EFEITOS DAS ALTERAÇÕES RECENTES NO ESTATUTO DO DESARMAMENTO: UMA ANÁLISE DAS IMPLICAÇÕES PARA A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL

EFFECTS OF RECENT CHANGES IN THE DISARMAMENT STATUTE: AN ANALYSIS OF THE IMPLICATIONS FOR PUBLIC SAFETY IN BRAZIL

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ma10202410231056


Paulo Rolon de Lima


Resumo 

Esta pesquisa aborda as recentes alterações no Estatuto do Desarmamento no Brasil e suas implicações para a segurança pública. O Estatuto do Desarmamento, instituído pela Lei nº 10.826/2003, foi criado a fim de reduzir a circulação de armas de fogo no país e diminuir os índices de violência. Contudo, nas últimas décadas, mudanças significativas na legislação flexibilizaram o acesso às armas, suscitando debates sobre os possíveis impactos dessas modificações no cenário de segurança e criminalidade. A relevância da pesquisa está no fato de que o controle de armas é uma questão central para a segurança pública, sendo amplamente discutida em diversos contextos políticos e sociais. Assim, a pesquisa se justifica pela necessidade de compreender os possíveis efeitos das mudanças no Estatuto do Desarmamento, considerando o aumento da flexibilização do acesso às armas. O principal objetivo desta pesquisa foi analisar essas alterações recentes no Estatuto do Desarmamento e avaliar seus efeitos na regulamentação do acesso às armas e nos índices de violência e criminalidade no Brasil. Para alcançar esse objetivo, a metodologia adotada baseou-se em uma revisão bibliográfica e na análise das leis relacionadas ao tema. Os resultados desta pesquisa evidenciaram que as recentes alterações no Estatuto do Desarmamento têm o potencial de impactar de forma significativa a segurança pública no Brasil. A análise das mudanças legislativas revelou que, com a flexibilização do acesso e posse de armas, há um aumento do risco de circulação de armamentos nas mãos da população civil, o que pode agravar situações de violência e criminalidade. 

Palavras-chave: Segurança. Legislação. Flexibilização.  

Abstract 

This research addresses recent changes to the Disarmament Statute in Brazil and their implications for public safety. The Disarmament Statute, established by Law No. 10.826/2003, was created to reduce the circulation of firearms in the country and reduce violence rates. However, in recent decades, significant changes in legislation have made access to weapons more flexible, sparking debates about the possible impacts of these changes on the security and crime scenario. The relevance of the research lies in the fact that gun control is a central issue for public safety, being widely discussed in various political and social contexts. Thus, the research is justified by the need to understand the possible effects of changes to the Disarmament Statute, considering the increased flexibility of access to weapons. The main objective of this research was to analyze these recent changes to the Disarmament Statute and evaluate their effects on the regulation of access to weapons and on violence and crime rates in Brazil. To achieve this objective, the methodology adopted was based on a bibliographic review and analysis of laws related to the topic. The results of this research showed that recent changes to the Disarmament Statute have the potential to significantly impact public safety in Brazil. The analysis of the legislative changes revealed that, with the relaxation of access to and possession of weapons, there is an increased risk of weapons circulating in the hands of the civilian population, which can aggravate situations of violence and crime. 

Keywords: Security. Legislation. Relaxation.

INTRODUÇÃO 

O tema da segurança pública e do controle de armas no Brasil é de grande importância, especialmente diante das recentes alterações no Estatuto do Desarmamento, um marco legislativo que há anos regula o acesso às armas de fogo no país. O Estatuto do Desarmamento, instituído pela Lei nº 10.826, de 2003, foi concebido como uma resposta à crescente violência e à criminalidade, visando a restringir a circulação de armas de fogo e, assim, diminuir a ocorrência de crimes violentos. Ao longo dos anos, essa legislação sofreu diversas mudanças, refletindo pressões políticas, demandas sociais e a evolução do cenário de segurança pública no Brasil. As mais recentes alterações no Estatuto reacenderam debates sobre a eficácia das medidas de controle de armas e as possíveis consequências para a sociedade brasileira. Assim, a análise dessas mudanças torna-se essencial para compreender os rumos da política de segurança pública e os impactos que as novas diretrizes podem trazer à realidade do país (De Paula et al, 2023). 

A relevância desse estudo se destaca pelo fato de que a questão do desarmamento e da regulamentação de armas de fogo no Brasil divide opiniões tanto no meio político quanto na sociedade em geral. Os defensores de um controle mais rígido argumentam que a maior restrição ao acesso às armas é fundamental para a redução dos índices de violência e homicídios, enquanto os críticos defendem que o direito à posse de armas é uma forma de garantir a autodefesa e que o desarmamento deixa a população vulnerável a criminosos que agem à margem da lei. As mudanças no Estatuto do Desarmamento e as discussões sobre a flexibilização de seus critérios afetam não apenas a segurança pública, mas também levantam questões sobre direitos civis, governança e a capacidade do Estado em garantir a proteção de seus cidadãos (Nascimento, 2020). 

Nessa senda, a presente pesquisa justifica-se pela necessidade de compreender as implicações dessas mudanças para a segurança pública e para a regulamentação do acesso às armas de fogo no Brasil. Em um contexto onde a violência e a criminalidade são questões centrais nas políticas públicas, torna-se imprescindível analisar criticamente como as alterações na legislação podem influenciar os padrões de segurança e a prevenção de crimes violentos. A análise também é fundamental para fornecer subsídios a formuladores de políticas, profissionais de segurança pública, acadêmicos e a sociedade civil na busca por estratégias mais eficazes para enfrentar a violência e garantir a segurança da população. 

Assim, o objetivo geral desta pesquisa é analisar as alterações recentes no Estatuto do Desarmamento e suas implicações para a segurança pública e a regulamentação do acesso às armas de fogo no Brasil. A partir deste objetivo, alguns objetivos específicos são delineados para guiar a investigação e a compreensão mais estruturada dos efeitos dessas mudanças legislativas. O primeiro objetivo é estudar as principais mudanças introduzidas no Estatuto do Desarmamento nos últimos anos, buscando entender as modificações nos critérios para posse, porte e controle das armas de fogo. O segundo objetivo é abordar os argumentos favoráveis e contrários às alterações recentes na legislação, conforme apresentados por estudiosos e 

especialistas em segurança pública, analisando as perspectivas que sustentam as diferentes posições no debate sobre a flexibilização ou endurecimento das normas. Por fim, o terceiro objetivo é investigar os possíveis impactos das mudanças na política de controle de armas sobre os índices de violência e criminalidade no país, avaliando se há evidências de correlação entre as novas diretrizes e as estatísticas de crimes violentos. 

A metodologia adotada para este estudo será baseada em uma revisão da bibliografia e da legislação pertinente, com o intuito de construir uma análise crítica e fundamentada sobre as recentes alterações no Estatuto do Desarmamento e suas implicações para a segurança pública no Brasil. A revisão bibliográfica permitirá o levantamento das principais contribuições acadêmicas e estudos de caso sobre a temática, possibilitando a comparação entre diferentes abordagens teóricas e empíricas. Já a revisão da legislação terá como foco identificar e detalhar as mudanças legais ocorridas, contextualizando-as dentro do quadro normativo mais amplo e das políticas de segurança pública vigentes. Essa abordagem metodológica é adequada para alcançar uma compreensão abrangente e aprofundada do tema, fornecendo uma base sólida para a análise dos impactos das alterações recentes na legislação de controle de armas e suas repercussões para a sociedade brasileira. 

A investigação sobre as alterações no Estatuto do Desarmamento e suas implicações para a segurança pública no Brasil se insere em um debate mais amplo sobre como o controle de armas pode influenciar os índices de criminalidade e a sensação de segurança entre os cidadãos. A partir dessa análise, espera-se contribuir para a discussão sobre as melhores práticas e políticas públicas que possam ser adotadas para enfrentar os desafios contemporâneos da violência e do controle de armas, oferecendo uma visão crítica e informada que auxilie no desenvolvimento de estratégias mais eficazes para promover a paz social e a proteção dos direitos dos cidadãos no Brasil. 

1 PRINCIPAIS ALTERAÇÕES NO ESTATUTO DO DESARMAMENTO E SEUS ASPECTOS POSITIVOS E NEGATIVOS PARA A SEGURANÇA PÚBLICA 

Ao considerar o direito à vida e à segurança como princípios fundamentais de qualquer sociedade, é imprescindível ressaltar a relevância das políticas públicas que buscam proteger esses direitos. Uma das mais significativas iniciativas nesse campo, no Brasil, é a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, conhecida como Estatuto do Desarmamento. Esta legislação foi criada com o objetivo de regulamentar o registro, a posse e a comercialização de armas de fogo e munições, além de definir e normatizar crimes relacionados a essas práticas. Além disso, o Estatuto instituiu o Sistema Nacional de Armas (SINARM), um mecanismo de controle que visa monitorar e controlar o armamento em circulação no país. A principal finalidade desta lei foi reduzir o número de armas em circulação no território nacional, buscando, assim, diminuir os índices de violência e de crimes cometidos com o uso de armas de fogo (Brasil, 2003). 

O processo de elaboração de uma legislação dessa magnitude não ocorre de forma isolada; é preciso considerar uma série de fatores que a motivam, além de analisar os possíveis impactos que ela pode gerar e a sua aceitação social. O Estatuto do Desarmamento, em particular, foi uma resposta a um contexto alarmante de violência e de aumento nos homicídios causados por armas de fogo. Essa medida visava frear a disseminação de armamentos entre a população civil e, consequentemente, reduzir as mortes violentas. Para isso, tornou-se necessário criar um conjunto de regras que regulassem não só o porte e a posse de armas, mas também os requisitos para a sua compra e o controle da sua comercialização. A criação dessa legislação foi um passo importante para a implementação de uma política pública que priorizasse a vida e a segurança da sociedade (Scorzafave; Soares; Dorigan, 2015). 

Relatos históricos indicam que os primeiros movimentos em prol do desarmamento no Brasil datam de 1997, período em que começaram a surgir debates e preocupações quanto à necessidade de controle mais rígido sobre armas de fogo. Foi nesse contexto que a sociedade civil e setores do governo passaram a se mobilizar, reconhecendo que o aumento na circulação de armas representava um grave problema para a segurança pública. Esse movimento foi impulsionado pelo reconhecimento do impacto devastador das armas de fogo nas estatísticas de mortes por causas externas, em que os homicídios eram prevalentes (Szwarcwald; Castilho, 1997). A conscientização acerca da correlação entre a disponibilidade de armas e os altos índices de criminalidade foi um fator determinante para que medidas mais rigorosas fossem consideradas. 

A partir desses primeiros passos, algumas iniciativas foram desenvolvidas para reduzir o número de armas em posse de civis e, consequentemente, diminuir a violência armada no país. A aprovação do Estatuto do Desarmamento em 2003 foi um marco que consolidou esses esforços, instituindo uma legislação mais rígida e abrangente para controlar a posse e o porte de armas de fogo no Brasil. Um episódio emblemático dessa luta pelo desarmamento ocorreu em 2003, quando foi organizada a chamada Marcha Silenciosa, um ato de protesto em que sapatos de vítimas de crimes com armas de fogo foram dispostos em frente ao Congresso Nacional. Esse evento foi um símbolo poderoso da mobilização social e da demanda por políticas que colocassem a vida e a segurança das pessoas em primeiro lugar (Carvalho; Carrasco, 2023). 

Essa manifestação e outras ações coletivas revelaram uma preocupação crescente da sociedade brasileira com os impactos da violência armada. O apoio popular ao Estatuto do Desarmamento foi, em grande parte, influenciado por essas mobilizações, que chamaram a atenção para a necessidade urgente de uma política pública que regulamentasse de maneira eficaz o acesso às armas. O Estatuto não apenas visou restringir o porte de armas, mas também buscou promover uma mudança cultural no que se refere à percepção sobre a segurança e a defesa pessoal, enfatizando que a diminuição das armas em circulação poderia resultar em uma sociedade mais segura e menos violenta (Nobre; Morais Mendonça, 2017). 

Ao longo dos anos, o Estatuto do Desarmamento tornou-se uma referência fundamental na legislação brasileira sobre segurança pública e controle de armas. Sua implementação foi acompanhada por uma série de desafios, como resistências políticas, controvérsias jurídicas e debates intensos sobre a eficácia das medidas adotadas. As opiniões divididas sobre a legislação refletem a complexidade do tema, que envolve não apenas questões de segurança, mas também direitos individuais, a percepção de segurança e a própria cultura do uso de armas na sociedade. Críticos argumentam que o desarmamento deixa os cidadãos vulneráveis, ao passo que os defensores insistem que a redução no número de armas de fogo é crucial para diminuir as taxas de homicídios e outros crimes violentos (Neiva, 2017). 

Acerca disso, De Paula; Veigas e Silveira (2022, p. 10) explicam: 

O Estatuto está diretamente relacionado ao direito à segurança estabelecido na Constituição   Federal e atende ao art. 144, que trata da segurança pública como responsabilidade do Estado. A Constituição não traz expressamente   se   os   cidadãos   poderão ou não ter arma de fogo. Apesar do plebiscito e da elaboração desta importante lei, as opiniões acerca do desarmamento divergem. As   opiniões contra o desarmamento acreditam   que haveria maior segurança na sociedade se a segurança pessoal envolvesse o uso de armas. Aqueles que   possuem opinião contrária se fundamentam na cultura   de desarmar e dificultar o acesso às armas, diferentemente de outros países. A implantação do Estatuto prevê controle maior da localização das armas de fogo e um rigor para aquisição, o que se tornaria fundamental para alcançar a segurança pública. Porém, armas usadas para crimes são em sua maioria adquiridas ilegalmente por meio de contrabando. A questão é que, até hoje, no país, ambas as posições possuem argumentos fortes 

Nessa senda, a criação do Estatuto do Desarmamento deve ser entendida como parte de um esforço contínuo para enfrentar a violência armada no Brasil, mediante uma abordagem que prioriza a segurança coletiva e a prevenção de crimes. O contexto histórico que precedeu sua criação, os movimentos sociais que influenciaram suas diretrizes e a mobilização em torno de uma legislação mais rigorosa destacam a importância dessa política pública na promoção do direito à vida e à segurança para todos os brasileiros. Assim, a análise do Estatuto do Desarmamento e de suas implicações para a sociedade é uma tarefa essencial para compreender como as mudanças na legislação podem influenciar de maneira significativa a dinâmica da segurança pública no país (De Paula; Veigas; Silveira, 2021). 

Ademais, acrescenta-se: 

Independentemente   das   opiniões,   desde   a   criação   do   Estatuto   do Desarmamento, o país começou a ter um controle maior em relação às armas sem circulação, tanto no que diz respeito aos civis quanto no caso de empresas de segurança. A exigência é que somente armas de fogo registradas poderiam estar na posse de civis, em seu local de trabalho ou na residência, o porte de arma   se   tornou   ainda   mais   rigoroso.   Observou-se   melhor   às condições pessoais e psicológicas daqueles que seriam autorizados a ter posse ou porte de   arma,   limitando   a   idade   de   25   anos   como   mínima   para   requerer   o armamento junto à Polícia Federal (De Paula; Veigas; Silveira, 2021, p. 10). 

As recentes alterações no Estatuto do Desarmamento, instituído pela Lei nº 10.8261 de 2003, trouxeram mudanças significativas para a política de controle de armas no Brasil. Este conjunto de leis, que desde sua criação estabeleceu normas para a posse, o porte e a comercialização de armas de fogo no país, passou por um processo de flexibilização nos últimos anos, refletindo uma nova orientação do governo em relação à regulamentação de armas. Essas modificações visam facilitar o acesso a armas de fogo para a população civil e, em muitos aspectos, alteram de maneira substancial as diretrizes que haviam sido implementadas para restringir a circulação de armamentos e combater a violência (Brasil, 2003). 

Uma das principais mudanças recentes no Estatuto do Desarmamento diz respeito aos critérios para a concessão de posse e porte de armas de fogo. Anteriormente, a legislação estabelecia requisitos rígidos para a obtenção dessas autorizações, exigindo uma justificativa concreta da necessidade de possuir uma arma, bem como comprovação de aptidão psicológica e capacidade técnica para o manuseio de armamentos2. Com as alterações, esses requisitos foram flexibilizados, reduzindo as exigências e ampliando o leque de pessoas que podem se qualificar para a posse e o porte de armas. Essa modificação tem sido justificada por argumentos que defendem o direito do cidadão à legítima defesa e a necessidade de garantir maior segurança individual diante do aumento da criminalidade (Brasil, 2003). 

Outra alteração significativa ocorreu no que se refere à quantidade de armas que uma pessoa pode adquirir e à quantidade de munição que pode ser adquirida anualmente. As normas anteriores limitavam severamente a posse de armas e o acesso a munições como forma de controle, mas as mudanças recentes aumentaram essas quantidades permitidas, com o objetivo de atender a demanda de cidadãos que alegam precisar de um maior poder de fogo para se proteger3. Este ajuste é visto por críticos como um retrocesso, pois aumenta a disponibilidade de armamentos e a circulação de munição entre a população civil, o que, segundo especialistas, pode contribuir para o crescimento de conflitos armados e o risco de violência (Brasil, 2003; Mendonça; Jayme, 2021). 

As novas disposições também impactaram a regulamentação dos clubes e escolas de tiro, bem como a prática de esportes que envolvem armas de fogo4. Houve uma ampliação das permissões para que essas atividades sejam realizadas de maneira mais acessível e com menos burocracia. As regras tornaram-se mais brandas, facilitando a formação de novos atiradores esportivos e aumentando o número de locais onde essa prática pode ocorrer5. Esses ajustes são frequentemente justificados como um incentivo ao esporte e à prática de tiro recreativo, mas também levantam preocupações quanto ao treinamento inadequado e ao uso impróprio de armas de fogo por indivíduos com pouca experiência ou controle (Brasil, 2003; Benetti, 2022). 

Além disso, as alterações mais recentes no Estatuto do Desarmamento incluíram a ampliação das categorias de cidadãos autorizados a portar armas em serviço ou fora dele. Profissionais de segurança, policiais, agentes penitenciários, entre outros, já tinham prerrogativas específicas para portar armas, mas a nova legislação passou a incluir outras categorias, como colecionadores, atiradores e caçadores, conhecidos pela sigla CACs, que agora desfrutam de maior liberdade no transporte de armamentos6 (Brasil, 2003).. Essa mudança visa proporcionar uma sensação de segurança e proteção pessoal, mas também é alvo de críticas por potencialmente facilitar o desvio de armas para usos ilegais e contribuir para a criação de um mercado paralelo de armas no país. 

2 POSSÍVEIS IMPACTOS DAS MUDANÇAS NA POLÍTICA DE CONTROLE DE ARMAS SOBRE OS ÍNDICES DE VIOLÊNCIA E CRIMINALIDADE NO PAÍS 

Essas alterações no Estatuto do Desarmamento refletem uma mudança significativa na abordagem do governo em relação à política de armas no Brasil. Enquanto anteriormente a ênfase era em restringir e controlar o acesso a armas de fogo como forma de combater a violência e promover a segurança pública, as recentes modificações sugerem uma política mais liberal, focada no direito individual de acesso a armamentos para defesa pessoal. Este novo direcionamento tem gerado um amplo debate na sociedade, dividindo opiniões entre aqueles que acreditam que a posse de armas é essencial para a segurança pessoal e aqueles que argumentam que o aumento da circulação de armas inevitavelmente leva a mais violência e tragédias (Santos Ferreira, 2021). 

Uma das principais preocupações em torno das alterações na legislação é o impacto que a maior disponibilidade de armas de fogo pode ter sobre os índices de homicídios e outros crimes violentos. Estudos realizados em diversas partes do mundo sugerem uma correlação direta entre o aumento da circulação de armas e a elevação das taxas de homicídios, suicídios e crimes violentos. No contexto brasileiro, onde a violência armada já é um problema significativo, o afrouxamento das regras de controle de armas pode resultar em um crescimento expressivo desses índices. Pesquisas indicam que armas de fogo são o principal meio utilizado em homicídios no país, e um incremento na quantidade de armamentos em posse de civis tende a facilitar conflitos que, em circunstâncias diferentes, poderiam ser resolvidos sem violência letal (De Paula et al, 2023). 

Além dos homicídios, as mudanças na política de controle de armas também podem influenciar a dinâmica de outros tipos de crimes, como assaltos, roubos e violência doméstica. A presença de uma arma em situações de tensão pode aumentar a letalidade de conflitos interpessoais, transformando disputas que poderiam ser solucionadas por vias pacíficas em tragédias fatais. No ambiente doméstico, por exemplo, a disponibilidade de armas tem sido associada a um risco maior de violência letal, especialmente contra mulheres. Dados de estudos realizados em diversos países indicam que a presença de uma arma de fogo no domicílio aumenta significativamente o risco de homicídio em casos de violência doméstica (Cristina de Paula et al, 2023). 

Por outro lado, os defensores das mudanças argumentam que a maior disponibilidade de armas para cidadãos comuns pode atuar como um fator dissuasivo contra a criminalidade, ao aumentar a sensação de segurança individual e a capacidade de autodefesa. De acordo com essa perspectiva, a possibilidade de que potenciais vítimas estejam armadas poderia desestimular criminosos, que passariam a considerar os riscos elevados de encontrar resistência armada. Essa lógica é amplamente defendida por grupos que apoiam a flexibilização do acesso às armas, baseando-se na premissa de que uma população bem armada estaria mais protegida contra crimes como roubos, invasões de domicílio e agressões (Silva, 2022). 

No entanto, é preciso considerar que essa percepção de segurança pode ser ilusória e contraproducente. Especialistas em segurança pública apontam que a presença de armas de fogo não necessariamente resulta em uma diminuição da criminalidade, e pode, na verdade, intensificar o risco de confrontos violentos, tanto para os indivíduos diretamente envolvidos quanto para terceiros inocentes. A literatura acadêmica destaca que, em situações de alta tensão e estresse, como durante um assalto ou uma briga, a probabilidade de uso impróprio ou acidental de uma arma de fogo aumenta consideravelmente, o que pode resultar em tragédias evitáveis (Ribeiro, 2023). 

Dessa forma, torna-se possível observar que os impactos das mudanças na política de controle de armas também reverberam no plano das percepções sociais e culturais. A flexibilização do acesso às armas de fogo pode reforçar uma cultura de violência e de resolução de conflitos pela força, em vez de incentivar soluções pacíficas e negociadas. Outrossim, em uma sociedade marcada por desigualdades profundas e por um histórico de violência, a ideia de que o acesso a armamentos é um direito e uma medida de segurança pode contribuir para a normalização da violência e para a legitimação de respostas agressivas em situações cotidianas. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

As conclusões desta pesquisa sobre as recentes alterações no Estatuto do Desarmamento e suas implicações para a segurança pública no Brasil destacam a complexidade e a polarização que permeiam o debate em torno do controle de armas de fogo. As mudanças legislativas que flexibilizaram o acesso e a posse de armamentos suscitam uma ampla gama de preocupações quanto aos seus efeitos sobre a violência e a criminalidade no país, revelando um cenário em que os impactos dessas políticas são sentidos de maneira multifacetada e abrangente. 

Inicialmente, é essencial reconhecer que o Estatuto do Desarmamento, instituído em 2003, representou uma tentativa significativa de reduzir a circulação de armas de fogo e, consequentemente, diminuir os índices de violência no Brasil. No entanto, as recentes modificações no texto legal, que ampliaram o acesso às armas para a população civil e para grupos específicos, trouxeram à tona uma série de desafios e dilemas para a segurança pública. Se, por um lado, a flexibilização visa permitir que cidadãos tenham mais meios para se defenderem, por outro, há um consenso crescente entre estudiosos e especialistas de que a maior disponibilidade de armas pode resultar em um aumento das taxas de homicídios, crimes violentos e acidentes fatais. 

A análise dos possíveis impactos das mudanças na política de controle de armas indica que a maior presença de armas de fogo na sociedade tende a agravar situações de conflito e elevar a letalidade das interações interpessoais. A literatura consultada ao longo da pesquisa mostrou que a correlação entre armas e violência é amplamente documentada, sugerindo que contextos onde há um maior número de armamentos disponíveis também apresentam taxas mais elevadas de crimes letais. Além disso, o estudo das experiências internacionais reforça a ideia de que o acesso facilitado a armas pode aumentar tanto os riscos de homicídios quanto de suicídios, além de ampliar a sensação de insegurança na população.


1Dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, define crimes e dá outras providências. 
2Art. 4o Para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá, além de declarar a efetiva necessidade, atender aos seguintes requisitos: I – comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal, que poderão ser fornecidas por meios eletrônicos; (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008)
– apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa;
– comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestadas na forma disposta no regulamento desta Lei.
§ 1o O Sinarm expedirá autorização de compra de arma de fogo após atendidos os requisitos anteriormente estabelecidos, em nome do requerente e para a arma indicada, sendo intransferível esta autorização.
3§ 8º  Estará dispensado das exigências constantes do inciso III do caput deste artigo, na forma do regulamento, o interessado em adquirir arma de fogo de uso permitido que comprove estar autorizado a portar arma com as mesmas características daquela a ser adquirida. (Incluído pela Lei nº 11.706, de 2008) 
4Art. 8º As armas de fogo utilizadas em entidades desportivas legalmente constituídas devem obedecer às condições de uso e de armazenagem estabelecidas pelo órgão competente, respondendo o possuidor ou o autorizado a portar a arma pela sua guarda na forma do regulamento desta Lei.
5Art. 6o É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para:   IX – para os integrantes das entidades de desporto legalmente constituídas, cujas atividades esportivas demandem o uso de armas de fogo, na forma do regulamento desta Lei, observando-se, no que couber, a legislação ambiental. 
6Art. 9º Compete ao Ministério da Justiça a autorização do porte de arma para os responsáveis pela segurança de cidadãos estrangeiros em visita ou sediados no Brasil e, ao Comando do Exército, nos termos do regulamento desta Lei, o registro e a concessão de porte de trânsito de arma de fogo para colecionadores, atiradores e caçadores e de representantes estrangeiros em competição internacional oficial de tiro realizada no território nacional. 

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