O COMPORTAMENTO DO ELEITOR RURAL DOS ESTADOS UNIDOS NO CONTEXTO DAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2016 E 2020 A PARTIR DA RELAÇÃO COM OS PRINCÍPIOS FUNDACIONAIS AMERICANOS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102411011544


Renato Novaes dos Santos


RESUMO

Os Estados Unidos são conhecidos por suas pesquisas eleitorais minuciosas e descobertas de tendências dos mais diferentes segmentos sociais. De modo a contribuir com esses estudos, o presente artigo averiguou, em específico, o comportamento do eleitor de comunidades consideradas rurais no contexto das eleições de 2016 e 2020 do referido país. Para tal, mostrou-se necessária a compreensão da origem e formação do povo dos Estados Unidos, tendo em vista os princípios fundacionais e os Pais Fundadores; a constatação das opiniões mais recentes do americano rural acerca dos mais diversos temas; além da verificação do fluxo de informações entre esse americano e os partidos mais populares. O artigo é fundamentado por fontes que permeiam o estudo da política e história do país, seja na bibliografia clássica, seja na bibliografia mais recente. Livros, relatórios de institutos de pesquisa, plataformas de partidos, assim como outros artigos, ajudaram a alcançar o resultado. Em suma, este estudo demonstrou que o eleitor rural se mantém conservador, e está cada vez mais conectado ao Partido Republicano. Tendo em vista seu maior engajamento político após o advento do trumpismo, movimento de caráter nacional-populista, o americano rural pôde, pode, e poderá realizar um papel mais influente do que desempenhava no início do século.

Palavras-chave: Eleitor Rural. Política Americana. Partido Republicano. Partido Democrata. Pais Fundadores.

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, a política americana passou por mutações. Em diferentes aspectos, o eleitor americano, além de polarizado, intensificou sua estratificação política. Junto com o desenvolvimento de novas categorias de análise eleitoral, os institutos de pesquisa ampliaram e aprofundaram seus estudos, fazendo possível o melhor exame e constatação de certas tendências. Um grande exemplo da capacitação de novos estudos pode ser encontrado no eleitor quanto ao grau de urbanização, no caso, mais especificamente, o que se chamou de eleitor rural.

Este artigo busca compreender esse tipo de eleitor e seu comportamento no entorno das eleições americanas de 2016 e 2020. Para tal, é necessária, primeiramente, uma contextualização histórica, para descobrir os motivos e origens de seu comportamento. Em seguida, a partir de dados concretos, as crenças e percepções de tal eleitor, para sua completa conceituação. Após, as estratégias e visões de mundo dos partidos, a partir de uma comparação com as crenças do americano rural. Por fim, um estudo dos princípios fundacionais americanos, seja entre os Pais Fundadores, seja na análise da cultura sócio- política do povo americano.

A divisão do artigo foi realizada da seguinte forma: (1) contexto histórico, isto é, as origens dos povos que fundaram os Estados Unidos da América; (2) o eleitor rural na última década, e suas perspectivas; (3) os programas do Partido Republicano e do Partido Democrata, em vista do eleitor rural; e (4) a compreensão dos princípios fundacionais do país, no que se refere ao objeto de estudo.

1  ESTADOS UNIDOS: ORIGEM E COLONIZAÇÃO INICIAL

“Nós, o Povo dos Estados Unidos, com o fim de formar uma União mais perfeita, estabelecer a justiça, assegurar a tranquilidade nacional, prover a defesa comum, promover o bem-estar geral e garantir para nós e para nossa posteridade as bênçãos da liberdade, fazemos, promulgamos e  estabelecemos  esta constituição para os Estados Unidos da América”1.

Pode-se dizer que nessa longa frase, que consiste no preâmbulo da Constituição dos Estados Unidos, foi dado o primeiro passo para o estabelecimento do país. Dentre a lista de intenções explicitadas encontra-se a garantia das “bênçãos da liberdade”. Essa expressão nos convida a nos remetermos aos primeiros anos da chamada Era das Navegações, para descobrirmos sua origem.

A novidade do descobrimento da América, em 1492, foi sem precedentes. Em uma época de transição de uma compreensão medieval de mundo para um entendimento cada vez mais antropocêntrico, novas terras, antes intocadas pela civilização, surgiram para alimentar o imaginário de um excepcionalismo moderno e renascentista.

Tamanha oportunidade atiçava nos europeus o espírito idealista e experimental da época. O contexto expansionista das navegações satisfazia um pioneirismo quase revolucionário presente naqueles que buscavam uma certa independência das amarras do passado e estabelecimento de novos paradigmas. Tudo isso pode ser resumido em um termo mais vago, entretanto, abrangente: liberdade.

Enquanto isso, na ilha da Grã-Bretanha, a partir do século XVI, o protestantismo – mais especificamente, a Igreja Anglicana – foi tomando o lugar do catolicismo. No entanto, outras vertentes protestantes também encontraram entre os ingleses novos fiéis. Conflitos eram inevitáveis.

No subcontinente norte-americano havia colônias sob domínio inglês. Em 1585, foi estabelecida a Colônia da Virgínia, primeira colônia inglesa na América. Entretanto, outra colônia também assumiria um papel predominante na história daquele país que viria a se tornar os Estados Unidos da América: a Colônia de Plymouth, fundada em 1620 por puritanos.

Tais puritanos, que desembarcaram na costa do atual Massachusetts no notável navio Mayflower, eram chamados de separatistas. Entretanto, ao contrário do que poderia se imaginar, o separatismo, aqui, não possui necessariamente um caráter político. Esses puritanos, em específico, eram chamados de separatistas por defenderem uma ruptura com a Igreja Anglicana, estabelecendo suas próprias congregações.


1 Preâmbulo da Constituição dos Estados Unidos da América, encontrado em “Da Democracia Na América” de Alexis de Tocqueville, p.197; tradução de Pablo Costa e Hugo Medeiros.

Contudo, curiosamente, tal ruptura ultrapassou o caráter congregacional, alcançando um caráter geográfico. Assim, a ida de puritanos para a América mostrou-se uma decisão de distanciamento com a metrópole. Havia um oceano que os separavam.

Além dessa característica autônoma – para não dizer independentista – da fundação desse modelo de povoamento dos imigrantes puritanos, é de salientar seu aspecto eminentemente idealista. Alexis de Tocqueville destaca que:

Não era a necessidade que os forçava a abandonar seu país; (…) tampouco se mudavam para o Novo Mundo a fim de (…) aumentar suas riquezas; renunciavam às doçuras da pátria para obedecer a uma necessidade puramente intelectual; e (…) queriam fazer triunfar uma ideia. (Tocqueville, 2019, p. 45)

A partir de 1629, iniciou-se o que foi cunhado como a “Grande Migração” de puritanos em direção ao nordeste dos Estados Unidos. Alimentado por um imaginário cristão – mais precisamente pelo Livro do Êxodo e pelo Sermão da Montanha – o povoamento foi inspirado na busca de uma “terra prometida”, uma “nova Jerusalém” (Grant, 2014, p. 82); uma “nova Inglaterra” (Grant, 2014, p. 72/73), como a região é chamada até os dias de hoje; por consequência, uma Inglaterra como deveria ser: um lugar comandado pelas bênçãos da liberdade.

Assim, quando se trata da região da Nova Inglaterra, chega-se à conclusão, a partir do contexto histórico, político e religioso, que seu povoamento possuiu caráter cristão, autônomo, comunitarista, e excepcionalista2, onde seu povo, alicerçado pela fé, seria livre e exemplo para outras comunidades.

Entretanto, não seria prudente terminar a contextualização do povoamento dos Estados Unidos sem considerar, ao menos brevemente, a posterior ida ao oeste do subcontinente norte-americano como um processo de interiorização, isto é, um aprofundamento nas entranhas do Novo Mundo e desejo de ainda mais autonomia.


2 John Winthrop, importante líder puritano, pregou a bordo do Novo Mundo: “(…) pois temos de considerar que seremos como uma cidade na colina. Os olhos de todos os povos estarão sobre nós, de modo que, se lidarmos falsamente com nosso Deus (…), seremos falados e apontados em todo o mundo”. (Winthrop apud Grant, 2014, p. 76/77/78)

A consolidação das comunidades nas Treze Colônias domesticou a então selvagem América. Entretanto, um certo espírito desbravador e independente parecia inerente ao povo americano. A constante migração de novos aventureiros para o oeste desempenhou um papel análogo às navegações. Se antes atravessava-se o mar, agora atravessa-se a terra.

Compreende-se que esse papel análogo iniciou-se com uma persistente atomização da sociedade puritana. Tal sociedade, agora, apresentava um fenômeno curioso: o estabelecimento de novas pequenas comunidades rurais a partir dos valores e interesses pessoais de seus fundadores. Isso se dava devido ao constante aumento de propriedades privadas em detrimento de terras comunitárias. Era a prevalência do individualismo perante ao já estabelecido ideal religioso.

De fato, o idealismo inicial manteve-se, mas de acordo com a tendência iluminista, liberal e moderna: a comunidade, agora, era concebida a partir de interesses individuais; uma consequência das ações e vontades do indivíduo. Um conceito mais complexo de liberdade. Afinal, assim como o homem e sua vontade tornavam-se o centro da vida social e política – conceito profundamente iluminista – o direito à liberdade também era exercido pela livre interpretação bíblica e associação religiosa – motor do protestantismo.

Portanto, deve-se compreender o ideal americano nos seus aspectos religioso e individualista. Assim, o imaginário religioso mostrava uma próspera América de oportunidades que satisfaria a liberdade religiosa dos puritanos, em um grau que era inimaginável na Inglaterra. O imaginário individualista mostrava uma América como terra de prosperidade e oportunidades, também no sentido material.

Chega-se à conclusão que o referido país foi construído como uma nação rural, autônoma e religiosa que defendia seus valores e modo de vida com um idealismo apaixonado, apesar dos pesares.

Entretanto, há aqueles que, em certa medida, uns mais, outros menos, sobrevivem, na própria forma, tentando laboriosamente adaptar seus modos de vida às constantes mudanças. Pode-se dizer que eles possuem uma compreensão do American Way of Life mais próxima de um contexto dos primeiros assentamentos. Esse americano, menos urbano e cada vez mais minoritário (Pew Research Center, 2018, p. 4, p. 16), é o objeto de estudo do próximo tópico.

2  OS ÚLTIMOS ANOS: O QUE PENSA O AMERICANO RURAL?

QUEM É O AMERICANO RURAL?

O século XXI é um século extremamente multifacetado. As pessoas são diferentes e vivem de formas distintas. Tamanhas diferenças dificultam a coesão nacional. Afinal, como definir quais grupos e valores objetivamente possuem legitimidade para estabelecer as políticas e posicionamentos de uma nação?

A política se torna o campo de batalha para implementação das mais diversas teorias. A preferência por determinado conjunto de valores é estabelecida por infinitas variáveis. Dentre elas, uma pode assumir um papel de destaque: o ambiente.

Nesse sentido, o campo e a cidade sempre representaram polos antagônicos. Nota-se a relevância dessa compreensão, por exemplo, no estudo do declínio do feudalismo, além das revoluções industriais. Assim, o êxodo rural e urbanização mostram-se máximas da modernidade e contemporaneidade.

No caso específico dos Estados Unidos, concebido com um intenso sentimento de ocupação de terras, os cidadãos rurais eram, inclusive, “os cidadãos mais valiosos” (Jefferson, 1785), como compreendido por um dos Pais Fundadores do país, Thomas Jefferson (Anexo C, C1). Uma concepção apaixonada pela vida no campo era sintoma do imaginário bíblico dos primeiros colonizadores e da sede de conquista das terras virgens e selvagens da América, citada anteriormente.

No entanto, inevitavelmente, os Estados Unidos se puseram a par das tendências demográficas, e apresentaram, ao longo dos séculos, um grande crescimento urbano e populacional.

A história recente não se opõe a essa realidade. Estatísticos, cientistas sociais e cientistas políticos já investigaram o assunto. De acordo com um estudo do Pew Research Center, conceituado instituto de pesquisas dos Estados Unidos, condados rurais estão proporcionalmente menos populosos hoje – em comparação com condados urbanos e suburbanos – do que na virada do século XX para o século XXI (Pew Research Center, 2018, p. 16).

Além disso, os pesquisadores do Pew Research Center constataram diferenças consideráveis entre os habitantes rural e urbano. É admissível dizer que tal distinção é uma constante nesse relatório, justificando o estudo realizado. Exemplos de dados que comprovam a distância entre cidadãos urbanos, suburbanos e rurais são descobertos a partir de uma variável onde os três tipos de comunidade, ironicamente, concordam na discordância: valores.

Urbanos e suburbanos acreditam que as pessoas que vivem em outros tipos de comunidade não compartilham de seus mesmos valores. Essa tendência é repetida entre rurais. Aliás, o estranhamento neste tipo de comunidade é ainda maior. Rurais se veem ainda mais distintos dos urbanos (58%) do que urbanos se veem distintos dos rurais (53%) (Pew Research Center, 2018, p. 10). Rurais se veem ainda mais incompreendidos por outros tipos de comunidade (70%) do que urbanos (65%) e suburbanos (52%) (Pew Research Center, 2018, p. 42).

Portanto, por mais que os três diferentes tipos de comunidade concordem na distinção entre si, tal entendimento é ainda maior entre cidadãos rurais. Isso pode ser justificado pela maior identificação comunitária, também corroborada pelos mesmos dados: rurais (73%) e suburbanos (72%) são os que mais se identificam com os valores de pessoas do mesmo tipo de comunidade, enquanto os urbanos (65%) são os mais distintos entre si (Pew Research Center, 2018, p. 39). Além disso, rurais tendem a conhecer mais a maioria de seus vizinhos (40%) (Pew Research Center, 2018, p. 15) e viver na mesma comunidade por mais de uma década (63%) (Pew Research Center, 2018, p. 54), o que pode contribuir para uma convergência comunitária, presente na sociedade americana desde os primeiros assentamentos.

Mas quais são os valores predominantes nessas comunidades? Em uma parte da pesquisa que buscou categorizar, entre os apoiadores dos dois maiores partidos políticos do país quanto ao tipo de comunidade, constatou-se uma informação interessante.

Ao serem perguntados se a sociedade estaria suficientemente bem, caso as pessoas priorizassem casamento e filhos, naturalmente, os apoiadores do Partido Republicano, mais conservadores, responderam que sim, em maioria (Pew Research Center, 2018, p. 33). Entretanto, o dado que merece ser notado é quanto às respostas dos eleitores do Partido Democrata, também divididos entre rural, suburbano e urbano. Os eleitores democratas rurais são mais propensos em concordar com tal declaração (33%) do que os eleitores democratas urbanos (25%) (Pew Research Center, 2018, p. 33), indicando um certo grau de tendência conservadora entre eleitores rurais, de forma geral.

É visto, também, um certo distanciamento de pautas progressistas no interior. Não-brancos foram questionados se pessoas brancas se beneficiam de vantagens sociais que os negros não possuem. Curiosamente, apesar da profunda e histórica tensão racial no país, e da maioria nos três tipos de comunidades ainda responderem que sim, não-brancos rurais são mais propensos a dizer que não (30%), se comparados com os não-brancos urbanos (18%) (Pew Research Center, 2018, p. 35). Outros dados que podem corroborar com a alegação de tendência conservadora, por parte dos eleitores rurais, são uma maior oposição ao aborto – 52% pela proibição, contra 36% dos urbanos (Pew Research Center, 2018, p. 30) – e uma rejeição ao casamento entre pessoas do mesmo sexo – 52% entre rurais a 35% entre urbanos (Pew Research Center, 2018, p. 30).

Vemos, ainda quanto aos valores morais, ou de costumes, uma divergência entre habitantes rurais e urbanos. Zonas rurais são mais conservadoras e, quando descobre-se que a maioria dos habitantes rurais não deseja se mudar para zonas urbanas (Pew Research Center, 2018, p. 14), compreende-se uma profunda lealdade a esse tipo de comunidade e estilo de vida, e uma tendência a preservar tradições que tendem a ter origens nas fundações das próprias comunidades.

No entanto, entre as raras convergências entre rurais, urbanos e suburbanos, uma última, importante, é de ser analisada com cuidado. De fato, nota-se, em muitas respostas dos cidadãos rurais, um implícito desapontamento, frustração ou, até mesmo, insatisfação. Como se não bastasse o estranhamento moral entre as zonais rural e o urbana, o descontentamento também é de caráter político. Isso é, de certa forma, comprovado por opiniões, inclusive, compreendidas pela américa urbana e suburbana. Aqui reside a convergência: surpreendentemente, a maioria (57%) dos americanos urbanos acreditam que as áreas rurais recebem menos investimentos federais do que seria justo (Pew

Research Center, 2018, p. 44). O valor, não surpreendentemente, sobe para 71%, quando a mesma questão é apresentada a cidadãos de comunidades rurais. Portanto, esse dado reflete um profundo desapontamento dos habitantes rurais com a ação governamental federal, centralizada na extremamente urbanizada capital Washington, D.C, e indica um comportamento eleitoral do americano rural.

O ELEITOR RURAL E A ASCENSÃO DE DONALD TRUMP

Quando se trata do comportamento eleitoral e político do americano rural, o viés conservador é comprovado. Como exposto anteriormente, a insatisfação com o núcleo do poder – aqui fazendo referência tanto à capital nacional quanto aos centros urbanos – é ampla. Além do distanciamento da compreensão de valores entre as comunidades rurais e urbanas, a sensação de abandono das comunidades rurais alcançou o status de oposição política.

A cidade de Washington, capital nacional, símbolo da União e sede do poder central, se tornou um alvo de críticas por parte dos habitantes do interior do país. Essa tensão teve consequências políticas. Em 2016, Hillary Clinton, candidata do Partido Democrata, venceu na capital com mais de 90% dos votos (The New York Times, 2016), não diferente de 2020, quando Joe Biden, candidato do mesmo partido, venceu com mais de 92% nas urnas do Distrito de Columbia.

É de impressionar a quase unanimidade de uma metrópole como Washington. Esse forte apoio ao Partido Democrata é notado quanto maior a população e grau de urbanização. De acordo com o relatório do Pew, apenas 31% (Pew Research Center, 2018, p. 5) dos eleitores registrados de condados urbanos apoiam o Partido Republicano. Esse número sobe para 54% em condados rurais.

Quando nota-se que a distinção entre os tipos de comunidade é refletida nos partidos, percebe-se um forte cenário para aumento de hostilidades e radicalismo; quando trata-se de comunidades rurais, nota-se, além de um estranhamento com os valores urbanos, uma insatisfação. Conservadores e nacionalistas, os rurais, ao longo dos últimos anos, aumentaram seu apoio ao Partido Republicano. Em 1998, 45% dos eleitores rurais registrados se identificavam como democratas, contra 44% republicano. Em 2017, já era uma outra realidade: 54% dos eleitores rurais registrados eram republicanos, contra 38% democrata (Pew Research Center, 2018, p. 29).

Às portas da eleição presidencial de 2016, o voto rural, que já havia se consolidado como republicano no percorrer do primeiro governo Obama, se tornou ainda mais próximo ao partido de direita. Essa específica eleição foi vencida por um empresário recém inserido na política partidária: o candidato republicano Donald Trump.

As comunidades rurais apresentaram, de acordo com o relatório do Pew, um maior apoio ao candidato de direita: 30% lhe viam de forma bastante positiva, contra apenas 13% em comunidades urbanas (Pew Research Center, 2018, p. 30).

De retórica populista, enérgica e competitiva, Trump representou um novo paradigma na política americana. Alvo de apaixonados elogios e críticas, o presidente causou nos americanos veneração e ira. As tensões aumentaram e os Estados Unidos entraram em uma nova era política. Donald Trump deu um passo além, e sua retórica motivou a militância de uma nova direita, frustrada com a moderação da velha estratégia republicana.

As fortes emoções possuem uma grande capacidade de engajamento. Em seus apoiadores, ele transformou a insatisfação ao Deep State3 em revolta. Em seus opositores, a convicção de que a democracia estava em risco e os valores progressistas – urbanos – ameaçados pelo obscurantismo. No Partido Republicano, a insatisfação político-econômica rural tornou-se agitação, enquanto no Partido Democrata os valores progressistas urbanos passaram a ser defendidos ainda mais ativamente. Inegavelmente, a distância entre urbanos e rurais foi aumentando, e as eleições de 2016 e 2020 mostraram isso.


3 Termo popularizado por Donald Trump que, numa tradução literal, significa “Estado Profundo”. Entretanto, pode ser melhor traduzido como “Estado Paralelo”. No contexto americano, tomou forma de denúncia entre trumpistas ao alegarem que uma burocracia impessoal raptava o Estado e a democracia americana.

3  AS ELEIÇÕES DE 2016 E 2020

PLATAFORMAS DOS PARTIDOS CITADOS: BREVE ANÁLISE

Constatou-se que o eleitor rural é mais conservador e o eleitor urbano é mais progressista. Constatou-se, também, que o eleitor rural é mais simpático ao Partido Republicano e ao presidente Donald Trump, enquanto o eleitor urbano é apoiador do Partido Democrata. Dito isso, é importante elucidar o grau de correlação entre os dados. O que propõem os partidos é o que cada tipo de comunidade, rural, urbana e suburbana, concorda e procura?

Para melhor averiguação, o exame dos programas partidários, mais precisamente nos anos eleitorais de 2016 e 2020, no que tange aos tópicos já apresentados, é necessário. O objetivo da averiguação é identificar padrões. Isto posto, e para a ordenação da análise, é necessário destacar, primeiramente, o que indiretamente afeta o eleitor rural – como seus valores morais – e, em seguida, o que diretamente afeta o eleitor rural – as intenções dos respectivos partidos no que concerne à realidade rural e derivados.

Entre os temas morais, o relatório do Pew Research Center descobriu que o eleitor rural tende a desaprovar o aborto e casamento entre pessoas do mesmo sexo, enquanto apoia a família tradicional. No entanto, o que pensam os partidos sobre os respectivos temas? Estão de acordo com os valores das comunidades rurais?

O Partido Democrata, do ex-presidente Barack Obama (2009-2017), demonstra em seus programas partidários de 2016 e 2020 que é um vocal defensor dos direitos LGBT (2016 Democratic Party Platform) (Anexo B – B1) e do aborto legal (2020 Democratic Party Platform) (Anexo B – B2) (2016 Democratic Party Platform) (Anexo B – B3), enquanto o Partido Republicano sequer cita o termo LGBT em seu programa, além de rejeitar a expansão do aborto legal.

Enquanto os republicanos defendem uma compreensão tradicional de casamento (2016 Republican Party Platform) (Anexo A – A1), os democratas apoiam o casamento LGBT (2016 Democratic Party Platform), ao entenderem que “pessoas LGBT têm o direito a casar-se com as pessoas que amam” (Anexo B – B4).

Quanto ao aborto, no programa de 20164 do Partido Republicano encontra-se uma forte oposição a tal prática, seja como política pública, seja como limite moral (2016 Republican Party Platform) (Anexo A – A2). De fato, o GOP5 é dono de uma postura taxativa contra o aborto, a ponto de chamá-lo pelo termo “infanticídio” (2016 Republican Party Platform) (Anexo A – A3).

A causa para posição tão incisiva nesses temas situa-se numa concepção cristã-conservadora em temas sensíveis, tais como família, casamento e fé.

Assim, quando comparados os programas de ambos os partidos, constatam-se modelos distintos do termo “família”, com o Partido Republicano tratando a questão ardorosa e apaixonadamente. Na visão do partido, percebe- se uma compreensão de família como fundação da sociedade civil, além de dependente de Deus para promover a causa da liberdade (2016 Republican Party Platform) (Anexo A – A4). Não coincidentemente, fé e casamento, na retórica republicana, caminham de mãos dadas com o conceito de família, indicando um grau profundamente conservador. Isso pode ser visto na tradicional definição de casamento entre homem e mulher (2016 Republican Party Platform) (Anexo A – A5) e na defesa idealista de uma sociedade familialista, isto é, baseada na família tradicional e em sua independência do Estado – valores que remontam a um ceticismo quanto à ação do poder público e à crença em um autogoverno comunitário presente no já citado idealismo americano dos primeiros assentamentos. Para os republicanos, tudo isso é produto da prosperidade americana (2016 Republican Party Platform) (Anexo A– A6), que estaria precisando ser restaurada.

Entretanto, é de se destacar que o Partido Democrata também trata das famílias em seu programa, mas focado, principalmente, em temas econômicos, ao comprometerem-se a desenvolver uma sociedade “onde todos tenham um emprego que pague o suficiente para criar uma família e viver com dignidade e com um sentido de propósito” (2016 Democratic Party Platform) (Anexo B – B5). Assim, as perspectivas acerca do conceito de família apresentam diferentes graus de análise. Enquanto o Partido Democrata muito desenvolve o aspecto econômico das famílias, o Partido Republicano, indo ao encontro da compreensão rural de priorização dessa instituição, se aprofunda na ideia de família americana como um tópico per se. E tal conceito, intensamente conservador, engloba uma compreensão tradicional de casamento e base cristã para a desaprovação do aborto.


4 Não houve programa do Partido Republicano em 2020 (Republican Party Platforms, Resolution Regarding the Republican Party Platform).

5 Acrônimo de “Grand Old Party”, o apelido do Partido Republicano.

Dito isto, após a observação da convergência dos valores das comunidades rurais, em regra, cristãos-conservadores, com os valores tradicionais do Partido Republicano, é necessária a análise de uma característica da retórica do partido. Realmente, seu discurso religioso é combinado com outro elemento: uma forte retórica patriótica. O programa do partido constantemente cita, de forma direta, os Pais Fundadores6 e faz alusões à Constituição dos Estados Unidos e suas emendas – principalmente, as dez primeiras, United States Bill of Rights (2016 Republican Party Platform) (Anexo A – A7). De fato, de acordo com o partido, a fé é parte fundamental do país, exercendo o papel de herança (2016 Republican Party Platform) (Anexo A – A8). Esse entendimento ressalta a necessidade de se considerar a fé cristã – e suas raízes históricas – como base moral para uma melhor compreensão dos Estados Unidos.

Entretanto, não é somente de valores morais que se forma uma preferência eleitoral. A economia e a forma federativa muito valem. E, para fins de compreensão do eleitor rural, é importante considerar o que ambos os partidos compreendem como as necessidades econômicas do americano rural. O Partido Democrata, dentre suas propostas, aposta em aumentar programas de agricultura focados em empréstimo e propriedade (2020 Democratic Party Platform) (Anexo B – B6), em combater a concentração do mercado (2020 Democratic Party Platform) (Anexo B – B7), em aumentar o acesso a crédito (2020 Democratic Party Platform) (Anexo B – B8) e o acesso à internet de alta velocidade (2020 Democratic Party Platform) (Anexo B – B9),entre outros.

E quanto ao Partido Republicano? No programa de 2016, encontra-se a prioridade do investimento em tecnologia, seja no desenvolvimento do alcance de internet de qualidade (2016 Republican Party Platform) (Anexo A – A9), seja6 Tradução para “Founding Fathers”, os homens que participaram na Guerra Revolucionária de Independência ou assinaram a Declaração de Independência dos Estados Unidos. Considerados os fundadores do país em novas práticas de agricultura, também como forma de conservação ambiental (2016 Republican Party Platform) (Anexo A – A10).

Entretanto, os programas partidários não expressam a insatisfação do eleitor rural quanto a essa questão, que se mostra um processo muito mais antigo. Isso será melhor exposto mais adiante. Por agora, é necessária a análise dos resultados das eleições de 2016 e 2020, a partir dos dados anteriores.

RESULTADOS ELEITORAIS

Nesse ponto, melhor se compreende a relação entre o eleitor rural e o Partido Republicano. As compreensões conservadoras desse partido e a identificação dos democratas com o eleitor urbano levaram os Estados Unidos a uma fragmentação quanto ao tipo de comunidade. Se o eleitor urbano vota no Partido Democrata, o eleitor rural vota no Partido Republicano. Para melhor ilustrar tal afirmação, é de ser destacado o declínio dos candidatos presidenciáveis democratas nas zonas rurais, ao longo do século XXI.

Analisemos as eleições de 2008, 2012 e 2016, e o referido declínio é desvendado. Em 2008, Barack Obama, candidato democrata, alcançou 45% dos votos rurais; em 2012, o mesmo candidato havia caído para 39%. Como se já não fosse considerável, Hillary Clinton, a candidata de 2016, recebeu apenas 34% dos votos na eleição (Kurtzleben, 2016).

A tão acentuada queda não apenas teve como causa um aumento do voto em outros partidos menores. O partido republicano se consolidou no voto rural significativamente.

Em 2008, John McCain, tradicional político republicano, alcançou 53% dos votos rurais. Mitt Romney, em 2012, 59%. Donald Trump, na eleição de 2016, a qual se sagrou presidente, atraiu 62% dos eleitores das áreas rurais (Kurtzleben, 2016).

Ao se analisar o voto da eleição de 2016 de forma mais detalhada, descobre-se que a divisão rural-urbana é mais consolidada do que se espera no senso comum. Quando divididos em estamentos populacionais, detecta-se um padrão no comportamento eleitoral americano: quanto mais rural, mais eleitor de Trump; quanto mais urbano, mais eleitor de Clinton. De fato, Trump alcançou 70% dos votos em áreas rurais distantes de regiões metropolitanas (Kurtzleben,2016)7. Percebe-se um espectro que segue um padrão à medida que se diferencia das grandes metrópoles.

Soma-se a isso o fato de, entre os dez estados menos urbanos do Índice de Urbanização do site de pesquisas FiveThirtyEight, apenas dois são mais democratas (Rakich, 2016)8, e mais comprovações da relação do eleitor rural com o Partido Republicano serão atestadas9.

Além da tendência de aumento do apoio das comunidades rurais ao Partido Republicano nas eleições de 2016, tal padrão foi também identificado pelo sociólogo Don E. Albrecht nas eleições de 2020, quando o crescimento de Trump foi ainda maior (Albrecht, 2022) (Anexo C – C2).

Aliás, tal aproximação do eleitor do interior é alegada pelo próprio Partido Republicano em seu programa eleitoral. Em um trecho de especial atenção, os republicanos assumiram uma abordagem curiosa: a forte declaração de que o GOP é “o partido dos plantadores, produtores, agricultores, pecuaristas, silvicultores, mineiros, pescadores comerciais da América” (2016 Republican Party Platform) (Anexo A – A11) e a exaltação dos estados perante a capital Washington (2016 Republican Party Platform) (Anexo A – A12).

Logo, percebe-se a pretendida oposição entre os estados e a União, curiosamente, alimentando a sensação de descaso sentida pelas comunidades rurais, posicionando o partido como o defensor do interior perante à metrópole, e remetendo a um forte debate do período da fundação dos Estados Unidos da América, isto é, o papel da União perante os estados.

A profundidade do discurso republicano com o tópico rural e a naturalidade do partido para versar sobre os temas analisados muito justificam os padrões descobertos. Por mais que seja imerecido argumentar que o Partido Democrata seja inerte na questão rural, percebe-se uma dificuldade especial10.


7 Essas informações são encontradas no Gráfico 1, presente no Apêndice.

8 Essas informações são encontradas na Tabela 1, presente no Apêndice.

9 Curiosamente, a proporção se inverte em relação aos estados mais urbanos: entre os dez estados mais urbanizados, oito são majoritariamente democratas.

10 Não por acaso, e no mesmo momento da redação deste artigo, o Partido Democrata, em sua convenção nacional, confirma como candidato à vice-presidência na eleição presidencial de 2024 o governador de Minnesota Tim Walz, político de origem rural cujo partido acredita que possa conquistar o cidadão comum do interior dos Estados Unidos (Pfannenstiel, Woodward, 2024).

Isso tende a ser consequências de escolhas estratégicas influenciadas por visões de mundo completamente distintas, que distinguem os partidos quanto aos planos e próximos passos para o país.

Em um trecho do programa do Partido Republicano de 2016 chamado “We the People” – clara alusão ao preâmbulo da constituição – o partido de Trump se aprofunda numa relação com os Pais Fundadores. Em sua compreensão, o GOP é “o partido da Declaração de Independência e da Constituição”. Tal compreensão precisa ser estudada.

4  OS PRINCÍPIOS FUNDACIONAIS E SUA UTILIZAÇÃO ATUAL

O contexto da instituição da Constituição americana nos mostra, entre outros debates, a controvérsia acerca da forma de Estado a ser adotada. O recém criado Estados Unidos da América era uma confederação com muito pouco poder concedido à União. Para solucionar esse problema, Alexander Hamilton, James Madison e John Jay escreveram artigos para a defesa de uma Constituição que, entre outros pontos, determinara um maior poder ao governo central. Estabelecia “uma união mais perfeita”, como se questionasse o grau de união dos Estados Unidos.

É interessante a análise de um importante detalhe: ao contrário do que espera-se em debates sobre forma de Estado, a disputa não se dava entre Estado Federal e Estado Unitário, mas entre Confederação e Federação, o que mostra o caráter descentralizado da formação do poder dos Estados Unidos. Essa é a razão para as atuais alegações republicanas e conservadoras, que entendem que os Estados Unidos de hoje não possuem a mesma descentralização intencionada pelos Pais Fundadores.

Nos artigos federalistas, é de ser salientada a preocupação de James Madison em conter os ânimos e a desconfiança quanto ao abuso de poder da União. Para este Pai Fundador, “os poderes que a Constituição delega ao Governo Federal são em pequeno número e limitados, aqueles que ficam aos Estados são numerosos e sem limites” (Hamilton, Madison, Jay, 2003, p. 289). Essa compreensão já explicita o “espírito” da república madisoniana que se tornaram os Estados Unidos da América. Além disso, faz perceber a natural cizânia entre União e estados na política americana. Madison buscou acalmar a suspeita antifederalista de excesso de poder da União, similar ao atual receio do eleitor rural. A presença de tais argumentos provam que, inclusive entre os federalistas, propositores da Constituição, a preocupação quanto aos exageros da União, comum ao eleitor rural, esteve presente.

Foi visto que, para além de temas políticos, o eleitor rural também é crítico dos valores presentes na sociedade urbana. Mais conservador, ele também encontra um terreno comum entre outros Pais Fundadores – mais precisamente, John Adams e George Washington, os dois primeiros presidentes dos Estados Unidos. Mas, para isso, é necessária uma rápida recapitulação.

Como observado no início deste trabalho, a colonização puritana da Nova Inglaterra desempenhou um importante papel na construção do imaginário do país. Em seus primeiríssimos anos na América, o puritanismo poderia ser caracterizado como uma espécie de “teoria política” (Tocqueville, 2019, p. 47), principalmente quando analisada a intenção de se criar um “Estado bíblico” (Kirk, 2003, p. 17) (Anexo C – C3).

Aos poucos, porém, o papel da fé na sociedade americana foi se transformando. Ao deixar de ser um assunto estatal, a ideia de “Estado bíblico” foi dando lugar a um Estado influenciado pela moral do povo. A moral cristã passou a ser norteadora indireta do Estado, ao dirigir os costumes e regular a família (Tocqueville, 2019, p. 364). Logo, essa era a forma do cristianismo influenciar a sociedade americana, apesar da separação entre Estado e Igreja. Inclusive, apesar da influência das mais diversas vertentes religiosas, o povo americano passou a esperar que seus homens públicos fossem cristãos, ou pelo menos defendessem o cristianismo “da boca para fora” (Kirk, 2003, p. 342) (Anexo C – C4).

De toda forma, ao analisarmos os princípios fundacionais, percebemos uma análise em duas frentes: (1) as instituições políticas americanas e (2) a ordem moral americana (Kirk, 2003, p. 17) (Anexo C – C5).

Ademais, Kirk pondera a influência da tão chamada civilização judaico- cristã na moral dos Estados Unidos. Essa influência esteve tão presente que em seus primeiros séculos atuou indiretamente nas instituições políticas.

Entretanto, curiosamente, à medida que a sociedade avançava em seu processo de secularização, a influência da moral cristã – base da ordem moral americana – passava a ser mais fraca do que antes. Esse ponto não se distancia da questão rural, que, ao se opor aos valores modernos e seculares das comunidades urbanas, se aproxima de um ativismo cristão, isto é, de um comportamento mais atuante e partidarizado da moralidade cristã.

Essa conduta busca, ao defender os princípios fundacionais morais, a proteção dos princípios fundacionais políticos, influenciados pela moralidade, como constatado por Tocqueville e Kirk.

Tal compreensão também é encontrada em John Adams e George Washington, os dois primeiros presidentes do país, que, respectivamente, argumentavam que “a Constituição foi feita apenas para um povo moral e religioso” (Adams apud Waite, 2023) (Anexo C – C6) e “de todas as disposições e hábitos que levam à prosperidade política, religião e moralidade são suportes indispensáveis” (Washington apud Waite, 2023) (Anexo C – C7). Essas fortes alegações da necessidade da moral para a prosperidade da nação americana, apesar de sua separação do Estado, permitem a criação de um terreno comum com aqueles que defendem uma ação mais participante da fé, tão caracterizado pelo eleitor da direita conservadora.

No entanto, essa interpretação não é compactuada pelo Partido Democrata, que, por influência de uma visão de mundo mais progressista, prefere compreender uma América em constante aperfeiçoamento, a partir de uma interpretação mais crítica da história do país.

Assim, como visto anteriormente, diferentes pontos de vistas e estratégias acabam por influenciar os programas partidários e aproximá-los, seja ao progressista eleitor urbano, seja ao conservador eleitor rural.

Quanto ao eleitor rural, é notável que a aproximação ao Partido Republicano se consolidou ainda mais com o surgimento de Donald Trump como figura política. E parece que o Partido Democrata não tem como prioridade a adaptação de seu programa para reverter essa intensificação.

Portanto, compreende-se, também, que a insatisfação do eleitor rural norte-americano pode ser encontrada no desenvolvimento dos Estados Unidos. Enquanto o aspecto político da desconfiança em um poder centralizado é algo que permeia toda a história do país, a defesa da moralidade cristã é uma tentativa de um retorno da influência da fé – a mesma que, por mais que seja extremamente difícil precisar seu grau de unidade no país, fez possível a sociedade democrática americana (Kirk, 2003, p. 95) (Anexo C – C8).

5  CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conhecimento do passado, em seus mais diversos aspectos, é necessário para qualquer estudo. Somente assim constatam-se as origens do contexto atual.

Não é diferente com o estudo do eleitor rural americano, a partir de 2016. Seu comportamento mais conservador e patriota é uma consequência de um apego a uma tradição, e uma resistência a grandes mudanças. Nesse caso, percebe-se a oposição aos valores das grandes cidades, continuamente mais progressistas, além da nítida oposição à União, representada pela fortemente democrata Washington, D.C.

As estratégias e interpretações nacionais dos partidos, confirmadas pelos programas partidários, consolidaram o voto do americano rural. O Partido Republicano consegue comunicar com esse tipo de eleitor um grau de aproximação com os Pais Fundadores.

Nota-se, portanto, que essa perceptível ligação no campo simbólico constantemente faz com que um equilíbrio eleitoral do americano de áreas mais rurais seja algo do passado.

O Partido Republicano, ao contrário do Partido Democrata, se beneficia de uma conexão que tende a fazer do eleitor rural uma espécie de filho primogênito do colonizador americano original, seja no seu aspecto moral, seja em sua inconfundível compreensão de liberdade.

Afinal, enquanto o eleitor rural americano estiver apegado, mesmo que seja inconscientemente, ao imaginário delineado no idealismo dos Estados Unidos da América, isto é, um excepcionalismo patriótico, uma espécie de rebeldia anti-Estado e uma moralidade cristã, não haverá espaço para um dos dois principais partidos. Se antes ainda era possível, hoje é de difícil acordo.

REFERÊNCIAS

ALBRECHT, Don E.. Donald Trump and changing rural/urban voting patterns, 2022.                                            Disponível                                        em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0743016722000481

Democratic Party Platforms, 2016 Democratic Party Platform Online by Gerhard Peters and John T. Woolley, The American Presidency Project. Disponível em: https://www.presidency.ucsb.edu/node/318309

Democratic Party Platforms, 2020 Democratic Party Platform Online by Gerhard Peters and John T. Woolley, The American Presidency Project. Disponível em: https://www.presidency.ucsb.edu/node/342177

GRANT, Susan-Mary. História Concisa dos Estados Unidos da América / Susan- Mary Grant; tradução de José Ignacio Coelho Mendes Neto. – São Paulo: EDIPRO, 2014. – (Série história das nações)

HAMILTON, Alexander. MADISON, James. JAY, John. O Federalista / Hamilton, Madison e Jay. – Belo Horizonte: Ed. Líder, 2003.

KIRK, Russell. The roots of American order / by Russell Kirk. – 4th ed. – Wilmington, DE: ISI Books, 2003.

KURTZLEBEN, Danielle. Rural Voters Played A Big Part In Helping Trump Defeat Clinton.        National        Public        Radio.        2016.                   Disponível     em: https://www.npr.org/2016/11/14/501737150/rural-voters-played-a-big-part-in- helping-trump-defeat-clinton

PARKER, Kim. HOROWITZ, Juliana. BROWN, Anna. FRY, Richard. COHN, D’Vera. IGIELNIK, Ruth. What Unites and Divides Urban, Suburban and Rural Communities.    Pew     Research     Center,    May    2018.                         Disponível              em: https://www.pewresearch.org/wp-content/uploads/sites/20/2018/05/Pew- Research-Center-Community-Type-Full-Report-FINAL.pdf.

PFANNENSTIEL, Brianne. WOODWARD, Sam. ‘We feel seen’: Midwestern Democrats soak up the spotlight as Tim Walz ascends at the DNC. USA Today Network,                August                2024.                Disponível            em: https://www.usatoday.com/story/news/politics/elections/2024/08/22/midwestern- progressives-soak-up-spotlight-tim-walz-democratic-national- convention/74872480007/

RAKICH, Nathaniel. How Urban Or Rural Is Your State? And What Does That Mean For The 2020 Election?. FiveThirtyEight. 2016. Disponível em: https://www.nytimes.com/elections/2016/results/district-of-columbia

Republican Party Platforms, 2016 Republican Party Platform Online by Gerhard Peters and John T. Woolley, The American Presidency Project. Disponível em: https://www.presidency.ucsb.edu/node/318311

The Letters of Thomas Jefferson, To John Jay, Paris, Aug. 13, 1785. Lillian Goldman Law Library, Yale Law School. Disponível em: https://avalon.law.yale.edu/18th_century/let32.asp

The New York Times, District of Columbia Results, 2016. Disponível em: https://www.nytimes.com/elections/2016/results/district-of-columbia

TOCQUEVILLE, Alexis de. Da Democracia Na América / Alexis de Tocqueville; tradução de Pablo Costa e Hugo Medeiros – Campinas, SP: VIDE Editorial, 2019.

WAITE, Brett. Our Constitution Was Made Only for a Moral and Religious People. Hillsdale                 College.                2023.                Disponível            em: https://onlinecoursesblog.hillsdale.edu/our-constitution-was-made-only-for-a- moral-and-religious-people/


ANEXO A – CITAÇÕES DO PROGRAMA DE 2016 DO PARTIDO REPUBLICANO

A1: Our laws and our government’s regulations should recognize marriage as the union of one man and one woman and actively promote married family life as the basis of a stable and prosperous society.

A2: We oppose the use of public funds to perform or promote abortion. (…) We support state and federal efforts against the cruelest forms of abortion.

A3: We strongly oppose infanticide. Over a dozen states have passed Pain- Capable Unborn Child Protection Acts prohibiting abortion after twenty weeks, the point at which current medical research shows that unborn babies can feel excruciating pain during abortions, and we call on Congress to enact the federal version. Not only is it good legislation, but it enjoys the support of a majority of the American people.

A4: (…) the American family. It is the foundation of civil society, and the cornerstone of the family is natural marriage, the union of one man and one woman. (…) Strong families, depending upon God and one another, advance the cause of liberty by lessening the need for government in their daily lives. Conversely, as we have learned over the last five decades, the loss of faith and family life leads to greater dependence upon government.

A5: Traditional marriage and family, based on marriage between one man and one woman, is the foundation for a free society and has for millennia been entrusted with rearing children and instilling cultural values.

A6: Prosperity provides the means by which citizens and their families can maintain their independence from government, raise their children by their own values, practice their faith, and build communities of cooperation and mutual respect.

A7: The Bill of Rights lists religious liberty, with its rights of conscience, as the first freedom to be protected. Religious freedom in the Bill of Rights protects the right of the people to practice their faith in their everyday lives. As George Washington taught, “religion and morality are indispensable supports” to a free society. Similarly, Thomas Jefferson declared that “No provision in our Constitution ought to be dearer to man than that which protects the rights of conscience against the enterprises of the civil authority.

A8: We support the public display of the Ten Commandments as a reflection of our history and our country’s Judeo-Christian heritage.

A9: At the cost of billions, the current Administration has done little to advance our goal of universal broadband coverage. That hurts rural America, where farmers, ranchers, and small business people need connectivity to operate in real time with the world’s producers.

A10: Farmers and ranchers are among this country’s leading conservationists. Modern farm practices and technologies, supported by programs from the Department of Agriculture, have led to reduced erosion, improved water and air quality, increased wildlife habitat (…).

A11: We are the party of America’s growers, producers, farmers, ranchers, foresters, miners, commercial fishermen, and all those who bring from the earth the crops, minerals, energy, and the bounties of our seas that are the lifeblood of our economy.

A12: States, not Washington bureaucrats, are best equipped to engage farmers and ranchers to develop sound farm oversight policies.

ANEXO B – CITAÇÕES DOS PROGRAMAS DE 2016 E 2020 DO PARTIDO DEMOCRATA

B1: We believe in protecting civil liberties and guaranteeing (…) LGBT rights (…). B2: We believe that comprehensive health services, including access to reproductive care and abortion services, are vital to the empowerment of women and girls.

B3: Every woman should have access to quality reproductive health care services, including safe and legal abortion.

B4: Democrats applaud last year’s decision by the Supreme Court that recognized that LGBT people—like other Americans—have the right to marry the person they love.

B5: (…) we are committed to doing everything we can to build a full-employment economy, where everyone has a job that pays enough to raise a family and live in dignity with a sense of purpose

B6: Democrats will invest in the American heartland and rural communities. We will make it easier for new and beginning farmers (…) to start and grow their operations by expanding U.S. Department of Agriculture (USDA) ownership and operating loan programs.

B7: Democrats will empower small and mid-size family farms by tackling market concentration in agriculture.

B8: We will increase access to credit for small businesses in low-income and rural areas.

B9: We will increase public investment in rural, urban, and Tribal broadband infrastructure, offer low-income Americans subsidies for accessing high-speed internet.

ANEXO C – OUTRAS CITAÇÕES

C1: Cultivators of the earth are the most valuable citizens. They are the most vigorous, the most independant, the most virtuous, & they are tied to their country & wedded to it’s liberty & interests by the most lasting bonds.

C2: In 2016, Donald Trump won the U.S. presidential election by securing a very large share of the rural vote. In the 2020 election, his margin of victory in rural America was even greater.

C3: “The American people came to expect their public men to be Christians, or at least to give lip-service to Christianity”.

C4: “(…) True, the Puritans of Massachusetts Bay endeavored to establish a “Bible state”; but in its extreme form that experiment endured only three years; even in its modified aspect it lasted merely for two generations (…)”.

C5: “American political institutions owe little, directly, to the example and the experience of the Israelites or the Jews. (…) Nevertheless, the American moral order could not have come into existence at all, had it not been for the legacy left by Israel”.

C6: “Our Constitution was made only for a moral and religious people”.

C7: “Of all the dispositions and habits which lead to political prosperity, Religion and morality are indispensable supports”.

C8: “The power of Christian teaching over private conscience made possible the American democratic society”.

APÊNDICE

Fonte: RAKICH, Nathaniel. How Urban Or Rural Is Your State? And What Does That Mean For The 2020 Election?. FiveThirtyEight. 2016. Disponível em: https://www.nytimes.com/elections/2016/results/district-of-columbia.


1 Graduação-UNINTER- Ciência Política