, ao lado do princípio da dignidade da pessoa humana, o direito ao livre desenvolvimento da personalidade. Era o que faltava para que fosse desenvolvida, efetivamente, a tutela dos direitos da personalidade naquele país, passando a ser replicada tal cláusula geral em outras codificações privadas, ou, ainda, a própria enumeração de quais viriam a ser os direitos da personalidade.
No âmbito do direito interno brasileiro, o direito à personalidade pode ser visto tanto na Constituição quanto no Código Civil, dentre outras legislações que tenham como alcance a dignidade da pessoa.
No âmbito do Direito Civil, a Lei n. 11.406/2002, que instituiu o novo Código Civil, dedicou um capítulo próprio para o tema, situando-a no topo dos direitos tutelados pelo código, reconhecendo, portanto, o homem como figura central da tutela jurídica:
Dito de outra forma, os direitos da personalidade não representam somente uma inovação no ordenamento jurídico brasileiro, trata-se, também, de um componente central de uma nova hermenêutica que coloca o ser humano como o “coração do direito civil contemporâneo10
Nesse contexto, observando a relevância que o Brasil concedeu ao direito de desenvolvimento de personalidade, como forma de concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana, é necessário também proteger todo o sistema que compõe o direito de personalidade, dentre eles a proteção dos dados pessoais.
3. O DIREITO FUNDAMENTAL À PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS E A LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS NO BRASIL
Por meio da Emenda Constitucional n. 115, os dados pessoais passaram a fazer parte da categoria de direitos fundamentais, sendo a sua proteção dever do Estado e da sociedade. De acordo com o inciso LXXIX, do Art. 5º da CF, incluído pela citada Emenda – é assegurado, nos termos da lei, o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais.
A lei n. 13.709/2018, conhecida como LGPD, é o instrumento que dispõe sobre a organização e fiscalização da proteção de dados pessoais. Os fundamentos da proteção dos dados pessoais do cidadão, estão estabelecidos no art. 2º do citado regulamento, que a assim dispõe:
Art. 2º A disciplina da proteção de dados pessoais tem como fundamentos:I – o respeito à privacidade; II – a autodeterminação informativa; III – a liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião; IV – à inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem; V – o desenvolvimento econômico e tecnológico e a inovação; VI – a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e ; VII – os direitos humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, a dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais.
Como é possível extrair do inciso VII do dispositivo legal, os direitos humanos e o desenvolvimento da personalidade estão entre os fundamentos para proteção de dados pessoais. Conforme Pires & Pozzoli11:
Os direitos da personalidade são uma “noção inacabada” que deve ser “cultivada”, especialmente frente ao abordado manancial de dados produzidos pelas pessoas na sociedade da informação. Por meio dessa premissa, será possível identificar uma nova variante desta categoria jurídica para nela enquadrar a proteção dos dados pessoais.
Nesse sentido, garantia à proteção dados é considerado direito fundamental à luz da Constituição Federal, trata-se portanto de mandamento cujas obrigações de proteção se estende além do Estado, estendendo-se também ao particular, de modo a assegurar que nenhum indivíduo tenha seus dados devassados sob os argumentos de suprir interesse de terceiros.
Para Tamer12:
Assim, percebe-se com clareza a relação de meio e fim no texto do artigo 1º entre o Direito da Proteção de Dados Pessoais e os direitos fundamentais de privacidade, de liberdade e de livre desenvolvimento da personalidade. Em outras palavras, o Direito da Proteção de Dados Pessoais é instrumento normativo por meio do qual tais direitos igualmente fundamentais serão protegidos. Objetiva-se regular o uso adequado e legítimo do dado pessoal (protegê-lo, portanto) para, com isto, potencializar a persecução dos direitos fundamentais de liberdade, privacidade e livre desenvolvimento da personalidade.
É importante chamar atenção para a forma como a proteção dos dados pessoais foi inserida no texto constitucional. Isso porque considerando que o art. 60, § 4º, IV da CF/88, os direitos e garantias individuais não poderão ser objetos de emendas tendentes a aboli-las13. Conclui-se portanto que, por serem protegidos por cláusula pétrea, referidos direitos não poderão sofrer retrocesso.
Dentre os princípios da LGPD são os seguintes: finalidade, adequação, livre acesso, qualidade dos dados, transparência, segurança, prevenção, não discriminação, responsabilização e prestação de contas.
4. O DIREITO À PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS NAS DECISÕES JUDICIAIS ANTERIORES À EMENDA CONSTITUCIONAL 115
Desde a promulgação da Constituição de 1988, o direito de personalidade já era interpretado à luz do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. O caso mais emblemático foi o enfrentado pelo Superior Tribunal de Justiça- STJ, ainda na década de 90, quando no Recurso Especial n. 22.337/RS, de relatoria do a Ministro Ruy Rosado limitou a cinco anos o prazo de cancelamento de registros pessoais no Cadastro de Proteção ao Crédito:
O Superior Tribunal de Justiça enfrentou o tema, por meio do Recurso Especial n. 22.337/RS14, o relator, Ministro Ruy Rosado, assim se pronunciou:
SERVIÇO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. CANCELAMENTO DO REGISTRO. PRAZO (CINCO ANOS).
O registro de dados no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) deve ser cancelado após cinco anos, conforme o disposto no art. 43, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90).
(STJ – REsp: 22337 RS XXXXX/XXXXX-6, Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Data de Julgamento: 13/02/1995, T4 – Quarta Turma, Data de Publicação: DJ 20/03/1995, p. 6119) A inserção de dados pessoais do cidadão em bancos de informações tem se constituído em uma das preocupações do Estado moderno, onde o uso da informática e a possibilidade de controle unificado das diversas atividades da pessoa, nas múltiplas situações de vida, permitem o conhecimento de sua conduta pública e privada, até nos mínimos detalhes, podendo chegar à devassa de atos pessoais, invadindo área que deveria ficar restrita à sua intimidade; ao mesmo tempo, o cidadão objeto dessa indiscriminada colheita de informações, muitas vezes, sequer sabe da existência de tal atividade, ou não dispõem de eficazes meios para conhecer o seu resultado, retificá-lo ou cancelá-lo. E assim como o conjunto dessas informações pode ser usado para fins lícitos, públicos e privados, na prevenção ou repressão de delitos, ou habilitando o particular a celebrar contratos com pleno conhecimento de causa, também pode servir, ao Estado ou ao particular, para alcançar fins contrários à moral ou ao Direito, como instrumento de perseguição política ou opressão econômica. Recurso Especial n. 22.337/RS , o relator, Ministro Ruy Rosado.
Nas palavras do ministro relator, o tema proteção de dados era importante em vista do volumoso número de atos da vida humana praticado por meio de mídia eletrônica.
Nesse sentido, desde o advento da Constituição Federal de 1988, os Tribunais Superiores já tomavam com base para sua decisão, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana que no contexto do acordão se inseria no direito de desenvolver sua personalidade pelos atos da vida praticados por meio de mídia eletrônica.
Em 2002 com o advento do novo Código Civil, foi expressamente reconhecido o direito de personalidade do indivíduo , e, duas décadas depois, o direito à proteção dos dados pessoais, que tem como fundamento o desenvolvimento da personalidade do homem, foi elevado a Direito Fundamental estando localizado no art. 5º da Constituição Federal.
5. LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS E O DIREITO À PRIVACIDADE DOS DADOS PESSOAIS
A lei que n. 13.709/201815, LGPD, é dividida em: Fundamentos, que se encontram expressos no art. 2º, os princípios dispostos no art. 6º, as hipóteses de tratamento de dados, previstos no art. 7º, o poder público os titulares dos direitos e as obrigações previstos nos arts. 17 a 20, poder público no art. 23, encarregado e controlador no art. 5º, autoridade nacional e conselho.
De acordo com o Art. 5º da Lei Geral de Proteção de Dados, é considerado dado pessoal, a informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável.
O conceito extraído da lei é possível concluir que não são todos os dados inerentes à pessoa que carecem de proteção. É necessário então, que os dados sejam capazes de gerar informação que quando relacionada à pessoa natural seja possível identificá-la ou possa levar informações a seu respeito. De acordo com Tamer:
A partir da concepção de dados pessoais, parece ser possível dizer que o Direito da Proteção de Dados Pessoais se apresenta como um direito ou proteção específico que forma, ao lado dos demais, o espectro do Direito à Privacidade. Significa, a meu ver, que proteger os dados que identificam o indivíduo ou possam implicar a identificação de informações a seu respeito é direito em si mesmo, mas também parte necessária da proteção de algo maior, que é justamente a privacidade e o livre desenvolvimento de sua personalidade. Isso está na essência semântico-normativa do artigo 1º da LGPD: “Esta Lei dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural”.16
Conclui-se, portanto, que a proteção dos dados pessoais tutela o direito à privacidade cujo núcleo é o direito de personalidade que tem como princípio a Dignidade da Pessoa Humana. Nesse sentido, o art. Art. 1º da LGP, assim preleciona:
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.
Dessa feita, qualquer informação referente à pessoa do indivíduo pode ser considerada um dado pessoal, podendo ainda uma parte desses dados serem considerados sensíveis. Conforme a lei, os dados sensíveis são aqueles que se referem às informações de cunho subjetivo, como a opinião política, religião, origem racial, dentre outras.
Ao tempo em que o indivíduo é o titular do direito da proteção de dados, aquele que recebe os dados é o agente de tratamento. O conceito de tratamento de dados pessoais também se encontra estabelecido no art. 5º, X que dispõe:
X tratamento: toda operação realizada com dados pessoais, como as que se referem a coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração.
Para Tamer17, o tratamento é todas as atividades que envolvem o ciclo de vida dos dados pessoais que devem ser desenvolvidas pelo agente de tratamento:
Conceituados os dois polos da relação jurídica (titular e agente de tratamento), o tratamento de dados pessoais se posiciona conceitualmente como os aspectos objetivos da relação. Em uma frase: é tudo que pode ser feito com dados pessoais. Continua: De forma abrangente, a ideia de tratamento contempla todas as atividades do ciclo de vida de dados pessoais junto ao agente de tratamento, desde a sua coleta até sua eliminação, passando por todas as formas e possibilidades de manuseio durante o período em que os agentes de tratamento estão em sua posse, independentemente do meio utilizado, se físico ou digital. Adicionalmente, é relevante ter em mente que a definição de tratamento de dados, além de cada operação em si, individualizada, pode significar o pacote de contexto das operações que envolvem os dados pessoais para a finalidade definida.
Assim sendo, qualquer pessoa física ou jurídica tem obrigação de proteção de dados pessoais do indivíduo, devendo para tanto realizar tratamento dos dados durante todo o ciclo de vida da atividade que envolve os dados.
6. A PROTEÇÃO DOS DADOS PESSOAIS E O INTERESSE COLETIVO
Por outro lado, a Constituição Federal em vários artigos, relativiza as garantias fundamentais, pois sempre que houver interesse público é necessário sopesar o interesse individual.
Uma demonstração de limitação à Direito Fundamental, ocorreu em decisão de Recurso em Mandado de Segurança impetrado pela Google Brasil Internet Ltda, que na ocasião avocou Direitos Fundamentais à Privacidade, se insurgindo contra decisão estadual que autorizou o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro a ter acesso à dados de localização geográfica. Na ocasião assim se o Ministro do STJ, Rogério Schietti Cruz18:
Em uma sociedade onde a informação é compartilhada cada vez com maior velocidade, nada mais natural que a preocupação do indivíduo em assegurar que fatos inerentes a sua vida pessoal sejam protegidos, sobretudo diante do desvirtuamento ou abuso de interesses de terceiros. Entretanto, mesmo reconhecendo que o sigilo é expressão de um direito fundamental de alta relevância ligado à personalidade, a doutrina e a jurisprudência compreendem que não se trata de um direito absoluto, admitindo-se a sua restrição quando imprescindível para o interesse público.
O objeto da decisão do Acórdão, envolvia o fato de a empresa de tecnologia se insurgiu contra a decisão que autorizou a identificação dos usuários de aplicativos de um conjunto não identificado de pessoas, tão somente pela circunstância aleatória de haver transitado, em certo lapso de tempo, por determinadas coordenadas geográficas no Município do Rio de Janeiro – RJ.
Os direitos fundamentais não são absolutos e podem ser limitados quando estão diante de valores também de ordem constitucional.
Conforme Mendes, “Tornou-se voz corrente na nossa família do Direito admitir que os direitos fundamentais podem ser objetos de limitações, não sendo, pois, absolutos: “Tornou-se pacífico que os direitos fundamentais podem sofrer limitações, quando enfrentam outros valores de ordem constitucional, inclusiva outros direitos fundamentais” (MENDES; BRANCO, 2019, p. 187).
Nesse sentido, a proteção dos dados pessoais, mesmo sendo um direito fundamental, poderá sofrer limitação a depender de outros direitos constitucionais envolvidos.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A dignidade da pessoa humana é um sistema de garantias que visa assegurar ao ser humano viver em harmonia em todos os contextos, sejam eles, sociais, políticos ou individuais, protegendo-o da opressão do Estado.
O referido princípio atua como uma bússola a nortear os direitos e garantias fundamentais do indivíduo, de modo que a concretização desses direitos é por sua vez resultado da materialização do citado princípio.
Um dos vieses da Dignidade Humana é o direito de o indivíduo desenvolver sua personalidade, tendo sido incluído no texto da Constituição Alemã em 1.949, no período pós Segunda Guerra Mundial.
O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana foi recepcionado no Brasil, por meio da Declaração Universal dos Direitos Humanos, na qual o país é signatário. Mais tarde, com a Constituição Federal de 1988, a dignidade da pessoa humana passou a ser um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.
Dentro desse sistema de proteção do indivíduo, é possível localizar no ordenamento jurídico brasileiro, o direito de personalidade que, apesar de não ter sido em um primeiro momento, expresso na Constituição federal, conforme fez a Alemanha, ganhou capítulos próprios no Código Civil de 2002.
De acordo com o citado regulamento, o direito de personalidade é intransmissível e irrenunciável, devendo o Estado buscar formas de concretizar o exercício do referido direito.
Um exemplo de atuação do Estado no desenvolvimento de personalidade do indivíduo é a proteção de seus dados pessoais. A proteção de dados pessoais é uma garantia que tem como fundamento o direito de personalidade, cuja materialização se apoia no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Nesse sentido, a Lei nº 13.709/2018 – LGPD, tem como fundamento em seu art. 2º os direitos humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, a dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais.
Por meio da Emenda Constitucional n. 115/2022, o direito à proteção de dados foi elevado a direito fundamental, estando assim na lista de direitos fundamentais, sendo esses protegidos por cláusula pétrea. Contudo, como qualquer direito fundamental, o direito à proteção de dados pessoais não é absoluto, podendo sofrer limitação em razão de outros direitos, sobretudo, dos próprios direitos fundamentais.
3ARISTÓTELES. A política. ELO, 1913. 149 p. Livro digital. Domínio público. Disponível em: [https://www.baixelivros.com.br/ciencias-humanas-e-sociais/filosofia/a-politica]. Acesso em: 17 out, 2024
4Danilo Doneda (2005) – OS DIREITOS DA PERSONALIDADE NO CÓDIGO CIVIL, Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, N° 6 – pag. 82.
5Pires & Pozzoli, L. (2020). A dignidade da pessoa humana na história e no direito: aspectos de tempo e espaço. Editora, cidade.
6MENDES, Gilmar Ferreira; GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2020. p. 138
7SARMENTO, Daniel. Dignidade da Pessoa Humana: conteúdo, trajetória e metodologia. 3ª edição, Belo Horizonte: Editora Fórum, [2021]
8SOARES, Ricardo Maurício F. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. 2ª edição. Rio de Janeiro: Saraiva, 2024. E-book. pág.105. ISBN 9786553625068. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786553625068/. Acesso em: 20 out, 2024.
9BIONI, Bruno Ricardo. *Proteção de dados pessoais: a função e os limites do consentimento*. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 47.
10BIONI, Bruno Ricardo. *Proteção de dados pessoais: a função e os limites do consentimento*. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 50
11Pires & Pozzoli, L. (2020). A dignidade da pessoa humana na história e no direito: aspectos de tempo e espaço. Editora, cidade
12TAMER, Maurício. Manual de Direito da Proteção de Dados Pessoais – 1ª Edição 2025 . Rio de Janeiro: SRV, 2024. E-book. pág.118. ISBN 9786553629905. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786553629905/. Acesso em: 31 out. 2024.
13SARLET, Ingo W.; SARLET, Gabrielle B S.; BITTAR, Eduardo C B. Inteligência artificial, proteção de dados pessoais e responsabilidade na era digital . Rio de Janeiro: Saraiva Jur, 2022. E-book. pág.11. ISBN 9786555599527. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786555599527/. Acesso em: 20 out, 2024.
14BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 22.337/RS, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar. Diário da Justiça, Brasília, DF, 20 mar. 1995
15Brasil. Lei n. 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)
16TAMER, Maurício. Manual de Direito da Proteção de Dados Pessoais – 1ª Edição 2025 . Rio de Janeiro: SRV, 2024. E-book. pág.11. ISBN 9786553629905. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786553629905/. Acesso em: 20 out, 2024.
17TAMER, Maurício. Manual de Direito da Proteção de Dados Pessoais – 1ª Edição 2025 . Rio de Janeiro: SRV, 2024. E-book. pág.169. ISBN 9786553629905. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786553629905/. Acesso em: 20 out, 2024.
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1Acadêmico de Direito. E-mail: janainaml@gmail.com . Artigo apresentado a Faculdade Sapiens como requisito para obtenção do título de Bacharel em direito, Porto Velho/RO, 2024.
2Professor Orientadora do curso de Direito da Faculdade Sapiens – E-mail: raviny.nascimento@gruposapiens.com.br