EXPANDING THE HORIZONS OF FAMILY LAW: JURISPRUDENTIAL ANALYSIS OF MULTIPARENTALITY
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202410222113
Alana Caroline de Andrade,
Coautora: Melissa Andrea Smaniotto
RESUMO
O presente artigo expõe uma visão conceitual acerca da multiparentalidade e da paternidade socioafetiva como procedimento, diferenças entre vínculos, hipóteses de cabimento e a definição do termo do estado de filiação, em conjunto com os seus requisitos, sua previsão legal, e estudos jurisprudenciais. Ademais, busca informar como esse tema atua no processo judicial, levantando dados e indicando números através de uma pesquisa no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná com o intuito de apurar quantos processos tiveram a multiparentalidade ou o vínculo de socioafetividade confirmado e seus respectivos fundamentos que ensejaram a procedência dessas decisões. O método utilizado é o indutivo e essa pesquisa é tanto qualitativa quanto quantitativa, buscando mostrar opiniões e percepções além dos números e aprofundando-se na pesquisa de maneira mais exploratória para trazer informações acerca desse tema, com técnicas de pesquisa bibliográficas e documentais, já que esse tema se aprofunda tanto em leis, quanto em jurisprudências e suas decisões. Sendo sua finalidade trazer esses resultados para avaliar a possibilidade de uma regulamentação no ordenamento jurídico, ou seja, se seria necessária essa lei, ou ainda se a jurisprudência desempenha corretamente e eficientemente esse papel para a declaração da multiparentalidade.
Palavras-chave: Jurisprudência. Paternidade. Socioafetividade.
ABSTRACT
This article presents a conceptual view on multiparenthood and socio-affective paternity as a procedure, the differences between bonds, hypotheses of appropriateness, and the definition of the term of filiation status, its requirements, its legal provision, and jurisprudential studies. Furthermore, it seeks to inform how this topic operates in the judicial process, collecting data and indicating numbers through a survey at the Court of Justice of the State of Paraná to determine how many cases had multiparentality or the socio-affective bond confirmed and their respective grounds that gave rise to these decisions. The method used is inductive and this research is both qualitative and quantitative, seeking to show opinions and perceptions beyond numbers and delving deeper into research in a more exploratory way to bring information about this topic, with bibliographic and documentary research techniques, since this topic delves into both laws and investigations and their decisions. Ultimately, we intend to bring these results to evaluate the possibility of regulation in the legal system, whether this law would be necessary, or whether supervision correctly and efficiently controls this role for the declaration of multiparenthood.
Keywords: Jurisprudence. Paternity. Socioaffectivity.
1 INTRODUÇÃO
A multiparentalidade está associada à possibilidade de uma pessoa ter mais de um pai ou mãe registrado na sua certidão de nascimento. Tendo em vista o enfoque paternal, busca-se uma certidão que constitua um pai biológico e um pai socioafetivo no seu registro, com as devidas responsabilidades e deveres impostos pela lei.
O tema visa informar e esclarecer o que é a multiparentalidade, desde seu histórico e sua evolução, até como está sendo julgado atualmente. Ademais, buscar informar de forma conceitual como essa se constrói, quais são as hipóteses e requisitos que determinam a relação multiparental, a ação a ser movida e as diferenças entre vínculo biológico e socioafetivo, bem como as previsões legais no ordenamento jurídico nacional que não estão explicitas, ainda que previstas de forma subjetivas tanto na Constituição Federal de 1988 quanto no Código Civil.
O Estado de Filiação vem como um termo em destaque, que visa caracterizar um caso de multiparentalidade, como também casos de reconhecimentos socioafetivos entre pais e filhos. Busca também relacionar o caso concreto com o conceito de multiparentalidade, além de tal termo se mostrar a chave para argumentar quanto a existência do vínculo socioafetivo, assim se declarando a multiparentalidade.
O artigo gira sob o enfoque do estudo jurisprudencial, trazendo casos concretos procurados em sites oficiais com o intuito de discorrer e correlacionálos com o presente tema, indicando suas características e fundamentos. Como ponto principal e de contrapartida à pesquisa, uma decisão de 2019, sendo um recurso extraordinário, foi um julgamento ensejador que abriu portas para a multiparentalidade sob o argumento de que vínculo biológico seria tão válido quanto o vínculo sanguíneo. Ante isso, discorrer sobre esse julgado de repercussão geral traz o fundamento principal daqueles que irão propor a ação ensejadora da multiparentalidade.
O objetivo geral do artigo é refletir acerca da multiparentalidade e suas perspectivas atuais e futuras com base nas decisões judiciais proferidas no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.
Os objetivos específicos envolvem revisar aspectos teóricos acerca da multiparentalidade, como o histórico, a conjuntura, o conceito e os efeitos jurídicos. Foi feita uma pesquisa jurisprudencial no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, para apurar os casos de reconhecimento judicial de multiparentalidade, e da socioafetividade desde a decisão do Supremo Tribunal Federal (2019) que admitiu essa possibilidade. Também foi realizada uma análise qualitativa das decisões encontradas para compreender os motivos ensejadores da propositura de ações declaratórias de multiparentalidade e os respectivos fundamentos das decisões de procedência. Por fim, refletimos sobre a necessidade de regulamentar a multiparentalidade no sistema jurídico nacional e respectivos impactos no Direito das Famílias.
É de notoriedade o número de pais e filhos que desejam adicionar o nome de mais de um genitor na certidão de nascimento, sendo assim, o projeto visa contribuir para com a sociedade com intuito de informar e mostrar os dados levantados para aqueles que estão em situações de multiparentalidade e não sabem em quais hipóteses ou em quais termos e em quais condições poderiam propor essa ação para buscar a declaração de multiparentalidade, reconhecendo a socioafetividade. Afinal, ainda há uma ideia de que seja inviável ou até impossível, a inserção do nome de mais um pai, ou mais uma mãe, no registro de nascimento de um filho. Como referência principal, Maria Berenice Dias (2015) discorre sobre o assunto:
A concretização desse direito – de ordem fundamental e personalíssima – somente é possível com o reconhecimento judicial da família multiparental, mediante a fiel reprodução desta realidade no registro de nascimento. Atentando para esta realidade, decisões Brasil afora passaram a admitir a inserção do nome de mais de um pai ou de mais de uma mãe no registro de nascimento do filho, sem a exclusão do nome do genitor biológico. As hipóteses mais recorrentes são quando, depois da morte de um dos genitores, se consolida vínculo de filiação socioafetiva com quem passou a exercer as funções parentais. (DIAS, 2015)
Ainda, autores como Rodrigo da Cunha Pereira (2015) destacam que a família multiparental pode ser composta por vários pais ou várias mães, ou como Wambier (1993), que informa que a família vai além de laços sanguíneos.
Ademais, a pesquisa jurisprudencial com a seleção de processos com esses reconhecimentos, busca esclarecer se é ou não efetiva a tese jurisprudencial, a qual se mostra como principal argumento para alcançar essa decisão favorável ao autor da ação. Dessa forma, é necessária a implementação de uma norma especifica no Código Civil? Visto que a falta de uma regulamentação prejudicaria ou não casos pertinentes a essa matéria.
A metodologia da pesquisa surgiu após a análise de diversos assuntos no ramo do direito civil e o interesse maior na multiparentalidade, principalmente no que tange a paternidade. Pois além de um tema no ramo jurídico, é um tema que também parte de uma perspectiva emocional.
O método utilizado é o indutivo e essa pesquisa é tanto qualitativa quanto quantitativa, buscando mostrar ideias e concepções além dos números e dos dados apresentados, aprofundando numa pesquisa de casos no TJPR de forma mais exploratória para trazer informações acerca desse tema, com técnicas de pesquisa bibliográficas e documentais como a análise de documentos jurídicos, normas técnicas e regulamentos, já que esse tema se aprofunda tanto em leis, mas em jurisprudências e suas decisões.
As fontes de pesquisa foram primárias, no que tange a pesquisa jurisprudencial, onde os números buscados foram de forma original, além de serem utilizadas fontes secundárias com base em livros e artigos para a formulação do projeto. Será necessário o levantamento e análise dos processos no tribunal das decisões acerca de multiparentalidade juntamente com a socioafetividade de forma que foram divididas as decisões que foram reconhecidas e as que não foram, para chegar em um número das decisões que foram concedidas para alcançar os resultados obtidos a fim de que sane a problemática do projeto.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA E CONCEITUAL DA MULTIPARENTALIDADE
De forma conceitual, a multiparentalidade é designada pelo termo de afeto – advindo da socioafetividade, e pelo termo biológico, que é a concomitância desses dois vínculos ligados para originar o novo termo em discussão. Anteriormente, no Código Civil de 1916, o conceito de família era extremamente restrito e patriarcal, composto pela figura do homem e da mulher e de seus filhos legítimos. Todavia, desde a atualização da Constituição Federal de 1988, e em meados do século XX, essa designação vem se alterando, expondo diferentes conceitos de famílias, e que, com esse tempo, foi inserido nas legislações brasileiras. Tem-se como exemplo a família monoparental, a família anaparental, e a família homoafetiva. Essas famílias demonstram um ponto em comum: a forte características de laços afetivos entre eles.
Em decorrência de todo o histórico, houve o surgimento de uma nova figura jurídica, a multiparentalidade ou pluriparentalidade, a qual mostra a possibilidade de uma pessoa ter no seu registro de nascimento mais de um pai ou mais de uma mãe, caso estes queiram compartilhar as responsabilidades parentais. Nesse caso, um dos pais ou uma das mães será ligado pelo vínculo biológico, enquanto que o outro pai ou a outra mãe será ligado pelo vínculo afetivo.
A multiparentalidade vem, por exemplo, para abarcar as famílias em que os pais biológicos, ou se separaram precocemente, ou então não tiveram um relacionamento amoroso, mas que posteriormente se relacionaram com outras pessoas. Portanto esse padrasto, ou essa madrasta, verdadeiramente, se tornaram pai ou mãe para aquela criança. Como também, temporal, quando um dos genitores faleceu e, alguém assumiu o papel de pai ou de mãe, tornando-se referência para o filho (a). Em tempos de abandono, a paternidade e a maternidade socioafetivas acarretam na mudança do destino de muitas crianças.
Dessa forma, Pereira (2015, p. 307) conceitua a “família multiparental”:
é a família que tem múltiplos pais/mães, isto é, mais de um pai e/ou mais de uma mãe. Geralmente, a multiparentalidade se dá em razão de constituições de novos vínculos conjugais, em que padrastos e madrastas assumem e exercem as funções de pais biológicos e/ou registrais […]
Diante desse estudo, é importante lembrar que não existia esse costume de fato e de direito antes do ano de 2019. Anteriormente, para reconhecer um vínculo socioafetivo de um pai ou de uma mãe, era necessário excluir o vínculo biológico do registo civil de uma pessoa. Ao contrário dos dias atuais, os quais já podem ser constados no registro civil ou na certidão de nascimento.
2.1.1 Vinculo socioafetivo e biológico
O vínculo biológico tem origem na consanguinidade, estabelecendo-se a filiação pelos laços de sangue entre os pais e filhos.
O vínculo socioafetivo é reconhecido pelo direito de família, sendo ele um direito de afeto, e assim, é levado em conta que a pessoa seria criada como se fosse filho biológico. Portanto pode ser reconhecida juridicamente a filiação, e mesmo que não haja uma previsão legal expressa, esse vínculo é reconhecido e aceito por meio de doutrinas e jurisprudências. Segundo Cassettari (2017, p. 10), ele diz que:
A parentalidade socioafetiva pode ser definida como o vínculo de parentesco civil entre pessoas que não possuem entre si um vínculo biológico, mas que vivem como se parentes fossem, em decorrência do forte vínculo afetivo existente entre elas.
Dessa forma, há reconhecimentos jurídicos da maternidade ou da paternidade através do afeto. Ademais, para fins complementares, a filiação socioafetiva também é prevista na adoção e na reprodução medicamente assistida heteróloga.
2.1.2. Previsão legal
A multiparentalidade se refere tanto a maternidade quanto a paternidade socioafetiva. É importante salientar que o estudo presente gira em foco no que tange a paternidade. Ademais, esse tema não está amparado por nenhuma legislação brasileira, e está previsto de forma objetiva apenas em decisões de jurisprudência e doutrinas, ainda, esse assunto tem se destacado dentro do direito de família. Entretanto, a multiparentalidade é regida nas mesmas regras de compõem a filiação biológica, sendo assim, mostra-se a possibilidade do reconhecimento dos pais socioafetivos.
Apesar de não haver legislação pertinente, há apoio constitucional para fortalecer a ideia dessa tese como os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana conjuntamente com a busca da felicidade possível (art. 1º, III, CF), da proteção da família pelo Estado (art. 226, CF), do melhor interesse da criança e do adolescente (arts. 227, caput, CF) e o princípio da afetividade, de forma implícita na CF. (art. 227, § 6º, CF). Ainda, as leis as quais estão previstas no ordenamento brasileiro, demonstram a possibilidade de concessão do pai socioafetivo ser considerado pai de fato.
Maria Berenice Dias (2010, p. 363) nos traz a ideia de que:
O vínculo de filiação socioafetiva, que se legitima no interesse do filho, gera o parentesco socioafetivo para todos os fins de direito, nos limites da lei civil. Se menor, com fundamento no princípio do melhor interesse da criança e do adolescente; se maior, por força do princípio da dignidade da pessoa humana, que não admite um parentesco restrito ou de ‘segunda classe’.
Ademais, há uma lei permissiva que abraça a ideia da multiparentalidade, esta, que é amparada pelo Código Civil que dispõe sobre a filiação socioafetiva, advinda, no caso, de outra origem, e demonstra de onde ela pode surgir.
Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem. (BRASIL, 2002.)
A lei não impõe necessariamente que a multiparentalidade deve ser declarada, todavia, há um questionamento: seria necessária a implementação de uma norma especifica no Código Civil para alcançar decisão da ação declaratória? Como discorrido, não há legislação pertinente que gire sob o enfoque da multiparentalidade. Assim, seria viável essa lei específica para que de forma mais sucinta, a fundamentação quanto a esse tema se torne mais eficaz?
2.1.3 Formas e Requisitos para reconhecimento:
Os requisitos necessários para o reconhecimento dessa filiação têm-se como regras principais a idade mínima de 16 anos de diferença do pai ou da mãe socioafetiva para a criança a ser reconhecida, e ter atingido seus 18 anos. Sendo também necessários os documentos de identificação pessoal oficial dos envolvidos no processo. É necessária também a comprovação do vínculo de afeto entre as partes. Nesse caso, pode ser comprovada por meio de documentos, fotos em família e do cotidiano, a assinatura deste em documentos de escola, inclusão em plano de saúde, e, também, a certidão de casamento ou vínculo de certidão estável com o ascendente biológico.
É importante ressaltar que não se pode fazer o reconhecimento de irmãos ou ascendentes da criança.
Para acontecer o reconhecimento de filiação entre as partes, deve-se ter todos os requisitos mencionados e analisar se estes foram atendidos, de forma que mostre a comprovação de vínculo contínuo, duradouro e afetivo. Dessa forma, o processo se encerra e o juiz determinará que a certidão de nascimento do filho seja alterada, assim o registro passará a ter o nome do pai (ou mãe, se for o caso) socioafetivo, assim como dos avós.
2.2 POSSE DO ESTADO DE FILHO
O tempo de convívio familiar, a afetividade entre as partes, comportamentos e a vontade de ser pai acaba dando origem ao termo “posse do estado de filho”, que nada mais é do que a relação afetiva em si, porém na visão de terceiros, no caso, a capacidade de identificação por parte da sociedade de ver um pai com deveres sobre o seu filho. Além disso, esse termo diz respeito a relação de afeto, de tratamento e a fama de filho. Maria Berenice Dias (2010, p. 363) também fala um pouco sobre a posse de estado de filho em seu livro, destacando que:
Infelizmente, o sistema jurídico não contempla, de modo expresso, a noção de posse de estado de filho, expressão forte e real do nascimento psicológico, a caracterizar a filiação afetiva. A noção de posse de estado de filho não se estabelece com o nascimento, mas num ato de vontade, que se sedimenta no terreno da afetividade, colocando em xeque tanto a verdade jurídica, quanto a certeza científica no estabelecimento da filiação. A filiação socioafetiva assenta-se no reconhecimento da posse de estado de filho: a crença da condição de filho fundada em laços de afeto. A posse de estado de filho é a expressão mais exuberante do parentesco psicológico, da filiação afetiva. A afeição tem valor jurídico. A maternidade e a paternidade biológica nada valem frente ao vínculo afetivo que se forma entre a criança e aquele que trata e cuida dela, lhe dá amor e participa de sua vida.
Não obstante, a posse do estado de filho é composta por três elementos, sendo tais o tratamento (tractatus), que é o elemento que visa a criança ser tratada e vista como filho dentro de uma família, o nome (nomen) quando os pais dão seu nome ao seu filho, e, a fama (reputatio), que demonstra a repercussão social com relação ao filho.
Esses termos não encontram previsão legal dentro do ordenamento jurídico, entretanto pode ser fundamentado através do Código Civil, no art. 1.605, inciso II:
Art. 1.605. Na falta, ou defeito, do termo de nascimento, poderá provar-se a filiação por qualquer modo admissível em direito:
[…]
II – quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos. (BRASIL, 2002)
E no Enunciado 519 da V Jornada de Direito Civil que dispõe:
O reconhecimento judicial do vínculo de parentesco em virtude de socioafetividade deve ocorrer a partir da relação entre pai(s) e filho(s), com base na posse do estado de filho, para que produza efeitos pessoais e patrimoniais. (BRASIL, 2011)
Essa legislação é uma prerrogativa para a garantia em juízo com o intuito de evidenciar a paternidade socioafetiva, pois trata-se de uma comprovação de paternidade, já que demonstra laços afetivos profundos entre pai e filho. Na seguinte jurisprudência, busca-se exemplificar e evidenciar o termo da posse do estado de filho, pois nas recorrentes decisões dos tribunais, este, por sua vez, é um requisito indispensável para a concessão do reconhecimento de paternidade. Essa decisão foi extraída da 4ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios:
APELAÇÃO CÍVEL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. REGULAMENTAÇÃO DE GUARDA E VISITAS. RELAÇÃO PATERNO-FILIAL. VÍNCULO NÃO CONFIGURADO. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. 1. O art. do 1.593, do CC/02, reconhece, de forma implícita, a paternidade socioafetiva, ao dispor que o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem?, ampliando o conceito de família originária fundada exclusivamente em critérios biológicos. Assim, a posse de estado de filho estaria pautada no convívio público e contínuo, por aquele que presta assistência, cuidado, afeto, carinho, atenção, sendo responsável pela rotina de outro. 2. Por se tratar de recente construção jurisprudencial e doutrinária, não contemplada pelo ordenamento jurídico de forma expressa, a análise da paternidade socioafetiva deve, no entanto, se realizar com acuidade e cautela. 3. Não demonstrada efetivamente a constituição de relação paterno-filial entre o apelante e a menor, até porque a própria infante não o reconhece como pai, e considerando o melhor interesse da criança, não há que se falar em reconhecimento de paternidade socioafetiva. Logo, impõe-se a manutenção do decisum. 4. Apelo não provido. (Acórdão 1211091, 00022306820188070016, Relator(a): ARNOLDO CAMANHO, 4ª Turma Cível, data de julgamento: 23/10/2019, publicado no PJe: 10/11/2019. Pág.: Sem Página Cadastrada.)
Diante o exposto, mostra-se inviável que o recurso seja provido pela falta do verdadeiro conceito de posse do estado de filho.
2.3 AÇÃO JUDICIAL CABÍVEL
A ação de investigação de paternidade é o nome que se utiliza para a pretensão, e esta, segundo a jurisprudência, geralmente é movida pelo (a) suposto (a) filho (a), em desfavor do pai. Porém, existem divergências doutrinárias e jurisprudenciais quanto a ação movida. Segundo a doutrina a “declaratória de paternidade socioafetiva” é a ação que deverá ser movida pelo propenso pai e não são necessárias formalidades especificas.
2.4 ENTENDIMENTO DO STF
Como já exposto, as leis são subjetivas quanto a paternidade socioafetiva, porém há o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) no qual se reconhece juridicamente a multiparentalidade indicada no tema 622, que dispõe sobre a prevalência da paternidade socioafetiva em detrimento da paternidade biológica, assim, buscando expor e fixar em sede de repercussão geral a tese:
A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios (BRASIL, 2017, n. p.).
O julgamento é um recurso extraordinário (RE), nº 898.060/SC, baseado no art. 102, § 3º, da CF. Nos termos do voto do relator (Ministro Luiz Fux) este traz a notoriedade da relação afetiva entre pai e filho, e como pode ser comprovada sem o vínculo biológico, dessa forma, o acórdão ficou registrado sob a seguinte ementa:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. DIREITO CIVIL E CONSTITUCIONAL. CONFLITO ENTRE PATERNIDADES SOCIOAFETIVA E BIOLÓGICA. PARADIGMA DO CASAMENTO. SUPERAÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. EIXO CENTRAL DO DIREITO DE FAMÍLIA: DESLOCAMENTO PARA O PLANO CONSTITUCIONAL. SOBREPRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA (ART. 1º, III, DA CRFB). SUPERAÇÃO DE ÓBICES LEGAIS AO PLENO DESENVOLVIMENTO DAS FAMÍLIAS. DIREITO À BUSCA DA FELICIDADE. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO. INDIVÍDUO COMO CENTRO DO ORDENAMENTO JURÍDICO – POLÍTICO. IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DAS REALIDADES FAMILIARES A MODELOS PRÉ-CONCEBIDOS. ATIPICIDADE CONSTITUCIONAL DO CONCEITO DE ENTIDADES FAMILIARES. UNIÃO ESTÁVEL (ART. 226, § 3 º, CRFB) E FAMÍLIA MONOPARENTAL (ART. 226, § 4 º, CRFB). VEDAÇÃO À DISCRIMINAÇÃO E HIERARQUIZAÇÃO ENTRE ESPÉCIES DE FILIAÇÃO (ART. 227, § 6 º, CRFB). PARENTALIDADE PRESUNTIVA, BIOLÓGICA OU AFETIVA. NECESSIDADE DE TUTELA JURÍDICA AMPLA. MULTIPLICIDADE DE VÍNCULOS PARENTAIS. RECONHECIMENTO CONCOMITANTE. POSSIBILIDADE. PLURIPARENTALIDADE. PRINCÍPIO DA PATERNIDADE RESPONSÁVEL (ART. 226, § 7 º, CRFB). RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. FIXAÇÃO DE TESE PARA APLICAÇÃO A CASOS SEMELHANTES. (RE 898060, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 21-09-2016, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-187 DIVULG 23-08-2017 PUBLIC 24-08-2017)
Através desse julgado, foi tomada uma decisão em 2019 na qual o STF entendeu que o afeto paternal/maternal, sem o formato do vínculo biológico, é tão válido quanto o vínculo sanguíneo. Dessa forma, ele expressa que não há hierarquia quanto aos tipos e formas familiares, reconheceu também o vínculo socioafetivo à falta de registro da criança. A paternidade socioafetiva foi discutida e está definitivamente reconhecida como um fato que está inserido no ordenamento jurídico brasileiro e dele surgirá efeitos.
Existe dois principais efeitos jurídicos quanto ao reconhecimento da multiparentalidade, efeitos tais como a pensão alimentícia, a qual o filho poderá e trará consigo o direito de exigir de ambos os pais, tanto afetivo quanto biológico. Eis que ambos têm o dever de alimentar seu filho, da mesma forma que os pais terão direito a receber alimentos de seu filho na velhice ou na idade avançada. A herança, na questão de falecimento dos pais, também surgira como efeito de direito do filho, visto que não se difere as responsabilidades do pai com filho biológico, com o socioafetivo, se caso houver essa possibilidade.
2.5 PESQUISA JURISPRUDENCIAL
A pesquisa jurisprudencial a ser desenvolvida neste artigo, é baseada na multiparentalidade, tal qual é conceituada como a possibilidade de coexistência da pessoa ter mais de um pai ou mãe registrada na certidão de nascimento, posto isso, foi realizada uma pesquisa quantitativa no site oficial do Tribunal Judicial do Paraná (TJPR).
Neste site, encontra-se todos os processos judiciais referentes ao Estado do Paraná, e nesta pesquisa acadêmica foi selecionado o campo de “consultas”, e seguidamente por “pesquisa de jurisprudência”, e então, o navegador abriu outra guia, com um campo de pesquisa livre, neste espaço a pesquisa por processos foi feita quando inserido o termo “multiparentalidade.” Através desse termo, o tribunal filtrou processos relacionados a multiparentalidade no Estado do Paraná, e trouxe a quantidade de 112 (cento e doze) registros encontrados.
A partir do exposto, foi analisado os 112 processos trazidos pelo tribunal, com a intenção de apurar os casos de reconhecimento judicial de multiparentalidade, desde a decisão do Supremo Tribunal Federal (2019) que admitiu esta possibilidade. Além disso, foi realizada uma análise qualitativa das decisões encontradas para serem compreendidos os motivos ensejadores da propositura de ações declaratórias de multiparentalidade e os respectivos fundamentos das decisões de procedência ou de reconhecimento socioafetivo, em especial, utilizando um dos casos concretos encontrados para fins de exemplificação.
Desses 112 processos, 109 deles estavam sob segredo de justiça, isto é, sem acesso público no processo eletrônico. Porém foram disponibilizadas as ementas em 78 deles, pois 34 são de conteúdo pendente de análise e liberação para consulta pública, impossibilitando a visualização das ementas. Sendo assim, apenas 3 desses acórdãos estão disponíveis para a consulta popular de forma aprofundada e completa.
A análise qualitativa desses 78 processos das causas das proposituras de ações resultou em um (1) processo que não foi identificado na ementa, pois não debate necessariamente sobre o vínculo afetivo, e sim sobre o biológico, ademais 22 processos não foram concedidos pelo juiz o reconhecimento da multiparentalidade tanto em primeira quanto em segunda instancia. Já em 55 processos houve o reconhecimento de multiparentalidade/socioafetivade entre vínculos maternais ou paternais, em uma das duas instâncias, o que é mais da metade do total das ementas pesquisadas, mostrando um resultado positivo quanto as ações declaratórias, mas não completamente eficaz.
Os motivos ensejadores para a proposição do reconhecimento do vínculo nada mais é do que a intenção de demonstrar o amor, carinho e convivência de pais e filhos, a fim de que seja interpretado não só pelo juiz, mas também pela sociedade essa relação afetiva de pai e filho, ademais, vindo acompanhado da maioria dos casos o pedido de registo de sobrenome do pai, na certidão de nascimento do filho.
Já os fundamentos que acataram essa decisão positiva para a família variam entre a menção da tutela da dignidade humana e o direito da busca da felicidade possível, do princípio do melhor interesse da criança, o reconhecimento do estado de filiação, que é um direito personalíssimo, indisponível e imprescritível conjuntamente com a verificação dos termos necessários “nomen”, “tractatio” e “reputatio” no estado de posse. Destaca-se também a diferença exigida de idade mínima de 16 anos entre eles.
2.5.1 Análise Do Caso Concreto
A jurisprudência escolhida para analise no presente artigo, foi selecionada com base na peculiaridade do processo. A ementa disponível no TJPR que foi objeto de pesquisa traz a relação socioafetiva de pai e filho, como enfoque principal no tema multiparentalidade.
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITOS FUNDAMENTAIS. DIREITO DAS FAMÍLIAS. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE CUMULADA COM RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DO REQUERENTE. NÃO ACOLHIMENTO. PRESUNÇÃO DE PATERNIDADE DECORRENTE DO CASAMENTO (CC, ART. 1.597), EMBORA IMPUGNÁVEL (CC, ART. 1.601), NÃO PODE SER ILIDIDA APENAS COM A COMPROVAÇÃO DA AUSÊNCIA DE VÍNCULO GENÉTICO POR EXAME DE DNA. PATERNIDADE EM SUA CONCEPÇÃO ATUAL NÃO SE LIMITA À EXISTÊNCIA DE LIAME BIOLÓGICO. NECESSIDADE DE AVERIGUAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE LAÇOS DE AFETIVIDADE ENTRE PAI E FILHA REGISTRAIS. NA ESPÉCIE, O PSICÓLOGO DO JUÍZO CONSTATOU, DE MANEIRA INEQUÍVOCA, QUE A MENINA, DE APENAS 09 (NOVE) ANOS DE IDADE, MANTÉM PRESERVADO O VÍNCULO DE AFETO COM O PAI REGISTRAL, QUE SE SEPAROU DA SUA GENITORA HÁ CERCA DE 05 (CINCO) ANOS. DECLARAÇÕES JUDICIAIS DA GENITORA NÃO POSSUEM MAIOR VALOR PROBATÓRIO QUE O ESTUDO TÉCNICO, DEVENDO SER OBSERVADO O PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA (CF, ART. 227 E ECA, ARTS. 4º E 5º). EXISTÊNCIA CONCOMITANTE DE VÍNCULO AFETIVO COM O PAI BIOLÓGICO NÃO IMPEDE A MANUTENÇÃO DO REGISTRO. POSSIBILIDADE DE MULTIPARENTALIDADE RECONHECIDA PELO STF (TEMA 622), COMO EFETIVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE HUMANA DA BUSCA DA FELICIDADE (CF, ART. 1º, INCISO III). SENTENÇA MANTIDA.1. Mesmo que o pai registral não tenha vínculo de consanguinidade com a filha, continuará a ser seu pai para todos os fins de direito se mantiver com a registrada laços de socioafetividade, decorrentes do convívio familiar, sob pena de afronta aos valores estatuídos na Constituição Federal de 1988, em especial à dignidade da pessoa humana. 2. O Supremo Tribunal Federal já firmou o entendimento de que, em razão dos sobreprincípios da dignidade humana e da busca da felicidade, é possível a tutela jurídica concomitante do vínculo de filiação construído pela relação socioafetiva entre os envolvidos e daquele originado da ascendência biológica, sem que seja necessário decidir entre um ou outro, quando o melhor interesse do descendente for o reconhecimento jurídico de ambos.3. No caso, devem prevalecer os superiores interesses da criança acima daqueles demonstrados pelos genitores, naturalmente “contaminados” pelos sentimentos decorrentes da ruptura do pretérito relacionamento amoroso. E restou evidente nos autos que eventual afastamento da paternidade registral, com o rompimento total dos vínculos da menina com a pessoa que, ao longo de toda a sua existência figurou como seu pai, lhe ocasionaria graves consequências do ponto de vista psicoemocional, independentemente do convívio regular com o pai biológico. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJPR – 12ª Câmara Cível – 0002377-75.2019.8.16.0124 – Palmeira – Rel.: DESEMBARGADORA IVANISE MARIA TRATZ MARTINS – J.12.03.2024)
Embora o recurso não tenha sido provido, tampouco a sentença com relação a ação negatória de paternidade, o caso é atrativo quanto ao conteúdo e a matéria no que reconhece a socioafetividade, independendo se o pai é seu genitor ou seu pai afetivo. Abrangendo de forma aprofundada a relação de pai e filha, no sentido de buscar informações da criança em o que o pai registral representa para ela, trazendo evidencias claras de multiparentalidade através da percepção de uma criança de 9 anos e como impactaria sua vida negativamente se esse ciclo fosse quebrado. Ainda, a vontade do pai se mostra interessante e peculiar quanto a busca da retificação do registro civil e da ação proposta, pois diferentemente de outros casos, os quais buscam a declaração da multiparentalidade, ele busca quebrar o vínculo com a criança, requerendo a extinção da multiparentalidade e ignorando o vínculo socioafetivo, o que não seria possível no presente caso. Os laços que foram criados pela filha quanto ao seu pai por consideração foram extremamente profundos, que impossibilitaria a quebra do vínculo parental, ocasionando o não provimento do pedido.
Após ser declarada a presunção de paternidade pelo casamento, uma vez feita, não poderia ser desfeita, pois há proteção judicial do direito ao nome como expressão do direito à personalidade. Além disso, o reconhecimento do estado de filiação que é direito personalíssimo, é também indisponível e imprescritível, tendo assim fundamento nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o que não extingue ele de suas obrigações como pai.
Previsto no art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente, é disposto:
Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça. (BRASIL, 1990)
Se a ruptura do vínculo socioafetivo se mostrava impossível, consequentemente a dissolução da multiparentalidade não seria possível também.
Em sequência, frisa-se o melhor interesse da criança que é ressaltado por ela, que seu pai socioafetivo é, também, sua figura paterna, e a vontade da parte é insignificante, no que tange ao interesse da criança e bem psicológico da filha, independentemente do vínculo biológico com seu genitor, o que de forma alguma a traria danos. Da mesma forma que, em todos esses anos que não houve comprometimento no seu bem-estar mental, a continuidade com seu pai registral junto de seu pai biológico no registro de nascimento não afetaria seu desenvolvimento psicológico. Ao contrário disso, a quebra de vínculo poderia ocasionar até mesmo o desenvolvimento de um quadro depressivo na criança.
2.6 PROJETO DE LEI
Após discorrer sobre uma pesquisa conceitual e prática em relação à multiparentalidade é levantada esta questão: seria necessária uma regulamentação da multiparentalidade no sistema jurídico nacional?
Diante de uma análise ampla, a jurisprudência tem sido suficiente para alcançar decisões favoráveis à multiparentalidade, mesmo que algumas tenham sido passiveis de recurso para buscar essa declaração. Além disso, são também eficientes para reconhecer a socioafetividade entre pai registral e filho. A maioria dos casos da pesquisa jurisprudencial demonstrou um número de concessões do reconhecimento desse vinculo muito superior a decisões negativas, onde as partes trouxeram fundamentos impertinentes e incabíveis, ocasionando o indeferimento da multiparentalidade.
Se considerada essa tese, seria inviável uma lei especifica que regesse esse tema, visto que a jurisprudência tem assumido esse papel com sucesso. Todavia, esse papel não deve ser exercido pela jurisprudência como meio de fundamento principal e objetivo para alcançar essa decisão, este poderia ser posto de forma subsidiaria, acompanhado de uma regulamentação própria. Assim, o judiciário assume um papel de legislar, tendo em vista que não é essa a sua função dentro do ordenamento jurídico, e sim, julgar esses casos.
Barroso (2012, p. 371) traz a definição do ativismo judicial como:
Participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. Em muitas situações sequer há confronto, mas mera ocupação de espaços vazios.
A ideia de ativismo judicial está diretamente ligada a atuação de um dos poderes de forma independente, e que interfere nas decisões dos outros poderes, ocultando-os de sua função. Nesse caso, foi aplicada uma jurisprudência direta em situações que não estão contempladas no texto constitucional, sem ao menos um apoio do legislador ordinário.
A desconstrução desse objeto traz a necessidade de uma norma regulamentadora que assuma sua função de fato em assuntos relacionados ao direito da multiparentalidade. Posto isso, mesmo que eficiente a menção da jurisprudência em caso concreto, ela deve ser usada de forma complementar com uma lei ordinária, para que ambos os poderes, legislativo e judiciário exerçam suas funções de forma coerente condizente ao procedimento judiciário.
A proposição de um projeto de lei para incluir uma legislação ao ordenamento jurídico brasileiro se mostra viável diante do cenário apresentado, aplicando-se de forma correta como fundamento principal àqueles que buscam por esse reconhecimento e tendo como base principal a lei a ser apresentada nas suas petições iniciais quando propuserem suas ações.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A multiparentalidade e a paternidade socioafetiva reflete a evolução das famílias contemporâneas e o reconhecimento de que laços afetivos são tão importantes quanto os biológicos. Ela representa um grande avanço no campo dos direitos familiares, ao reconhecer a diversidade de tipos familiares e assegurar que todas as crianças tenham seus direitos garantidos, independente da configuração parental.
Após uma ampla discussão acerca dos conceitos, hipóteses, critérios, características e requisitos da multiparentalidade, que nesse caso abordou uma pesquisa conceitual no que tange o tema. Evidencia-se o propósito de informar e explicar o histórico da multiparentalidade, e como ela se formou até chegar os anos 2000, cumprindo essa função de trazer informações e desenvolver esses temas como um dos objetivos específicos do artigo.
Ademais, trouxe informações as quais a sociedade ainda acredita que não foram atualizadas, como o fato que a inclusão de outro pai na certidão de nascimento do filho pode ser possível, mesmo que já tenha um pai biológico o registrado, afastando a ideia de que para efetuar o registro, o pai biológico não poderia estar na certidão da criança. Isso busca alcançar um grande número de pessoas, a fim de que adquiram esses direitos e deveres se assim o quiserem.
A busca pelo reconhecimento da paternidade e da maternidade, porém com enfoque maior voltado para o vínculo socioafetivo entre pai e filho, demonstrou a diferença entre vinculo biológico, entretanto, ficou definido que mesmo com essa diferença, quando o reconhecimento é definido em juízo, mostra-se que que os direitos e deveres são os mesmos, abrangendo até mesmo a herança daquele que o registrou, mesmo que com outros filhos, e esta será dividida igualmente, sem distinções.
A previsão legal nos traz fatos documentais, e é através deles que se chega em um resultado, se essas previsões são ou não eficientes e suficientes para suprir a vontade de obter a declaração de multiparentalidade. Tanto na Constituição Federal de 1988 quanto no Código Civil estão previstas leis que dão suporte a ideia de multiparentalidade, porém foi constatado que não há nenhuma lei que verse necessariamente sobre a multiparentalidade, apenas aquelas que se referem ao vinculo socioafetivo, que consequentemente, provoca a multiparentalidade, que é um vínculo socioafetivo, mas se difere pelo fato de ter a hipótese de mais de um pai ou mais de uma mãe para verificar essa família multiparental.
É nítido nas pesquisas realizadas que muito dos fundamentos precisaram ser baseados em princípios previstos na Constituição Federal que se referem a multiparentalidade, como o princípio da dignidade da pessoa humana, a busca da felicidade possível, da proteção da família pelo Estado, do melhor interesse da criança e do adolescente e o princípio da afetividade. Esses princípios mostram que precisam estar unidos e indicados para a concessão do reconhecimento da família multiparental, embora citados, não é em todos os casos que foram deferidos a multiparentalidade. Isso mostra que poderia haver um fundamento maior que pudesse fazer com que essas decisões pudessem ser mais eficientes.
A jurisprudência é esse fundamento, que está previsto e rege esses processos em rumo a essa declaração para a família que busca o reconhecimento judicial. Esse julgamento é um entendimento do Supremo Tribunal Federal, e é um recurso extraordinário, tratado no tema 622 no ano de
2019, e vem reafirmar que a família socioafetiva é tão válida quanto a família biológica, mesmo que composta já por pais e mães na certidão de nascimento ou registo civil. Esse julgamento é usado como fundamento através de opiniões dos ministros, não necessariamente foi julgado no setor legislativo, por senadores e deputados, para que pudesse virar lei, sendo assim, é entendido como uma legislação do poder judiciário quanto a esse tema.
A pesquisa jurisprudencial foi feita a partir dessa decisão de 2019, no site oficial do Tribunal Judicial do Estado do Paraná (TJPR), onde obteve resultados tanto quantitativos quanto qualitativos.
O termo multiparentalidade foi pesquisado no site do TJPR e resultou em 126 processos encontrados, assim 109 deles estavam sob segredo de justiça, 34 são de conteúdo pendente de análise e liberação para consulta pública, e 78 processos estavam disponíveis para análise e pesquisa jurisprudencial, ainda, 1 processo foi desconsiderado, pois não se tratava de multiparentalidade.
Desse total de 126 processos, 22 deles foram julgados improcedentes, tanto em procedimento comum, como em recurso, pois não se enquadravam na questão de multiparentalidade, ou no reconhecimento de socioafetividade, pois foi evidenciado nas ementas que não cumpriam os requisitos necessários, como os princípios indicados, não sendo benéfico ao futuro e desenvolvimento da criança. Teses tratadas como ausência de demonstração suficiente do estado de filha pela autora e ausência de elementos que demonstrem de forma suficiente a relação de socioafetividade ajudaram a fundamentar a tese negativa da multiparentalidade.
Já os 55 processos em que houve o reconhecimento da multiparentalidade ou da socioafetividade entre as partes, vieram fundamentadas desses mesmos argumentos, indicando e comprovando que o vínculo realmente existe, através desses princípios, da posse do estado de filho e seus requisitos e também utilizando-se, na maioria delas o julgado tema 622, nº 898.060/SC, baseado no art. 102, § 3º, da CF. Esses processos foram efetivos, ainda dando aos autores o resultado almejado por eles. De fato, 55 processos é um número superior a metade, mostrando que esses requisitos e o entendimento do STF tem satisfeito esse propósito, todavia, e os demais 22 processos que não foram concedidos, de alguma forma, se fossem mais fundamentos com leis especificas ou complementares poderiam ter alcançado uma decisão diferente, versando ou não sobre a multiparentalidade ou socioafetividade, dependendo do caso concreto.
Além disso, é interessante analisar o papel que o judiciário tem feito no lugar do poder legislativo, pois, no ordenamento jurídico, o processo permite que o tema da multiparentalidade deva passar pelas duas casas legislativas, o Senado Federal e a Assembleia Legislativa, aprovada pelo Congresso Nacional e levado finalmente ao Presidente da República para que possa ser promovido a uma lei.
Assim, não caberia ao judiciário legislar sobre o tema, visto que se a lei acerca da família multiparental fosse introduzida, por exemplo, no Código Civil a probabilidade da quantidade de decisões favoráveis poderia chegar a um número superior a 22 processos que não foram providos.
Tem-se como resultado da pesquisa, que é conveniente a realização de um projeto de lei, visando a o reconhecimento da multiparentalidade, conjuntamente com a retificação do registro civil, para que possa ser incluído o sobrenome do pai socioafetivo dessa criança.
REFERÊNCIAS
ADVOCACIA, Galvão & Silva. Filiação Socioafetiva: O que é, Seus Tipos e Requisitos. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/artigos/filiacaosocioafetiva-o-que-e-seus-tipos-e-requisitos/1730703502 >”. Acesso em: 08 out. 2024.
BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. [Syn] Thesis, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, 2012a. Disponível em: https://www.e-publicacoes. uerj.br/index.php/synthesis/article/view/7433/5388. Acesso em: 19 out. 2024.
BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Art. 1.593. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 15 out. 2024.
BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Art. 1.605, inciso II. Disponível em:<https://www.meuvademecumonline.com.br/legislacao/codigos/1/codigo-civillei-n-10-406-de-10-de-janeiro-de-2002/artigo_1605#:~:text=1.605.,resultantes%20de%20fatos%20j%C3%A1%20 certos.> Acesso em: 02 de out. 2024.
BRASIL. Enunciado nº 519 da V Jornada de Direito Civil. Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2011. Disponível em: <https://www.cjf.jus.br>. Acesso em: 18 out. 2024.
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Art. 27. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 18 out. 2024.
BRASIL. Senado Federal. Como são feitas as leis. Jovem Senador. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/jovemsenador/home/paginas/como-saofeitas-as-leis#:~:text=Um%20projeto%20de%20lei%20ordin%C3%A1ria%20total%20del es%20participe%20da%20vota%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 18 out. 2024.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 898.060. Tema 622. Relator: Min. Luiz Fux. Julgado em 11 dez. 2019. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp ?incidente=4803092&numeroProcesso=898060&classeProcesso=RE&numero Tema=622>. Acesso em: 01 out. 2024.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. (4. Turma). Acórdão 1211091. NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, UNÂNIME. Brasília, DF. Disponível em: <https://pesquisajuris.tjdft.jus.br/IndexadorAcordaosweb/sistj>. Acesso em: 11 out. 2024.
CASSETTARI, Christiano. Multiparentalidade e paternidade socioafetiva: efeitos jurídicos. 3. ed. rev. atual e amp. São Paulo: Atlas, 2017.
COELHO, Alexs Gonçalves; MARQUES, Vinicius Pinheiro. Multiparentalidade e paternidade socioafetiva: breves apontamentos à luz da doutrina civilista e da jurisprudência brasileira. Revista do ministério público do estado de Goiás. Disponível em: <https://www.mpgo.mp.br/boletimdompgo/2019/08agosto/artigos/artigoAlexsGoncalves.pdf>. Acesso em: 02 out. 2024.
CORRÊA, Kátia Boulos. Multiparentalidade e parentalidade socioafetiva – efeitos. Instituto Brasileiro de Direito de Família, 14 abr. 2016. Disponível em: <https://ibdfam.org.br/artigos/1506/Multiparentalidade+e+parentalidade+socioaf etiva+%E2%80%93+efeitos>. Acesso em: 18 out. 2024.
DIAS, Eduardo Rocha; SÁ, Fabiana Costa Lima de. O ativismo judicial à luz do pensamento de Konrad Hesse sobre a força normativa da Constituição. Revista de Informação Legislativa: RIL, Brasília, DF, v. 57, n. 225, p. 165-179, jan./mar 2020. Disponível em: http://www12. senado.leg.br/ril/edicoes/57/225/ril_v57_n225_p165. Acesso em: 11 out. 2024.
DIAS, Maria Berenice. Adoção e a espera do amor, 2010. Disponível em: <www.mariaberenicedias.com.br>. Acesso em 20 out. 2024.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 7ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 365.
FAMILIAR, Direito. Multiparentalidade: entenda esse novo conceito. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/artigos/multiparentalidade-entenda-essenovo-conceito/586143479>. Acesso em: 10 out. 2024.
HENICKA, Pablo Portelles; AZAMBUJA, Maria Regina Fay De. O DESENVOLVIMENTO DO DIREITO DE FAMÍLIA E O RECONHECIMENTO DA MULTIPARENTALIDADE: UMA ANÁLISE ACERCA DOS AVANÇOS DO DIREITO DE FILIAÇÃO, A AFETIVIDADE E A MULTIPARENTALIDADE COMO REALIDADE SOCIAL. Disponível em: <https://www.pucrs.br/direito/wpcontent/uploads/sites/11/2021/08/pablo_henicka.pdf>. Acesso em: 11 out. 2024.
PARANÁ. Tribunal de Justiça. Acórdão nº 0002377-75.2019.8.16.0124. Disponível em:<https://portal.tjpr.jus.br/jurisprudencia/j/4100000025238141/Ac%C3%B3rd%C 3%A3o-0002377-75.2019.8.16.0124>. Acesso em: 18 out. 2024.
PARANÁ. Tribunal de Justiça. Acórdão nº 0002377-75.2019.8.16.0124. Relator: Des. Renato Lopes de Paiva. 6ª Câmara Cível, julgado em 26 abr. 2021. Disponível em:<https://portal.tjpr.jus.br/jurisprudencia/j/4100000025238141/Ac%C3%B3rd%C 3%A3o-0002377-75.2019.8.16.0124>. Acesso em: 18 out. 2024.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Dicionário de direito de família e sucessões: ilustrado. São Paulo: Saraiva, 2015. SOUZA, Carlos. CNJ cria regras para reconhecer a filiação socioafetiva. Consultor Jurídico, 03 dez. 2017. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-dez-03/carlos-souza-cnj-cria-regrasreconhecer-filiacao-socioafetiva/>. Acesso em: 18 out. 2024.
STRECK, Lenio Luiz. Ativismo judicial: afinal, do que se trata? Consultor Jurídico, 12 dez. 2021. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-dez12/segunda-leitura-ativismo-judicial-afinal-trata>. Acesso em: 18 out. 2024.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ. Pesquisa de Jurisprudência. Disponível em: <https://portal.tjpr.jus.br/jurisprudencia/publico/pesquisa.do;jsessionid=f292145 2ed83b7a2f36652f1a0be?actionType=pesquisar>. Acesso em: 18 out. 2024.
WAMBIER, Teresa Celina Arruda Alvim. Um novo conceito de família – reflexos doutrinários e análise de jurisprudência. In: TEXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord). Direitos de família e do menor. Belo Horizonte: Del Rey, 1993.