REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202410311619
Danilo Smerecki Correa De Faria1;
Orientador: Prof.: Enock Oliveira da Silva2
Resumo:
Este artigo explora a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica em administradores que não são sócios, um tema crucial para a proteção de credores, consumidores e trabalhadores contra fraudes empresariais por meio da análise doutrinária e jurisprudencial, com destaque para o Recurso Especial n.º 1.862.557 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A metodologia utilizada é qualitativa, bibliográfica, descritiva e exploratória. Objetiva-se com a pesquisa analisar as circunstâncias e critérios jurídicos para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica a administradores que não possuem participação societária. Conclui-se que, em situações de desvio de finalidade e confusão patrimonial, a desconsideração pode ser estendida a administradores não sócios, desde que haja comprovação concreta de sua participação em atos lesivos. O trabalho discute os limites e critérios para responsabilizar pessoalmente administradores profissionais, sem participação societária, em casos de desvio de finalidade e confusão patrimonial. Além disso, o artigo examina as implicações práticas dessa responsabilização para o direito societário, consumerista e trabalhista, bem como o impacto no mercado financeiro e na governança corporativa. O estudo também realiza uma comparação com outros sistemas jurídicos, analisando como a desconsideração é tratada internacionalmente.
Palavras-chave: Desconsideração da Personalidade Jurídica; Administradores Não Sócios; Responsabilidade Pessoal; Recurso Especial n.º 1.862.557; Fraude Corporativa
ABSTRACT: This article explores the application of piercing the corporate veil in non-partner administrators, a crucial theme for protecting creditors, consumers, and workers from corporate fraud. Through doctrinal and jurisprudential analysis, with a focus on the Special Appeal No. 1.862.557 from the Superior Court of Justice (STJ), the paper discusses the limits and criteria for personally holding professional administrators accountable, who do not have a shareholding position, in cases of purpose deviation and asset confusion. Furthermore, the article examines the practical implications of such liability in corporate, consumer, and labor law, as well as its impact on financial markets and corporate governance. The study also compares different legal systems, analyzing how corporate veil piercing is handled internationally.
Key-words: Piercing the Corporate Veil; Non-Partner Administrators; Personal Liability; Special Appeal No. 1.862.557; Corporate Fraud
1. INTRODUÇÃO
A desconsideração da personalidade jurídica é um dos instrumentos mais relevantes no direito empresarial e processual civil, utilizado para combater fraudes e abusos praticados por meio da proteção da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas. O instituto, amplamente debatido na doutrina e jurisprudência, busca evitar que a separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e o patrimônio dos sócios seja utilizada para práticas ilícitas. No entanto, a aplicação dessa teoria em relação a administradores que não são sócios é um ponto que suscita controvérsias, especialmente diante da ausência de uma participação societária direta. A questão central deste artigo é analisar se, e em quais circunstâncias, a desconsideração da personalidade jurídica pode ser estendida aos administradores não sócios, considerando as hipóteses legais e jurisprudenciais.
A relevância deste tema se destaca na prática empresarial, onde administradores são frequentemente responsáveis pela gestão das atividades da empresa, sem necessariamente possuírem participação no capital social. A extensão da desconsideração para esses agentes, quando praticam atos abusivos ou fraudulentos, envolve um debate sobre os limites da responsabilidade pessoal. O Recurso Especial n.º 1.862.557, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), trouxe uma contribuição importante ao afirmar que administradores não sócios não podem ser automaticamente atingidos pela desconsideração, salvo em casos de comprovado envolvimento em atos ilícitos. Essa decisão marca um divisor de águas na interpretação do alcance da desconsideração, e suas implicações serão exploradas neste estudo.
Este artigo propõe uma análise aprofundada da questão, com foco nas seguintes perguntas de pesquisa: Em quais circunstâncias a desconsideração da personalidade jurídica pode atingir administradores não sócios? Quais são os critérios utilizados pelos tribunais para determinar a responsabilidade desses administradores? A pesquisa parte da hipótese de que, em situações onde administradores não sócios agem de forma fraudulenta ou abusiva, a desconsideração pode ser aplicada, desde que haja prova concreta de sua participação nos atos lesivos.
O presente trabalho tem como objetivo geral analisar as circunstâncias e critérios jurídicos para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica a administradores que não possuem participação societária, com foco na proteção de credores, consumidores e trabalhadores em casos de abuso ou fraude. Para alcançar esse objetivo, estabelecem-se os seguintes objetivos específicos: (i) examinar a doutrina e a jurisprudência sobre a desconsideração da personalidade jurídica, especialmente no que tange à responsabilização de administradores não sócios; (ii) identificar os requisitos específicos para que a desconsideração da personalidade jurídica possa ser aplicada a administradores profissionais, com base no artigo 50 do Código Civil e nas decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ); (iii) comparar as teorias maior e menor da desconsideração da personalidade jurídica, abordando as diferenças de aplicação em contextos consumeristas, trabalhistas e empresariais; (iv) avaliar as implicações práticas da desconsideração para a governança corporativa e o mercado financeiro, especialmente em relação à responsabilidade pessoal de administradores e ao impacto sobre a segurança jurídica; e (v) realizar uma análise comparativa com sistemas jurídicos internacionais para verificar como outros países tratam a responsabilidade de administradores não sócios no contexto da desconsideração da personalidade jurídica.
Metodologicamente, este estudo é uma pesquisa qualitativa de natureza descritiva e exploratória, e se baseia em uma análise bibliográfica e jurisprudencial. Serão revisadas as principais teorias doutrinárias sobre a desconsideração da personalidade jurídica e a responsabilidade dos administradores, com especial atenção à distinção entre as teorias maior e menor da desconsideração. Além disso, será realizada uma investigação das decisões do STJ e dos tribunais estaduais que tratam do tema, com foco no Recurso Especial n.º 1.862.557, visando compreender os fundamentos que embasaram a decisão da Corte.
A estrutura deste artigo está dividida em três partes principais. Inicialmente, será abordado o conceito e a evolução histórica da desconsideração da personalidade jurídica, com ênfase na aplicação desse instituto em diferentes áreas do direito. Em seguida, será discutida a aplicação da desconsideração especificamente em relação a administradores não sócios, com base na doutrina e jurisprudência, incluindo o exame detalhado do Recurso Especial n.º 1.862.557.
Por fim, o artigo será finalizado com reflexões sobre as implicações práticas da decisão do STJ e as possíveis direções futuras para o desenvolvimento do instituto da desconsideração da personalidade jurídica no Brasil, visando compreender melhor as condições e critérios jurídicos para sua aplicação.
2. A Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica
A desconsideração da personalidade jurídica é um instituto de grande importância no direito empresarial e processual civil, sendo utilizado em situações excepcionais para superar a separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e o patrimônio pessoal dos sócios ou administradores. Essa teoria, conhecida como disregard doctrine, foi desenvolvida no direito anglo-saxão no final do século XIX, em resposta à utilização abusiva da proteção da pessoa jurídica para fins ilícitos.
No Brasil, o instituto ganhou força com a introdução no Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei nº 8.078/1990, e foi posteriormente incorporado ao Código Civil de 2002, especificamente no artigo 50. O objetivo fundamental da desconsideração é impedir que a personalidade jurídica seja usada como um escudo para fraudes e abusos, protegendo os direitos de terceiros prejudicados por essas práticas.
A desconsideração da personalidade jurídica tem como premissa a preservação da autonomia patrimonial das empresas, um dos pilares do direito empresarial. A criação de uma pessoa jurídica separa o patrimônio da empresa do patrimônio de seus sócios, garantindo que as obrigações contraídas pela empresa não possam ser automaticamente imputadas aos sócios, exceto em casos de abuso.
Como destaca Fábio Ulhoa Coelho (2015), a personalidade jurídica é fundamental para o desenvolvimento das atividades empresariais, proporcionando segurança e incentivando investimentos. No entanto, essa separação patrimonial pode ser usada de forma indevida, permitindo que sócios e administradores utilizem a empresa para cometer fraudes ou desviar recursos, sem se responsabilizarem diretamente pelos danos causados a terceiros.
É nesse contexto que a desconsideração da personalidade jurídica se torna um mecanismo necessário para corrigir distorções e proteger o sistema jurídico e econômico.
No Brasil, o artigo 50 do Código Civil estabelece as hipóteses em que a desconsideração da personalidade jurídica pode ser aplicada. Ele prevê que, em casos de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, o juiz pode estender os efeitos de determinadas relações obrigacionais aos bens particulares dos sócios ou administradores.
Esse artigo reflete a adoção da teoria maior da desconsideração, que exige a comprovação de fraude ou abuso por parte dos sócios ou administradores. Conforme afirma César Fiúza (2014), essa teoria se baseia no princípio de que a separação patrimonial só pode ser superada quando há provas claras de que a pessoa jurídica foi usada de forma indevida para praticar atos ilícitos, sendo que o desvio de finalidade e a confusão patrimonial são, assim, os dois principais elementos que justificam a aplicação da desconsideração.
2.1 OS REQUISITOS PARA A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
São requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica o desvio de finalidade e a confusão patrimonial. O desvio de finalidade ocorre quando a pessoa jurídica é utilizada para fins que não correspondem ao seu objetivo original, como fraudes ou evasão de responsabilidades legais.
O objetivo social de uma empresa, tal como previsto em seu contrato social, deve ser respeitado em todas as suas operações, sendo inaceitável que ela seja usada para beneficiar de forma indevida os sócios ou administradores em detrimento de credores ou terceiros.
Como destaca Rubens Requião (2012), o desvio de finalidade é uma prática que desvirtua o próprio conceito de pessoa jurídica, pois utiliza a autonomia patrimonial como ferramenta para fraudar a lei ou lesar terceiros, fugindo ao propósito legítimo da empresa. O exemplo clássico desse desvio é a utilização de uma empresa de fachada, constituída unicamente para desviar recursos ou cometer fraudes sem comprometer o patrimônio pessoal dos sócios ou administradores.
A confusão patrimonial, por sua vez, é caracterizada pela ausência de distinção clara entre o patrimônio da empresa e o patrimônio pessoal dos sócios ou administradores. Essa confusão pode ocorrer de várias maneiras, como quando os bens da empresa são utilizados para fins pessoais ou quando os recursos dos sócios são indevidamente misturados com os recursos da pessoa jurídica.
De acordo com Fábio Ulhoa Coelho (2015), a confusão patrimonial é particularmente comum em pequenas empresas familiares, onde os limites entre o que pertence à empresa e o que pertence aos sócios tendem a se sobrepor. Em tais casos, a desconsideração da personalidade jurídica é utilizada para garantir que a separação patrimonial não seja usada como uma forma de proteger o patrimônio dos sócios à custa de terceiros.
2.2 DA TEORIA MENOR DA DESCONSIDERAÇÃO JURÍDICA
Além da teoria maior, o direito brasileiro também adota a teoria menor da desconsideração, especialmente no âmbito do Código de Defesa do Consumidor. Diferente da teoria maior, que exige a comprovação de fraude ou abuso, a teoria menor tem uma aplicação mais flexível, permitindo que a desconsideração seja aplicada em situações onde a simples insuficiência de bens da pessoa jurídica para saldar suas dívidas já é suficiente para justificar a responsabilização dos sócios.
Segundo Fiuza (2014), a teoria menor está mais preocupada com a proteção dos credores, especialmente em situações de vulnerabilidade, como nos casos de relações de consumo, onde o consumidor frequentemente se encontra em desvantagem frente a empresa. O artigo 28 do CDC permite a desconsideração da personalidade jurídica não apenas nos casos de fraude ou abuso, mas também quando o patrimônio da empresa é insuficiente para garantir a satisfação dos direitos dos consumidores.
A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, tanto pela teoria maior quanto pela menor, tem como objetivo fundamental evitar que a autonomia patrimonial das empresas seja utilizada de forma abusiva.
Em última análise, o instituto visa assegurar que a separação patrimonial, um princípio essencial do direito empresarial, não seja desvirtuada para encobrir fraudes ou prejuízos a terceiros.
Nesse sentido, a desconsideração não dissolve a pessoa jurídica nem invalida sua constituição, mas simplesmente permite que, em situações específicas, o véu da autonomia patrimonial seja levantado, atingindo o patrimônio pessoal dos sócios ou administradores envolvidos em práticas ilícitas.
Para Fiúza (2014), a desconsideração deve ser vista como uma medida excepcional, aplicada apenas quando há evidências claras de abuso ou fraude, preservando, assim, a integridade da pessoa jurídica nos demais aspectos de sua atuação.
Conclui-se, portanto, que a desconsideração da personalidade jurídica é um importante mecanismo de proteção contra fraudes e abusos cometidos através da separação patrimonial das empresas. Seu uso é restrito a situações em que o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial comprometem os direitos de terceiros, e sua aplicação, especialmente no âmbito da teoria maior, exige a comprovação de dolo ou abuso.
O instituto busca garantir que a personalidade jurídica, embora fundamental para o desenvolvimento das atividades empresariais, não seja utilizada como um artifício para lesar credores ou burlar a lei, equilibrando, assim, a proteção da autonomia patrimonial com a responsabilidade legal de sócios e administradores.
2.3. da finalidade da desconsideração da personalidade jurídica
A função e finalidade da desconsideração da personalidade jurídica são centrais para o seu entendimento dentro do sistema jurídico brasileiro, pois sua aplicação visa resguardar o equilíbrio entre a proteção ao patrimônio dos sócios ou administradores e a necessidade de coibir abusos praticados através da pessoa jurídica.
A personalidade jurídica concede às empresas uma autonomia patrimonial que é essencial para a organização das atividades econômicas, proporcionando uma clara distinção entre os bens da empresa e os bens pessoais dos sócios.
No entanto, essa proteção pode ser desvirtuada por sócios e administradores mal-intencionados que se valem da separação patrimonial para cometer fraudes, prejudicar credores ou burlar a lei.
É nesse cenário que a desconsideração da personalidade jurídica surge como um instrumento corretivo, permitindo que, em situações excepcionais, o patrimônio pessoal dos envolvidos seja atingido, responsabilizando-os diretamente pelas obrigações da empresa.
A finalidade da desconsideração é, portanto, impedir que a separação patrimonial seja utilizada como um artifício para fraudes ou abusos de direito. O instituto não tem como objetivo dissolver ou invalidar a pessoa jurídica, mas apenas suspender temporariamente sua autonomia patrimonial para alcançar o patrimônio pessoal dos sócios ou administradores responsáveis.
Como bem expõe César Fiúza (2014), a desconsideração “não visa à extinção da pessoa jurídica, mas sim a remover o escudo protetor de sua autonomia patrimonial quando esta é utilizada para fins fraudulentos ou abusivos”. Trata-se, portanto, de uma medida excepcional, aplicável apenas quando se verifica que a pessoa jurídica está sendo usada de forma indevida para causar danos a terceiros.
A proteção de terceiros, especialmente credores, é a principal função prática da desconsideração da personalidade jurídica. Na maioria dos casos em que o instituto é aplicado, trata-se de situações em que credores não conseguem satisfazer seus créditos devido à insuficiência de bens da pessoa jurídica ou à utilização de práticas fraudulentas pelos sócios ou administradores.
A desconsideração permite que o patrimônio pessoal desses indivíduos seja atingido, quando for provado que a pessoa jurídica foi usada com abuso de direito. Rubens Requião (2012) ressalta que o princípio da autonomia patrimonial, embora seja um dos fundamentos do direito empresarial, não pode servir de pretexto para que o sócio ou administrador se exima de responsabilidades quando ele próprio pratica atos fraudulentos, confunde o patrimônio da empresa com o seu, ou utiliza a pessoa jurídica para desviar recursos.
A relação entre a desconsideração e o devido processo legal também é um ponto importante a ser considerado. A decisão de desconsiderar a personalidade jurídica de uma empresa não é tomada de forma automática, devendo seguir um procedimento judicial específico, no qual o juiz verifica os elementos necessários para sua aplicação.
O juiz deve analisar se houve desvio de finalidade ou confusão patrimonial e, se comprovados esses elementos, pode determinar que o patrimônio pessoal dos sócios ou administradores seja atingido.
O processo de desconsideração envolve, portanto, a observância ao contraditório e à ampla defesa, garantindo que os direitos dos sócios ou administradores sejam preservados durante o procedimento.
Para Fábio Ulhoa Coelho (2015), a desconsideração deve ser aplicada com parcimônia e apenas quando houver provas contundentes de que o uso abusivo da pessoa jurídica está causando prejuízos a terceiros. Outro ponto crucial relacionado à função da desconsideração é sua aplicabilidade em diferentes áreas do direito, especialmente nas relações de consumo.
2.4. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
O Código de Defesa do Consumidor (CDC), que adotou a chamada teoria menor da desconsideração, ampliou a possibilidade de aplicação do instituto para além dos casos de fraude ou abuso, permitindo sua utilização sempre que a insuficiência de bens da pessoa jurídica possa prejudicar o ressarcimento dos direitos dos consumidores.
Essa ampliação da aplicação foi uma resposta à vulnerabilidade dos consumidores em relação às grandes corporações, e reflete uma mudança no equilíbrio entre a proteção da autonomia patrimonial e a necessidade de garantir que os consumidores possam ser devidamente indenizados.
César Fiúza (2014) destaca que o CDC, ao adotar a teoria menor da desconsideração, torna possível alcançar o patrimônio dos sócios ou administradores sem a necessidade de provar fraude, bastando que a pessoa jurídica não tenha condições de arcar com suas obrigações.
A teoria menor, ao contrário da teoria maior aplicada pelo Código Civil, não exige a comprovação de desvio de finalidade ou confusão patrimonial para que a desconsideração seja decretada. Basta a verificação de que a pessoa jurídica não possui patrimônio suficiente para arcar com suas obrigações.
Essa flexibilização da aplicação do instituto no âmbito das relações de consumo reflete a preocupação do legislador em garantir uma proteção efetiva ao consumidor, considerado a parte mais vulnerável na relação contratual.
Rubens Requião (2012) comenta que a teoria menor foi concebida para proteger o consumidor, permitindo que, em caso de insolvência da pessoa jurídica, o patrimônio dos sócios ou administradores seja diretamente atingido, sem a necessidade de uma investigação mais aprofundada sobre o uso da pessoa jurídica
2.5. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO DIREITO EMPRESARIAL
No contexto do direito empresarial, a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica é mais restrita, seguindo os preceitos da teoria maior. A exigência de comprovação de fraude ou abuso tem como objetivo evitar que a autonomia patrimonial, fundamental para a realização das atividades empresariais, seja comprometida.
O objetivo é garantir que a desconsideração seja aplicada apenas em casos excepcionais, em que há uma clara intenção dos sócios ou administradores de se valerem da pessoa jurídica para lesar terceiros.
Como observa Fábio Ulhoa Coelho (2015), a autonomia patrimonial é um dos pilares do direito empresarial, e sua superação deve ser tratada com cautela, para que a separação entre os bens da empresa e os bens dos sócios não seja facilmente rompida.
Assim, a função da desconsideração da personalidade jurídica vai além de apenas responsabilizar sócios e administradores por atos fraudulentos. Ela atua como um mecanismo de equilíbrio no sistema jurídico, garantindo que a separação patrimonial, fundamental para o funcionamento das empresas, não seja utilizada como um instrumento para fraudar a lei ou prejudicar terceiros.
O instituto tem uma função corretiva, sendo aplicado apenas quando a pessoa jurídica é usada de forma abusiva, e tem como finalidade última a proteção de credores, consumidores e outros terceiros que possam ser afetados por práticas ilícitas.
Dessa forma, a desconsideração da personalidade jurídica se afirma como uma ferramenta essencial para o controle dos abusos no âmbito das atividades empresariais, preservando tanto a integridade da pessoa jurídica quanto os direitos de terceiros.
A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica aos administradores não sócios é uma questão complexa, que gera debate tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Enquanto a desconsideração foi inicialmente concebida para atingir os sócios que se beneficiam de abusos cometidos através da pessoa jurídica, a possibilidade de estender essa responsabilização aos administradores não sócios apresenta desafios específicos.
A principal questão é se, e em que circunstâncias, um administrador que não possui participação societária pode ser responsabilizado pessoalmente por atos praticados no âmbito da empresa. A partir dessa indagação, surge o debate sobre a natureza da responsabilidade dos administradores e os limites da sua atuação frente à autonomia patrimonial da empresa.
No direito brasileiro, a figura do administrador não sócio é comumente observada em sociedades empresariais, especialmente nas sociedades limitadas e nas sociedades anônimas.
Em muitas dessas empresas, a administração é confiada a gestores profissionais, que não possuem participação no capital social, mas têm o dever de gerir os negócios da sociedade em conformidade com a lei, o contrato social ou o estatuto. Nesses casos, a responsabilização desses administradores depende, essencialmente, da análise de sua conduta frente aos atos praticados em nome da empresa.
Segundo Fábio Ulhoa Coelho (2015), os administradores, independentemente de serem sócios ou não, possuem a obrigação de agir com diligência e lealdade, e sua responsabilização ocorre quando violam esses deveres, praticando atos lesivos à sociedade ou a terceiros.
A desconsideração da personalidade jurídica aplicada a administradores não sócios, no entanto, não ocorre de forma automática. De acordo com o art. 50 do Código Civil, para que o patrimônio de um administrador não sócio seja atingido, é necessário comprovar que houve desvio de finalidade ou confusão patrimonial e que o administrador tenha participado ativamente desses atos.
A doutrina majoritária, representada por autores como César Fiúza (2014), defende que a desconsideração só pode ser aplicada aos administradores não sócios quando estes agem de forma fraudulenta ou abusiva, utilizando a pessoa jurídica para lesar credores ou para se beneficiar pessoalmente de recursos da empresa.
Fiúza (2014) ressalta que, nesses casos, não é a simples condição de administrador que justifica a desconsideração, mas sim a prova de que o administrador participou diretamente de atos ilícitos que configuram abuso da personalidade jurídica.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) também reforça essa ideia, exigindo que haja prova concreta de envolvimento do administrador nos atos abusivos para que a desconsideração seja estendida a ele.
Em decisões recentes, como no Recurso Especial n.º 1.862.557, o STJ destacou que a desconsideração da personalidade jurídica não pode ser aplicada automaticamente a administradores não sócios. No referido julgamento, o tribunal ressaltou que, embora os administradores possam ser responsabilizados por seus atos de gestão, a desconsideração da personalidade jurídica exige a comprovação de que o administrador atuou com dolo ou abuso de poder.
Rubens Requião (2012) afirma que essa exigência é necessária para preservar o princípio da separação patrimonial, fundamental para o desenvolvimento das atividades empresariais, e evitar que a responsabilidade pessoal seja estendida de maneira indiscriminada.
A decisão do STJ no Recurso Especial n.º 1.862.557 é particularmente relevante para delimitar os critérios de aplicação da desconsideração aos administradores não sócios. O tribunal entendeu que a simples condição de administrador, sem participação societária, não é suficiente para justificar a responsabilização patrimonial através da desconsideração.
Para que essa responsabilização ocorra, é necessário que o administrador tenha participado diretamente dos atos que configuram abuso de direito, desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
A decisão, portanto, estabelece que a responsabilidade dos administradores não sócios depende de sua conduta específica, e não da mera posição de gestão que ocupam na empresa.
Essa exigência de comprovação de dolo ou culpa grave é uma proteção importante para administradores profissionais, que muitas vezes assumem a gestão de empresas sem participar de suas decisões societárias.
Segundo Fábio Ulhoa Coelho (2015) os administradores que não são sócios atuam em nome da empresa, mas não devem ser penalizados por atos ilícitos praticados pelos sócios, a menos que tenham conhecimento ou tenham participado desses atos.
Assim, o STJ adota uma postura cautelosa em relação à aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, assegurando que os administradores não sejam responsabilizados de maneira automática, mas apenas quando há provas concretas de sua participação em práticas abusivas.
Além da exigência de prova de envolvimento direto nos atos ilícitos, o STJ também estabelece que a desconsideração da personalidade jurídica deve ser aplicada de forma subsidiária. Ou seja, o patrimônio do administrador não sócio só pode ser atingido quando os bens da pessoa jurídica e dos sócios forem insuficientes para arcar com as obrigações da empresa.
Essa orientação jurisprudencial busca preservar a integridade da personalidade jurídica e a separação patrimonial, assegurando que a desconsideração seja utilizada apenas como um último recurso, quando todas as demais tentativas de satisfação do crédito tenham sido esgotadas.
Outro aspecto importante da desconsideração da personalidade jurídica em relação aos administradores não sócios diz respeito à sua aplicação nas relações de consumo. O Código de Defesa do Consumidor (CDC), ao adotar a teoria menor da desconsideração, ampliou as possibilidades de responsabilização de administradores, incluindo aqueles que não possuem participação societária.
No entanto, mesmo no âmbito do CDC, a responsabilidade dos administradores não é automática, dependendo da análise de sua conduta e de seu envolvimento nos atos abusivos. César Fiúza (2014) observa que, embora a teoria menor flexibilize os critérios para a aplicação da desconsideração, ainda é necessário que o administrador tenha participado de forma relevante nos atos que configuram abuso de direito ou lesão ao consumidor.
A aplicação da desconsideração aos administradores não sócios, portanto, exige uma análise detalhada da conduta do administrador e de sua participação nos atos que motivam a desconsideração.
A doutrina e a jurisprudência brasileira caminham no sentido de restringir a aplicação do instituto a situações em que há provas concretas de abuso ou fraude, assegurando que a autonomia patrimonial das empresas seja preservada e que os administradores não sejam responsabilizados de maneira indiscriminada.
Dessa forma, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica se mantém como uma ferramenta de equilíbrio no sistema jurídico, garantindo que a separação patrimonial seja respeitada, mas que, em situações de abuso, os responsáveis possam ser atingidos em seu patrimônio pessoal.
2.6. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA JURISPRUDÊNCIA
A jurisprudência sobre a desconsideração da personalidade jurídica aplicada a administradores não sócios tem sido objeto de análise minuciosa pelos tribunais brasileiros, especialmente pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A partir da análise de precedentes importantes, é possível identificar os critérios que vêm sendo adotados pelas cortes para delimitar a aplicação desse instituto. Entre as decisões mais relevantes, destaca-se o Recurso Especial n.º 1.862.557, julgado pela Terceira Turma do STJ, que traz importantes reflexões sobre os limites da responsabilidade de administradores não sócios.
No Recurso Especial n.º 1.862.557, o STJ enfrentou a questão da desconsideração da personalidade jurídica no contexto de um administrador que não possuía participação societária. O caso envolvia uma empresa que havia sido utilizada para desviar recursos e fraudar credores, e o Ministério Público havia pleiteado a desconsideração da personalidade jurídica para alcançar os bens do administrador, que não era sócio da empresa.
A decisão do STJ, ao analisar o caso, foi categórica ao afirmar que a simples condição de administrador não sócio não justifica, por si só, a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. Para que isso ocorra, é necessário que o administrador tenha participado diretamente dos atos fraudulentos ou abusivos que deram causa ao pleito de desconsideração.
Tal decisão foi fundamentada na ideia de que o administrador não sócio deve ser responsabilizado apenas quando houver provas concretas de sua atuação dolosa ou culposa em atos que configurem desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
Essa exigência é um reflexo da necessidade de preservar a segurança jurídica e evitar que a desconsideração da personalidade jurídica seja aplicada de forma indiscriminada. Fábio Ulhoa Coelho (2015) comenta que o STJ tem adotado uma postura cautelosa ao aplicar a desconsideração a administradores, buscando equilibrar a proteção do patrimônio dos credores e a manutenção da autonomia patrimonial da pessoa jurídica.
O julgamento também reforçou a necessidade de observância do devido processo legal e do contraditório na aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. O STJ destacou que a desconsideração é uma medida excepcional, que deve ser aplicada apenas após a devida comprovação dos atos ilícitos praticados e com a garantia de que o administrador terá a oportunidade de se defender adequadamente.
Nesse ponto, a decisão faz uma importante contribuição para o processo civil, ao estabelecer que a desconsideração não pode ser aplicada automaticamente, sem que haja uma análise aprofundada dos fatos e das circunstâncias do caso.
Além do Recurso Especial n.º 1.862.557, outras decisões do STJ têm abordado a questão da desconsideração em relação a administradores não sócios, sempre exigindo um critério rigoroso para sua aplicação.
Em diversos julgados, o tribunal reforçou que a desconsideração da personalidade jurídica não pode ser uma forma de responsabilização automática de administradores, devendo ser aplicada apenas quando há provas claras de que o administrador utilizou a pessoa jurídica de forma abusiva para praticar fraudes ou desviar recursos. Rubens Requião (2012) observa que o princípio da separação patrimonial deve ser respeitado, e sua superação só é permitida quando há evidências robustas de que a personalidade jurídica foi utilizada para fins ilícitos.
No âmbito das relações de consumo, o STJ também tem sido criterioso ao aplicar a desconsideração da personalidade jurídica, mesmo nos casos em que a teoria menor é adotada, conforme previsto no Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Embora o CDC permita uma aplicação mais flexível da desconsideração, o STJ tem reforçado a necessidade de que a responsabilização de administradores não sócios seja fundamentada em provas concretas de sua participação nos atos que causaram prejuízo aos consumidores.
A mera condição de administrador não é suficiente para justificar a desconsideração, sendo necessária uma análise da conduta do administrador e de sua atuação no caso específico.
Essa linha de decisões demonstra a preocupação do STJ em garantir que a desconsideração da personalidade jurídica seja aplicada de forma equilibrada, respeitando tanto os direitos dos credores quanto a autonomia patrimonial da empresa e de seus administradores.
O tribunal tem reiterado que a aplicação da desconsideração deve ser feita com parcimônia, apenas quando há provas inequívocas de que o administrador participou ativamente de atos fraudulentos ou abusivos que justifiquem a superação da separação patrimonial.
Em outras decisões relevantes, o STJ tem se debruçado sobre a distinção entre responsabilidade dos sócios e dos administradores no contexto da desconsideração da personalidade jurídica.
No julgamento de recursos especiais e agravos, o tribunal tem reafirmado que, enquanto os sócios podem ser diretamente atingidos pela desconsideração, dada sua condição de titulares da pessoa jurídica, os administradores só podem ser responsabilizados se ficar comprovado que participaram de atos de gestão que configuram abuso de direito.
Fábio Ulhoa Coelho (2015) explica que essa distinção é essencial para a preservação da integridade do instituto da desconsideração, que visa coibir abusos cometidos por quem tem controle direto sobre a pessoa jurídica, sem, contudo, penalizar injustamente administradores que agem de boa-fé.
Outro ponto levantado pela jurisprudência do STJ é a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica de forma subsidiária. A corte tem reiterado que o patrimônio do administrador não sócio só pode ser atingido se os bens da pessoa jurídica e dos sócios forem insuficientes para satisfazer as dívidas da empresa.
Essa interpretação busca preservar a segurança jurídica, evitando que administradores sejam atingidos em seu patrimônio pessoal sem que haja uma justificativa legal clara. A responsabilidade do administrador deve, portanto, ser analisada caso a caso, levando-se em consideração sua participação nos atos que deram origem à aplicação do instituto.
Por fim, vale ressaltar que o STJ tem contribuído significativamente para o desenvolvimento de uma jurisprudência sólida e consistente sobre a desconsideração da personalidade jurídica, especialmente em relação aos administradores não sócios.
O tribunal tem adotado uma abordagem rigorosa e criteriosa, assegurando que o instituto seja aplicado de forma justa e equilibrada, e que a responsabilidade pessoal de administradores seja imposta apenas em situações excepcionais, quando houver provas concretas de seu envolvimento em práticas abusivas.
Essa postura reflete o compromisso do STJ em garantir a aplicação correta da desconsideração, preservando tanto os direitos dos credores quanto a autonomia patrimonial das empresas.
3. ADMINISTRADORES NÃO SÓCIOS E A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
A questão da responsabilidade dos administradores que não são sócios é especialmente relevante em sociedades empresariais, onde frequentemente a administração é exercida por profissionais contratados, sem participação no capital social da empresa.
Diferentemente dos sócios, que possuem direitos patrimoniais e políticos sobre a sociedade, os administradores têm um vínculo de gestão, sendo responsáveis pela direção dos negócios e pela tomada de decisões administrativas, dentro dos limites definidos pelo contrato social ou pelo estatuto da empresa.
A principal dúvida que surge no contexto da desconsideração da personalidade jurídica em relação aos administradores não sócios é se estes podem ser responsabilizados pessoalmente pelos atos da empresa, e em que condições essa responsabilização se dá.
César Fiúza (2014) observa que a responsabilidade dos administradores deve ser analisada à luz dos deveres de diligência, lealdade e boa-fé que regem sua atuação. Esses deveres são fundamentais para delimitar o campo de atuação dos administradores e estabelecer critérios para sua responsabilização.
Segundo a Lei das Sociedades Anônimas (Lei n.º 6.404/1976) e o Código Civil de 2002, os administradores são responsáveis por agir de forma diligente, ou seja, com o cuidado que uma pessoa de responsabilidade comum teria ao gerenciar seus próprios negócios. Eles também devem atuar em conformidade com a lei e os interesses da empresa, preservando os direitos dos acionistas ou sócios, além de zelar pelos interesses dos credores.
Quando esses deveres são violados, abre-se a possibilidade de responsabilização pessoal do administrador, inclusive por meio da desconsideração da personalidade jurídica. Entretanto, a mera condição de administrador não basta para justificar a desconsideração da personalidade jurídica e o alcance de seu patrimônio pessoal.
Fábio Ulhoa Coelho (2015) ressalta que a responsabilidade dos administradores não sócios deve ser limitada à sua atuação no gerenciamento da empresa, sendo necessário demonstrar que o administrador agiu com dolo ou culpa grave ao praticar atos que desvirtuam a finalidade da pessoa jurídica ou que provocam confusão patrimonial.
3.1. ADMINISTRADORES NÃO SÓCIOS E A RESPONSABILIDADE CIVIL
Uma questão importante a ser discutida é a distinção entre responsabilidade objetiva e subjetiva dos administradores. A responsabilidade objetiva ocorre quando a lei impõe a responsabilização independentemente da prova de dolo ou culpa, o que não é comum no âmbito da desconsideração da personalidade jurídica aplicada a administradores.
Nesse caso, a responsabilidade dos administradores não sócios é predominantemente subjetiva, ou seja, depende da demonstração de que o administrador praticou atos ilícitos ou abusivos no exercício de suas funções.
A jurisprudência brasileira, conforme discutido anteriormente, tem reafirmado que a desconsideração da personalidade jurídica só pode ser aplicada aos administradores não sócios quando houver prova de sua participação em atos que configuram desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Recurso Especial n.º 1.862.557, estabeleceu que a responsabilidade do administrador não pudesse ser presumida, devendo ser demonstrada mediante provas que evidenciem sua atuação dolosa ou culposa em atos que causem prejuízos a terceiros ou à própria empresa.
Essa decisão é um marco importante para a delimitação dos limites de atuação dos administradores e a proteção de seus patrimônios pessoais.
Além da responsabilidade decorrente da desconsideração da personalidade jurídica, o administrador não sócio pode ser responsabilizado diretamente por seus atos de gestão, sem a necessidade de aplicação da desconsideração, desde que fique provado que agiu em desconformidade com os deveres que lhe são impostos por lei.
A responsabilização direta do administrador pode ocorrer, por exemplo, em casos de má administração, onde o gestor, agindo de forma negligente ou imprudente, cause prejuízos à empresa ou a terceiros. Nessas situações, o administrador responde com seu próprio patrimônio, independentemente da desconsideração da personalidade jurídica.
A Lei das Sociedades Anônimas, em seu artigo 158, prevê a responsabilidade pessoal dos administradores pelos danos que causarem à sociedade, aos acionistas ou a terceiros, quando agirem com violação da lei ou do estatuto da empresa.
O Código Civil, por sua vez, reforça essa previsão, estabelecendo que os administradores são responsáveis por quaisquer prejuízos que causarem à empresa ou a terceiros, desde que fique provado que atuaram com dolo ou culpa.
Assim, a desconsideração da personalidade jurídica em relação aos administradores não sócios é uma medida excepcional, aplicada apenas quando há provas claras de que o administrador utilizou a pessoa jurídica para fins ilícitos, mas a responsabilidade pessoal do administrador pode ser invocada diretamente em casos de má gestão.
3.2. ADMINISTRADORES NÃO SÓCIOS E AS RELAÇÕES DE CONSUMO
Outro ponto relevante é a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica a administradores não sócios no contexto das relações de consumo, onde o Código de Defesa do Consumidor (CDC) adota a teoria menor da desconsideração.
Como mencionado anteriormente, a teoria menor permite uma aplicação mais ampla da desconsideração, sem a necessidade de provar fraude ou confusão patrimonial, bastando que o patrimônio da pessoa jurídica seja insuficiente para satisfazer as dívidas da empresa.
No entanto, mesmo no âmbito do CDC, a responsabilidade dos administradores não sócios só pode ser imputada quando for demonstrado que eles participaram diretamente dos atos que causaram prejuízos ao consumidor.
3.3. ADMINISTRADORES NÃO SÓCIOS E AS RELAÇÕES TRABALHISTAS
No âmbito trabalhista, a Justiça do Trabalho também admite a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica para alcançar os bens dos administradores não sócios, especialmente em casos de inadimplemento de obrigações trabalhistas.
A Súmula 435 do TST admite a responsabilização patrimonial dos sócios e administradores quando a pessoa jurídica for utilizada para fraudar direitos trabalhistas, ou quando houver confusão patrimonial.
No entanto, mesmo nesses casos, é necessário demonstrar que o administrador atuou de forma direta nos atos que ensejaram a desconsideração.
Portanto, a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica a administradores não sócios está atrelada a critérios rigorosos, que exigem a demonstração de que o administrador agiu com dolo ou culpa grave ao utilizar a pessoa jurídica para lesar terceiros ou se beneficiar indevidamente.
A jurisprudência tem sido clara ao estabelecer que a mera condição de administrador não é suficiente para justificar a aplicação do instituto, sendo imprescindível a análise detalhada da conduta do administrador e de sua participação nos atos que deram causa à desconsideração.
Assim, embora os administradores não sócios possam ser responsabilizados em situações específicas, a desconsideração da personalidade jurídica é uma medida excepcional, aplicada apenas quando todos os requisitos legais são devidamente comprovados.
4. IMPLICAÇÕES PRÁTICAS E JURISPRUDENCIAIS COMPARADAS DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA EM ADMINISTRADORES NÃO SÓCIOS
Nessa As implicações práticas da desconsideração da personalidade jurídica em administradores não sócios são vastas e têm reflexos diretos no sistema jurídico e empresarial brasileiro.
Como um instituto que visa proteger terceiros contra fraudes e abusos, sua aplicação gera importantes consequências para o direito societário, consumerista e trabalhista, além de estabelecer um precedente de responsabilidade pessoal para administradores que, em tese, não possuem participação societária.
Neste bloco, analisaremos como o instituto se manifesta em diferentes áreas do direito e as suas implicações práticas e jurisprudenciais para o sistema legal e econômico do Brasil.
No direito societário, a desconsideração da personalidade jurídica aplicada a administradores não sócios possui um caráter excepcional. Conforme discutido nos blocos anteriores, o administrador que não integra o quadro societário só pode ser atingido pelo instituto quando há provas concretas de sua participação em atos ilícitos, especialmente nos casos de desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
O impacto dessa decisão nas práticas empresariais é significativo, pois estabelece uma responsabilidade adicional para administradores profissionais, que, embora não participem diretamente da estrutura societária, podem ser chamados a responder pessoalmente pelos danos causados em suas gestões. Isso cria um ambiente de maior responsabilidade e cautela na administração de empresas, incentivando uma atuação mais diligente e transparente por parte dos gestores.
Ainda no contexto societário, a aplicação do instituto também tem reflexos importantes para a governança corporativa. A possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica impõe uma maior fiscalização e controle das atividades dos administradores por parte dos sócios, conselhos de administração e assembleias gerais.
A preocupação com a responsabilização pessoal faz com que as práticas de compliance e auditoria interna ganhem ainda mais relevância no cenário empresarial.
Conforme observado por Fábio Ulhoa Coelho (2015), a criação de mecanismos de controle e fiscalização adequados dentro da empresa pode mitigar o risco de desconsideração e proteger tanto o patrimônio da empresa quanto o dos administradores que agem de boa-fé.
Em relação ao direito do consumidor, a desconsideração da personalidade jurídica, principalmente nos termos da teoria menor prevista no Código de Defesa do Consumidor (CDC), amplia significativamente a possibilidade de responsabilização de administradores não sócios.
No contexto consumerista, o foco está na proteção do consumidor, que muitas vezes é considerado a parte vulnerável na relação contratual. A jurisprudência consumerista tende a adotar uma postura mais flexível quanto à desconsideração, permitindo sua aplicação sempre que o patrimônio da pessoa jurídica for insuficiente para satisfazer os direitos do consumidor.
Entretanto, conforme já discutido, a responsabilização de administradores não sócios ainda depende de sua participação ativa nos atos abusivos. O impacto dessa flexibilização nas práticas empresariais é notável, pois obriga administradores e sócios a atuarem de forma mais responsável e a garantir que a empresa tenha condições financeiras de honrar suas obrigações perante os consumidores.
A insuficiência de patrimônio para cobrir dívidas consumeristas pode levar à responsabilização direta de gestores, forçando-os a planejar e administrar a empresa com base em critérios de solvência e responsabilidade patrimonial.
No âmbito trabalhista, a desconsideração da personalidade jurídica tem sido amplamente aplicada, especialmente em casos de inadimplemento de obrigações trabalhistas. A Justiça do Trabalho tem utilizado o instituto para assegurar que trabalhadores lesados pela insolvência ou fraude de uma empresa possam ter seus direitos garantidos, atingindo o patrimônio pessoal dos sócios e, em alguns casos, dos administradores não sócios. A Súmula 435 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) é um exemplo de como o Judiciário trabalhista lida com a desconsideração em situações de fraude, reconhecendo que, quando há confusão patrimonial ou desvio de finalidade, os bens dos administradores podem ser alcançados.
Essa tendência tem implicações significativas para administradores de empresas que lidam com grandes quadros de funcionários. A responsabilização por débitos trabalhistas, quando fica evidenciado que o administrador agiu de forma a desviar recursos ou fraudar credores trabalhistas, traz um alerta importante para a gestão de pessoal e para a necessidade de assegurar que todas as obrigações trabalhistas sejam cumpridas adequadamente.
Além disso, a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica tem reflexos no mercado financeiro e na concessão de crédito às empresas. Instituições financeiras e investidores tendem a levar em consideração o risco de desconsideração ao avaliar a solvência de uma empresa e a responsabilidade de seus gestores.
Quando há a possibilidade de que os administradores não sócios sejam pessoalmente responsabilizados, o grau de risco associado ao crédito ou investimento pode aumentar, influenciando as condições de financiamento.
Como observa Rubens Requião (2012), o aumento da responsabilidade dos administradores traz consequências não apenas para as relações jurídicas internas da empresa, mas também para a forma como ela é vista no mercado.
5. A DESPERSONALIZAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA COMPARADA INTERNACIONALMENTE
Do ponto de vista jurisprudencial comparado, é possível observar que a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica varia significativamente entre os diferentes ramos do direito, com critérios mais flexíveis no âmbito consumerista e mais restritivos no direito societário.
Nos países que adotam sistemas jurídicos semelhantes ao brasileiro, como Portugal e Itália, a desconsideração também é vista como uma medida excepcional, aplicada principalmente em casos de fraude e confusão patrimonial.
Em Portugal, por exemplo, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica foi introduzido no Código das Sociedades Comerciais, que prevê a responsabilização pessoal de sócios e administradores em situações de abuso da pessoa jurídica.
A doutrina portuguesa também exige a comprovação de fraude ou desvio de finalidade para a aplicação do instituto, semelhante à teoria maior adotada no Brasil.
Na Itália, a desconsideração da personalidade jurídica também é aplicada de forma restrita, sendo necessário provar que a empresa foi utilizada para fraudar credores ou desviar recursos, configurando confusão patrimonial.
Assim como no Brasil, a jurisprudência italiana reforça a importância de proteger a autonomia patrimonial das empresas, ao mesmo tempo em que garante mecanismos para evitar que essa autonomia seja utilizada de forma abusiva.
Em ambos os países, a responsabilidade dos administradores não sócios segue critérios semelhantes aos adotados pela jurisprudência brasileira, sendo necessária a comprovação de sua participação direta nos atos ilícitos.
No direito comparado, a desconsideração da personalidade jurídica encontra barreiras em países de tradição anglo-saxã, como os Estados Unidos, onde a aplicação do instituto, conhecido como “piercing the corporate veil”, é feita de maneira muito criteriosa.
Nos Estados Unidos, é extremamente difícil responsabilizar pessoalmente administradores ou sócios, a menos que haja provas substanciais de fraude ou abuso claro de poder. A jurisprudência norte-americana é muito cautelosa ao aplicar o instituto, protegendo rigidamente a autonomia patrimonial das corporações e exigindo um altíssimo nível de comprovação de má-fé para justificar a desconsideração.
Essas comparações demonstram que, embora o instituto da desconsideração da personalidade jurídica seja amplamente aceito em diferentes sistemas jurídicos, sua aplicação em relação aos administradores não sócios continua sendo um tema de grande debate e variação, dependendo do contexto legal e do grau de proteção que se deseja oferecer ao mercado e às partes envolvidas.
No Brasil, o equilíbrio entre a proteção da autonomia patrimonial e a responsabilização de administradores não sócios por abusos continua a ser um desafio, com a jurisprudência caminhando no sentido de garantir que a desconsideração seja uma medida excepcional, mas eficaz, em casos comprovados de abuso.
6. Considerações Finais
A desconsideração da personalidade jurídica, especialmente quando aplicada a administradores não sócios, representa um importante mecanismo de controle contra abusos no âmbito societário e empresarial. Ao longo deste estudo, foi possível verificar que, embora a desconsideração da personalidade jurídica seja uma medida excepcional, sua aplicação desempenha um papel crucial na proteção de credores, consumidores e trabalhadores contra fraudes e desvios cometidos por meio da separação patrimonial entre a pessoa jurídica e os indivíduos que a controlam ou administram.
A jurisprudência, em especial o julgamento do Recurso Especial n.º 1.862.557 pelo STJ, confirma a necessidade de critérios rigorosos para a aplicação desse instituto a administradores não sócios.
Esse precedente deixou claro que a responsabilidade de administradores sem participação societária depende da comprovação de dolo ou culpa grave, especialmente em casos de desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
Tal entendimento visa preservar a autonomia patrimonial das empresas e, ao mesmo tempo, evitar que administradores possam utilizar a pessoa jurídica para cometer ilícitos sem que sejam pessoalmente responsabilizados.
Este estudo também demonstrou que a aplicação da desconsideração varia de acordo com o campo do direito. Nas relações consumeristas e trabalhistas, por exemplo, o foco está na proteção das partes mais vulneráveis — consumidores e trabalhadores —, e por isso a aplicação da desconsideração tende a ser mais flexível.
No entanto, no direito societário, que valoriza a autonomia patrimonial como princípio fundamental para a segurança jurídica e a liberdade econômica, a aplicação é mais restritiva e depende de uma análise criteriosa da conduta dos administradores.
Por outro lado, a análise comparada com outros sistemas jurídicos, como os de Portugal, Itália e os Estados Unidos, revelou que, embora o instituto da desconsideração seja amplamente aceito, sua aplicação em administradores não sócios é tratada com cautela. Isso reforça a importância de estabelecer um equilíbrio entre a responsabilização pessoal e a preservação da autonomia patrimonial, garantindo que a desconsideração seja aplicada apenas quando estritamente necessário e comprovado o abuso.
Por fim, a desconsideração da personalidade jurídica em relação a administradores não sócios é uma medida essencial para a manutenção da integridade do sistema jurídico e para evitar que a personalidade jurídica seja utilizada como um escudo para fraudes e abusos.
Ao mesmo tempo, é fundamental que a aplicação desse instituto seja feita de forma ponderada, respeitando o devido processo legal e os direitos de defesa dos administradores. Dessa forma, o ordenamento jurídico brasileiro consegue alcançar um equilíbrio entre a proteção de terceiros lesados e a segurança jurídica necessária para o funcionamento das empresas.
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1Acadêmico 9º periodo na FIMCA/Unicentro
2Professor Especialista em Escola da Magistratura (EMERON-2023), Docência Jurídica, Direito Tributário, Português Jurídico e Mediação.