O ENGAJAMENTO DOS ESTUDANTES DE MEDICINA COM AS PRÁTICAS PROFILÁTICAS DO HIV

MEDICAL STUDENTS’ ENGAGEMENT WITH HIV PROPHYLACTIC PRACTICES

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202410251311


Marcos Henrique Santos Oliveira
Maria Clara Borges da Silva
Orientador(a): Arthur de Oliveira Rocha Villela.


RESUMO

O vírus da imunodeficiência humana (HIV) permanece sendo um dos principais desafios globais de saúde pública, com aproximadamente 1,5 milhões de novas infecções em 2021, apesar dos avanços terapêuticos que transformaram o prognóstico da AIDS. No Brasil, o HIV apresenta uma taxa de incidência de 17,69 casos por 100 mil habitantes em 2020, com aumento significativo entre jovens de 13 a 29 anos, especialmente nas regiões Norte e Nordeste. Este estudo transversal analisou 50 estudantes de medicina de uma universidade no Brasil, investigando a associação entre faixa etária e práticas sexuais seguras, como o uso de preservativos, bem como a percepção de vulnerabilidade ao HIV. Os resultados indicam que 61,2% dos estudantes usaram preservativos nas relações sexuais dos últimos 12 meses, sem correlação significativa com a faixa etária (p=0,507). Entretanto, 50% dos estudantes justificaram o não uso de preservativos pela confiança no parceiro, e 82% acreditam que dificilmente seriam infectados pelo HIV devido ao seu meio social. A análise estatística também mostrou que a percepção de invulnerabilidade ao HIV não varia significativamente com a faixa etária (p=0,350). Este estudo investigou a percepção de risco e uso de preservativos entre estudantes de medicina, concluindo que não há correlação significativa entre faixa etária e práticas seguras. A confiança no parceiro foi um fator relevante no não uso de preservativos, destacando a necessidade de campanhas educacionais para promover comportamentos preventivos e conscientização entre futuros profissionais de saúde.

Palavras-chave: HIV; prevenção; estudante de medicina

ABSTRACT

The human immunodeficiency virus (HIV) remains one of the main global public health challenges, with approximately 1.5 million new infections in 2021, despite the therapeutic advances that have transformed the prognosis of AIDS. In Brazil, HIV has an incidence rate of 17.69 cases per 100,000 inhabitants in 2020, with a significant increase among young people aged 13 to 29, especially in the North and Northeast regions. This cross-sectional study analyzed 50 medical students from a university in Brazil, investigating the association between age group and safe sex practices, such as the use of condoms, as well as the perception of vulnerability to HIV. The results indicate that 61.2% of the students used condoms during sexual relations in the last 12 months, with no significant correlation with age group (p=0.507). However, 50% of the students justified not using condoms because they trusted their partner, and 82% believed that they would be unlikely to be infected with HIV because of their social environment. Statistical analysis also showed that the perception of invulnerability to HIV does not vary significantly with age group (p=0.350). This study investigated risk perception and condom use among medical students, concluding that there is no significant correlation between age group and safe practices. Trust in the partner was a relevant factor in the non-use of condoms, highlighting the need for educational campaigns to promote preventive behaviors and awareness among future health professionals.

Keywords: HIV; prevention; medical student

RESUMEN

El virus de inmunodeficiencia humana (VIH) sigue siendo uno de los principales desafíos mundiales de salud pública, con aproximadamente 1,5 millones de nuevas infecciones en 2021, a pesar de los avances terapéuticos que han transformado el pronóstico del SIDA. En Brasil, el VIH tiene una tasa de incidencia de 17,69 casos por 100.000 habitantes en 2020, con un aumento significativo entre los jóvenes de 13 a 29 años, especialmente en las regiones Norte y Nordeste. Este estudio transversal analizó a 50 estudiantes de medicina de una universidad de Brasil, investigando la asociación entre el grupo de edad y las prácticas sexuales seguras, como el uso del preservativo, así como la vulnerabilidad percibida al VIH. Los resultados indican que el 61,2% de los estudiantes utilizaron preservativos durante las relaciones sexuales en los últimos 12 meses, sin correlación significativa con el grupo de edad (p=0,507). Sin embargo, el 50% de los estudiantes justificó el no uso del preservativo por la confianza en su pareja, y el 82% creía que era poco probable que se infectaran por el VIH debido a su entorno social. El análisis estadístico también mostró que la percepción de invulnerabilidad al VIH no varía significativamente con el grupo de edad (p=0,350). Este estudio investigó la percepción del riesgo y el uso del preservativo entre los estudiantes de medicina, concluyendo que no existe una correlación significativa entre el grupo de edad y las prácticas seguras. La confianza en la pareja fue un factor relevante en la no utilización del preservativo, destacando la necesidad de campañas educativas para promover comportamientos preventivos y de concienciación entre los futuros profesionales de la salud.

Palabras-clave: VIH; prevención; estudiante de medicina                  

1. INTRODUÇÃO

A evolução no manejo de indivíduos vivendo com o vírus da imunodeficiência (HIV), o vírus responsável pela síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), apresenta um cenário significativamente distinto daquele observado nos primeiros anos da epidemia. Anteriormente, a infecção pelo HIV estava associada a um prognóstico de morte iminente; hoje, no entanto, o curso da doença permite uma convivência prolongada, graças aos avanços terapêuticos, especialmente os antirretrovirais, que proporcionam uma qualidade de vida próxima à normalidade. Esse progresso terapêutico, em certa medida, obscurece aspectos históricos da doença, como a elevada estigmatização e as altas taxas de mortalidade por infecções oportunistas em pacientes vitimados pela AIDS. Este passado, no entanto, não surtiu os efeitos adequados sobre a profilaxia de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) na população. Dados recentes indicam que 59% da população sexualmente ativa relatou não ter utilizado preservativo nos últimos 12 meses, sendo que a principal justificativa foi a confiança no parceiro (73,4%) (Felisbino-Mendes et al., 2021). Dados de 2021, indicam houve aproximadamente 1,5 milhões de novas pessoas infectadas pelo HIV. Revelando, ainda, a alta infectividade da doença, apesar dos métodos profiláticos já conhecidos. (UNAIDS, 2022)

Além disso, persiste a percepção equivocada de que o HIV afeta predominantemente indivíduos com menor nível de escolaridade, sob a suposição de que a falta de conhecimento sobre práticas preventivas os torna mais vulneráveis à infecção. No entanto, há evidências de que uma parcela da população com alta escolaridade, embora bem informada sobre o vírus e suas formas de transmissão, também se expõe ao risco ao não utilizar métodos de prevenção de forma consistente. Isso destaca a necessidade de desconstruir o estigma de que o HIV é uma doença restrita a grupos socioeconômicos ou intelectuais desfavorecidos, visto que o vírus não discrimina em função de classe social ou nível de instrução (Pereira et al., 2022; Vieira, 2021) Corroborando com o dado supracitado, uma pesquisa realizada entre estudantes de medicina mexicanos revelou que uma proporção significativa é sexualmente ativa e frequentemente engaja-se em sexo sem proteção, especialmente o sexo oral (Garcia-Romo et al., 2024).

A partir da análise da literatura pré-existente, os autores observaram que havia uma necessidade de se haver mais estudos que correlacionassem o engajamento de estudantes do curso de medicina com o uso de preservativos para a profilaxia do HIV. Dessa forma, o presente estudo tem como objetivo identificar se há relação entre a faixa etária dos estudantes de medicina com práticas sexuais inseguras e, além disso, o presente estudo também pretende avaliar se os estudantes se consideram afastados da possibilidade de infecção pelo vírus do HIV, uma vez que, como supracitado, esta infecção tem sido historicamente atrelada, de forma preconceituosa, a indivíduos de baixa instrução e nível socioeconômico.

2. METODOLOGIA

O presente artigo é um estudo transversal, qualitativo, de caráter descritivo. Foi utilizado como instrumento de coleta de dados um questionário estruturado pelos autores composto por seis perguntas fechadas, que abordaram dados pessoais, como a faixa etária dos participantes e perguntas relacionadas ao uso de preservativos, percepções sobre o risco de contaminação pelo HIV e a eficácia de campanhas de educação em saúde. Foram incluídos nesta pesquisa os participantes que fossem acima dos 18 anos de idade, que estudassem no curso de medicina do Centro Universitário de Volta Redonda. Foram excluídos os participantes abaixo de 18 anos matriculados no curso de medicina do Centro Universitário de Volta Redonda, e aqueles matriculados em outros cursos de graduação, além disso, também não foram incluídos neste estudo, estudantes de medicina de outras instituições de ensino. 

Para a revisão de literatura que embasa e justifica esta pesquisa de campo, utilizou-se os seguintes bancos de dados: PubMed, Scielo, o website do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS) e o Ministério da Saúde do

Brasil. Nas plataformas de pesquisa, “PubMed” e “Scielo”, para embasar a fundamentação teórica deste estudo transversal, foram utilizados como descritores “student”, “epidemiology”, “HIV”, “Brazil”, em adição aos seguintes filtros: artigos revisão, revisão sistemática, livros e documentos, dos últimos 5 anos, disponíveis em inglês ou português, com texto completo e gratuito. Foram selecionados artigos que apresentassem dados epidemiológicos sobre o HIV no contexto brasileiro, além de artigos que abordassem o HIV relacionado a estudantes universitários. Foram excluídos artigos que não abordassem dados epidemiológicos e que abordassem aspectos específicos da doença – como co-infecções, tratamento, resposta a drogas- publicações com acesso restrito ou que abordassem faixas etárias não relevantes para o estudo – como pessoas abaixo de 18 anos e idosos.

Para a análise dos dados deste estudo, optou-se pela aplicação do Teste Quiquadrado (χ²) como método estatístico principal. Esse teste é adequado para verificar a associação entre variáveis categóricas, como as respostas dos estudantes de medicina às perguntas do questionário e suas características demográficas.  O Teste Qui-quadrado foi escolhido devido à natureza das variáveis investigadas, que são categóricas e podem ser distribuídas em tabelas de contingência (por exemplo, a associação entre a faixa etária dos estudantes e a utilização de preservativos). Esse teste permite avaliar se as diferenças observadas entre as categorias são estatisticamente significativas ou se podem ter ocorrido ao acaso. Os dados foram organizados em tabelas de contingência. Por exemplo, para avaliar a relação entre faixa etária e uso de preservativos, os estudantes foram distribuídos nas categorias de faixa etária (17 a 22 anos, 23 a 28 anos etc.) e nas respostas dicotômicas (Sim/Não) quanto ao uso de preservativo nos últimos 12 meses. Outras relações foram analisadas de maneira semelhante, como a confiança no parceiro e a percepção de vulnerabilidade ao HIV. Para cada relação investigada, as hipóteses nulas (H₀) e alternativa (H₁) foram definidas da seguinte forma:

  • Hipótese Nula (H₀): Não há associação entre as variáveis analisadas (por exemplo, a faixa etária e o uso de preservativos).
  • Hipótese Alternativa (H₁): Existe uma associação significativa entre as variáveis (por exemplo, a faixa etária influencia o uso de preservativos).

O teste foi aplicado para cada tabela de contingência gerada entre as variáveis, como: 

  • Faixa etária vs. Uso de preservativos.
  • Faixa etária vs. Confiança no parceiro.
  • Faixa etária vs. Percepção de vulnerabilidade ao HIV.
  • Percepção de vulnerabilidade ao HIV vs. Uso de preservativos.
  • Uso de preservativo vs. A crença de que em seu meio social estará imune ao HIV

Foi adotado um nível de significância de 5% (α = 0,05). Após calcular o valor de χ² para cada associação, o valor foi comparado com o valor crítico da distribuição Qui-quadrado para os graus de liberdade (df) correspondentes. Se o valor de p (probabilidade associada ao χ² calculado) fosse menor que 0,05, a hipótese nula seria rejeitada, indicando uma associação estatisticamente significativa entre as variáveis. Se o valor de p fosse maior ou igual a 0,05, a hipótese nula seria aceita, indicando que não há associação significativa entre as variáveis.

Este estudo recebeu a devida aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa, conforme o CAAE 74261123.8.0000.5237, e observa rigorosamente os preceitos éticos estabelecidos na Declaração de Helsinque, promulgada pela Associação Médica Mundial. Ademais, a condução desta investigação está em plena conformidade com as normativas éticas específicas aplicáveis a pesquisas envolvendo seres humanos no Brasil.

3. REVISÃO DE LITERATURA

O vírus da imunodeficiência humana (HIV) é um retrovírus que causa a destruição progressiva do sistema imunológico, levando à síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) se não tratado. O HIV infecta principalmente as células T CD4+, utilizando os receptores CD4 e os correceptores CCR5 ou CXCR4 para entrar nas células. (Bekker et al., 2023) O período de incubação do HIV é prolongado e via de transmissão é sexual, vertical ou por transfusão sanguínea. (Brasil, 2022). 

Mundialmente, estima-se que em 2019 havia 36,9 milhões de habitantes com HIV, com a prevalência de 476 casos por 100 mil habitantes. No contexto brasileiro, a taxa de incidência do HIV em 2020 foi de 17,69 casos por 100 mil habitantes e a tendência geral de 2005 a 2020 foi de queda no país. No entanto, houve um aumento da incidência das faixas etárias de 13 a 29 anos nas regiões Norte e Nordeste do país. Apesar do HIV ser um vírus de carga viral controlável com antiretroviriais, ainda em 2020, houve 10.417 óbitos pela síndrome da imunodeficiência adquirida. O perfil da epidemia nacional segue uma tendência global, onde a prevalência é mais elevada em determinados grupos populacionais, como homens gays, bissexuais, homossexuais e mulheres transgênero. (Batista et al., 2023; Damacena et al., 2022; Guimarães et al., 2019)

A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) em 2020, estimou que aproximadamente 69% dos adolescentes de 13 a 18 anos de escolas públicas e privadas do Brasil que tiveram relações sexuais utilizaram preservativo e aqueles que não fizeram uso do preservativo, em ambos os sexos, não o utilizaram por não terem recebido um aconselhamento sobre a contracepção ou orientação sobre as infecções sexualmente transmissíveis em escolas ou por profissionais de saúde. (Noll et al., 2020) Já no ambiente de ensino superior, um estudo realizado com universitários dos cursos de graduação da Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul, demonstrou que a prevalência de comportamento sexual de risco foi de 9% e destes, os homens foram os que apresentaram o comportamento sexual mais arriscado, com prevalência de 10,8%, enquanto as mulheres apresentaram 7,5%. Do total de estudantes entrevistados, 45% não utilizaram preservativo na última relação sexual. (Graf, D. D.; Mesenburg, M. A.; Fassa, A. G., 2020)

O HIV, é um vírus que pode ser transmitido pela prática sexual desprotegida, pelo compartilhamento de agulhas, pela transfusão sanguínea e pela transmissão vertical – de mãe para filho. A profilaxia do HIV é efetiva e distribuída gratuitamente em unidades públicas de saúde pelo Brasil. Os preservativos masculino e feminino são os principais meios de prevenção da infecção. (Brasil, 2022).

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na coleta total dos dados, 50 estudantes do curso de medicina da Fundação Oswaldo Aranha de Volta Redonda responderam ao questionário. Os estudantes foram indagados quanto a sua faixa etária: entre 17 e 22 anos, entre 23 e 28 anos, entre 29 e 34 anos, entre 35 e 40 anos e maior que 40 anos. Ademais, variáveis qualitativas de “sim” ou “não” foram aplicadas sobre as seguintes afirmativas: “Você usou camisinha na maioria das suas relações sexuais nos últimos 12 meses”, “O não uso do preservativo é justificado por conta da confiança no parceiro”, “Você justifica o ato de não se proteger, pois pensa que dificilmente será infectado pelo vírus do HIV por conta do seu meio social?”, “Você concorda com a frase: “acho que o HIV é uma doença mais restrita aos hospitais que eu frequento como acadêmicos e aos livros que eu leio durante a graduação””, “Você acha que só a educação em saúde resolveria a problemática da prevenção contra o  HIV entre os estudantes de medicina ? ex. campanhas de conscientização dentro das faculdades”.

Outrossim, dos 50 alunos que participaram do estudo, 52% tinham idade entre 23 e 28 anos, 28% entre 17 e 22 anos, 18% entre 29 e 34 anos e 2% entre 35 e 40 anos, não houve participantes com idade superior a 40 anos de idade. Do total, 49 pessoas responderam a pergunta “Você usou camisinha na maioria das suas relações sexuais, nos últimos 12 meses?”, destes, 61,2% marcaram “sim” como alternativa e 38,8% marcaram “não” como alternativa. Já sobre a pergunta “O não uso do preservativo é justificado por conta da confiança no parceiro (a)?”, 50 pessoas responderam, destes, 50% marcaram “sim” como alternativa e 50% marcaram “não” como alternativa. Quando indagados sobre “Você justifica o ato de não se proteger, pois pensa que dificilmente será infectado pelo vírus do HIV por conta do seu meio social?”, das 50 respostas, 82% marcaram “sim” como alternativa e 18% marcaram “não” como alternativa. Ademais, a pergunta “Acho que o HIV é uma doença mais restrita aos hospitais que eu frequento como acadêmico e aos livros que leio durante a graduação?”, 88% responderam que “sim” e 12% responderam que “não”. Por fim, os estudantes foram perguntas “Você acha que só a educação em saúde resolveria a problemática da prevenção contra o HIV entre os estudantes de medicina? Ex. campanhas de conscientização dentro das faculdades”, 78% assinalaram “sim” como resposta e 22% assinalaram “não”.

Assim, com o intuito de se fazer uma análise inferencial sobre os dados coletados, foi-se utilizado o Teste Qui-quadrado para amostras independentes.  Dessa forma, analisamos se havia uma associação entre a faixa etária e o uso de preservativo (Tabela 1).

Tabela 1: relação entre faixa etária e uso de camisinha nos últimos 12 meses

Fonte: Autores (2024)

A partir da aplicação do Qui-quadrado para amostras independentes, analisando a hipótese nula: “não há associação entre a faixa etária e o uso de camisinha”. Observou-se um valor de p de 0.507, com base nesses dados, o uso de camisinha parece ser independente da faixa etária entre os estudantes de medicina. Além disso, correlacionamos também, a faixa etária dos estudantes com a seguinte pergunta: “O não uso do preservativo é justificado por conta da confiança no parceiro?”. Foi observado um valor de p de 0.671 e, portanto, não encontramos evidências de uma associação real entre a faixa etária e esta afirmativa (Tabela 2).

Tabela 2: relação entre faixa etária e uso de camisinha com parceiro de confiança

Fonte: Autores (2024)

Analisamos, também, se havia relação estatística significativa entre a faixa etária dos estudantes com a pergunta “Você justifica o ato de não se proteger, pois pensa que dificilmente será infectado pelo vírus do HIV por conta do seu meio social?”. Obtivemos como valor de p 0.350, não havendo relação estatística significativa entre os estudantes medicina não se precaverem do HIV por conta do seu meio social (Tabela 3). 

Tabela 3: relação entre a faixa etária e o ato de não se proteger contra o HIV

Fonte: Autores (2024)

Correlacionamos, além disso, a afirmativa “Acho que o HIV é uma doença mais restrita aos hospitais que frequento como acadêmico e aos livros que leio durante a graduação” com a faixa etária dos estudantes. A partir da aplicação do teste Quiquadrado, obtivemos um valor de p de 0.864, demonstrando não haver relação entre as faixas etárias dos estudantes de medicina com afirmativa (Tabela 4). Dessa forma, é possível inferir que os estudantes de medicina conseguem mensurar o risco de infecção pelo vírus do HIV mesmo em pessoas com algum conhecimento técnico sobre a infecção.

Tabela 4: relação da faixa etária com o afastamento da doença

Fonte: Autores (2024)

Analisamos, ainda, se havia relação entre as respostas coletadas dos estudantes de medicina sobre a pergunta “Você usou camisinha na maioria das suas relações sexuais, nos últimos 12 meses?” com a afirmativa “O não uso do preservativo é justificado por conta da confiança no parceiro (a), obtendo um p de 0.012, demonstrando, dessa forma, significância estatística dessa relação (Tabela 5). Nesse sentido, é possível afirmar que para os estudantes de medicina, o uso da camisinha está possivelmente mais atrelado a relações sexuais com parceiras desconhecidas ou em relações em que não há confiança estabelecida entre os parceiros.

Tabela 5: relação entre o uso de preservativo com a confiança no parceiro sexual

Fonte: Autores (2024)

Por fim, correlacionamos a pergunta “Você usou camisinha na maioria das suas relações sexuais nos últimos 12 meses?” com a pergunta “Você justifica o ato de não se proteger, pois pensa que dificilmente será infectado pelo vírus do HIV por conta do seu meio social?”, obtendo valor de p de 0.057. Neste viés, é possível inferir que, apesar dos estudantes de medicina em seu meio social haver mais acesso a informação sobre ISTs, como o HIV, não há subestimação da possibilidade do estudante se infectar durante o ato sexual.

Este estudo, no entanto, apresenta algumas limitações que podem afetar a validade dos resultados. A amostra apresentada é relativamente pequena (50 estudantes), o que pode não ser representativa da população de estudantes de medicina como um todo. Além disso, o estudo foi realizado em uma única instituição, o que limita a generalização dos resultados, não havendo, assim, uma diversidade geográfica destes estudantes. Ademais, devido ao autorreporte das respostas do questionário por parte dos estudantes, este tipo de coleta está sujeito a vieses, uma vez que os participantes podem fornecer respostas não honestas sobre práticas sexuais devido ao estigma ou ao constrangimento.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O HIV foi notícia no mundo todo durante a década de 1980, em que os trabalhadores da área da saúde tiveram que compreender uma nova epidemia que assolava, principalmente, grupos marginalizados e destituídos de poder social. Mesmo em 2024, mais de 40 anos após o surgimento dos primeiros casos de AIDS, a desinformação e o preconceito contra as pessoas afetadas pela doença ainda persistem. (Calazans; Parker; Terto, 2022) Nesse sentido, o presente estudo teve como objetivo avaliar se, dentro de um grupo potencialmente bem informado sobre o HIV e outras ISTs, os indivíduos eram capazes de mensurar adequadamente o risco de infecção associado à prática de sexo desprotegido e, com base nos resultados obtidos, este estudo demonstra que o uso de preservativos entre estudantes de medicina não apresenta uma correlação significativa com a faixa etária, reforçando que a prática sexual segura é uma questão que permeia diferentes grupos etários dentro desta população. Por fim, a associação observada entre o uso de preservativo e a confiança no parceiro reforça a necessidade de se desmistificar a ideia de que laços afetivos ou sociais são sinônimos de segurança em termos de prevenção ao HIV. Os resultados ressaltam a importância de intervenções contínuas que tratem de questões comportamentais e culturais dentro do ambiente acadêmico, buscando a formação de profissionais de saúde mais conscientes e preparados para lidar tanto com os desafios da prática médica quanto com sua própria saúde sexual.  

6. REFERÊNCIAS

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