MULHERES TRANS E TRAVESTIS: A GARANTIA DE SEUS DIREITOS E O ACESSO DEVIDO AO MERCADO DE TRABALHO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202410312029


Diane Araújo Ferreira Tavares da Silva;
Jonas Tavares da Silva;
Valéria Nazário Santos;
Chimene Khun Nobre


RESUMO

A presente produção é artigo científico cuja temática aborda mulheres trans e travestis e o acesso destas ao mercado de trabalho. Para uma aplicação equitativa do Direito do Trabalho, é fundamental a garantia de condições de trabalho decente, que incluem o respeito à legislação trabalhista e a um conjunto de políticas para proteger grupos especialmente vulneráveis da população trabalhadora. Como forma de demonstrar o desafio do Direito do Trabalho para atingir questões da contemporaneidade, como a que trazemos no artigo, discutiremos as lacunas das estruturas legais brasileiras para garantir direitos da população trans. O objetivo do artigo é trazer um breve histórico do papel da mulher, com foco nas mulheres transexuais e travestis, sua relação com o mercado de trabalho, as dificuldades do acesso ao direito de igualdade de oportunidade e ao direito à Proteção Social do Trabalho, em função da discriminação e do preconceito por gênero. A metodologia utilizada foi a de revisão de literatura de caráter descritivo e exploratório, mediante análise das leis de proteção da população LGBT no Brasil, com foco nas travestis e mulheres transexuais no trabalho, a aplicabilidade dos direitos fundamentais, a análise das leis supralegais que garantem direitos universais, incluindo as Resoluções Internacionais, Tratados, Convenções da OIT e iniciativas de boas práticas governamentais e empresariais.

Palavras chaves: Capitalismo Mercado de trabalho. Mulheres trans. Processo transexualizador. Relações de gênero e sexualidades. 

ABSTRACT

This scientific article addresses trans women and transvestites and their access to the labor market. For the equitable application of labor law, it is essential to guarantee decent working conditions, which include respect for labor legislation and a set of policies to protect especially vulnerable groups of the working population. In order to demonstrate the challenge of labor law in addressing contemporary issues, such as the one we bring up in the article, we will discuss the gaps in Brazilian legal structures to guarantee the rights of the trans population. The objective of the article is to provide a brief history of the role of women, focusing on transsexual and transvestite women, their relationship with the labor market, and the difficulties in accessing the right to equal opportunities and the right to social protection in labor, due to discrimination and prejudice based on gender. The methodology used was a descriptive and exploratory literature review, through an analysis of the laws protecting the LGBT population in Brazil, with a focus on transvestites and transgender women in the workplace, the applicability of fundamental rights, the analysis of supra-legal laws that guarantee universal rights, including International Resolutions, Treaties, ILO Conventions and initiatives for good government and business practices.

Keywords: Capitalism. Labor market. Trans women. Transsexualization process. Gender relations and sexualities.

1 INTRODUÇÃO

Trata-se de trabalho de conclusão de curso cuja temática é a garantia de mulheres trans e travestis a se inserirem com dignidade no mercado de trabalho. Inicialmente, é imprescindível conceituar devidamente estes termos. Assim, segundo Jesus (2012) transexual é todo o indivíduo que reivindica o seu reconhecimento social e legal como homem ou mulher, conforme a sua identidade ao passo que travesti são pessoas que se apresentam como uma imagem feminina, no entanto não se identificam como homens ou mulheres, mas sim como pertencentes a um terceiro gênero ou a nenhum.

 Deste modo, a proposta temática em questão, visa trazer um breve histórico do papel dessas mulheres e sua relação com o mercado de trabalho, as dificuldades do acesso ao direito de igualdade de oportunidade de trabalho e ao direito à Proteção Social do Trabalho. Este direito compreende a garantia de condições de trabalho decente, que incluem o respeito à legislação trabalhista e a um conjunto de políticas para proteger grupos especialmente vulneráveis da população trabalhadora.

Compreende-se que a sociedade contemporânea é repleta de diversidade sexual, o que não implica em dizer que o sistema jurídico seja democrático e acolha, protegendo todos eles. Pode-se afirmar que o direito de sexualidade diversa, é marcado por inúmeros desafios, dos quais, muitos violam o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Limitar e até mesmo não conceder esse direito baseado em dogmas e valores lineares é não reconhecer o avanço social e difundir o preconceito.

Mulheres transgênero e travestis se deparam, frequentemente, com ações discriminatórias na sociedade que são oriundas de estigmas decorrentes de um histórico de patologização de sua identidade pelas ciências médicas. Ao buscarem a realização da hormonização ou até de procedimentos cirúrgicos a fim de ter a imagem corporal feminina, deparam-se com o despreparo e falta de sensibilização dos profissionais nos serviços de saúde para o acolhimento e atendimento dessas necessidades. Tal situação pode resultar em tratamento abusivo, negligência e culminar em condições prejudiciais à saúde mental, física e sexual.

O direito ao trabalho e o acesso ao trabalho digno devem ser garantidos a todos os sujeitos, independentemente de raça, sexo, cor, gênero, religião etc., conforme preleciona a Constituição Federal e as demais legislações protetoras dos direitos trabalhistas, como a Consolidação das Leis Trabalhistas. Porém, esse direito não tem sido efetivado na prática, principalmente quando entra em questão o gênero, visto que a todo o momento milhares de transexuais são excluídos do mercado de trabalho por não se enquadrem nos padrões heteronormativos impostos pela sociedade.

Acerca da inclusão de tProblemas vão desde a discriminação no processo de seleção de emprego, falta de acesso a oportunidades de capacitação e treinamento, desigualdade salarial, clima organizacional hostil e até mesmo dificuldades no acesso a banheiros e vestiários adequados

A problemática proposta é: quais as principais barreiras que mulheres trans e travestis enfrentam para ingressar no mercado de trabalho formal? Tem por objetivo geral, apontar mecanismos de combate à discriminação de transexuais e travestis no ambiente laboral. São objetivos específicos: identificar os direitos das mulheres trans e travestis tendo como base a legislação pátria; demonstrar a omissão legislativa na criação e cumprimento de leis específicas que visem assegurar condições de trabalho digno a esse grupo; e, identificar os fatores que dificultam o ingresso dessa população no mercado de trabalho;

De modo que o mercado de trabalho é muito cruel com travestis e transexuais, apesar da vontade em encontrar um trabalho com rotina, horário de trabalho e carteira assinada, o preconceito fica evidente quando se candidatam a uma vaga. A resposta é sempre a mesma: não há vagas. O que evidencia os desafios que essa população enfrenta no mercado de trabalho. Com isso, esse grupo acaba tendo como única opção para sobreviver o mercado informal, ou seja, se prostituir pelas ruas do país. De modo que, com poucas oportunidades de emprego, cerca de 90% das travestis e transexuais no Brasil acabam recorrendo à prostituição em algum momento da vida, conforme dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA).

2 MATERIAL E MÉTODOS

A metodologia empregada foi a de revisão de literatura de caráter descritivo e exploratório. Segundo Sousa, et al. (2010) a pesquisa exploratória adota estratégia sistemática com vias de gerar e refinar o conhecimento quantificando relações entre variáveis. A adoção desse modelo qualitativo tem como objetivo compreender de que maneira o ordenamento jurídico brasileiro trata, garante e protege os direitos de pessoas trans e travestis no Brasil.

Já a revisão bibliográfica é um método que proporciona a síntese de conhecimento e a incorporação da aplicabilidade de resultados de estudos significativos na prática. Determinando o conhecimento atual sobre uma temática específica, já que é conduzida de modo a identificar, analisar e sintetizar resultados de estudos independentes sobre o mesmo assunto.

O método de raciocínio aplicado a este trabalho será o hipotético-dedutivo, em que serão analisadas hipóteses para o problema as quais passarão por verificação no decorrer da pesquisa, a fim de atestar se são verdadeiras ou falsas. Foram elencadas e analisadas as publicações acerca do tema, a fim de compreender as dificuldades enfrentadas por pessoas trans e travestis no mercado de trabalho no Brasil.

A seleção das literaturas será ampla, não se restringindo a trabalhos realizados no Brasil, por tratar da política de inclusão de pessoas trans e travestis e ser um modelo adotado pelo sistema jurídico pátrio, foram utilizados como critérios de inclusão os trabalhos publicados no período de 2020 a 2024, sendo excluídos os materiais publicados fora do período considerado e aqueles que não corroboram com a temática proposta.

Para elaboração do presente estudo serão realizadas consultas às indicações formuladas pelo Ministério do Trabalho, Ministério da Justiça, Conselho Nacional de Justiça, livros, artigos científicos e busca direcionada por temas sobre inclusão, mercado de trabalho, trans e travestis. 

Foram incluídos artigos científicos que abordam diretamente questão das pessoas transgênero e sua colocação no mercado de trabalho. Não serão considerados trabalhos que não estejam diretamente relacionados ao tema ou que apresentem baixa qualidade acadêmica. A inclusão foi baseada em critérios de relevância, rigor acadêmico e contribuição para a compreensão do problema proposto.

3 RESULTADOS

Mesmo que o artigo 5° da Carta Magna seja invocado o fato é que na prática nem todos são tratados com igualdade perante a lei. Sobre a temática ora proposta, a tendência de adoção de políticas de diversidade nas empresas pode, em alguns casos, até existir, ainda que na prática não são suficientes. Isso porque, mesmo que haja vagas destinadas para esse público, como abordado neste estudo, a régua para admissão pode ser extremamente alta, o que prejudica a aprovação dessas pessoas. Além disso, ainda que sejam contratadas, muitas vezes não há um processo de conscientização e educação na empresa. Fatores como pronome de tratamento, nome social e banheiros voltados para pessoas cisgênero ainda são grandes desafios para a real inclusão de pessoas trans e travestis.

Segundo um estudo feito pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) no ano de 2020, somente 16,7% das pessoas transgênero se encontram no mercado de trabalho atualmente. Por conta dessa dificuldade de ingressar no mercado de trabalho formal, é muito comum que pessoas transgênero vivam em situação de rua, acabem praticando a prostituição ou, até mesmo, acabem cometendo suicídio. Outro ponto é que, mesmo quando conseguem, sofrem com tratamentos negativos, desrespeito pelo nome social, exclusão e falta de apoio psicológico. 

Falta de capacitação e preconceito em processos seletivos são os principais desafios. Conforme relatório da Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (ANTRA), uma pesquisa realizada em dezembro de 2020 demonstra que 88% das pessoas acreditam que as empresas não estão prontas para a contratação de profissionais trans.

Para que a discriminação seja combatida é essencial criar e implantar políticas de capacitação para que os funcionários atuais e os futuros sejam envoltos pela discussão, tornando-se um passo fundamental para eliminar comportamentos preconceituosos e esclarecer dúvidas comuns sobre o tema. A capacitação é importante não só para a relação com as pessoas trans da equipe, como também clientes, fornecedores e demais stakeholders da organização. 

Sabendo que a Resolução 270/2018 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) também garante o uso do nome social pelas pessoas trans, travestis e transexuais usuárias dos serviços judiciários, membros, servidores, estagiários e trabalhadores terceirizados dos tribunais brasileiros, mostra-se que um importante avanço foi dado para a promoção de um tratamento humanizado e igualitário a esta população.

Contudo, é imperioso destacar que há ainda um longo caminho a ser percorrido na conquista da efetivação de direitos já previstos no ordenamento jurídico pátrio a este público, bem como a revisão de dispositivos normativos atuais para que possam ser adequados à sociedade atual e inclusão deste público, visto que a Consolidação das Leis do Trabalho, por exemplo, é datada do ano de 1943 e traz apenas normas genéricas que não ajudam a combater efetivamente a discriminação às pessoas transgênero no ambiente laboral.

O departamento de Recursos Humanos (RH) é muito importante para garantir que as pessoas trans sejam bem-vindas no ambiente de trabalho. Para isso, é essencial ter programas de conscientização e conscientização sobre questões de identidade de gênero para que todos estejam preparados para lidar de forma inclusiva e respeitosa.

Além disso, a área de Recursos Humanos é responsável por descobrir maneiras de aumentar a representatividade das pessoas trans na empresa, oferecendo oportunidades para liderança e permitindo que eles participem ativamente dos processos decisórios e garantindo que as políticas de contratação e promoção sejam inclusivas e não discriminatórias.

Um dos maiores desafios da empregabilidade trans é expandir a conversa para além dos departamentos de Diversidade & Inclusão e RH. Se a crença da diversidade e o propósito não estão atrelados ao negócio, é algo só de uma área, é muito complicado que essa pessoa trans permaneça. 

4 DISCUSSÃO

A Constituição Federal tem como princípio informador dos direitos fundamentais à dignidade humana. Assim, em seu art. 5°, caput, estabelece que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza […]”. Mas, como se observa, esta sociedade que proclama, por meio de seu instrumento de ordenação do Estado, a defesa a igualdade, é a mesma que mantém discriminação em relação à homossexualidade. Por ser considerada fora dos padrões tidos como normais, é rotulada como imoral ou amoral, sem haver uma fundamentação mais apurada, no sentido de se buscar a identificação de suas origens orgânicas, sociais e comportamentais.

4.1 Dificuldades de acesso ao trabalho decente de travestis e mulheres transexuais

Diante do contexto apresentado, é de suma importância analisar as dificuldades de acesso ao trabalho, a desigualdade de direitos das mulheres e o reflexo dessas violações em relação as travestis e transexuais femininas.

O trabalho prestado em condições de dignidade é fundamental para uma construção de identidade do trabalhador. O não reconhecimento da identidade de gênero das mulheres trans e/ou travestis, geram violações duplamente agravantes, pois, além de não serem aceitas socialmente por serem mulheres trans e sofrerem discriminação diária por essa condição, em relação ao trabalho, os demais direitos também são ameaçados, restando-lhes as péssimas condições de trabalho nas ruas ou na prostituição. Portanto, a invisibilidade desta população retira-lhes a condição de sujeitos de direitos, de trabalhadoras e principalmente o direito a dignidade humana por meio de sua força de trabalho.

De acordo com Delgado, 

à identidade social desenvolvida por meio do trabalho, importa destacar que ela possibilita ao homem identificar-se intensamente como ser humano consciente e capaz de participar e de ser útil na dinâmica da vida em sociedade. Possibilita-lhe, também, desenvolver a consciência de que deve cuidar de si mesmo, preservando-se e exigindo que a dinâmica tutelar pelo Direito seja cumprida e aperfeiçoada para que esteja materialmente protegido.

A identidade social da população trans desenvolvida por meio do trabalho tem trazido um quadro degradante e de completa violação. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos recebeu informações consistentes que indicam que as mulheres trans que são trabalhadoras sexuais são especialmente vulneráveis à violência em seu ambiente comunitário. Devido à discriminação no mercado do trabalho e outras adversidades que enfrentam socialmente, o trabalho sexual é, para muitas mulheres trans e travestis, a única forma de subsistência.

Uma pesquisa indica que aproximadamente 90% das mulheres trans no continente americano exercem o trabalho sexual e as estimativas para alguns países são ainda maiores, entre 94% e 95% no Peu e Chile, respectivamente. Sabe-se que evasão escolar da população trans é muito alta no Brasil. Segundo a pesquisa Nacional sobre Estudantes LGBT e o Ambiente escolar de 2015, dos estudantes que participaram da pesquisa, a maioria sentiam-se inseguros nas instituições educacionais por causa de alguma característica pessoal, incluindo orientação sexual, gênero, identidade de gênero/ expressão de gênero. 

Por isso, a maioria das mulheres trans/e ou travestis não conseguem encerrar os estudos primários e consequentemente não chegam ao ensino superior. Daí a justificativa de muitas para recorrerem a trabalhos de péssimas condições e muitas vezes em risco de vida.

No campo da vulnerabilidade social, a travesti e a mulher trans, sofrem diretamente com a violência institucional e estrutural que, por estarem sempre à margem, muitas não conseguem enfrentar coisas básicas da vida diária, tais como ir a um supermercado, ao banco, usufruir de seu direito de ir e vir, pois estão expostas a todo tipo de violência. 

 A exclusão é um processo histórico, por meio do qual uma cultura, utilizando-se do discurso da verdade, cria a rejeição e define os limites de pertença social.  Nas relações de trabalho, o limbo existencial é evidente, a ausência de uma ampliação do conceito de gênero contribui para a perpetuação da exclusão e discriminação, deixando no ostracismo os transgêneros e travestis e consequentemente expulsando-as do mercado de trabalho e da vida social.

As Organizações da América Latina informaram que a média de vida de uma mulher trans na região, e isso modifica a cada país, é de cerca de 35 anos de idade. As inúmeras pesquisas realizadas por organismos internacionais, organizações da sociedade civil, ativistas e acadêmicos enfatizam que a violência generalizada, o preconceito, a omissão familiar, dificultam que as mulheres trans tenham acesso à educação, a moradia adequada e acesso ao mercado do trabalho formal, situação que leva à extrema pobreza. Segundo o mesmo relatório, na América Latina, a discriminação e exclusão estrutural no mercado de trabalho, baseada na orientação sexual e identidade de gênero, são fatores que desencadeiam um ciclo de pobreza.

As pessoas LGBT, em situação de pobreza no Brasil, vivem em condições sociais mais vulneráveis, devido aos impactos do alto índice de desigualdade de distribuição de renda entre as classes sociais. Uma pesquisa realizada em 2013, pela Micro Rainbow Internacional (MRI), sobre a situação de pobreza da população LGBT no Rio de Janeiro, retratou bem a realidade do crescimento da violência, do preconceito e de mortes de LGBT em função da desigualdade significativa de distribuição de renda.

Essa desigualdade está diretamente ligada à falta de oportunidade de trabalho. Quando perguntado aos candidatos da pesquisa se eles acreditam que as pessoas heterossexuais possuem mais oportunidades em relação a população LGBT, a resposta não surpreendeu. Segundo a pesquisa 86% responderam que sim, que heterossexuais tem mais oportunidades e apenas 14% disseram que não. Por isso muitas pessoas LGBT não assumem sua sexualidade em entrevistas de trabalho e/ou dentro de empresas, para não serem alvo de preconceito.

Aparentar ser uma pessoa heterossexual cisgênera proporciona não apenas mais oportunidades, mas também um aumento na autoestima das pessoas, pois acreditam que podem, desta forma, ter maio acesso ao mercado de trabalho.

Para as mulheres trans e travestis a realidade se torna diferente, pois muitas vezes não têm como disfarçar suas identidades de gênero. Com isso, não conseguem ser inseridas de forma igualitária ao mercado de trabalho, restando-lhes trabalhos estigmatizados ou subempregos. Neste contexto apresentado, é notório que a situação da mulher trans e travestis não é favorável em nenhum sentido, seja com relação à garantia de oportunidade de trabalho, seja no acesso à escola, seja à moradia e principalmente, no acolhimento social em diversas políticas públicas.

Ressalta-se que a temática de Empregabilidade Trans está pautada por Instituições LGBT, Organizações não Governamentais e Organismos Internacionais, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Desde 2012, uma parceria liderada pela OIT, pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS) e pelo PNUD, envolve representantes de sindicatos, organizações LGBT, empresas e governo para combater a homo-lesbo-transfobia no mundo do trabalho.

De maneira participativa, foi elaborado um manual direcionado a empresas contra a homo-lesbo-transfobia, assim como uma campanha no local de trabalho para que a população LGBT possa ter a sua dignidade e liberdade asseguradas, intitulado “Construindo a igualdade de oportunidades no mundo do trabalho: combatendo a homo-lesbo-transfobia”, lançado em 2014.

O documento – que aborda as questões trabalhistas ligadas aos direitos LGBT por meio de histórias de vida – é fruto de uma construção conjunta entre organismos da ONU (PNUD, OIT e UNAIDS) e 30 representantes de empregadores, trabalhadores, governo, sindicatos e movimentos sociais ligados aos temas LGBT e HIV/AIDS.

Segundo o manual, o “trabalho decente é direito de todos os trabalhadores e trabalhadoras, bem como daqueles ou daquelas que estão em busca de trabalho, representando a garantia de uma atividade laboral em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humana.

4.2 Igualdade de gênero no mundo do trabalho

Destaca-se que as travestis e transexuais femininas, em sua maioria, não chegam ao mercado de trabalho por não conseguirem concluir os estudos, restando-lhe o trabalho nas ruas e uma vida de pobreza, em meio a um silenciamento de direitos em função da discriminação e do preconceito de gênero.

Além deste contexto apresentado, ressalta-se a fragilidade das estruturas legais brasileiras em garantir direitos da população LGBT. Para além disso, o Sistema de Justiça Brasileiro tem na sua formação e estrutura, um olhar masculino com relação à garantia de direitos das mulheres, que incluem mulheres transexuais, e esse olhar está refletido em algumas de suas decisões. 

É basilar o entendimento do que de fato é gênero, sua conceituação social, e desconstrução. A partir dessa desconstrução, as mulheres transexuais e travestis poderão ser respeitadas e vistas como sujeito de direito.

A igualdade de gênero no mundo do trabalho pode ser vista por três ângulos complementares: é um tema de direitos humanos e faz parte das condições essenciais  para atingir uma democracia efetiva; é um tema de justiça social e diminuição da pobreza, na medida em que é condição para ampliar as oportunidades de acesso a um trabalho decente; e é um tema de desenvolvimento social e econômico, na medida em que promove a participação das mulheres na atividade econômica e na tomada de decisões relativas à formulação de políticas de desenvolvimento que respondam adequadamente aos objetivos da igualdade e trabalho digno. 

A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, adotada pelas Nações Unidas em 2015, é uma oportunidade para enfrentar as persistentes desigualdades de gênero e raça no trabalho. Ela reafirmou o consenso universal sobre a vital importância da igualdade de gênero e sua contribuição à execução dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (a criação de mais e melhores empregos para as mulheres; a proteção social universal e; a adoção de medidas para reconhecer, reduzir e redistribuir os trabalhos de cuidado e as tarefas domésticas não remuneradas).

Muitos esforços têm sido realizados ao longo de anos, tanto de representantes de movimento sociais feministas, representantes do Estado para efetivação de políticas das mulheres e organismos internacionais, mas a pauta da mulher é contínua, pois o machismo o sexismo, ainda são características que permeiam a construção de políticas públicas e a organização da sociedade, incluindo a realidade do mundo do trabalho.

4.3 A proteção jurídica às mulheres trans e travestis

As poucas leis de proteção da população LGBT no Brasil, a análise dos julgados sobre discriminação de LGBTs com foco nas travestis e mulheres transexuais no trabalho, a aplicabilidade dos direitos fundamentais, a análise das leis supralegais que garantem direitos universais, incluindo as Resoluções Internacionais, Tratados e Convenções e iniciativas de boas práticas, tornam-se estruturantes para o combate à violação de direitos dessa população específica. 

A Convenção n°. 111 da OIT, de 1958 define discriminação no trabalho como: “Qualquer distinção, exclusão ou preferência baseada em motivos de raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou social que tenha como efeito anular ou alterar a igualdade de oportunidades e de tratamento no emprego e na ocupação”. 

Discriminação é, portanto, a negação da igualdade de oportunidades e de tratamento e se configura violação de Direitos Humanos. O sistema internacional deu passos significativos na direção da igualdade entre os gêneros e na proteção contra a violência na sociedade, comunidade e família. Além disso, importantes mecanismos de direitos humanos das Nações Unidas têm afirmado a obrigação dos Estados de assegurar a todas as pessoas proteção eficaz contra discriminação por motivo de orientação sexual ou identidade de gênero.

As obrigações legais dos Estados de proteger os direitos humanos de pessoas LGBT estão bem estabelecidas no ordenamento internacional de direitos humanos. Os fundamentos da não discriminação estão baseados de forma clara na Declaração Universal de Direitos Humanos, Acordos Internacionais e Tratados Internacionais. Todas as pessoas, independente do sexo, orientação sexual ou identidade de gênero têm direito de gozar da proteção assegurada pelo regime internacional dos direitos humanos, e isso inclui direito a vida, a segurança, a privacidade, direito a ser livre, dentre outros direitos básicos.

Os princípios fundamentais que estruturam o Estado Democrático de Direito – Princípios da Dignidade da Pessoa Humana, da Igualdade e da não Discriminação, são basilares e tem otimizado a aplicabilidade das normas. Segundo Robert Alexy “princípios são normas que estabelecem que algo deve ser realizado na maior medida possível, diante das possibilidades fáticas e jurídicas presentes. Por isso são eles chamados de mandamentos de otimização”. Neste sentido os Princípio Fundamentais têm contribuído para efetivação de direitos.

Segundo análise de Gabriela Neves Delgado, “na perspectiva e afirmação do Estado Democrático de Direito, fundado e ancorado na Constituição da República, tais fundamentos se concentram na compreensão do sentido e da extensão do direito fundamental ao trabalho digno”(…). É necessário, pois reforçar o argumento de que estar protegido pelo trabalho significa também concretizar, no plano constitucional, os direitos fundamentais trabalhistas que assegurem um patamar mínimo de vida digna. 

Maurício Delgado Godinho, fala de um inovador conceito de “Estado Democrático de Direito, fundado em um inquebrantável tripé conceitual: pessoa humana, com sua dignidade; sociedade política, concebida como democrática e inclusiva; sociedade civil, também concebida como democrática e inclusiva”.

Para Goldinho, “são indispensáveis a estrutura e a operação prática de um efetivo Estado Democrático de Direito sem a presença de um Direito do Trabalho relevante na ordem jurídica e concreta dos respectivos Estado e sociedade civil”. 

Para ele,

grande parte das noções normativas de democratização da sociedade civil, garantia da dignidade humana na vida social(…) e garantia da valorização do trabalho(…), ou seja, grande parte das noções essenciais da matriz do Estado democrático de Direito estão asseguradas, na essência, por um amplo e eficiente Direito do Trabalho disseminado na economia e sociedade correspondente. 

A Constituição da República, em destaque a de 1988 no Brasil, dita como a mais democrática das constituições, “confere aos direitos sociais a estatura de direitos fundamentais do ser humano”, assegurando um mínimo civilizatório quando se trata de proteção social e direitos no mundo do trabalho, “além de uma notória valorização dos direitos da cidadania”.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O acesso ao mercado de trabalho representa diversos obstáculos para a população trans. Principalmente no Brasil, que há 13 anos ocupa o topo da lista entre os países que mais matam pessoas trans no mundo. Para mulheres trans e travestis, o caminho à educação e ao trabalho formal representa direitos à dignidade para vidas que diariamente precisam enfrentar muitos preconceitos que as atingem apenas por serem quem elas são.

O termo trans é utilizado para denominar um diversificado grupo de pessoas cujas identidades de gênero diferem em graus e expressões diversas das determinadas ao sexo que foram atribuídas ao nascer. Entre essa população, além de homens trans e pessoas não-binárias, encontram-se mulheres trans e travestis, que encaram enormes barreiras impostas pela sociedade e estigmas que as colocam à margem da sociedade.

Muitas pessoas transgêneras e travestis deixam as salas de aula devido à falta de diversidade e inclusão na educação tradicional brasileira. A baixa escolaridade combinada com preconceitos sociais dificulta a qualificação profissional e a entrada no mercado de trabalho.

Uma forma de garantir a igualdade é a implementação de políticas públicas que combatem a discriminação, aumentam a participação das minorias nos processos políticos e promovem a cultura do acolhimento e o fim da invisibilidade, permitindo que pessoas transgêneras e travestis tenham acesso a todos os lugares e empregos em que se sintam qualificadas.

Embora seja crime no Brasil, a transfobia é um dos causadores da exclusão de pessoas trans no mercado formal de trabalho. O estigma sofrido por essa comunidade vai desde olhares incômodos na hora da entrevista ao não uso do nome social, mas também passa pela má divulgação da vaga, onde pessoas trans não têm acesso à informação, ou até por níveis de exigências muito altos que excluem a comunidade, como por exemplo a obrigatoriedade de um segundo idioma fluente. 

Desta forma, diante da análise apresentada, entende-se que a garantia de direito à População Trans no quesito trabalho deve avançar na mesma velocidade das mudanças sociais. Porém faz-se mister o aprofundamento nas temáticas em questão para que seja efetivado o cumprimento dos direitos, sem distinção, à luz dos princípios constitucionais, primando pela efetivação de direitos humanos fundamentais a essa parcela da população com características marcantes de vulnerabilidade.

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