REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th10241021527
Kleber Torres Scarano1
Viviane Kawano Dias2
Jean Donizete Silveira Taliari3
Tatiane Rossafa Balieiro Scarano4
Idair Lopes Neto5
Juliana Petini Passerini6
Vinicius Marone Barros Lopes7
RESUMO:
Este artigo apresenta uma revisão sistemática da literatura sobre o impacto do exercício físico na qualidade de vida de pacientes oncológicos. Diversos estudos têm demonstrado que a prática regular de exercícios físicos, especialmente atividades aeróbicas e de resistência, desempenha um papel crucial na mitigação dos efeitos adversos do tratamento contra o câncer, como fadiga, depressão, perda de massa muscular (sarcopenia) e redução da função cardiovascular. Além disso, o exercício físico contribui significativamente para a reabilitação desses pacientes, promovendo a preservação da massa muscular, a melhoria do sistema cardiovascular e o aumento da capacidade funcional. Esses benefícios impactam diretamente a qualidade de vida, favorecendo a manutenção da independência e a realização das atividades diárias.
Especificamente, o treinamento de força (resistência) tem sido associado à prevenção da perda de massa magra, enquanto o treinamento de endurance (exercícios aeróbicos) mostra-se eficaz na melhora da capacidade cardiorrespiratória e na redução da fadiga relacionada ao câncer. Essas modalidades de exercício também apresentam um efeito positivo sobre os sintomas psicológicos, como ansiedade e depressão, que muitas vezes afetam pacientes durante e após o tratamento.
Além dos benefícios físicos e psicológicos, a prática regular de exercícios está associada à redução do risco de recorrência de certos tipos de câncer e à melhora no prognóstico geral dos pacientes, inclusive em termos de sobrevida. O artigo reforça que a prescrição de exercícios físicos deve ser parte integrante dos programas de tratamento e reabilitação oncológica, sendo necessária a adaptação de protocolos de exercícios às capacidades e condições individuais de cada paciente, considerando fatores como tipo de câncer, estágio da doença e tratamentos em curso.
Em conclusão, esta revisão destaca que a implementação de programas de exercício físico bem estruturados e supervisionados tem o potencial de melhorar significativamente a qualidade de vida e os desfechos clínicos de pacientes com câncer, reforçando a importância da integração entre a oncologia e a prática de atividades físicas no cuidado multidisciplinar dos pacientes.
Palavras-chave: Exercício físico, Qualidade de vida, Pacientes oncológicos, Reabilitação oncológica, Sarcopenia.
ABSTRACT
This article presents a systematic review of the literature on the impact of physical exercise on the quality of life of cancer patients. Numerous studies have demonstrated that regular physical activity, particularly aerobic and resistance exercises, plays a crucial role in mitigating the adverse effects of cancer treatment, such as fatigue, depression, muscle mass loss (sarcopenia), and reduced cardiovascular function. Additionally, physical exercise significantly contributes to the rehabilitation of these patients, promoting muscle mass preservation, cardiovascular improvement, and enhanced functional capacity. These benefits directly impact quality of life, facilitating independence and the ability to perform daily activities.
Specifically, strength training has been associated with preventing the loss of lean mass, while endurance training (aerobic exercise) is effective in improving cardiorespiratory capacity and reducing cancer-related fatigue. These exercise modalities also positively affect psychological symptoms, such as anxiety and depression, which often impact patients during and after treatment.
Moreover, regular exercise is linked to a reduced risk of recurrence of certain types of cancer and improved overall prognosis, including survival rates. The article emphasizes that exercise prescription should be an integral part of oncology treatment and rehabilitation programs, necessitating the adaptation of exercise protocols to the individual capacities and conditions of each patient, considering factors such as cancer type, disease stage, and ongoing treatments.
In conclusion, this review highlights that the implementation of well-structured and supervised physical exercise programs has the potential to significantly enhance the quality of life and clinical outcomes of cancer patients, reinforcing the importance of integrating oncology with physical activity in the multidisciplinary care of patients.
Keywords: Physical exercise, Quality of life, Cancer patients, Oncology rehabilitation, Sarcopenia.
INTRODUÇÃO
O câncer representa uma das principais causas de morbidade e mortalidade em todo o mundo, com impactos significativos na qualidade de vida dos pacientes, tanto durante quanto após o tratamento (Ferlay et al., 2020). As consequências físicas e psicológicas do tratamento oncológico, como fadiga, perda de massa muscular, diminuição da função cardiovascular e depressão, frequentemente reduzem a qualidade de vida dos pacientes (Baumann et al., 2016). Nesse contexto, o exercício físico tem sido proposto como uma intervenção não farmacológica que pode mitigar esses efeitos adversos, proporcionando benefícios tanto físicos quanto psicológicos melhorando a qualidade de vida dos pacientes (Campbell et al., 2019).
Dessa forma, é importante entender que a qualidade de vida (QV) é um conceito multidimensional que engloba fatores físicos, emocionais, sociais e funcionais, todos influenciados pelas condições de saúde de um indivíduo (WHO, 1995). Em pacientes oncológicos, a QV é frequentemente avaliada utilizando instrumentos padronizados, como o European Organisation for Research and Treatment of Cancer Quality of Life Questionnaire (EORTC QLQ-C30) e o Functional Assessment of Cancer Therapy- General (FACT-G), que medem aspectos como saúde física, bem-estar emocional e capacidades funcionais (Aaronson et al., 1993; Cella et al., 1993).
O declínio da força muscular em pacientes oncológicos está diretamente relacionado à perda de peso e massa muscular, frequentemente decorrente do estado de desnutrição que acompanha a progressão da doença e os efeitos colaterais do tratamento (Argilés et al., 2018). A caquexia, caracterizada por perda acentuada de massa muscular esquelética, é uma condição comum em estágios avançados do câncer, e está associada a um pior prognóstico e redução significativa na qualidade de vida (Fearon et al., 2011). Essa perda de força e massa muscular limita a funcionalidade dos pacientes, impactando negativamente sua capacidade de realizar atividades diárias e sua autonomia (Baracos et al., 2018).
Exercícios de força (resistência) e endurance (resistência cardiovascular) podem desempenhar um papel crucial na melhoria desses quadros. O treinamento de resistência é eficaz na preservação e recuperação da massa muscular, além de melhorar a força funcional, ajudando os pacientes a manter sua independência e qualidade de vida (Thomas et al., 2017). Além disso, o exercício aeróbio contribui para a melhora da capacidade cardiovascular, combate à fadiga e elevação do humor (Buffart et al., 2017). Estudos sugerem que a combinação de ambos os tipos de exercício pode ser uma abordagem eficaz na reabilitação de pacientes oncológicos, promovendo benefícios físicos e psicológicos que vão além do período de tratamento (Courneya & Friedenreich, 2019).
OBJETIVO
Esta revisão sistemática tem como objetivo sintetizar as evidências científicas mais recentes sobre o impacto do exercício físico na qualidade de vida dos pacientes oncológicos, buscando fornecer uma compreensão abrangente sobre os benefícios dessa intervenção.
Objetivos Específicos
Analisar como diferentes tipos de exercício físico (resistência, endurance, combinados) influenciam os aspectos físicos e psicológicos da qualidade de vida em pacientes com câncer.
Avaliar o impacto do exercício físico na redução da fadiga relacionada ao câncer e em outros sintomas específicos que afetam a funcionalidade dos pacientes.
Examinar a eficácia do exercício físico na preservação e recuperação da massa muscular e força em pacientes oncológicos, considerando o impacto da desnutrição e caquexia.
Investigar a relação entre a prática regular de exercícios e a redução do risco de recorrência de alguns tipos de câncer e a longevidade dos pacientes.
Identificar as lacunas na literatura e sugerir direções futuras para a pesquisa sobre programas de exercício físico voltados para a reabilitação oncológica.
METODOLOGIA
Esta revisão sistemática foi conduzida de acordo com as diretrizes do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) (Moher et al., 2009). O processo incluiu a definição de critérios de inclusão e exclusão, a seleção de bases de dados, a estratégia de busca, a triagem dos estudos, a extração de dados e a avaliação da qualidade dos artigos incluídos.
Critérios de Inclusão e Exclusão
Os estudos foram incluídos se atenderem aos seguintes critérios:
População: Pacientes oncológicos de qualquer idade, sexo ou tipo de câncer.
Intervenção: Programas de exercício físico, incluindo exercícios de resistência, endurance ou intervenções combinadas.
Comparador: Pacientes oncológicos que não participaram de programas de exercício físico ou que receberam cuidados usuais.
Desfecho: Qualidade de vida avaliada por instrumentos validados, como o EORTC QLQ-C30 ou FACT-G.
Tipo de estudo: Ensaios clínicos randomizados, estudos de coorte, estudos de caso-controle e revisões sistemáticas anteriores.
Idioma: Estudos publicados em inglês, espanhol e português.
Período de publicação: Estudos publicados entre janeiro de 2013 e dezembro de2023.
Os estudos foram excluídos se:
Focassem em populações não oncológicas.
Não avaliavam a qualidade de vida como um desfecho principal.
Eram relatos de caso, revisões narrativas ou artigos sem revisão por pares.
Fontes de Dados e Estratégia de Busca
As bases de dados utilizadas para a busca dos artigos foram PubMed, Scopus, Web of Science e Cochrane Library. A estratégia de busca incluiu palavras-chave e descritores relacionados ao tema, como “câncer”, “exercício físico”, “qualidade de vida”, “oncologia”, “resistência muscular” e “endurance”. Os termos foram combinados usando operadores booleanos (AND, OR) para garantir que todos os estudos relevantes fossem capturados.
Triagem e Seleção dos Estudos
Dois revisores independentes realizaram a triagem dos títulos e resumos identificados na busca. Os artigos potencialmente relevantes foram selecionados para leitura completa do texto. Discrepâncias entre os revisores foram resolvidas por consenso ou por um terceiro revisor, quando necessário.
Extração de Dados
Os dados foram extraídos de forma padronizada utilizando um formulário previamente elaborado, que incluiu as seguintes informações:
Dados dos autores (ano, país).
Características da amostra (número de participantes, idade, tipo de câncer). Intervenção de exercício físico (tipo, duração, frequência, intensidade).
Desfechos principais (qualidade de vida, força muscular, fadiga, recorrência de câncer).
Resultados e conclusões dos estudos.
Avaliação da Qualidade dos Estudos
A qualidade metodológica dos estudos foi avaliada utilizando a ferramenta Cochrane Risk of Bias para ensaios clínicos randomizados (Higgins et al., 2011) e o Newcastle-Ottawa Scale para estudos observacionais (Wells et al., 2000). Os estudos foram classificados como de baixo, moderado ou alto risco de viés, com base em critérios como aleatorização, cegamento, seguimento de participantes e validade dos desfechos.
Síntese dos Dados
Os resultados foram sintetizados de forma qualitativa, agrupando os estudos de acordo com o tipo de intervenção de exercício físico e os desfechos analisados. Quando possível, foi realizada uma meta-análise utilizando o software RevMan 5.4 para calcular o efeito combinado das intervenções sobre a qualidade de vida dos pacientes oncológicos.
RESULTADOS E DISCUSÃO
A análise dos estudos revisados nesta revisão sistemática mostra de forma consistente que a prática de exercício físico, especialmente os treinos de força e endurance, tem um impacto significativo na qualidade de vida de pacientes oncológicos. Os resultados dos artigos analisados indicam que essas intervenções físicas são eficazes tanto em termos de melhora da capacidade funcional quanto no bem-estar psicológico dos pacientes.
Impacto do Exercício na Fadiga e Função Física
Vários estudos revisados revelam que o exercício físico contribui substancialmente para a redução da fadiga relacionada ao câncer, um dos efeitos adversos mais prevalentes entre os pacientes. Estudos que utilizaram intervenções com treinamento aeróbico e de força demonstraram melhorias significativas na energia e vitalidade de pacientes com câncer de mama e próstata. Esses ganhos foram especialmente evidentes em programas supervisionados, onde a intensidade e a frequência dos exercícios foram ajustadas de acordo com as condições individuais dos pacientes (Baumann, Zopf & Bloch, 2016; Lowe et al., 2020).
Além da fadiga, a capacidade funcional também mostrou grandes melhorias, com o treinamento de resistência sendo altamente eficaz na preservação da massa muscular e da força. Isso é particularmente relevante para pacientes em terapias como quimioterapia e radioterapia, que comumente apresentam sarcopenia e perda de massa magra. Pacientes com câncer de próstata submetidos ao treinamento resistido, por exemplo, conseguiram manter e até melhorar sua força muscular durante o tratamento de privação androgênica, reduzindo o impacto negativo dessa terapia no sistema músculo-esquelético (Galvão & Newton, 2017).
Comparação entre Pacientes Ativos e Não Ativos
Estudos que compararam pacientes oncológicos fisicamente ativos com pacientes sedentários forneceram uma forte evidência de que o exercício regular está associado a uma melhor qualidade de vida e a uma redução significativa nos sintomas relacionados ao câncer. Buffart et al. (2017) apontam que pacientes que mantêm um regime de exercícios durante e após o tratamento oncológico apresentam níveis mais baixos de fadiga, menos sintomas depressivos e uma maior percepção de bem-estar, em comparação com pacientes não ativos.
Além disso, a prática regular de exercícios foi associada a uma menor recorrência de câncer em alguns tipos, como o de mama e o de cólon. Courneya & Friedenreich (2019) destacam que pacientes fisicamente ativos têm um risco menor de mortalidade não apenas por câncer, mas também por doenças cardiovasculares, com o exercício funcionando como um componente adjuvante importante no tratamento oncológico.
Exercício e Saúde mental
Outra área de impacto importante do exercício físico é o bem-estar psicológico. Intervenções que incluíram atividades mente-corpo, como yoga e Tai Chi, mostraram resultados impressionantes na redução de ansiedade, depressão e estresse, frequentemente relatados por pacientes oncológicos. Esses tipos de atividade, além de promoverem melhorias físicas, oferecem um alívio emocional significativo durante o tratamento, ajudando os pacientes a lidar com os desafios psicológicos do câncer (Truong et al., 2020).
Discussão Final
Os achados desta revisão reforçam a importância de integrar o exercício físico como parte essencial da reabilitação oncológica. Seja por meio de programas de resistência, endurance ou atividades mente-corpo, o exercício físico oferece uma intervenção não farmacológica eficaz e segura para melhorar a qualidade de vida dos pacientes oncológicos. Esses benefícios, tanto físicos quanto psicológicos, são evidentes em diferentes tipos de câncer, e a supervisão de profissionais de saúde qualificados é crucial para garantir a segurança e maximizar os efeitos benéficos.
A longo prazo, o exercício físico não só melhora a qualidade de vida durante o tratamento, mas também pode ter efeitos protetores contra a recorrência de câncer e outros problemas de saúde relacionados. As evidências sugerem que, para pacientes oncológicos, o exercício físico deve ser visto como um complemento importante ao tratamento médico tradicional, sendo fundamental na reabilitação e na melhoria do prognóstico global (Courneya & Friedenreich, 2019; Galvão & Newton, 2017; Buffart et al., 2017).
CONCLUSÃO
O exercício físico, especialmente nas modalidades de força e endurance, tem se mostrado uma intervenção não farmacológica eficaz para melhorar a qualidade de vida de pacientes oncológicos. Esta revisão sistemática demonstra que a prática regular de exercícios pode mitigar efeitos adversos do tratamento contra o câncer, como fadiga, perda de massa muscular, e declínio funcional, além de promover benefícios psicológicos, como a redução de sintomas depressivos e ansiosos. Além disso, estudos sugerem que pacientes fisicamente ativos apresentam um menor risco de recorrência da doença e uma maior sobrevida.
A comparação entre pacientes oncológicos treinados e não treinados reforça a importância de programas supervisionados de exercícios no contexto de reabilitação oncológica, destacando que o exercício deve ser uma parte essencial dos cuidados integrados. O treinamento resistido mostrou ser particularmente eficaz na preservação da força muscular e no combate à sarcopenia, enquanto o exercício aeróbico contribui para a melhora da aptidão cardiovascular e da saúde geral.
Assim, é essencial que profissionais da saúde, especialmente na oncologia, reconheçam os benefícios do exercício físico e integrem protocolos individualizados de treinamento físico aos tratamentos convencionais, melhorando não só a sobrevida, mas também a qualidade de vida dos pacientes. Futuros estudos podem continuar a explorar abordagens diferenciadas de exercícios e suas influências em diversos tipos de câncer e fases de tratamento, consolidando ainda mais o papel do exercício como parte fundamental do tratamento oncológico.
REFERÊNCIAS
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