HYPERTROPHIC OSTEOPATHY: CASE REPORT
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202410212121
Janaina Cró Jardino de Carvalho¹*; Faeelen Cristine Eschiapati Fernandes¹; Isabella Mantoan Prado¹; Samila Rezene Machado¹; Pedro Enrique Navas Suárez²; Leandro Lopes Dias de Alcantara³.
Resumo. A Osteopatia Hipertrófica é uma desordem osteoproliferativa geralmente secundária a uma patologia intratorácica que afeta as regiões metafisárias dos ossos longos caracterizada pela intensa reação periosteal do tipo “paliçada”. A sua fisiopatologia ainda não é totalmente esclarecida, mas existem algumas teorias que podem justificar o aparecimento dos sinais clínicos. Normalmente, cães de meia idade a idosos são os mais acometidos. O objetivo deste estudo foi relatar um caso de osteopatia hipertrófica, salientando os principais padrões radiográficos, sinais clínicos e possíveis tratamentos. Nesse estudo foi possível encontrar a alteração nos membros pélvicos e torácicos, além de nódulos e uma extensa formação em lobo pulmonar. A avaliação do exame citológico desses nódulos, chegou ao diagnóstico de Neoplasia Mesenquimal Maligna. Após alguns meses de tratamento, a paciente foi submetida a eutanásia devido a gravidade do quadro.
Palavras-chave: cães, nódulos, ossos longos, reação periosteal
Abstract. Hypertrophic osteopathy is an osteoproliferative disorder usually secondary to an intrathoracic pathology affecting the metaphyseal regions of the long bones, characterized by an intense “palisade” type periosteal reaction. Its pathophysiology is not yet fully understood, but there are some theories that may justify the appearance of clinical signs. Middle-aged to elderly dogs are usually the most affected. The aim of this study was to report a case of hypertrophic osteopathy, highlighting the main radiographic patterns, clinical signs and possible treatments. In this study, it was possible to find alterations in the pelvic and thoracic limbs, as well as nodules and an extensive formation in the pulmonary lobe. The cytological examination of these nodules led to the diagnosis of Malignant Mesenchymal Neoplasia. After a few months of treatment, the patient was euthanized due to the severity of the condition.
Keywords: dogs, long bones, nodules, periosteal reaction
Introdução
A osteopatia hipertrófica (OH) é uma condição patológica descrita principalmente em cães, e em menor proporção nos gatos e cavalos. Esta alteração é caracterizada por excessiva formação óssea periosteal difusa, à qual se expande principalmente ao longo das diáfises e metáfises de ossos dos membros (Maxie, 2015). Na grande maioria dos casos relatados existe uma lesão neoplásica ou inflamatória crônica na cavidade torácica. No entanto, também há relatos de OH em pacientes com rabdomiossarcoma botrioide da bexiga urinária e neoplasias renais em cães, assim como tumores ovarianos em cavalos (Maxie, 2015). Ainda hoje a patogênese desta condição é pouco esclarecida, é hipotetizado mecanismos neurogênicos e/ou humorais; no entanto, nenhum mecanismo esclarece todas as observações clínicas e experimentais. É de ressaltar que embora as lesões sejam progressivas, estas regridem se a lesão primária for removida (Maxie, 2015).
Em cães, dentre as lesões torácicas mais comuns encontram-se neoplasias pulmonares primárias ou secundárias, pleurite granulomatosa, linfadenite granulomatosa, bronquite crônica, endocardite bacteriana, dirofilariose e granulomas esofágicos, entre outras. Os ossos maiormente acometidos em cães são: rádio, ulna, tíbia, metacarpos e metatarsos (Maxie, 2015). Os principais sinais clínicos são letargia, claudicação simétrica, relutância a se movimentar, edema e hipertermia nas extremidades distais (Ettinger, Feldman, & Cote, 2017). O diagnóstico é auxiliado pela radiografia dos ossos afetados e subsequente avaliação radiográfica do tórax (Muhlbauer & Kneller, 2024). Se as radiografias do tórax forem negativas para doença intratorácica, devem ser realizados diagnósticos adicionais para avaliar causas infecciosas/inflamatórias (Muhlbauer and Kneller, 2024). O presente trabalho relata o caso clínico de um paciente canino com osteopatia hipertrófica, descrevendo os exames diagnósticos e o quadro clínico.
Relato do caso clínico
Paciente canina, sem raça definida (SRD) de 5 anos de idade, castrada, foi atendida numa clínica veterinária particular, localizada na cidade de São Paulo. O animal ingressou na clínica com histórico de perda de peso progressiva, inapetência e tosse seca frequente.
No exame físico, a paciente apresentou prostração, ausculta pulmonar abafada, mucosas hipocoradas, desidratação, temperatura retal de 38,8ºC e 102 batimentos por minuto. Além disso, a tutora relatou diminuição no consumo hídrico e intenso edema nos membros pélvicos e torácicos.
Neste momento inicial foram realizadas coletas de amostra sanguínea para hemograma, e bioquímica sanguínea.
Adicionalmente foram realizadas radiografias para avaliar a coluna, tórax e membros, revelando um processo degenerativo na coluna caracterizado pela presença de espondilose lateral discreta em L3 (figura 1) e uma área radiopaca puntiforme no forame vertebral entre L3-4 (figura 2), bem como a presença de uma possível neoformação em lobo pulmonar caudal esquerdo (figura 4), e outros três nódulos dispersos no tecido pulmonar, sugerindo assim a presença de neoplasia pulmonar primária e/ou metastática (Figura 3).
Figura 1: espondilose lateral em L3 em projeção ventrodorsal (seta branca).
Figura 2: área puntiforme no forame vertebral nos intervalos de L3-4 em projeção laterolateral direita.
Figura 3: imagem em projeção laterolateral direita do tórax, onde é possível visualizar nódulos dispersos no parênquima pulmonar (setas brancas).
Figura 4: imagem em projeção ventrodorsal do tórax, onde é possível visualizar neoformação em lobo pulmonar caudal de hemitórax esquerdo (seta branca).
Figura 5 e 6: imagens em projeções dorsopalmar e dorsoplantar dos membros pélvicos e torácicos. Nota-se severa reação periosteal do tipo “paliçada” estendendo-se desde a proção distal até a proximal dos membros (setas brancas).
Cerca de um mês após esses achados radiográficos, desenvolveu edema acentuado nos membros torácicos e pélvicos seguido de intensa dor no local. Exames subsequentes foram solicitados novamente incluindo ultrassom abdominal, para descartar possíveis metástases em outros órgãos, assim como raio- x da articulação metacarpofalangeana e metatarsofalangeana direita e hemograma completo. O exame ultrassonográfico não apresentou alterações dignas de nota.
Fosfatase alcalina 575 U/L (10-150U/L)
Ferro 46µg/dl (84-223µg/dl)
Os achados radiográficos, evidenciaram severa reação periosteal de aspecto “paliçada” em membros pélvicos e torácicos. A lesão se estendia desde a porção proximal até a distal dos membros, sendo mais pronunciada nas porções: face dorsomedial de 2º metatarso, face dorsolateral de 5º metatarso (figura 5), face lateral e medial da porção diafisária de tíbia e fíbula (figura 6). Além disso, foi possível identificar acentuado aumento de volume de partes moles adjacentes aos focos de lesão. O diagnóstico sugerido foi Osteopatia Hipertrófica.
Foi realizado exame citológico dos nódulos pulmonares demonstrando a presença de uma neoplasia mesenquimal maligna.
Devido à gravidade do quadro clínico, a cirurgia para a remoção dos nódulos pulmonares não foi considerada apropriada pela veterinária responsável. Em vez disso, foi recomendado o tratamento com quimioterapia, juntamente com medicamentos para o controle da dor. Os medicamentos prescritos incluíram Cloridrato de Tramadol (Cronidor 40mg), Dipirona Monoidratada (Dipirona), Prednisolona 5mg (Prediderm) e Gabapentina 50mg. Para a quimioterapia, foi indicada a administração de Ciclofosfamida 4,3mg. Após quatro meses de tratamento paliativo, a paciente manifestou uma piora significativa e, ao retornar para avaliação veterinária, foi diagnosticada com efusão pleural, sendo então medicada com furosemida. Diante do agravamento dos sintomas, incluindo dor intensa e dificuldade respiratória, a tutora optou pela eutanásia.
Discussão
Os sinais radiográficos são facilmente visualizados e podem se apresentar como um aspecto espiculado ou em “paliçada” com margens lisas ou irregulares, mal ou bem definidas dependendo da gravidade e cronicidade da doença (Muhlbauer & Kneller, 2024).
O estabelecimento do diagnóstico diferencial entre Osteopatia Hipertrófica e Osteossarcoma é de suma importância, pois pode suscitar incertezas no profissional encarregado da interpretação do laudo radiográfico. Radiograficamente, o Osteossarcoma exibe uma lesão localizada em uma parte do segmento ósseo, geralmente na região metafisária. Em contraste, a Osteopatia Hipertrófica se manifesta de maneira difusa, afetando as extremidades dos quatro membros (Filgueiras et al., 2002).
De acordo com um estudo realizado em 30 cães (Withers et al., 2015) a elevação fosfatase alcalina sérica é relatada em cães com OH. Isto deve-se a um presumivelmente aumento da atividade dos osteoblastos como parte da progressão da Osteopatia Hipertrófica. A hipoalbuminemia e a hiperglobulinemia também são anormalidades bioquímicas que foram relatadas em alguns dos cães presentes neste estudo.
O tratamento da Osteopatia Hipertrófica consiste na remoção da causa primária, no caso deste estudo, a formação pulmonar. Segundo alguns tratamentos como ressecção do nervo intercostal, vagotomia cervical bilateral e a ressecção subperiosteal das costelas têm sido sugeridos (Withrow; Ewens´s, 2013). De acordo com Fossum (2005) recomenda-se a administração de corticoides, analgésicos, antibióticos e vitamina C no tratamento. Contudo, não há evidências sólidas que comprovem a eficácia na redução do ciclo da doença.
As teorias recomendadas para explicar o desenvolvimento da Osteopatia Hipertrófica englobam mecanismos neurais, hormonais, hipóxicos e anastomoses arteriovenosas, também chamado de “shunts”. (Reichmann et al., 2001). “Particularmente nos cães, foi descrita em casos de carcinoma prostático, rabdomiossarcoma em bexiga urinária, sertolinoma, neoplasia esofágica, carcinoma renal, de células de transição da bexiga, nefroblastoma, mas, principalmente, em neoplasias pulmonares primárias metastáticas” (Jericó; Neto & Kogika, 2014).
A teoria neurogênica sugere que o aumento do fluxo sanguíneo para as extremidades dos membros, é resultado de um estímulo neurológico produzido pelo nervo vago, causando a proliferação de tecido conjuntivo e do próprio periósteo (Jericó; Neto & Kogika, 2014).
Segundo Pimenta (2008), a teoria humoral explica que o aumento do fluxo sanguíneo para as extremidades dos membros acontece por conta de um “shunt” arteriovenoso que se desenvolve ao redor da lesão pulmonar, permitindo que substâncias vasoativas que seriam eliminadas pelo pulmão, passam pela circulação sanguínea, afetando assim a circulação dos membros. Outra teoria é a da hipóxia, acredita-se que a falta de oxigênio estimula a liberação de macrotrombócitos, também conhecido como macroplaquetas. Os macrotrombócitos alcançam os pequenos vasos das extremidades dos membros e ao se fragmentarem, liberam fatores de crescimento na circulação, como o fator do crescimento endotélio vascular (VEGF), que promove a distinção de osteoblastos e angiogênese. Além disso, outro fator que pode comprometer a doença é o excesso na produção de hormônios liberadores de hormônio do crescimento (GHRH) (Jericó; Neto & Kogika, 2014).
Conclusão
Este relato de caso salienta as lacunas de conhecimento sobre a fisiopatologia desta moléstia. O controle de dor nota-se como uma terapêutica fundamental para promover uma melhoria na qualidade de vida do paciente. Além disso, salientamos que estudos específicos sobre esta entidade são necessários para preencher as lacunas de conhecimento.
O tratamento se baseia na remoção completa da doença primária através de intervenções cirúrgicas. No caso relatado, essa opção não foi considerada devido ao estágio avançado em que o animal se encontrava, sendo de suma importância observar os sinais clínicos rapidamente. Em casos em que não é possível o tratamento da causa primária, a vagotomia cervical bilateral por exemplo, pode ser indicada como tratamento paliativo.
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¹Discente do Curso de Medicina Veterinária, Centro Universitário das Américas – FAM. São Paulo–SP Brasil.
²Professor do Curso de Medicina Veterinária, Centro Universitário das Américas – FAM. São Paulo–SP Brasil.
³Médico Veterinário Radiologista.
*Autor para correspondência: Janaina Cró Jardino de Carvalho (crojanaina@gmail.com)