REGISTRO DOI:10.69849/revistaft/th102410011607
Leandro Penna Cordeiro
RESUMO
A pesquisa analisa o impacto da desinformação no debate público e nas democracias atuais, pontuando desafios e possibilidades para a regulação e autorregulação no meio digital. Por meio de uma revisão bibliográfica, o texto explora a evolução das fake news e suas implicações para a sociedade. A análise considera a estruturação da informação no contexto da globalização, bem como a complexidade das notícias falsas e os meios regulatórios disponíveis. Ao final, o estudo conclui que a desinformação compromete o debate e enfatiza a necessidade de uma abordagem equilibrada que assegure a integridade das informações circulantes.
Palavras-chaves- desinformação, fake News, regulação digital, democracia.
ABSTRACT
The research presents an analysis of the impact of disinformation on public debate and contemporary democracies, highlighting challenges and possibilities for regulation and self-regulation in the digital environment. Using a literature review, the text explores the evolution of fake news and its implications for society. The study addresses the structuring of information in the space-time of globalization, the complexity of false news, and regulatory measures. It concludes by asserting that disinformation compromises debate and demands a balanced approach that ensures informational integrity.
Keywords: disinformation, fake news, digital regulation, democracy.
1 INTRODUÇÃO
Os avanços tecnológicos da era digital transformaram profundamente a cadeia produtiva da informação. Embora a sociedade tenha se beneficiado por um fluxo comunicacional mais dinâmico, impulsionado pelo advento da globalização, também emergiu um desafio significativo: a supervisão da desinformação e das fake News, que representa, uma ameaça à integridade do debate público, bem como às estruturas democráticas. A disseminação de notícias fraudulentas, criadas intencionalmente para descredibilizar e manipular a opinião pública, impacta a sociedade de diversas maneiras.
Nesse contexto, a regulação e a autorregulação das plataformas digitais surgem como estratégias preferíveis para enfrentar os problemas ocasionados pela massificação das fake News. É crucial buscar um equilíbrio que não comprometa a liberdade de expressão. Assim, uma compreensão aprofundada dos mecanismos da desinformação e das formas de regulação das plataformas é necessária para a viabilização de um debate saudável e democrático.
Por fim, este estudo visa trabalhar a concepção do problema para melhor tratá-lo, delineando parâmetros para a identificação dos desafios associados a esta questão, oferecendo uma análise da perspectiva teórica e prática para a elaboração de políticas que visem preservar a coesão social a partir da preponderância da verdade factual.
2 METODOLOGIA
A metodologia deste trabalho fez uso de uma abordagem qualitativa, com revisão bibliográfica que traz à tona uma análise crítica de obras de grande importância que versam sobre o impacto da desinformação nas democracias contemporâneas e os desafios para a regulação estatal. O presente projeto se estruturou em três pontos elementares: primeiro, a contextualização histórica e social dos avanços tecnológicos e da disseminação da informação; segundo, a amplificação das fake news e seus conceitos; e, por fim, a instrumentalização de meios que garantam um hibridismo dentro da coadunação de uma regulação autorregulada. Para fundamentar a análise, foram utilizados diversos autores, como Castells, McLuhan, Georges Abboud e Diogo Rais, que contribuem para a compreensão da temática em questão.
3 AVANÇOS TECNOLÓGICOS E O DECLÍNIO DA VERDADE: A SIGNIFICAÇÃO DAS FAKE NEWS
A perspectiva hodierna de uma era informacional, altamente digitalizada e dinâmica, que interliga pessoas e espaços em questão de segundos, contrasta de maneira efêmera com a época em que a informação transatlântica dependia das grandes navegações, que traziam consigo correspondências e telegramas, que se constituíam, à época, como o principal elo difusor da comunicação intercontinental.
Aliás, os textos descritivos da história geral evidenciam uma significativa demora no processo de distribuição da informação nos séculos anteriores ao atualmente vivido. Isso é muito bem demonstrado sob a ótica do infortúnio e trágico assassinato do ex-presidente Abraham Lincoln, ocorrido no dia 15 de abril de 1865, e noticiado no continente europeu somente doze dias após o fatídico acontecimento. Essa demora determina uma espécie de vacância informacional, algo que, nos moldes apresentados, foi superado com a imersão do mundo no processo de globalização.
O que consagrou importantes avanços na comunicação mundial, que, ao longo do tempo, perpassou por uma ampla gama de refinamento e adequação da informação no espaço-tempo, ganhando, de acordo com os padrões tecnológicos da contemporaneidade, um escopo funcional mais interativo e contextualizado, oportunizando meios e formas mais acessíveis, frutos cognitivos da Internet, que, no cenário atual, se enquadra como o principal meio indutor das notícias (Castells, 2003).
No presente deslinde, faz-se necessário ainda, concatenar as ponderações feitas por Marshall McLuhan (1964), que, em meio às transformações sociais dos “Swinging Sixties” —símbolo maior do espírito revolucionário e desafiador da arte, moda e música da década em questão—premeditou a interligação do mundo através das novas tecnologias. Estes aparatos permitiriam um destacamento de múltiplas culturas e costumes em um único espaço e acesso, transpondo assim séculos de limitações e propondo um novo arcabouço informacional.
Neste panorama construtivo, surge a conceituação do termo “Aldeias Globais”, notoriamente ligadas e diversificadas, cada uma trabalhando sua identidade e visualização, mostrando a verticalização da informação nos ditames de uma era globalizada. Ou seja, o até então paradoxo dos meios de informação na mão de determinados grupos pertencentes às elites sociais foi, aos poucos, sendo erodido com o advento da Internet, que, conforme Castells (2003, p. 375-376), passou a conceber um modelo de “uma comunicação horizontal, não controlada e relativamente barata, tanto de um-para-um quanto de um-para-muitos.”
Dada a necessidade do teor histórico, observa-se a chegada e a continuidade de uma revolução digital que já surpreendeu a todos e ainda insiste em fazê-lo, apresentando ao mundo, a cada dia, novos arranjos e contornos informacionais. E, neste sentido, traçando fatos diferentes, mas com teores possivelmente parecidos, vemos que o brutal assassinato do ex-presidente Abraham Lincoln, hoje, seria noticiado em minutos, assim como o atentado a vida do ex-presidente Donald Trump, caso que ganhou abrangência internacional em pouquíssimo tempo, denotando a interligação hodierna do século XXI.
Concernente a esta temática, faz-se necessário consignar que, ao passo que vislumbramos os avanços que culminaram na democratização da informação em certa medida, experimentamos, da pior maneira, o dissabor dos óbices informacionais. Estes evidenciaram uma verdadeira falta de controle sobre os meios de produção e divulgação dos conteúdos, revelando uma genuína vulnerabilidade no processo informacional.
Frente a este ângulo histórico, o mundo assistiu, no seio social de sua civilização, à estruturação de um sofisticado sistema de desinformação ao redor do planeta. Nas democracias mais pujantes do Ocidente, o advento das fake news se mostrou como um fenômeno social da mais alta gravidade, dado o seu teor degenerativo.
Se, para o eminente filósofo e político americano John Naisbitt (1980), “A nova fonte de poder não é o dinheiro nas mãos de poucos, mas a informação nas mãos de muitos”, o paradigma das fake news evidenciou de maneira peremptória que a massificação da desinformação no seio das mais diversas sociedades também se assenta como uma poderosa fonte de poder. No entanto, não na perspectiva de seus disseminadores, mas sim nas mãos de seus idealizadores e controladores de todo o aparato desinformativo.
Doravante a tais constatações, ao analisarmos o atual cenário da temática em questão, observamos que, tanto no campo teórico quanto no prático, ainda existe uma diversificação de percepções a respeito da consistência da terminologia “fake news”. Isso nos leva a uma variedade de ponderações e atribuições que recaem sobre uma série de fatos, os quais abarcam inúmeras questões.
Diante disso, retratam Diogo Rais e Stela Rocha Sales (2020, p. 426):
Daí surge uma das críticas ao uso da expressão fake news: a impossibilidade de sua precisão. Fake News têm assumido um significado cada vez mais diversos e essa amplitude tende a inviabilizar seu diagnóstico, afinal, se uma expressão significa tudo, como identificar seu adequado tratamento? Não é possível encontrar uma solução para um desafio com múltiplos sentidos.
Neste arquétipo, a aparente confusão social frente a concepção do referendado problema, acaba por jogar em favor do lado contrário, uma vez que dificulta o mapeamento geral dos desafios a serem enfrentados.
Em se tratando disso, a construção de uma concepção abrangente no polo social consiste no primeiro passo inteligível a ser adotado por todos os atores no combate às notícias falsas. É necessário compreender a significação do problema ora tratado e, para isso, considera-se que as notícias falsas, em seu escopo informativo, predispõem a presença de três elementos: falsidade, dano e dolo (RAIS, 2018).
Corroborando com tal premissa, destaca Renê Morais da Costa Braga (2018, p. 205):
A divulgação de notícias falsas ou mentirosas é fenômeno conhecido internacionalmente como “fake News” e pode ser conceituado como a disseminação, por qualquer meio de comunicação, de notícias sabidamente com o intuito de atrair a atenção para desinformar ou obter vantagem política ou econômica.
No tocante a isso, a desinformação em favor do interesse privado se torna o ponto-chave para a obtenção do fundamento basilar deste fenômeno intrusivo. Isso evidencia muito bem que o cerne da problemática das ciências jurídicas neste assunto não está contido na falseabilidade em si, mas nos interesses obscuros que geram as notícias falsas e que criam um rol taxativo de disfunções institucionais a serem tratadas no presente texto.
Adjacente a tais ponderações, é importante abordar o conteúdo referente a misinformatione disinformation, termos em inglês que trabalham de maneira coesa a distinção entre as modalidades de informações falsas. No misinformation, aferimos uma notícia que apresenta dados inconsistentes ou até mesmo inverídicos; contudo, estas não são veiculadas com pretensões insidiosas, tratando-se apenas de um erro na produção da informação. Já no disinformation, o dolo ocupa o espaço de primazia, pois a informação falseada é fruto de ações intencionais que procuram ganhos em seu favor através da múltipla propagação nas redes (ALLCOTT; GENTZKOW, 2017; CASTRO, 2018; EUROPEAN COMMISSION, 2018; MARWICK; LEWIS, 2017).
Dentro desta definição, Kakutani (2018) aponta que o acontecimento social ora analisado possui narrativas categorizadas, seja na inflamação de discursos controversos ou até mesmo na ação como força antagônica dos estudos científicos. Isso ficou evidente na refutação da confiabilidade das vacinas contra a COVID-19 em meio a uma pandemia catastrófica, um fenômeno que também atingiu o Brasil, que por muitos anos ocupou um espaço de renome no quadro de distribuição, aceitação e aplicação de imunizantes.
É inequívoco que as fakes news estão estritamente interligadas a contextos que visam trabalhar no subconsciente do ser humano a confusão e até mesmo o caos emocional. Esses frutos são permeabilizados pela eloquência da narrativa, que utiliza artifícios populistas e com tendencias extremistas, algo que, em sua grande maioria, segmenta a essência da intolerância forjada sob os ditames do preconceito, um ponto que ganha repercussão e aceitação na opinião pública (KAKUTANI, 2018).
Tem validade sopesar que a desinformação, como meio de obtenção de poder em detrimento do conhecimento, não é um problema recente na nossa história, de origem das últimas duas décadas. Pelo contrário, é fruto de um longo processo histórico que forjou, de modo sistêmico, o caráter crônico deste embaraço informacional. Todavia, o fenômeno das fake news emplaca, na ordem informativa, um marco cognitivo a ser devidamente estudado por todos os defensores da Democracia, dado o seu poder de massificação e aceitação perante os grandes segmentos sociais (RAIS, 2018).
Neste sentido, fica evidenciada a performance das notícias falsas no mundo digital, que, fornecida a dimensão global, se oportuniza fazendo uso de um paradigma fraudulento, configurando-se com as vestes depreciativas da desinformação.
4 DESINFORMAÇÃO E O COLAPSO DA REPUBLICA DE WEIMAR: A LUZ DO PARADIGMA DA DEGENERAÇÃO
À luz da temática ora tratada, observamos as características degenerativas das notícias falsas em um Estado Democrático De Direito. Com base nisso, o professor Wilson Gomes enfatiza que a desinformação, em um ambiente virtual altamente interligado pelas sistematizações do processo de globalização, acaba por ampliar, em grande medida, a subversão do debate público nas diversas camadas da sociedade contemporânea. Isso representa verdadeiros riscos aos fundamentos que sustentam a percepção de uma democracia, dado o poder da desinformação em degenerar o debate público (GOMES, 2017).
Frente a isso, a recente história da derrocada da República de Weimar, símbolo maior das atrocidades cometidas por um Estado degenerado em todos os seus sentidos constitutivos, que antes representava a mais tenra defesa dos direitos civis e sociais sob a perspectiva da primazia dos direitos fundamentais, nos mostra com precisão a performance da desinformação como uma das forças propulsoras do paradigma da degeneração. Aliás, para Goebbels, a extensa profusão de uma narrativa sem compromisso com a verdade factual tornava-se a verdade para muitos (TAYLOR, 2003).
Neste deslinde, há a necessidade de revisitar esse passado nebuloso da história humana como meio de reflexão para evitar o acontecimento de horrores semelhantes. Para o professor Georges Abboud, a compreensão da histórica degeneração da república de Weimar, se tornou uma condição elementar para entender a importância de defender os direitos construídos democraticamente. Esse ponto demonstra a magnitude das análises de fenômenos degenerativos, não apenas como um caminho para salvaguardar o Direito, mas também para permitir sua adaptação às complexidades da contemporaneidade, como no caso das fake news (ABBOUD, 2024).
Desta maneira, para entendermos as principais nuances que tangenciam a análise em questão, precisamos reconhecer a desinformação como uma verdadeira arma política, ela busca, de maneira refratária, enfraquecer os principais pontos norteadores das instituições democráticas, inferindo descrédito e abalando a confiança social (GOMES, 2017). Com essa visão, os sentimentos gerados pelas notícias falsas no dia a dia dos cidadãos ocasionam a erosão da verdade factual, o que concede amplitude à polarização.
Particularidades como essas se fizeram presentes no processo de degeneração da República de Weimar. Adolf Hitler, de maneira perspicaz, utilizou a desinformação como meio para induzir suas ideias contundentes. Aliado a Joseph Goebbels, coordenador da propaganda nazista, o controle dos campos informacionais como meios desinformativos culminou na deterioração do debate público, que passou a ser amplamente manipulado pelo aparato autoritário do regime em questão (TAYLOR, 2003).
Em continuidade a isso, destaca-se a seguinte ponderação: “A propaganda nazista explorou os medos e inseguranças da população alemã, apresentando soluções simplistas e falsas narrativas que justificavam o antissemitismo e a guerra” (HERF, 2006). Esse fator é evidente sob a ótica da distorção dos fatos, conforme observado na inserção de construções imaginárias no seio do pensamento social, como a colocação do povo judeu em uma posição de inimigos da urbanidade e dos avanços sociais e econômicos. Segmentos como esses criaram uma espécie de cortina de fumaça para a real compreensão dos pontos que originavam os problemas enfrentados na época.
A efêmera sistematização da desinformação no cerne do pensamento social, foi responsável por degenerar o campo do debate público em Weimar. Sem sombra de dúvidas, a aceitação de inverdades por uma grande parte da sociedade é capaz de abalar fortemente os fundamentos de uma democracia. Para Marcos Nobre, “a esfera pública é degenerada quando o debate racional é substituído por mentiras organizadas e manipuladoras, como as que foram empregadas pelos nazistas para justificar o genocídio e a guerra” (NOBRE, p. 8, 2019).
Neste contexto, o crescimento do aparato desinformativo ao longo do tempo claramente contribui para minar o diálogo e suas interações no campo do debate público. Isso facilita o enraizamento de discursos que exploram o medo e a insegurança, afetando profundamente a percepção cidadã. Gradualmente, essa situação causa sérias degenerações, principalmente na confiança pública no sistema democrático de um Estado (NOBRE, 2019).
Os ataques reiterados da desinformação à subjetividade do direito de determinados grupos e indivíduos, assim como a crescente polarização social, podem, dependendo da situação, fomentar a destituição da justiça legal ou criar um sentimento de dispersão e conflito entre os preceitos da legalidade e da legitimidade, que devem ser coerentes entre si (ABBOUD, 2021). Esses fatos ocorreram na Alemanha nazista e contribuíram para a degeneração da República de Weimar, uma vez que o clamor social gerado por uma esfera pública degenerada acabou se tornando a fonte do direito para aquela sociedade imersa em um profundo declínio moral, ético e civilizatório.
Como expresso pelo Ministro Dias Toffoli, “A desinformação retira a capacidade de discernir o real do irreal, gerando um ambiente de crescentes desconfianças e descrença” (TOFFOLI, p. 25, 2020). Ou seja, ao serem soterradas por uma avalanche de notícias falsas, a clareza do discernimento diminui. Isso reitera a premissa já destacada quanto à fragmentação da opinião pública, a despeito do escrutínio de uma sociedade cética em relação à progressividade de um debate democrático. Tal situação subverte a confiança nas instituições e em seus representantes, predeterminando a degeneração da coesão social.
5 A CONVERGÊNCIA ENTRE ESTADO E TECNOLOGIA: REGULAÇÃO NA ERA DIGITAL
Como bem visto pelo quadro linear da história recente, a sociedade pós-moderna do século em questão passou por inúmeras transformações dentro de um curto espaço de tempo. Algo que foi responsável por incidir em um amplo rol de costumes e práticas, que foram amplamente moldados, inaugurados e até mesmo excluídos pelas evoluções tecnológicas e sociais da era em análise. Tal afirmativa possui uma estrita fundamentabilidade para a devida compreensão dos problemas enfrentados, bem como para a estruturação de soluções precisas, que necessitam ser erigidas pela segmentação do diálogo entre os principais componentes da sociedade contemporânea.
Desta maneira, é preciso preponderar o espectro desafiador do aparato estatal no que diz respeito à regulação do mundo digital, uma vez que a temática da globalização abarca campos e setores diferentes em todo o mundo, o que configura a fragmentação das redes sociais, um ponto constitutivo da natureza informacional dos dias atuais. Portanto, tendo como base a velocidade das transformações tecnológicas, para Lessig, a devida regulação deve trilhar os passos de uma estruturação codificada pelos setores deste segmento em trabalho com o Estado, em certos momentos em que o enquadramento das legislações tradicionais não conseguir solucionar determinados problemas (LESSIG, 2006).
Corroborando com esse sentido, a proceduralização do Direito, segundo Georges Abboud,e Ricardo Campos traz à baila a focalização de um novo passo para a efetivação de um parâmetro regulatório na perspectiva das notícias fraudulentas. Tal perspectiva leva em consideração as nuances que denotam as complexidades que se assentam sobre diversas áreas do conhecimento social e que mostram, de certa maneira, as dificuldades da estrutura do Estado convencional em contornar determinados entraves, algo muito decorrente do formato centralizador do Estado (ABBOUD; CAMPOS, 2020)
Frente a isso, a percepção de um Direito correspondente as transformações sociais que perpassa por um planejamento de descentralização do processo de resoluções de conflitos com a aglutinação continua de um conhecimento produzido por diversos entes da sociedade, inova a atuação do Estado que passa a ser sustentável dado o caráter mais progressivo do saber. Fatos como estes, encontram-se devidamente representados sob a ótica da regulação autorregulada, que institui um formato hibrido no processo de contenção e proteção da informação, a partir da cooperação entre o Estado e setores privados regulados.
Na Alemanha, iniciativas como essas já estão em vigor. A Lei NetzDG estabeleceu diversos pontos que promovem a cooperação entre o Estado e os provedores de redes sociais, permitindo que esses últimos atuem no combate à desinformação. Essa lei promove a reestruturação de processos que visam aumentar a transparência e melhorar o gerenciamento da operacionalização dos sistemas. Ações como essas têm um duplo efeito no espaço digital alemão: asseguram a continuidade da democratização das redes sociais e controlam conteúdos impróprios vinculados às mídias. Em síntese, observamos uma regulação na administração privada, fundamentada em preceitos mínimos e limitados de direito público (MARANHÃO, 2021).
6 CONCLUSÃO
Esta pesquisa buscou responder à questão central: “Em que medida a desinformação impacta o debate público e as democracias contemporâneas, e quais são os desafios e possibilidades para a regulação estatal?”. Ao longo da análise, ficou evidenciado que a desinformação é uma ameaça significativa e multifacetada às bases de um Estado Democrático. Ela não apenas corrói a confiança da população nas instituições, mas também fomenta a polarização social, dificultando o consenso e o diálogo construtivo. A velocidade com que as notícias falsas se espalham, graças a interconexão do digital, cria um ambiente em que a manipulação da verdade se torna cada vez mais fácil e difícil de se conter.
Não obstante, o reflexo da desinformação é dimensionado quando utilizado como meio de manipulação social, empregando construções de narrativas que ofuscam o real teor da progressividade social, para, assim, firmar um arquétipo de uma descrença em padrões generalizados. Aspectos como esses representam sérios riscos para a necessária integridade das instituições democráticas, pois, em seu escopo funcional, existe uma verdadeira subversão dos fundamentos que estabilizam uma sociedade plural comprometida com a transparência e a racionalidade.
O maior desafio que emerge desse cenário é encontrar um ponto de equilíbrio entre a necessidade de regulação e a preservação da liberdade de expressão, que estabeleça a integridade tanto do espaço público quanto da verdade factual. Quanto a isso, projetos como a Lei NetzDG, na Alemanha, inserem uma ótica híbrida no processo de responsabilidade pela contenção de notícias fraudulentas no âmbito digital, onde plataformas e governos compartilham entre si a promoção da transparência e do controle, sem nenhum óbice ao debate.
Neste sentido, o fenômeno social das fake news não se trata apenas de um problema informacional, mas sim de algo sistêmico que possui o poder de minar a confiança social, afetando a estabilidade política e democrática. Há um interesse de todos os componentes da sociedade em combater esse problema, um caminho que deve perpassar por uma ampla coordenação entre governos, plataformas e entidades civis, focando em uma educação inclusiva e didática como meio de assegurar um Estado sustentável.
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