VULNERABILIDADE DOS MIGRANTES E REFUGIADOS VENEZUELANOS NO ESTADO DE RONDÔNIA: CONDIÇÕES ANÁLOGAS À ESCRAVIDÃO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202410282219


Ingrid Luize Brasil Lima1;
Lindovaldo Ferreira Paiva2;
Jennifer Alves Rates Gomes3


RESUMO

O presente estudo objetiva analisar as causas da vulnerabilidade dos migrantes e refugiados no estado de Rondônia em relação às condições de trabalho análogas à escravidão. A investigação parte da premissa de que os migrantes enfrentam uma série de fatores que os colocam em situações de exploração laboral, incluindo a falta de documentação, o desconhecimento de seus direitos e a escassez de oportunidades de emprego dignas. Em Rondônia, a presença de migrantes, especialmente vindos de países como Venezuela, tem aumentado nos últimos anos, intensificando a necessidade de uma abordagem que garanta a proteção dos direitos humanos desses indivíduos. A pesquisa aborda, ainda, as características socioeconômicas desses migrantes, as condições de trabalho a que estão submetidos e as implicações das legislações vigentes, como a Lei de Migração, na proteção contra a exploração e a erradicação do trabalho análogo à escravidão. Por meio de uma metodologia qualitativa, bibliográfica e descritiva foi apresentado as condições laborais e das legislações aplicáveis, identificando as lacunas existentes na proteção dos migrantes e propor caminhos para a efetivação de seus direitos, promovendo a conscientização sobre a responsabilidade civil em situações de trabalho escravo. Em suma, a pesquisa pretende contribuir para a construção de um ambiente mais justo e igualitário para migrantes e refugiados em Rondônia, evidenciando a necessidade urgente de ações efetivas por parte do Estado e da sociedade civil.

Palavras-chave: Vulnerabilidade. Migrantes. Venezuelanos. Rondônia.

ABSTRACT

The present study aims to analyze the causes of vulnerability among migrants and refugees in the state of Rondônia in relation to conditions of work analogous to slavery. The investigation is based on the premise that migrants face a series of factors that place them in situations of labor exploitation, including a lack of documentation, ignorance of their rights, and a scarcity of dignified employment opportunities. In Rondônia, the presence of migrants, especially those coming from countries like Venezuela, has increased in recent years, intensifying the need for an approach that ensures the protection of these individuals’ human rights.The research also addresses the socioeconomic characteristics of these migrants, the working conditions they are subjected to, and the implications of current legislation, such as the Migration Law, in protecting against exploitation and eradicating work analogous to slavery. Through a qualitative, bibliographic, and descriptive methodology, the study presents the labor conditions and applicable legislation, identifying existing gaps in the protection of migrants and proposing pathways for the realization of their rights, while promoting awareness of civil responsibility in situations of slave labor.In summary, the research aims to contribute to the construction of a more just and equitable environment for migrants and refugees in Rondônia, highlighting the urgent need for effective actions by the state and civil society.

Keywords: Vulnerability. Migrants. Venezuelans. Rondônia.

1.INTRODUÇÃO

O estado de Rondônia, localizado na região Norte do Brasil, tem sido um destino significativo para migrantes e refugiados em busca de oportunidades de trabalho e refúgio (SEAS,2022). Esta migração é impulsionada por uma série de fatores, incluindo a expansão da fronteira agrícola, projetos de desenvolvimento econômico e a busca por melhores condições de vida. No entanto, essa migração também expõe os indivíduos a uma série de desafios e vulnerabilidades, incluindo condições de trabalho que se assemelham à escravidão.

Na contemporaneidade, frente aos fluxos migratórios em direção ao país, a antiquada legislação de 1980, totalmente discordante dos princípios do Estado Democrático de Direito estabelecidos pela Constituição Federal, foi substituída pela nova Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017), que representa uma mudança paradigmática centrada na promoção dos Direitos Humanos dos migrantes (Brasil, 2017).

A partir disso, o problema a ser abordado neste trabalho é: Como a legislação e os direitos humanos estão sendo aplicados no Brasil  para proteger os migrantes contra situações de exploração e trabalho análogo à escravidão?

Para responder o presente problema de pesquisa definiu-se como objetivo geral analisar as causas da vulnerabilidade dos migrantes no estado de Rondônia frente a condições de trabalho análogas à escravidão.

Já os objetivos específicos são: Apresentar as principais características socioeconômicas dos migrantes em Rondônia e as condições de trabalho a que estão submetidos, com ênfase na identificação de situações análogas à escravidão; Analisar os aspectos legislativos acerca da Lei de Migração e o trabalho análogo a escravidão; Avaliar os aspectos da legislação  na proteção dos direitos dos migrantes em Rondônia e na prevenção da exploração laboral a partir da responsabilidade civil.

Dessa forma, considerou-se as seguintes hipóteses: A vulnerabilidade dos migrantes no estado de Rondônia em relação a condições análogas à escravidão é influenciada pela falta de regulamentação eficaz e fiscalização adequada do mercado de trabalho, permitindo a exploração por parte de empregadores; Além da falta de regulamentação e fiscalização, a ausência de programas de integração social e capacitação profissional para migrantes em Rondônia contribui para a persistência das condições de trabalho desumanas, aumentando ainda mais sua vulnerabilidade à exploração

Mediante o que se expõe, o presente estudo justifica-se em um primeiro momento pela familiaridade que os pesquisadores possuem com a temática, além disso, por ser uma questão fortemente visível no estado de Rondônia, mas que muitas vezes está esquecida pelo poder público.

A metodologia adotada consistiu em uma revisão integrativa da literatura, com base em uma pesquisa bibliográfica que visou identificar as principais obras e artigos pertinentes ao tema em estudo. Para isso, foram utilizadas bases de dados eletrônicas, bibliotecas, acervos digitais e outras fontes de informação acessíveis.

2 OS FLUXOS MIGRATÓRIOS NO BRASIL

O conceito de migração, conforme delineado pela Organização Internacional para as Migrações (OIM), abrange várias especificidades dentro do próprio termo migração, analisando diferentes categorias e situações relacionadas. De maneira geral, a migração é entendida como o deslocamento de indivíduos que cruzam a fronteira de um Estado (OIM, 2009).

Apesar de ser uma prática recorrente ao longo da história, o termo migrar passou a ser abordado na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 1948, especialmente em seu artigo 13 (Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948)4, que assegura a todos o direito de se deslocar para outros países, promovendo a livre circulação de pessoas em âmbito global. Nesse contexto, o Brasil assume um papel fundamental na questão migratória, pois é signatário dessa Declaração e, por isso, compromete-se a acolher os imigrantes e tratá-los de forma igualitária em seu território, conforme preconizado em sua Constituição.

Além disso, é importante ressaltar que a migração não se resume apenas ao deslocamento físico; ela envolve uma série de circunstâncias que vão além da simples passagem de um Estado a outro. Isso porque fatores sociais, econômicos, familiares e psicológicos podem sofrer profundas mudanças diante da nova realidade. Um aspecto a ser considerado é a adaptação do migrante ao país que o recebe, o que frequentemente resulta em um choque cultural com a sociedade local. Esse fenômeno é ainda mais acentuado pelo preconceito que muitos migrantes enfrentam por parte dos cidadãos do país anfitrião (Coutinho; Oliveira, 2010). Nesse contexto, o migrante se caracteriza como:

(…) todos os casos em que a decisão de migrar é livremente tomada pelo indivíduo em questão, por razões de “conveniência pessoal” e sem a intervenção de fatores externos que o forcem a tal. Em consequência, este termo aplica-se, às pessoas e membros da família que se deslocam para outro país ou região a fim de melhorar as suas condições materiais, sociais e possibilidades e as das suas famílias (Organização Internacional para as Migrações, 2009, p. 43).

Mediante o que se expõe, historicamente, o movimento migratório humano tem sido impulsionado por diversos fatores, como desastres naturais, colonizações e migrações forçadas, estas últimas sendo as mais violentas, resultando em colapso de civilizações e escravidão. Tratados internacionais que protegem refugiados e imigrantes pertencem ao âmbito dos direitos humanos (Lopes, 2009).

As migrações forçadas, causadas por guerras, perseguições ou desastres, são protegidas pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos, dos Refugiados e Humanitário. Já a migração voluntária, motivada pela busca de melhores condições de vida, é amparada por resoluções da ONU.

No contexto moderno, as migrações, principalmente políticas e econômicas, estão diretamente relacionadas aos postulados do liberalismo, desenvolvidos a partir do século XIX. No entanto, o conceito de liberdade de movimento acabou enfrentando restrições legais, pois crises globais fizeram com que os governos passassem a ver as migrações como fatores de instabilidade econômica e política (Cavarzere, 2001).

A expansão econômica e a inovação tecnológica, principalmente nas áreas de comunicação e transporte, intensificaram os fluxos migratórios, exigindo uma confrontação urgente entre os fatos migratórios e o direito, para que se possam criar soluções políticas eficazes.

Atualmente, os países que mais enfrentam questões migratórias são os da Europa Ocidental e América do Norte (Silva, et al., 2023). A migração, antes considerada marginal, agora ocupa um papel central entre os desafios internacionais. Além disso, critérios tradicionais de nacionalidade, como o jus sanguinis (direito de sangue) e o jus solis (direito de solo), já não são suficientes para definir a cidadania de um indivíduo, especialmente em territórios como a União Europeia, que questionam os modelos tradicionais de aquisição de cidadania devido à ausência de fronteiras internas (Silva, et al., 2023).

2.1 A LEI N. 13.4452017 – Lei de Migração

A Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017) foi promulgada em resposta ao avanço na proteção dos direitos humanos em nível internacional e à necessidade do governo brasileiro de lidar com os crescentes fluxos migratórios para o país, como o aumento da imigração de haitianos e africanos no início dos anos 2010 e, posteriormente, dos venezuelanos a partir de 2014. Antes dessa legislação, a migração era regulada pela Lei nº 6.815/1990, conhecida como Estatuto do Estrangeiro, criada durante o regime militar no Brasil, quando os imigrantes eram vistos como um potencial ameaça à segurança nacional.

A Lei nº 13.445/2017 revogou o Estatuto do Estrangeiro e passou a reconhecer os imigrantes como sujeitos de direitos, equiparando-os aos cidadãos brasileiros. Essa nova legislação trouxe garantias tanto para os estrangeiros que ingressam no Brasil quanto para brasileiros que vivem no exterior, destacando-se o direito à documentação, liberdade de circulação, reunião familiar, acolhida humanitária, acesso à justiça, assistência jurídica gratuita, abertura de contas bancárias e a possibilidade de reingresso no país.

Embora a lei tenha avançado na proteção e facilitação do acesso aos direitos civis dos estrangeiros, em conformidade com a Constituição de 1988, na prática, sua implementação enfrenta desafios. No caso dos imigrantes venezuelanos, por exemplo, a realidade revela a dificuldade do Estado brasileiro em garantir efetivamente os direitos sociais previstos na legislação.

2.2 Migrantes venezuelanos no Brasil

Ao longo de quase dois séculos, do início do século XIX até meados do século XX, a América Latina e as regiões do Caribe vivenciaram grandes fluxos migratórios. Entretanto, na contemporaneidade, esses movimentos começaram a mudar, principalmente devido a fatores sociais e econômicos. De acordo com a CEPAL (2019), cerca de 20 milhões de latino-americanos e caribenhos emigraram de seus países, com a maioria permanecendo nas Américas, especialmente em países fronteiriços da América do Sul.

A migração venezuelana para o Brasil se tornou mais visível após a criação do município de Pacaraima, em Roraima, em 1997, concomitante ao estabelecimento de uma Área de Livre Comércio entre os países. Curiosamente, nos anos 1980, eram os brasileiros que migravam para a Venezuela em busca de melhores condições de vida. Dessa forma,  as migrações são motivadas por diversos fatores políticos, religiosos, naturais ou culturais, mas o econômico historicamente prevalece (Candau, 2005).

No final da década de 1990, a presença de venezuelanos no Brasil aumentou, principalmente em busca de bens e serviços essenciais, como saúde e educação. Esse movimento teve um impacto positivo no comércio local, gerando oportunidades para empresários e comerciantes. A economia de Pacaraima estado de Roraima se beneficiou do aumento das transações comerciais. Martins (1997) argumenta que a exclusão e o desenraizamento são características inerentes à sociedade capitalista desde seu surgimento, refletindo também no cenário migratório.

Historicamente, a América do Sul, particularmente sua fronteira amazônica, tem sido moldada por várias narrativas ideológicas. Desde o período colonial, os viajantes do século XVII retratavam a região com características míticas, enquanto, mais tarde, a fase da borracha trouxe visões apocalípticas. O governo brasileiro também via a Amazônia como um vazio demográfico, buscando estratégias de colonização para ocupar o território (Silva, 2012).

Apesar desse contexto histórico, o aumento do fluxo migratório de venezuelanos para o Brasil, que se intensificou a partir de 2015, é resultado da crise política enfrentada na Venezuela, especialmente após a ascensão do governo Maduro, que aprofundou a crise econômica e social no país (Simões, 2018, p. 386).

No entanto, é importante notar que, apesar de o Brasil ser um destino para esses migrantes, ele não era inicialmente o foco principal da migração venezuelana (Vedovato, 2018).

O cenário interno na Venezuela se agrava, com a crise levando a um aumento da dívida externa, desabastecimento nos setores de alimentos e medicamentos, além da perda gradual de direitos civis e políticos. Essa situação é reconhecida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos como uma crise humanitária (Simões, 2018).

Como resultado, muitos venezuelanos buscam países vizinhos que possam acolhê-los, com Pacaraima, uma cidade fronteiriça no norte de Roraima, sendo o principal ponto de entrada no Brasil. Contudo, a presença de venezuelanos não se limita apenas a Pacaraima; ela se expande também para outras cidades, como Boa Vista, Manaus e atualmente Rondônia (Silva, 2018).

Diante da situação de vulnerabilidade5 enfrentada por uma parte da sociedade venezuelana, para muitos, a permanência no país se torna insustentável. Assim, conforme informações do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), entre 2015 e 2019, cerca de 4 milhões de venezuelanos buscaram abrigo em outras nações, na esperança de conseguir o mínimo necessário para sua sobrevivência.

Como resultado, muitos venezuelanos buscam países vizinhos que possam oferecer abrigo, alimentos e trabalho e as vezes acabam se submetendo em situação análogas a escravidão, conforme veremos no capítulo a seguir

3. O TRABALHO ANÁLAGO A ESCRAVIDÃO E OS MIGRANTES VENEZUELANOS.

O trabalho análogo à escravidão no Brasil remonta à época colonial (Freyre, 2003) e se configura como um dos fundamentos da formação econômica do país, cujos efeitos ainda podem ser observados atualmente (Furtado, 2007). Essa expressão passou por alterações em sua grafia e em seu significado ao longo do tempo, e ainda não há uma terminologia precisa que a defina, embora seu conceito esteja delimitado no âmbito jurídico pelo Código Penal (Nagasaki; Assis; Figueiredo, 2019).

Sob uma perspectiva nacional, o trabalho análogo à escravidão pode ser analisado em relação à sua manifestação no território brasileiro, onde o índice e a movimentação desses trabalhadores se dão de forma abrangente, envolvendo não apenas brasileiros, mas também imigrantes. Isso resulta em um cenário caracterizado pelo aumento de empregos informais, demandando uma fiscalização mais rigorosa por parte do Estado (Fleury; Monteiro, 2014).

Nesse contexto, é importante ressaltar que, atualmente, o trabalho análogo à escravidão se faz presente tanto em áreas urbanas quanto rurais, sendo mais comum nas regiões Norte e Nordeste (Fleury; Monteiro, 2014), o que evidencia as precárias condições a que esses trabalhadores estão submetidos.

Conforme já apresentado, no Brasil a migração faz parte da história desde o período da colonização até os dias atuais, e nossa cultura reflete as influências e lutas de uma sociedade miscigenada6, sempre voltada para o trabalho, seja nas plantações, nas fábricas, na construção de grandes cidades ou nas indústrias.

Atualmente, o trabalho análogo ao escravo ainda utiliza os mesmos métodos para atingir seus objetivos. Esse tipo de exploração geralmente atinge pessoas em situação de vulnerabilidade, que pertencem a uma classe de baixa renda, com pouco acesso à educação e a informações essenciais, além de outros recursos oferecidos pelo governo. Segundo Soares (2013), o trabalho análogo ao escravo é um reflexo da estrutura social brasileira.

Segundo o artigo 149 do Código Penal brasileiro7, o trabalho análogo à escravidão é caracterizado por diversos elementos: condições degradantes de trabalho, que são incompatíveis com a dignidade humana e envolvem a violação de direitos fundamentais, colocando em risco a saúde e a vida do trabalhador; jornada exaustiva, onde o trabalhador é submetido a um esforço excessivo ou a uma carga de trabalho que pode prejudicar sua saúde ou até ameaçar sua vida; trabalho forçado, que se refere à manutenção da pessoa em serviços por meio de fraudes, isolamento geográfico, ameaças e violências físicas ou psicológicas; e servidão por dívida, que ocorre quando se faz o trabalhador contrair um débito ilegal, mantendo-o preso a essa obrigação. Esses elementos podem ocorrer de forma conjunta ou isolada.

A partir desses conceitos, surgem também questões relacionadas às condições de vida e sobrevivência dos imigrantes venezuelanos no Brasil. Com isso, o número de ofertas de emprego frequentemente não consegue atender à demanda, resultado do grande fluxo de imigrantes venezuelanos no país. Como consequência, as condições de trabalho disponíveis, assim como os salários, frequentemente expõem esses trabalhadores a situações degradantes

Uma pesquisa recente realizada por Simões (2017) evidenciou as nuances do fluxo migratório venezuelano no Brasil, considerando a perspectiva dos próprios migrantes. A dispersão desse fluxo no território nacional foi vista como um aspecto positivo para facilitar a integração, especialmente para a inserção no mercado de trabalho. No entanto, um dos desafios identificados é o baixo conhecimento da língua portuguesa, o que complica a adaptação dos imigrantes.

A integração dos venezuelanos ao mercado de trabalho formal revelou-se uma tarefa complexa, levando a situações de desemprego e pobreza, uma vez que o mercado não consegue absorver a mão de obra disponível, resultando em um aumento da precarização das condições de trabalho dos imigrantes (Eberhardt; Miranda, 2017).

Um exemplo dessa situação é apresentado pela ONG Repórter Brasil:

[…] outra ação constatou trabalho escravo em situações ainda piores com venezuelanos em uma fazenda em Roraima em fevereiro. Eles trabalhavam cerca de 10 horas diárias, sem descanso semanal e com salário mensal de R$ 400. Além de ser inferior ao mínimo, os salários não eram pagos ao final do mês. “O empregador somente pagava os salários quando permitia que os empregados regressassem à Venezuela para visitar a família e levar alimentos”, diz o auto de infração. Um dos venezuelanos relatou aos auditores que pediu demissão, mas nem assim o empregador quitou os pagamentos, dizendo que ainda havia trabalho a ser feito. Por conta da retenção salarial e do isolamento geográfico, os auditores consideram que eles estavam submetidos a trabalho forçado. O flagrante foi na fazenda Nova Estrela, que tem cerca de 550 cabeças de gado e fica na região da Serra da Lua, município de Bonfim. Além do Ministério do Trabalho, a operação foi realizada em conjunto com a Polícia Civil. (Magalhães, 2018, s.p.).

A questão do trabalho análogo à escravidão no Brasil já existia, mas se intensificou com o aumento do fluxo migratório e a precarização do trabalho, resultante das dificuldades dessa integração. No âmbito nacional, as políticas públicas voltadas tanto para o combate quanto para a prevenção dessa prática já estavam incorporadas nas respostas do país às exigências internacionais, especialmente às ratificações das Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em particular as de números 29 e 105. Assim, veremos a seguir os casos de trabalho análogo a escravidão em Rondônia.

3.1 Casos em situação de trabalho análogo a escravidão em Rondônia

Em 2020, cinco venezuelanos foram resgatados por equipes da Polícia Federal (PF) em condições de trabalho análogo à escravidão, incluindo uma mulher grávida e uma criança de 11 anos. O resgate ocorreu durante a Operação Ventre Livre, no distrito de Jacinópolis, localizado no município de Nova Mamoré (RO) (G1 RO, 2020).

Ressalta-se que a a ação foi realizada em colaboração com os Ministérios Públicos do Trabalho (MPT) e do Trabalho e Emprego (MTE), além do apoio da Força Nacional e do Centro de Referência de Assistência Social (Creas) de Nova Mamoré (G1 RO, 2020).

A operação foi iniciada após denúncias de órgãos públicos que indicavam que estrangeiros estavam sendo mantidos em condições análogas à escravidão em uma propriedade rural na cidade (G1 RO, 2020).

O caso dos venezuelanos em situação análoga à escravidão na região de Rondônia, especialmente no município de Nova Mamoré, evidencia uma sociedade oportunista em relação ao próximo (particularmente o empresário que alicia trabalhadores visando o lucro). O país de origem desses trabalhadores, a Venezuela, enfrenta uma crise econômica, política e humanitária, com constantes lutas pelo poder entre a oposição e o governo . Assim, a sociedade venezuelana se torna vulnerável a diversas situações adversas, como o aumento substancial do desemprego, que impulsiona a migração e a exploração desses indivíduos.

Assim, em 2022 em Porto Velho, Rondônia, 29 trabalhadores rurais foram resgatados em condições de trabalho degradantes, com diversas irregularidades detectadas, incluindo o descumprimento de normas de segurança, saúde e higiene. Entre os problemas constatados estavam casos de malária entre os trabalhadores, alojamentos em locais insalubres e alimentação inadequada (MPT, 2022). Os trabalhadores, recrutados de diferentes regiões para atuar na plantação de soja e na catação de raiz, incluíam um venezuelano e dois menores de 18 anos.

A Operação Resgate II, a maior ação conjunta no Brasil para combater o trabalho análogo ao escravo e o tráfico de pessoas, foi realizada com a participação da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU), Polícia Federal (PF) e Polícia Rodoviária Federal (PRF) (MPT, 2022).

A partir desse caso, a presente operação demonstra não apenas a vulnerabilidade desses trabalhadores, recrutados muitas vezes de forma exploratória, mas também a atuação integrada de órgãos federais e locais no combate a essas violações de direitos humanos. O caso mostra que a exploração da mão-de-obra, especialmente em regiões rurais e em atividades de difícil fiscalização, continua a ser um desafio para o Brasil.

Segundo Lima (2019), a escravidão contemporânea no Brasil persiste devido à combinação de vulnerabilidades econômicas, baixo acesso à educação, e a impunidade em relação às práticas de exploração. Essas condições propiciam a permanência de formas degradantes de trabalho, como as descritas na Operação Resgate II.

4 O DIREITO INTERNACIONAL E OS DIREITOS HUMANOS NA PROTEÇÃO DE MIGRANTES E A RESPONSABILIDADE CIVIL

O direito internacional está atrelado aos direitos humanos, é considerado a base moderna da proteção dos indivíduos. Seus antecedentes históricos remotos remontam aos tratados de paz de Westfália de 1648, que encerraram a Guerra dos Trinta Anos. No entanto, os precedentes mais diretos desse sistema de proteção são o Direito Humanitário, desenvolvido no século XIX para proteger civis em conflitos armados ao limitar a ação dos Estados, e a criação da Liga das Nações em 1920 após a Primeira Guerra Mundial (Mazzuoli, 2011).

Faz-se relevante mencionar que a Liga das Nações incluía disposições genéricas sobre direitos humanos que representavam um desafio à concepção de soberania estatal absoluta, estabelecendo sanções econômicas e militares que a comunidade internacional poderia impor aos Estados que violassem suas obrigações. (Piovesan, 2010).

Assim, Direitos Humanos de acordo com a afirmação de Charles Malik, relator da Comissão de Direitos Humanos da ONU e representante do Líbano em 1947, citada pelo autor Mello (2004), refere-se claramente ao homem. Quando falamos de direitos, estamos nos referindo a algo que pertence à essência do ser humano, que não é meramente acidental e que não muda com o tempo, modas, estilos ou sistemas; trata-se de algo inerente ao homem enquanto ser humano.

Por outro lado, o conceito de direitos humanos para as Nações Unidas, à época da criação de um dos documentos mais significativos sobre o tema, reflete uma crescente imposição nas relações internacionais neste início de milênio. Estes direitos representam um avanço ético global ao estabelecer um conjunto de direitos que todos os seres humanos devem observar para garantir sua condição universal de humanidade. Eles são fundamentais na valorização da pessoa e são essenciais para que cada indivíduo se realize plenamente como sujeito de direitos (Del, Olmo, 2011).

A necessidade inata do ser humano de viver com dignidade e segurança impulsiona-o irrevogavelmente a lutar contra a opressão e a injustiça, buscando uma forma de existência onde possa alcançar esses ideais.

4.1 A Proteção dos vulneráveis e o Princípio da Igualdade

A compreensão de igualdade não pode ser usada como um critério para diferenciar nacionalidades, considerando que diversos documentos internacionais reforçam a necessidade de um tratamento equitativo entre cidadãos e estrangeiros. No entanto, essa igualdade nem sempre é aplicada na prática (Rawls, 2003).

A implementação de políticas que promovam a igualdade é fundamental quando se tem como meta alcançá-la. É essencial adotar medidas que incentivem a reavaliação das estruturas sociais, visando eliminar divisões que dificultam o acesso a direitos semelhantes. Fica claro que superar as barreiras da desigualdade no Direito é um desafio, uma vez que ele tende a preservar o conservadorismo social. As dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores imigrantes para alcançar a igualdade vão além do âmbito jurídico, englobando questões sociais, étnicas, linguísticas, culturais, entre outras formas de segregação.

Vale destacar que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) reconhece que os imigrantes se encontram em uma posição de maior vulnerabilidade em comparação aos cidadãos ou residentes de um Estado. Isso ocorre porque os imigrantes estão em desvantagem devido a diferenças legais e estruturais que perpetuam essa situação (Batista, 2016).

Assim, o acesso deles aos serviços públicos oferecidos pelos Estados é geralmente desigual, o que intensifica os preconceitos culturais e agrava ainda mais as condições de vulnerabilidade que enfrentam. Além disso, essa fragilidade é acentuada por fatores como preconceito étnico, xenofobia e racismo, dificultando sua integração na sociedade e resultando na impunidade para as violações de direitos humanos que sofrem (Batista, 2016).

4.2 A responsabilidade civil pela prática de trabalho análogo a escravidão.

No que diz respeito à responsabilização civil nas situações de trabalho escravo contemporâneo o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo no Brasil (Instituto Ethos et al., 2005) reúne esforços para promover a dignidade e a modernização das relações de trabalho nas cadeias produtivas dos setores listados na lista suja. Esse documento possibilita a adesão de atores sociais que estão comprometidos com a dignidade humana, buscando a formalização e a modernização das relações laborais, além da erradicação do trabalho escravo.

Sobre essa lista suja, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), através da Secretaria de Inspeção do Trabalho, anunciou em 2024 a atualização do Cadastro de Empregadores que exploram trabalhadores em condições análogas à escravidão, comumente chamado de lista suja (Agência Gov, 2024).

Nesta nova edição, foram incluídos 248 empregadores, o que representa o maior número de adições já registrado. Desses, 43 foram incorporados ao cadastro por práticas de trabalho análogo à escravidão no setor doméstico (Agência Gov., 2024).

As áreas econômicas que mais contribuíram para essa atualização incluem: trabalho doméstico (43), cultivo de café (27), criação de bovinos (22), produção de carvão (16) e construção civil (12) (Agência Gov, 2024).

Essa atualização é realizada semestralmente e visa aumentar a transparência dos atos administrativos resultantes das ações fiscais contra o trabalho escravo. As operações são conduzidas por auditores-fiscais do trabalho do MTE, que frequentemente trabalham em conjunto com representantes da Defensoria Pública da União (DPU), do Ministério Público Federal (MPF), do Ministério Público do Trabalho (MPT), da Polícia Federal (PF), da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e outras agências de segurança (Agência Gov, 2024).

Ressalta-se que existem diversas decisões judiciais que estabelecem a responsabilidade civil subjetiva no contexto do trabalho escravo contemporâneo no ambiente laboral (Barros e Silveira, 2016). Contudo, a discussão sobre a fundamentação teórica que possibilita o reconhecimento da responsabilidade civil objetiva apresenta um panorama diferente.

Embora essa abordagem seja pouco representada na jurisprudência, ela se mostra uma possibilidade jurídica viável, considerando que é dever do agente causador reparar os danos decorrentes da poluição ambiental no ambiente de trabalho. Em outras palavras, tanto o contratante quanto o prestador de serviços que utilizam trabalho análogo ao de escravo devem indenizar as vítimas pelos danos sofridos, dentro de um processo de encadeamento contratual que compromete a saúde do ambiente laboral (Braga e Monteiro, 2021).

Nesse contexto, entre as várias correntes teóricas que apoiam a responsabilização objetiva do empregador ou do demandante na concepção de uma cadeia de valor, destacam-se as seguintes: i) a teoria do risco-proveito; ii) a teoria da ajenidad8, alheamento ou alteridade; iii) a teoria do risco criado; e iv) a teoria do risco integral.

Originada na Europa, a teoria do risco-proveito emergiu como resposta ao aumento dos casos de acidentes decorrentes do avanço da indústria e à sua crescente relevância na sociedade europeia. Essa mudança visava assegurar maior proteção às vítimas, substituindo o conceito de culpa pelo de risco.

A teoria fundamenta-se na perspectiva do consumidor, conforme os artigos 12 e 18 da Lei 8.078 (Brasil, 1990), e se manifesta quando um agente econômico, que busca lucro em suas atividades, assume a responsabilidade pelos danos físicos e psicológicos sofridos por seus empregados. Assim, a teoria do risco-proveito surge como um intermediário entre a responsabilidade subjetiva e a objetiva, permitindo que aqueles que se beneficiam economicamente indenizem os danos causados a seus empregados (Fernandes, 2019).

Argumenta-se que essa responsabilidade deve abranger tanto os trabalhadores diretos quanto os terceirizados, visto que todos se beneficiam mutuamente do resultado do trabalho, mesmo que resolvam posteriormente entre si o grau de contribuição para o dano.

 Por sua vez, a teoria da ajenidad9, ou do alheamento, fundamentada no artigo 2º da CLT, estabelece que o tomador da força de trabalho assume os riscos relacionados ao seu uso, sendo responsável pelos resultados positivos ou negativos dessa relação. No âmbito das cadeias de valor, essa teoria se relaciona à subordinação estrutural, que se manifesta pela integração do trabalhador na dinâmica do tomador de serviços, independentemente de receber ordens diretas, pois está inserido na estrutura organizacional e funcional do tomador (Delgado, 2006).

A teoria do risco da atividade, que se baseia no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil (Brasil, 2002), relaciona-se com a realização de atividades que envolvem risco, funcionando como um nexo causal e dispensando a necessidade de se apurar a culpa (Fernandes, 2019).

Facchini Neto (2003) afirma que, de acordo com essa teoria, a responsabilidade não é mais vista como uma retribuição por um benefício ou lucro pessoal, mas como uma consequência inevitável da atividade em si.

 Dessa forma, a noção de risco deixa de ter um viés econômico ou profissional. Sua aplicação não se restringe mais a atividades empresariais, indústrias ou comércio, mas abrange qualquer ação humana que possa causar dano à esfera jurídica de outra pessoa. Quando esse potencial se concretiza e causa danos a um trabalhador, que é desrespeitado em sua dignidade, surge a obrigação de indenizar. No entanto, em certas circunstâncias, essa teoria do risco mostrou-se inadequada e, à primeira vista, injusta, mesmo considerando o novo modelo de responsabilidade que buscava garantir a devida indenização à vítima.

Isso ocorre especialmente quando existem fatores como caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima, levando ao desenvolvimento da teoria do risco integral no campo jurídico. De acordo com essa teoria, para que o poluidor suporte os custos de reparação, é suficiente demonstrar que sua atividade representa um risco de causar danos ambientais. Assim, o dano ambiental não deve ser transferido para a coletividade, mas deve ser absorvido nos custos das atividades que têm potencial poluidor. Essa fundamentação está respaldada no artigo 225, § 3º, da Constituição da República (Brasil, 1988), e no artigo 14, § 1º, da Lei n. 6.938 (Brasil, 1981), que sustentam a responsabilidade objetiva e o princípio do poluidor-pagador.

Assim, a responsabilidade civil pela prática de trabalho análogo à escravidão é uma questão urgente e complexa que demanda uma abordagem multidimensional, especialmente no contexto dos migrantes venezuelanos.

Estes indivíduos, frequentemente em busca de melhores condições de vida, tornam-se vulneráveis a situações de exploração e abuso, sendo alvos fáceis para práticas laborais degradantes.

A legislação brasileira, ao reconhecer a gravidade dessa problemática, impõe a responsabilidade civil aos empregadores que se beneficiam da exploração do trabalho, reforçando a necessidade de proteção dos direitos dos migrantes. Assim, é fundamental que políticas públicas eficazes sejam implementadas para garantir a dignidade e os direitos humanos desses trabalhadores, prevenindo a reincidência de situações análogas à escravidão e promovendo um ambiente de trabalho seguro e justo para todos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo, abordamos a vulnerabilidade dos migrantes e refugiados no estado de Rondônia, com foco nas condições análogas à escravidão que muitos enfrentam. O problema central foi claramente delineado: como a legislação e os direitos humanos estão sendo aplicados no Brasil para proteger os migrantes contra situações de exploração e trabalho análogo à escravidão? A pesquisa buscou responder a essa questão, alcançando os objetivos propostos.

Por meio da análise das causas da vulnerabilidade dos migrantes em Rondônia, foi possível identificar as principais características socioeconômicas desse grupo e as condições precárias de trabalho a que estão submetidos. O estudo revelou que muitos migrantes são aliciados para trabalhar em situações degradantes, sendo frequentemente vítimas de exploração. Além disso, a investigação dos aspectos legislativos da Lei de Migração e da normatização acerca do trabalho análogo à escravidão permitiu uma compreensão mais aprofundada das lacunas existentes na proteção dos direitos dos migrantes.

Ao avaliar a legislação e sua aplicação, foi possível constatar  que, apesar das disposições legais voltadas à proteção dos migrantes, a efetividade dessas normas é limitada pela falta de fiscalização e pela precariedade dos mecanismos de proteção. A responsabilidade civil se apresenta como um importante instrumento na prevenção da exploração laboral, mas sua aplicação ainda enfrenta desafios significativos.

Em conclusão, a pesquisa não apenas elucidou as dificuldades enfrentadas pelos migrantes e refugiados em Rondônia, mas também destacou a importância de fortalecer as políticas públicas e os mecanismos de proteção.

É fundamental que o Brasil implemente de maneira mais eficaz as leis existentes, garantindo assim a dignidade e os direitos fundamentais dos migrantes, além de promover uma sociedade mais justa e inclusiva. A proteção dos direitos humanos deve ser uma prioridade, exigindo um compromisso contínuo de todas as esferas da sociedade para erradicar as condições análogas à escravidão e promover a integração plena desses indivíduos.


4Toda a pessoa tem o direito de livremente circular e escolher a sua residência no interior de um Estado. 2. Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país. In art 13 Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948.

5O conceito de vulnerabilidade, no contexto da migração venezuelana, refere-se à situação precária em que muitos indivíduos se encontram devido a fatores sociais, econômicos e políticos. Essa vulnerabilidade é ampliada pela crise humanitária na Venezuela, que resulta em dificuldades extremas para acesso a alimentos, cuidados de saúde e direitos básicos (Vargas; Shimizu; Monteiro, 2023).

6“ A miscigenação ou mestiçagem consiste na mistura de raças, de povos e de diferentes etnias. Assim, multirraciais ou multiétnicas são as pessoas que não são descendentes de uma única origem. Essas pessoas possuem características de cada uma das raças de que descendem” (àwure, 2022, p.2).

7“Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem: I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime for cometido: I – contra criança ou adolescente; II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.” (NR)

8Essa concepção foi posteriormente aprimorada por outros doutrinadores espanhóis, com destaque para o conceito de alienação na utilidade patrimonial, proposto em 1972 por Montoya Melgar, que acabou sendo incorporado à doutrina de Olea.

9ressaltar que a noção de ajenidad, que é considerada a essência do contrato de trabalho, tem suas raízes no conceito de alienação do trabalho, mas não se resume a uma simples reprodução ou sinônimo desse último. O conceito de ajenidad enriquece a ideia de alienação do trabalho ao abordar a apropriação dos frutos do trabalho alheio desde o instante em que estes estão sendo gerados. Para ilustrar essa ideia, pode-se utilizar o mar como uma metáfora: a ajenidad seria a apropriação do movimento das ondas, resultando na formação de espuma.

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1Acadêmica de Direito. Artigo apresentado à (Faculdade de Direito Unisapiens) como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO, 2024. E-mail: ingridluizebr@gmail.com

2Acadêmico de Direito. Artigo apresentado à (Faculdade de Direito Unisapiens) como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO, 2024. E-mail: lindovaldopaiva032@gmail.com

3Professora Orientadora da Faculdade de Direito Unisapiens. Email: jennifer.gomes@gruposapiens.com.br