THE IMPORTANCE OF THE PRISON TASK FORCE IN THE PRISON SYSTEM
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202410312222
Lilian Frassinetti Correia Cananéa1
Orientador: Peterson Rodrigues Macêdo Vilar2
RESUMO
A proposta principal deste artigo é tratar sobre a realização de mutirões carcerários, na unidade prisional ou por videoconferência, como forma de resguardar os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal. E para conseguir atingir a proposta desejada, segue-se como objetivos específicos, a partir de mutirões realizados no Estado Paraíba, compreender a importância e o quanto é benéfico em uma unidade prisional, ressaltando o princípio da dignidade da pessoa humana.
Palavras-Chave: Mutirão carcerário, dignidade da pessoa humana, execução penal, benefícios.
ABSTRACT
The main purpose of this article is to deal with the realization of prison task forces, in the prison unit or by videoconference, as a way to safeguard the fundamental rights provided for in the Federal Constitution. And in order to achieve the desired proposal, the following are specific objectives, based on joint efforts carried out in the State of Paraíba, to understand the importance and how beneficial it is in a prison unit, emphasizing the principle of the dignity of the human person.
Keywords: Prison task force, dignity of the human person, penal execution, benefits.
INTRODUÇÃO
Falar sobre mutirão carcerário ou esforço concentrado, é expor sobre procedimento que tem a ver com o respeito e a dignidade da pessoa humana que, ao longo da carreira de um magistrado em especial, com exercício na execução penal, se tornam muito presentes, pois é uma maneira de impulsionar os feitos da execução penal, no sentido de garantir os direitos fundamentais de uma pessoa reclusa.
O mutirão carcerário é, de fato, uma experiência que dá certo, pois a partir de sua execução, a construção de uma nova percepção de direitos fundamentais se torna realidade.
Portanto, é a partir de um mutirão carcerário, realizado dentro da unidade prisional ou até mesmo, por videoconferência, é possível se ter um novo olhar sobre a execução penal. Os mutirões carcerários são orientados pelo arcabouço jurídico da execução penal e os princípios jurídicos que o norteiam.
O presente texto é o relato de experiência de uma profissional da magistratura, da área da execução penal, no Estado da Paraíba, onde será construído a partir de uma reflexão individual acerca dos desafios na implementação dos mutirões carcerários, mas essencial com a apresentação de suas extensas vantagens.
1 Considerações gerais históricas sobre mutirões carcerários
O mutirão carcerário nasceu a partir da iniciativa do CNJ – Conselho Nacional de Justiça, este, criado através da Emenda Constitucional n. 45/2004, conhecida como Reforma do Poder Judiciário, e instalado em 14 de junho de 2005, com sede em Brasília e atuação em todo território nacional. Tem como finalidade principal, o aperfeiçoamento do trabalho no Poder Judiciário, controlando a transparência administrativa e processual, colaborando no controle da política judiciária, expedindo atos normativos e recomendações aos Tribunais de Justiça. Cabe ao CNJ estabelecer o plano de metas do Poder Judiciário. Tem também, por objetivo, a modernização e celeridade dos serviços prestados pelo referido órgão, elabora e executa políticas, através de projetos e programas, com base nos indicadores das atividades jurisdicionais.
No âmbito do CNJ, a Lei n. 12.106/2009 criou o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medida Socieducativa – DMF, que se responsabiliza por iniciativas relacionadas ao sistema carcerário, execução penal e execução de medida socieducativa, esta última no âmbito da infância e juventude. E no art. 1o, da referida lei, criou os mutirões carcerários. Vejamos:
“Art. 1o – Fica criado, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas – DMF.
§ 1o Constituem objetivos do DMF, dentre outros correlatos que poderão ser estabelecidos administrativamente:
I – monitorar e fiscalizar o cumprimento das recomendações e resoluções do Conselho Nacional de Justiça em relação à prisão provisória e definitiva, medida de segurança e de internação de adolescentes;
II – planejar, organizar e coordenar, no âmbito de cada tribunal, mutirões para reavaliação da prisão provisória e definitiva, da medida de segurança e da internação de adolescentes e para o aperfeiçoamento de rotinas cartorárias;
III – acompanhar e propor soluções em face de irregularidades verificadas no sistema carcerário e no sistema de execução de medidas socioeducativas;
IV – fomentar a implementação de medidas protetivas e de projetos de capacitação profissional e reinserção social do interno e do egresso do sistema carcerário;
V – propor ao Conselho Nacional de Justiça, em relação ao sistema carcerário e ao sistema de execução de medidas socioeducativas, a uniformização de procedimentos, bem como de estudos para aperfeiçoamento da legislação sobre a matéria;
VI – acompanhar e monitorar projetos relativos à abertura de novas vagas e ao cumprimento da legislação pertinente em relação ao sistema carcerário e ao sistema de execução de medidas socioeducativas;
VII – acompanhar a implantação e o funcionamento de sistema de gestão eletrônica da execução penal e de mecanismo de acompanhamento eletrônico das prisões provisórias;
VIII – coordenar a instalação de unidades de assistência jurídica voluntária no âmbito do sistema carcerário e do sistema de execução de medidas socioeducativas. (BRASIL, 2009)
A partir da criação do DMF, com objetivo de fiscalizar o cumprimento das recomendações do CNJ, e priorizando-se a área da execução penal, o CNJ criou o GMF – Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário, através da Resolução n. 96/2009, que foi instalado em todos os Tribunais de Justiça Estaduais, com papel fundamental na transformação do sistema prisional, surgindo, assim os mutirões carcerários.
Necessário se faz ressaltar que antes mesmo da criação do DMF, foi realizado mutirão carcerário em agosto de 2008, na gestão do Ministro Gilmar Mendes, quando Presidente do Supremo Tribunal Federal e do CNJ, e em um dos discursos de abertura dos mutirões, fez a seguinte constatação: “o mutirão carcerário é um dos maiores programas de direitos humanos atualmente em desenvolvimento no País” (CNJ, 2008)
Na primeira fase dos mutirões, formavam-se grupos de juízes que se deslocavam para atendimento a diversos reeducandos nos Estados. Desde então, as análises de mais de 400 mil processos levaram a 80 mil benefícios concedidos, como progressão de pena, liberdade provisória e direito a trabalho externo. Nada se compara ao benefício, dentro de uma unidade prisional, do que a realização de um mutirão carcerário. É a garantia dos direitos fundamentais dos presos.
1.2. O processo conceitual dos mutirões carcerários.
Podemos definir Mutirão Carcerário de uma forma ampla, como um conjunto de pessoas que se unem para um trabalho gratuito com o fim de ajudar uma determinada comunidade carcerária, contando com o respaldo legal da legislação pertinente e dos princípios constitucionais.
1.3. O sistema principiológico dos mutirões carcerários
Definir princípios não é tarefa fácil é necessário citar o entendimento do Prof. Miguel Reale:
“Princípios são, pois, verdades ou juízos fundamentais que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos à dada porção de realidade. Às vezes também se denominam princípios, certas proposições que apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários.” (Reale, 1986, p. 60)
O principal princípio que podemos destacar na realização de um mutirão carcerário, é a dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito e está previsto no art. 1o, inciso III, da Constituição Federal:
Art. 1º – A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana. (BRASIL, 1988)
Não é por acaso que o referido princípio vem em destaque logo no primeiro artigo da Constituição Federal. O Estado está subordinado a esse princípio e é o responsável por colocar em prática direitos fundamentais como a vida, a saúde, a moradia, a educação, o acesso à Justiça, entre outros também de grande importância.
Muitos juristas definem esse princípio. Vejamos a definição do Professor Alexandre de Morais e hoje, Ministro do Supremo Tribunal Federal:
“A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.” (Moraes, 2005 p.128)
O indivíduo, ao cometer um crime e ingressar no sistema carcerário, fica tolhido da sua liberdade, mas nem por isso deve ser esquecido pelo Estado. Muito pelo contrário. Cabe ao Estado lhe assegurar as condições mínimas para que seja reabilitado e reintegrado à sociedade. E em nome do princípio da dignidade da pessoa humana, é vedado qualquer tipo de tortura, falta de assistência à saúde, e deve ter condições dignas de recolhimento nas celas, entre outros também de grande importância.
Sobre o assunto, vejamos as lições de Lima (2024 p.176)
A Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana da ONU, de 1948, dispõe que as punições não podem ser constituídas por tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. As Regras de Mandela, por sua vez, preveem que “todos os reclusos devem ser tratados com respeito inerente ao valor e dignidade do ser humano”. Nenhum recluso deverá ser submetido a tortura ou outras penas ou a tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes e deverá ser protegido de tais atos, não sendo estes justificáveis em qualquer circunstância. A segurança dos reclusos, do pessoal do sistema prisional, dos prestadores de serviços e dos visitantes deve ser sempre assegurada. (Lima, 2024 p.38)
Ainda sobre a mesma questão, o autor destaca que:
No âmbito da execução penal, o princípio da humanidade da pena funciona como verdadeiro obstáculo para o recorrente anseio de se reduzir o preso a categoria de não pessoa (ou cidadão de segunda categoria), materializando-se na proibição de tortura e tratamento cruel e degradante (CF, art. 5o, III), na individualização da pena (CF, art. 5o, XLVI) e proibição de penas de morte (salvo em caso de guerra declarada), cruéis ou perpétuas (CF, art. 5o, XLVII), o que é referendado pelo art. 38 do CP, segundo o qual o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral. Decorre, portanto, do fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1o, III), e do princípio da prevalência dos direitos humanos (CF, art. 4o, II) amparando o Estado Republicano e o Estado Democrático de Direito. (Lima, 2024 p.39)
Lamentavelmente a realidade das prisões no Brasil, com a superlotação carcerária, tem sido alvo de muitas denúncias de violações aos direitos fundamentais dos encarcerados, o que tem sido possível se constatar através dos mutirões carcerários, gerando-se relatórios com pedidos de providências e encaminhados às autoridades competentes, e é visível que muito já se fez em prol dos reeducandos.
No que se refere ao princípio da celeridade processual, que pode ser observado através do Pacto de São José da Costa Rica (Convenção americana sobre direitos humanos, aprovada no Brasil pelo Decreto lei n. 27, de 25.09.1992), os países signatários devem assegurar que toda pessoa presa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias, dentro de um prazo razoável, por um juiz ou um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei.
A Emenda Constitucional n. 45, de 31.12.2004, introduziu, de forma expressa, na Constituição Federal, o referido princípio. Art. 5o, inciso LXXVIII, da CF:
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, à segurança e a propriedade, nos termos seguintes: LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Para que o mutirão carcerário surta o efeito esperado, é necessário que o pedido, feito pelo defensor público, após análise do caso, pelo grupo coordenado pelo juiz da execução penal, o parecer por parte do MP e até a certidão carcerária, dada pela direção da unidade prisional, sejam ofertados de forma oral, no momento do atendimento, para que o juiz possa decidir, também na mesma oportunidade e de forma oral, colocando-se, um resumo, em um termo de audiência, a ser juntado na guia de recolhimento dos reeducandos. Um desdobramento do princípio da celeridade processual.
Adotando o princípio da oralidade, sem dúvida, teremos a celeridade esperada de um mutirão carcerário.
Praticamente todo o Brasil, faltando poucos Estados, a execução penal tem a tramitação no SEEU – Sistema Eletrônico de Execução Unificada, criado pelo CNJ – Conselho Nacional de Justiça, que é uma execução penal toda informatizada e que requer alimentação própria para que o atestado de pena a cumprir seja expedido de forma correta. Foi um grande avanço na execução penal, que saiu de um sistema antigo, arcaico, que não atendia as necessidades da execução penal, inclusive com algumas comarcas com guias físicas e passamos para a informatização, mas temos muitas dificuldades, ainda, na ausência de servidores capacitados para alimentação do sistema.
E o mutirão carcerário supre essa deficiência, tendo em vista que a análise da situação carcerária é feita na hora do atendimento, expedindo-se o atestado de pena a cumprir, ficando o reeducando ciente da sua situação carcerária, como data do benefício e o que pode fazer para abreviar o tempo de pena no cárcere.
Muito aqui falamos dos direitos fundamentais, em especial o direito à dignidade da pessoa humana, e quando estamos frente a frente com o recluso, ouvindo a sua história, é preciso que tenhamos em mente que se trata de um ser humano, um semelhante nosso, em necessidade e sentimentos, e o que vai diferenciar é a sua história de vida. E é nesse momento que nos colocamos no lugar do outro para que lhe seja assegurado todos os direitos inerentes à pessoa humana. E isso não é favor, é dever nosso, como Estado, assegurar dignidade a todas as pessoas presas, privadas de liberdade.
Atualmente estamos vivendo dias em que o Juiz de Direito, notadamente o da Execução Penal, não pode ficar inerte e se resumir a visita às unidades prisionais uma vez por mês e decidir nas guias. Os tempos mudaram e hoje o juiz da execução penal deve ficar atento às necessidades por que passa uma unidade prisional, pois reflete diretamente na forma do cumprimento da pena.
É preciso ter empatia na hora do atendimento. Não podemos deixar de nos colocarmos no lugar do outro, como dito acima, para reconhecermos que ali tem um ser humano que errou, está pagando pelos seus erros e merece, como todos, uma oportunidade para sair do cárcere melhor do que entrou.
Com a escuta de um recluso é possível se fazer uma reflexão do que o levou ao cárcere, orientá-lo para um cumprimento regular da pena, trabalhando, estudando, participando de projetos de leitura e apresentar bom comportamento. Essencial para que tenha um cumprimento regular da pena. E muitas vezes, o que vemos e ouvimos, é muito diferente do que encontramos nas páginas de uma guia de recolhimento.
E apenas a título ilustrativo, relato um fato que ocorreu em um dos mutirões carcerários que trabalhei. Atendendo em uma unidade prisional reeducandos do regime semiaberto e aberto, atendi um recluso por nome de Simão Pedro (nome fictício). Era um professor de matemática.
Dava aulas durante a semana e se recolhia nos finais de semana. E analisando a sua guia, um rapaz jovem, condenado por um crime de estupro, chamou a atenção, e procuramos saber o que o levou a prática de tão horrendo crime. No seu atendimento, apresentou documentos da Universidade de Brasília – UNB – tinha sido aprovado para um mestrado e já tinha solicitado autorização ao juízo das execuções penais para cursar o mestrado e foi indeferido.
A sua esperança estava no mutirão carcerário, pois tratava-se de um trabalho extraordinário com uma equipe de fora e ele queria renovar o seu pedido, justificar, de forma presencial, o que foi oportunizado. Todos ficamos atentos ao relato do jovem reeducando, ouvimos do mesmo de que o estupro de que estava cumprindo pena, tinha sido um namoro de carnaval, com uma jovem vizinha, de 16 anos, com quem se recusara a casar e houve a acusação de estupro e em consequência, a condenação.
Dois mundos distintos. Um professor de matemática, aprovado em um mestrado pela Universidade de Brasília, cumprindo pena por crime hediondo. Só um mutirão carcerário para resolver a situação. Se você analisar pelas folhas frias de uma guia de recolhimento, sem ouvir, ver e sentir a situação, provavelmente o caminho será o indeferimento, como ocorreu no caso, mas quando você está frente a frente, e se coloca no lugar do outro, escutar o outro lado, verifica o cumprimento regular da pena até então, é possível a concessão do benefício, o que foi feito com o aval do Ministério Público, permitindo-se cursar o mestrado, fixando-se algumas medidas para que fossem cumpridas.
E logo no dia seguinte, em contato com o Juiz Titular, foi informado da decisão, esclarecendo que não era papel do mutirão modificar decisões, mas a situação que se apresentou foi muito peculiar. E ouvimos do colega uma declaração que veio firmar o nosso entendimento: “eu analisei o pedido pelas páginas frias de uma guia, e você estava lá, atendendo o recluso. Fez muito bem.”
Passados alguns anos, em uma viagem para mais um mutirão, pelo interior do Estado da Paraíba, encontramos o reeducando, que fez questão de falar, afirmando que tinha concluído o mestrado, estava em livramento condicional e cursando um doutorado. Esse é apenas um dos exemplos do que um mutirão carcerário pode fazer.
2. A LOGÍSTICA DE UM MUTIRÃO CARCERÁRIO:
Para que um mutirão carcerário surta os efeitos necessários, é preciso que todos os detentos de uma unidade prisional sejam ouvidos. A prática de se atender por ordem alfabética tem surtido efeito, pois todos, de A a Z, serão ouvidos, quer seja provisório ou definitivo. E não pode ser feita de forma esporádica, mas sim de forma periódica, estabelecendo-se um calendário mensal para realização, sempre que possível.
O sistema carcerário brasileiro enfrenta diversos problemas, mas o maior é sem dúvida a superlotação carcerária, gerado, entre outros, pela demora na análise das guias e processos, por fatores diversos. E o mutirão carcerário, diante desse cenário, surge como uma alternativa válida para minorar a situação carcerária e garantir o reconhecimento dos direitos fundamentais dos reclusos. O ideal, claro, seria não precisar, mas se podemos nos valer dessa ferramenta, é preciso usá-la.
O mutirão carcerário, realizado na unidade prisional ou por videoconferência, mobiliza diversos agentes/setores, envolvidos no sistema carcerário de uma forma ampla, como juízes, ministério público, defensores públicos e servidores, com o intuito de examinar guias de recolhimento, processos de réus presos (provisórios) e identificar possíveis casos de excesso de prisão provisória, reeducando com direitos vencidos, na execução penal, a exemplo de progressão de regime e livramento condicional.
Atualmente, com os decretos de indulto, também se faz necessário analisar os casos que são cabíveis. Nesses casos se imprime celeridade e em consequência, a humanização do sistema carcerário, contribuindo para a ressocialização.
Vários são os aspectos positivos para as unidades prisionais, quando da realização de um mutirão carcerário. E o principal é tirar a tensão existente nas unidades prisionais.
A partir da realização de um mutirão carcerário, é comum a direção da unidade prisional informar que a unidade está tranquila, os reclusos estão aguardando atendimento, na expectativa de ser ouvido por um Juiz, um Promotor de Justiça e um defensor público, onde poderão falar e cientificados das suas situações carcerárias, recebendo o atestado de pena a cumprir, que é uma obrigação da execução penal. E caso já faça jus, poderá receber o benefício na hora e ter a liberdade concedida.
Pode-se até perguntar para que a realização de um mutirão carcerário, se existe defensoria pública para atender os reeducandos nas unidades prisionais. Realmente, em todos os presídios brasileiros existem defensores públicos, mas nunca em número suficiente para atender a demanda.
E a realização de um mutirão carcerário com a presença de um defensor público, que deverá fazer os pedidos no próprio mutirão, em muito ajuda a própria Defensoria Pública que tem uma sobrecarga de trabalho nas unidades prisionais espalhadas pelo País. Não podemos perder de vista que a realização de um mutirão carcerário gera vários impactos positivos para o Estado, com um todo. Destacando mais alguns:
3. OS IMPACTOS DO MUTIRÃO CARCERÁRIO
Quanto custa um recluso para o Estado? A resposta é bem variada, a depender do Estado. Em um estudo feito pelo CNJ – Conselho Nacional de Justiça, no ano de 2021, em parceria com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), varia de R$955,00 (novecentos e cinquenta e cinco reais) a R$4.200,00 (quatro mil e duzentos reais).
E a realização de mutirão carcerário trará impactos econômicos positivos, tendo em vista que com a realização, é fato, diante da superlotação carcerária, que muitos reclusos terão direito a benefícios por parte da execução penal, e assim, os gastos dentro da unidade tende a diminuir, que necessário se faz registrar que não se gasta só com o preso, mas também com a infraestrutura e a manutenção das unidades, gerando uma economia significativa para o Poder Público.
Como mencionado anteriormente, a realização do mutirão carcerário, com o atendimento presencial do recluso, é possível, a partir da fala, identificar reeducandos que possam estudar, participar de grupos de leitura, cursos de formação, inclusive estudar e estimular para o estudo e futuramente cursar uma faculdade com curso à distância, na própria unidade prisional, contribuindo para a redução da reincidência criminal e para a reintegração dos reeducandos à sociedade de forma mais efetiva. Inclusive é comum em mutirões carcerários o estímulo a participar de atividades nas unidades prisionais para fins também, de remição de pena.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É visível o empenho do CNJ – Conselho Nacional de Justiça em tentar solucionar ou amenizar, no momento, a situação pelo qual passa o sistema carcerário brasileiro, com uma população carcerária que passa dos 600 mil presos recolhidos em Penitenciárias e cadeias em todo o Brasil (6 – SENAPPEN – Secretaria Nacional de Políticas Penais – site oficial).
No próximo mês de novembro, o CNJ – Conselho Nacional de Justiça já instituiu a realização, em todo o Brasil, do Mutirão Processual Penal, através da Portaria n. 278/2024 a se realizar no período de 01 a 30.11.2024. E o mutirão será realizado de forma virtual, sem necessidade que os juízes se desloquem pelos Estados, a partir de uma integração entre o SEEU e o BNMP 3.0, que é Banco Nacional dos Mandados de Prisão, com uso de ferramentas tecnológicas.
O mutirão terá como foco o indulto de 2023, Decreto n. 11.846, de 22.12.2023, observando-se os crimes sem violência ou grave ameaça ou penas de multa; revisão das prisões preventivas com duração maior que um ano e uma revisão geral no âmbito da execução penal, observando-se penas prescritas, incidentes vencidos de progressão de regime ou livramento condicional.
Será bastante amplo e apesar de não constar na Portaria, pode também ser avaliado a possibilidade de aplicação do indulto de 2022, que foi bastante amplo, Decreto n. 11.302, de 22.12.2022, apesar de criticado por ter concedido o indulto com base nas penas em abstrato e não nas penas em concreto, como era de costume, mas que se encontra em vigor, e nada impede que seja analisado também.
Cada juiz de direito, quer seja do processo ou da execução penal, deverá fazer o seu mutirão, analisando os casos no prazo de 30 dias, o que será de muita valia para minimizar a situação carcerária no Brasil.
E é visível, com a preocupação que o CNJ vem tendo em relação ao sistema prisional, a partir da constatação da superlotação, rebeliões com muitas mortes dentro das unidades, muitas ações foram implementadas e hoje temos um grande avanço no reconhecimento dos direitos dos reclusos. Ainda não é o ideal, mas já melhorou muito.
O tema mutirão carcerário e mutirão processual penal, é um tema extenso, e o estudo compreendeu os aspectos e benéficos da realização em uma unidade prisional ou de forma virtual. Não é fácil, pois nada se faz só, mas com uma equipe motivada, muito se pode fazer pelo sistema carcerário brasileiro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL – Reale, Miguel, Filosofia do Direito, 11, Editora Saraiva – São Paulo, 1986, p. 60)
BRASIL – Constituição Federal Brasileira – Vade Mecum, Editora Saraiva, 28a. Edição, 2024
LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Execução Penal, Volume único, Editora Jus PODIVM, 2024, pág. 39.
MORAES – Alexandre – Constituição do Brasil Interpretada e Legislação constitucional – 5a. Edição, Editorial Atlas, São Paulo.
BRASIL – SENASPPEN – site oficial.
1Juíza de Direito da 1ª Vara de Santa Rita/PB, Coordenadora dos Mutirões Carcerários – GMF/PB e pós-graduada pela Faculdade Legale em Direito Público.
2Mestre em Gestão em Organização Aprendentes pela Universidade Federal da Paraíba