REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202410191614
Estefani de Carvalho1;
Jaciel Santos Karvat2
RESUMO
Este artigo científico investiga a evolução e a relevância contemporânea das teorias de Cesare Lombroso, com ênfase em suas propostas sobre a relação entre características físicas e comportamento criminoso. A teoria do criminoso nato, proposta por Lombroso, que sugere que determinadas características físicas poderiam indicar uma predisposição inata para comportamentos criminosos, é examinada criticamente. O objetivo é avaliar a validade dessas ideias, explorando se existe uma correlação significativa entre características físicas e propensão ao crime, conforme sugerido por Lombroso. Para isso, foram revisados materiais históricos sobre Lombroso e sua escola criminológica, bem como estudos contemporâneos sobre a influência de fatores biológicos no comportamento criminoso. A metodologia incluiu uma análise crítica de literatura acadêmica e histórica. Os resultados indicam que, embora as ideias de Lombroso tenham sido pioneiras, elas foram amplamente desacreditadas devido ao seu determinismo biológico e à falta de evidências conclusivas que liguem características físicas específicas ao comportamento criminoso. A discussão ressalta a importância de compreender o impacto histórico dessas teorias e o avanço da criminologia para uma abordagem mais equilibrada, considerando tanto fatores genéticos quanto ambientais. Em conclusão, o trabalho enfatiza a necessidade de uma análise crítica das teorias de Lombroso e sugere que a criminologia atual deve integrar uma perspectiva mais holística e científica sobre a causalidade do comportamento criminoso.
Palavras-Chave: Criminoso nato. Determinismo biológico. Predisposição ao crime.
ABSTRACT
This scientific article investigates the evolution and contemporary relevance of Cesare Lombroso’s theories, with emphasis on his proposals on the relationship between physical characteristics and criminal behavior. The theory of the born criminal, proposed by Lombroso, which suggests that certain physical characteristics could indicate an innate predisposition to criminal behavior, is critically examined. The objective is to evaluate the validity of these ideas, exploring whether there is a significant correlation between physical characteristics and propensity for crime, as suggested by Lombroso. To this end, historical materials on Lombroso and his criminological school were reviewed, as well as contemporary studies on the influence of biological factors on criminal behavior. The methodology included a critical analysis of academic and historical literature. The results indicate that while Lombroso’s ideas were pioneering, they have been widely discredited due to their biological determinism and the lack of conclusive evidence linking specific physical characteristics to criminal behavior. The discussion underscores the importance of understanding the historical impact of these theories and the advancement of criminology towards a more balanced approach, considering both genetic and environmental factors. In conclusion, the work emphasizes the need for a critical analysis of Lombroso’s theories and suggests that current criminology should integrate a more holistic and scientific perspective on the causality of criminal behavior.
Keywords: A born criminal. Biological determinism. Predisposition to crime.
1 INTRODUÇÃO
A relação entre características físicas e a propensão ao crime tem sido objeto de debate e investigação ao longo dos anos. Cesare Lombroso, um dos pioneiros no campo da criminologia, propôs teorias inovadoras que apontavam uma ligação direta entre certos traços físicos e a tendência para comportamentos criminosos.
Nesse contexto, a teoria do criminoso nato ganha destaque, pois sustentava que algumas pessoas nasciam com características físicas que as predisporiam à delinquência desde o nascimento.
Lombroso observou características físicas distintas em criminosos, como assimetria craniana, mandíbula proeminente, orelhas grandes, entre outras, e propôs que essas características eram marcadores biológicos de uma predisposição inata para o comportamento criminoso. Assim, a teoria do criminoso nato apontava que a criminalidade não era apenas resultado do ambiente social, mas também de fatores biológicos presentes desde o nascimento (LOMBROSO, 2010, p. 197).
Além disso, Lombroso também aplicou o conceito do atavismo3, para explicar que determinadas características físicas indicavam uma regressão ao estágio primitivo da evolução humana, o que, segundo ele, predisporia indivíduos ao comportamento criminoso.
Em sua obra “O Homem Delinquente”, Lombroso (2010) afirmou que a base do crime é uma anomalia do corpo e, especialmente, do cérebro. Essa declaração reflete sua crença de que características biológicas e neurológicas anômalas estavam intrinsecamente ligadas ao comportamento criminoso. Lombroso descreveu esses criminosos como “indivíduos selvagens”, sugerindo que eles eram geneticamente predispostos ao crime.
Além das contribuições de Lombroso, as contribuições de Enrico Ferri (2004) também são significativas no campo da criminologia. Sua abordagem no campo da sociologia criminal aprofundou a compreensão da interação entre fatores biológicos, sociais e psicológicos na determinação do comportamento criminoso.
Ferri (2004) expandiu as teorias de Lombroso, enfatizando que a predisposição para o crime está sujeita a uma interação multifacetada de influências. Essa congruência de pensamentos ressalta a necessidade de uma investigação mais aprofundada das implicações das características físicas na propensão ao crime.
Por outro lado, é essencial mencionar que Raffaele Garofalo (1893), discutiu o conceito de atavismo e sua relação com a criminalidade. Garofalo (1893) aduziu que certos indivíduos possuem características físicas e mentais que os tornam semelhantes aos estágios mais primitivos da evolução humana, predispondo-os ao comportamento criminoso. Ele enfatizou a ideia de que traços herdados podem contribuir para a propensão ao crime.
Justifica-se a escolha do tema pela necessidade de compreender melhor o legado de Lombroso na criminologia e avaliar a relevância contínua de suas teorias no contexto atual. Conforme observado por Garofalo (1893), as ideias de Lombroso representam um ponto de partida crucial para o estudo científico do crime, mas devem ser interpretadas à luz dos avanços posteriores na disciplina.
À medida que a criminologia contemporânea avança, é crucial questionar se as teorias de Lombroso ainda são aplicáveis e válidas nos dias de hoje. Isso levanta questões importantes sobre a determinação da propensão ao crime com base exclusivamente em características físicas, destacando a necessidade de uma abordagem mais abrangente e atualizada.
Portanto, esta pesquisa busca preencher uma lacuna na literatura ao investigar criticamente as teorias de Lombroso, explorar as características físicas que ele identificou como marcadores de predisposição para o comportamento criminoso e avaliar sua relevância no contexto contemporâneo da criminologia.
2 MATERIAL E MÉTODOS
No contexto desta pesquisa sobre Cesare Lombroso e suas teorias sobre a natureza do crime, verifica-se que o método hipotético-dedutivo é apropriado para investigar as nuances complexas e multifacetadas de suas proposições.
Por derradeiro, a técnica de pesquisa bibliográfica é adotada, abrangendo uma variedade de fontes, como publicações avulsas, jornais, revistas, livros, pesquisas, monografias, teses, entre outros. Essa abordagem permite não apenas revisitar as obras de Lombroso, mas também analisá-las criticamente sob uma nova luz, enriquecendo assim o debate acadêmico sobre a criminologia e suas teorias.
3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
3.1 CONTRUIBUIÇÕES DE CESARE LOMBROSO PARA A CRIMINOLOGIA
No campo vasto e multifacetado da criminologia, poucos nomes ressoam tão proeminentemente quanto o de Cesare Lombroso. Médico e criminologista italiano do século XIX, Lombroso deixou um legado duradouro que moldou não apenas o entendimento do comportamento criminoso, mas também a própria essência da disciplina criminológica.
Cesare Lombroso emergiu em uma época de fervor científico e interesse crescente pelo estudo do crime. Nascido em 1835, em Verona, Lombroso dedicou grande parte de sua carreira ao estudo dos criminosos e ao desenvolvimento de teorias que buscavam explicar as origens e comportamentos desses indivíduos.
Foi nesse contexto de investigação que Lombroso se destacou como um dos principais fundadores da Escola Positiva, ao lado de Enrico Ferri e Raffaele Garofalo. A criminologia italiana desenvolvida nesta escola passou por três fases, cada uma com aspectos preponderantes: iniciou-se com a fase antropológica de Cesare
Lombroso, seguida pela fase jurídica, com destaque para Rafael Garofalo, e concluindo com a fase sociológica, encabeçada por Enrico Ferri (BALERA; DINIZ, 2013).
Esta escola viria a focalizar as preocupações no delinquente, negando o livre arbítrio e fortalecendo a crença da previsibilidade da conduta do criminoso, sendo o crime um sintoma patológico da delinquência. Juntos, eles inauguraram uma nova era na criminologia, baseada em abordagens científicas e críticas à Escola Clássica, promovendo uma mudança radical na análise do delito (BALERA; DINIZ, 2013).
Lombroso marcou esse período devido às suas ideias a respeito da relação entre o delito e o criminoso. Preocupou-se em estudar o homem delinquente, realizando uma extensa pesquisa que envolveu a análise de mais de 25 mil prisioneiros de instituições europeias, além de 6 mil delinquentes vivos e resultados de pelo menos 400 autópsias (MOLINA; GOMES, 2013, p. 188).
A partir do estudo realizado, Lombroso constatou que entre esses homens e cadáveres existiam características em comum, físicas e psicológicas, que o fizeram crer que eram os estigmas da criminalidade.
Para Lombroso, o crime era um fenômeno biológico, e não um ente jurídico, como afirmavam os clássicos. Sendo assim, o criminoso era um ser atávico, um selvagem que já nasce delinquente (FERNANDES; FERNANDES, 2010, p. 500).
Utilizando-se do método empírico dedutivo ou indutivo – experimental, o positivismo criminal de Lombroso buscava através da análise dos fatos, explicar o crime sob um viés científico. Em suma, concebia o criminoso como um indivíduo distinto dos demais, um subtipo humano.
Dessa forma, fundamentava o direito de castigar, não como meio e finalidade de punir o agente que praticou o ato delituoso, mas sim, com o propósito de conservar a sociedade, combatendo assim a criminalidade.
Em sua busca por entender as origens do comportamento criminoso, Lombroso se deparou com a teoria do “criminoso nato”, uma de suas contribuições mais marcantes. Contrariando as concepções predominantes de sua época, que viam o crime como um fenômeno puramente social, Lombroso (2010) propunha que a predisposição ao crime tinha raízes biológicas e antropológicas.
Lombroso relacionava o delinquente nato ao atavismo. Portanto, era possível identificar características físicas e de personalidade nesse sujeito. Segundo essa teoria, o criminoso inato apresentava uma série de marcas de comportamento degenerativo, tanto em nível comportamental, psicológico e social, que o associavam a atitudes semelhantes à de certos animais, plantas e tribos primitivas selvagens (LOMBROSO, 2010, p. 43-44).
Com isso, Lombroso inter-relacionava o atavismo à loucura moral e à epilepsia, afirmando que o criminoso nato, que não logrou êxito em sua evolução, tal qual uma criança ou um louco moral, ainda necessita de uma abertura ao mundo dos valores (MOLINA; GOMES, 2013, p. 188). Ele também mencionava que a hereditariedade é uma das grandes causas da criminalidade, realçando a importância de seu conhecimento e relevância.
Além do criminoso nato (atávico), Lombroso (2010) distinguia mais 5 grupos de delinquentes, sendo o delinquente moral, o epilético, o louco, o ocasional e o passional. Ele dedicou atenção especial ao delinquente nato e ao delinquente moral inclusive abordando-os em um capítulo específico em sua obra. Assim, ele indicou distinções e correlações em relação a determinadas características apresentadas por esses grupos.
Lombroso (2010) nunca afirmou que todos os criminosos eram natos, mas que o “verdadeiro” delinquente, era nato. Sustentava que, tendo em vista a sua natureza, a aplicação de uma pena era ineficaz. Em síntese, o delinquente nato era considerado um doente. Isso porque nascia assim, razão pela qual não deveria o mesmo ser encarcerado.
Desse modo, sustentava que o criminoso deveria ser segregado da sociedade, antes mesmo de se ter cometido o delito, tendo em vista a sua característica de criminalidade imutável.
No campo da política criminal, a recomendação de segregação deste indivíduo do meio social, antes mesmo do cometimento de um crime, funcionaria como meio de defesa social.
As contribuições de Lombroso não se limitaram apenas ao reino das teorias. Seu trabalho pioneiro estabeleceu bases para a pesquisa empírica no campo da criminologia, inspirando gerações posteriores de estudiosos a explorar as complexidades do crime sob uma perspectiva multidisciplinar. Sua abordagem científica influenciou o desenvolvimento de métodos de pesquisa e análise que ainda são fundamentais para o estudo da criminalidade (FERNANDES; FERNANDES, 2010).
Apesar de suas contribuições significativas, as teorias de Lombroso também enfrentam críticas controvérsias. Muitos questionam a validade científica de suas ideias e o rigor de seus métodos de pesquisa. Ao longo do tempo, várias de suas conclusões foram contestadas e refinadas à luz de novas evidências e abordagens científicas.
Hoje, as teorias de Lombroso continuam a despertar debates acalorados e análises críticas. Segundo Fernandes et al. (2018), embora muitos de seus conceitos tenham sido contestados e refinados ao longo do tempo, o impacto de Lombroso na criminologia permanece indelével. Seu legado desafia continuamente os estudiosos a reconsiderar as interações complexas entre biologia, sociedade e comportamento humano, lançando luz sobre os mistérios profundos da natureza humana e do crime.
3.2 CARACTERÍSTICAS FÍSICAS ASSOCIADAS AO COMPORTAMENTO CRIMINOSO
A investigação sobre a possível relação entre características físicas e o comportamento criminoso remonta aos primórdios da criminologia. Entender o que leva as pessoas a cometerem crimes é uma tarefa árdua, conforme destacam Cerqueira e Lobão (2004). Nesse contexto, estudiosos como Cesare Lombroso, têm buscado compreender como os aspectos físicos podem influenciar as tendências criminosas. Lombroso, um dos pioneiros nesse campo, propôs a teoria do “criminoso nato”, sugerindo que certos traços físicos estavam associados a uma predisposição inata para o crime. Suas investigações revelam uma crença na existência desse tipo de criminoso, caracterizado como insensível, instável, cruel, vaidoso e vingativo, lançando luz sobre a complexa interação entre biologia, hereditariedade e comportamento humano (BALERA; DINIZ, 2013).
Ao trabalhar como médico em instituições penais, Lombroso teve a oportunidade de estudar os criminosos de perto. Durante suas observações, ele notou que muitos deles compartilhavam certas características físicas que ele acreditava estarem ligadas à degeneração e ao atavismo. Essas observações foram fundamentais para o desenvolvimento de suas teorias, que desempenharam um papel significativo na criminologia (MOLINA; GOMES, 2013, p. 188).
Uma dessas características era a assimetria craniana, onde o formato desigual do crânio era interpretado por Lombroso como um indicador de degeneração e uma regressão ao estado primitivo da evolução humana. Ele argumentava que essa assimetria era uma marca distintiva de criminosos natos. Além disso, Lombroso (2010) observou uma alta incidência de mandíbulas proeminentes entre os criminosos que estudou, interpretando essa característica como uma indicação de traços primitivos e animalescos, associados à agressividade e à violência.
Outras características físicas identificadas por Lombroso incluíam o tamanho das orelhas e diferenças no comprimento dos membros. Ele sugeriu que orelhas grandes estavam relacionadas a uma maior sensibilidade aos estímulos externos e a uma menor capacidade de autorregulação emocional. Quanto às diferenças no comprimento dos membros, Lombroso (2010) sugeriu que braços anormalmente longos poderiam estar relacionados a uma maior força física e propensão para a prática de crimes violentos.
Além dessas características específicas, Lombroso (2010) identificou outros traços que considerava indicativos de predisposição para o crime, como a presença de tatuagens e anomalias dentárias. Ele interpretou as tatuagens como uma expressão de impulsividade e falta de controle emocional, enquanto as anomalias dentárias poderiam estar relacionadas a distúrbios genéticos.
Além de Lombroso, outros criminologistas como Enrico Ferri (2004) e Raffaele Garofalo (1893) contribuíram para o estudo das características físicas e seu papel na conduta delitiva. Embora compartilhassem algumas ideias com Lombroso, eles também desenvolveram suas próprias teorias e abordagens em relação às características físicas associadas ao comportamento criminoso.
Ferri, por exemplo, adotava uma abordagem mais ampla e multifacetada em suas análises. Ele reconhecia a importância das características físicas na determinação do comportamento humano, mas as via como apenas um dos muitos fatores a serem considerados. Ferri (2004) argumentava que o crime era resultado de uma interação complexa de influências biológicas, psicológicas e sociais.
Por outro lado, Garofalo (1893) apresentava uma perspectiva distinta, compartilhando algumas ideias com Lombroso, especialmente em relação à importância da biologia e da hereditariedade no comportamento criminoso. Dentro desse contexto, uma das contribuições mais significativas de Garofalo foi sua discussão sobre o conceito de atavismo e sua relação com a criminalidade. Assim como Lombroso, Garofalo (1893) argumentava que certos indivíduos possuíam características físicas e mentais que os tornavam semelhantes aos estágios mais primitivos da evolução humana, predispondo-os ao comportamento criminoso. Ele enfatizava a ideia de que traços herdados poderiam contribuir para a propensão ao crime. No entanto, ele era mais cético em relação à ideia de que características físicas específicas poderiam servir como marcadores definitivos de predisposição para o crime. Garofalo (1893) defendia uma abordagem mais ampla, que considerava não apenas fatores biológicos, mas também sociais, psicológicos e culturais na determinação do comportamento criminoso.
Embora as perspectivas desses criminologistas tenham divergido em alguns aspectos, todos eles contribuíram para o desenvolvimento da criminologia, lançando luz sobre as complexidades do comportamento criminoso e influenciando o pensamento acadêmico e jurídico em suas respectivas épocas e além delas. Suas pesquisas e teorias continuam a ser discutidas e debatidas até os dias de hoje, proporcionando entendimentos valiosos sobre a natureza do crime e os fatores que o influenciam.
No contexto de exploração das bases biológicas do comportamento criminoso, a neurocriminologia, uma subdivisão emergente das ciências criminológicas e da neurociência, tem desempenhado um papel crucial nesse avanço. De acordo com Augusto (2010), pesquisas recentes nessa área indicam que a influência dos fatores biológicos nas ações cerebrais pode ser determinante para a descoberta de indícios de predisposição ao comportamento delinquente, proporcionando uma nova perspectiva na compreensão do crime e da propensão individual a cometer atos criminosos.
Esta investigação sobre as características físicas e sua associação com o comportamento criminoso oferece uma visão fascinante, porém complexa, do mundo da criminologia. Desde os estudos inovadores de Lombroso até as abordagens contemporâneas da neurociência e psicologia forense, testemunhamos uma evolução notável na compreensão do crime.
A criminologia, atualmente, abrange um campo mais vasto para compreender o comportamento criminoso, evidenciando o crime também como um problema da sociedade. Nesse sentido, Veras (2006) destaca que um crime não deve ser julgado apenas pelo ato violento, mas também é de extrema importância compreender a razão que motivou o indivíduo a cometer a ação delituosa.
Apesar de as teorias de Lombroso e seus contemporâneos terem estabelecido as bases para esse campo de estudo, é crucial reconhecer a importância de uma abordagem multidisciplinar. O comportamento criminoso é o resultado de uma interação complexa entre diversos fatores, incluindo não apenas características físicas, mas também influências biológicas, psicológicas, sociais e ambientais. Essa compreensão ampla nos permite não apenas avançar na compreensão do crime do ponto de vista teórico, mas também desenvolver estratégias mais eficazes de prevenção e intervenção.
À medida que avançamos no século XXI, a necessidade de mais pesquisas nesse campo é evidente. Como observado por Viana (2008), novos avanços científicos continuarão a desafiar e expandir nossas concepções sobre o comportamento criminoso, oferecendo esperança para uma sociedade mais segura e justa.
Dessa forma, enquanto vislumbramos o futuro, é crucial manter uma postura vigilante na busca por respostas, mantendo-nos fiéis ao compromisso de entender as complexidades do crime e trabalhar para construir um mundo onde a justiça prevaleça para todos.
3.3 VALIDADE DAS TEORIAS DE LOMBROSO NA CRIMINOLOGIA CONTEMPORÂNEA
Cesare Lombroso, uma figura central na história da criminologia, desafiou as concepções convencionais do século XIX ao propor teorias revolucionárias sobre a natureza do crime e do criminoso. Suas observações meticulosas sobre criminosos e sua tentativa de categorizá-los em tipos distintos influenciaram profundamente o desenvolvimento da criminologia como disciplina científica. Sua obra, marcada pela teoria do “criminoso nato” e pela identificação de características físicas associadas à predisposição ao crime, continua a suscitar debates acalorados nos círculos acadêmicos e profissionais da criminologia. Por isso, ao considerarmos o avanço da ciência e as mudanças sociais em curso, surge a necessidade premente de examinar se suas ideias ainda são válidas e relevantes na criminologia contemporânea.
No atual cenário da criminologia, torna-se evidente que as teorias pioneiras de Lombroso, embora tenham sido revolucionárias em sua época, agora são submetidas a uma análise crítica. Balera e Diniz (2013) destacam a necessidade de reconhecer os exageros e preconceitos presentes nas obras de Lombroso, que refletiam uma visão radical entre biologia e criminalidade, mesmo para o contexto histórico em que foram desenvolvidas. Hoje, à luz do progresso científico e das transformações sociais, é inegável que o estigma do criminoso não pode ser reduzido apenas a determinantes biológicos.
Observa-se uma mudança significativa na forma como a sociedade e o campo das ciências compreendem o fenômeno da criminalidade. Não mais restrita a uma visão simplista e determinista, a análise do crime agora considera uma gama diversificada de fatores, incluindo aspectos econômicos, históricos, culturais e sociais. Porém, não se deve ignorar as influências do senso comum que sustentam as concepções lombrosianas de que existem fatores genéticos que condicionam um indivíduo à criminalidade (BALERA; DINIZ, 2013).
De acordo com estudos de Garcia (2007), é desproporcional afirmar a existência de um criminoso atávico, que naturalmente esteja vinculado à prática delitiva. Entretanto, também não é possível sustentar que a visão bioantropológica foi totalmente abandonada. Ainda existem estudos que buscam fundamentar características em indivíduos que os tornam propensos a atitudes criminosas, sejam elas de caráter genético, neurológico ou fisiológico. Prova disso são os estudos realizados por duas instituições de ensino do Rio Grande do Sul, que promoveram um projeto de investigação sobre os fundamentos neurológicos da violência em adolescentes infratores selecionados da Fundação de Atendimento Socioeducativo, com idades entre 15 e 21 anos. Essa pesquisa foi conduzida por ressonância magnética, buscando elementos no cérebro desses jovens que pudessem comprovar os fatores pré-dispostos a atitudes delinquentes nesses indivíduos. Essa pesquisa reforça que os estudos de Cesare Lombroso ainda influenciam o pensamento atual sobre as influências genéticas na criminalidade (FERNANDES et al., 2018).
Conforme sustentado por Balera e Diniz (2013), apesar dos avanços sociais e científicos desde o século XIX, a sociedade contemporânea ainda comete equívocos ao permitir e sustentar pesquisas que seguem a linha de Lombroso, buscando estigmas em indivíduos que cometeram delitos. Isso perpetua a ideia de que algumas pessoas são naturalmente propensas a se tornarem criminosas, enquanto outras não.
Dado o persistente impacto das ideias de Lombroso no pensamento criminológico moderno, torna-se cada vez mais evidente a necessidade de uma abordagem multidisciplinar para compreender plenamente o fenômeno do crime. Essa interdisciplinaridade é essencial para ampliar nossa compreensão dos fatores que influenciam o comportamento criminoso. A contribuição da Psicologia Criminal, por exemplo, é crucial, oferecendo entendimentos sobre a mente criminosa e auxiliando na elaboração de perfis criminais, como registrado por Innes (2009). Esses perfis, baseados em ciências humanas e comportamentais como a Psicologia e a Psicopatologia, têm se mostrado uma ferramenta eficaz na prevenção e resolução de crimes, permitindo uma intervenção mais direcionada e eficiente.
Em consonância com essas considerações, embora as teorias de Lombroso tenham desempenhado um papel significativo na história da criminologia, atualmente, questiona-se a validade de rotular indivíduos como delinquentes com base em sua morfologia. Como aponta Mattos (2019), tal abordagem é considerada irracional à luz das compreensões contemporâneas do comportamento humano.
Na criminologia contemporânea, conforme destacado por Mariano e Laport (2021), duas tendências predominantes destacam-se na interpretação das condutas violentas. Primeiramente, enfatiza-se o papel do meio, do ambiente e do contexto sociocultural na formação do comportamento violento. Essa perspectiva sugere que certos traços temperamentais são exacerbados ou ativados pelo ambiente, levando indivíduos a adotarem comportamentos violentos como meio de obter vantagens materiais ou alívio emocional. Por outro lado, há o reconhecimento de que o praticante da ação violenta pode carregar consigo certas características biológicas, tanto físicas quanto mentais, que os tornam inadequados para o convívio social ou familiar. Essas características podem manifestar-se por meio da expressão da violência ou da transgressão.
Marino e Laport (2021) ainda ressaltam que a segunda categoria é mais imprevisível do que a primeira. Isso porque, em se tratando de determinações socioculturais, é possível reconhecer as situações mais propícias para que o ato violento ocorra: ambientes caracterizados pela ausência de uma estrutura familiar, social e de apoio, ambientes fortemente marcados pela inoperância de práticas de mediação de conflito, ambientes de vulnerabilidade social etc.
Nessa perspectiva, a interseção entre a biologia e a criminologia ganha ainda mais destaque, especialmente com os avanços da neurociência aplicada ao estudo do comportamento humano. A neurocriminologia, um campo emergente que busca compreender as bases neurais do comportamento criminoso, tem encontrado na neuroimagem um instrumento metodológico-científico crucial, que oferece auxílio em diagnósticos sobre transtornos psiquiátricos que podem estar associados ao comportamento criminoso. Essa abordagem multidisciplinar tem sido fundamental para ampliar a compreensão sobre as origens do comportamento criminoso, reconhecendo a influência de fatores biológicos, psicológicos e sociais (MARINO; LAPORT, 2021).
Inclusive, nos estudos sobre psicopatia, diversas são as pesquisas com o uso da neuroimagem, muitas delas tem buscado encontrar evidências que confirmem a hipótese de que as bases causais da psicopatia residam na neurobiologia. Contudo, não há uma conclusão definitiva sobre qual a real causa do comportamento psicopático, embora saiba-se que a base neurobiológica desempenhe papel importante (SOUSA; MATTOS, 2019).
Assim, sendo a neuroimagem um instrumento que pode ser usado também para analisar alterações cerebrais, seu uso pode oferecer benesses significativas para que se compreendam as maneiras de manifestação dessas ações violentas, porém ela por si só não determina as alterações no comportamento violento (SANTOS, 2018, p. 64).
Com relação ao proposto, Mattos (2019) aborda que essa evolução científica que usa métodos não invasivos, capazes de analisar o cérebro e seu funcionamento, tornou possível verificar que não existe um modelo pronto para explicar o comportamento humano, pois os fatores genéticos, o histórico de construção do sujeito e as variações cerebrais são determinantes para modelar o comportamento de formas diferentes.
Em síntese, ao refletirmos sobre as teorias de Lombroso à luz da criminologia contemporânea, torna-se evidente a necessidade de uma análise abrangente dos fatores que influenciam o comportamento criminoso. Embora as observações pioneiras de Lombroso tenham desafiado as concepções convencionais de sua época e tenham influenciado o desenvolvimento inicial da criminologia, segundo Fernandes (2010), é amplamente aceito hoje que suas ideias não oferecem uma explicação completa para o fenômeno.
A proposta de Lombroso, que associa características físicas específicas à predisposição para o crime, foi amplamente debatida e contestada. Estudos contemporâneos, conforme destacado por Marino e Laport (2021), reconhecem a influência de fatores biológicos, genéticos e neurológicos no comportamento humano. No entanto, a compreensão mais atualizada demanda uma avaliação mais complexa da relação entre esses elementos e a propensão ao crime.
Nesse sentido, é fundamental adotar uma abordagem integrativa e multifatorial, que reconheça a interação complexa entre diferentes variáveis. Ao invés de buscar uma resposta definitiva na correlação entre características físicas e criminalidade, devemos promover um entendimento mais amplo que leve em consideração também os aspectos sociais, econômicos, históricos e culturais (BALERA; DINIZ, 2013).
Portanto, enquanto continuamos a explorar e aprofundar nosso entendimento sobre as causas e os contextos do comportamento criminoso, é essencial manter uma postura crítica em relação às teorias passadas e atuais, promovendo assim um progresso contínuo no campo da criminologia.
4 CONCLUSÃO
Este estudo analisou criticamente as teorias de Cesare Lombroso sobre as características físicas e sua relação com a propensão ao crime, explorando sua relevância no contexto da criminologia contemporânea. Verificou-se que, embora as ideias de Lombroso tenham sido pioneiras e tenham influenciado significativamente o desenvolvimento inicial da criminologia, elas são amplamente consideradas inadequadas e simplistas à luz dos conhecimentos e métodos científicos atuais.
A teoria do criminoso nato, que sugere uma ligação direta entre características físicas e predisposição ao comportamento criminoso, não resiste ao rigor das evidências científicas contemporâneas. Pesquisas modernas destacam que o comportamento criminoso é resultado de uma complexa interação de fatores biológicos, psicológicos, sociais e ambientais, e não pode ser atribuído exclusivamente a traços físicos ou hereditariedade.
No entanto, a importância histórica das teorias de Lombroso não deve ser subestimada. Elas abriram caminho para uma abordagem científica do estudo do crime, promovendo a investigação empírica e a análise crítica. A criminologia contemporânea, informada por avanços em diversas disciplinas, continua a evoluir e a refinar nossa compreensão do comportamento criminoso.
Dessa forma, ao revisitar as teorias de Lombroso, reconhece-se sua contribuição para o campo e a necessidade de continuar explorando novas perspectivas que integrem os avanços científicos e sociais. O compromisso com uma abordagem multidisciplinar e a consideração dos diversos fatores que influenciam o crime são essenciais para o desenvolvimento de políticas eficazes de prevenção e intervenção, visando uma sociedade mais justa e segura.
3A palavra atavismo deriva do latim “atavus”, que significa “ancestral”. Em biologia, o termo é utilizado para descrever a manifestação de características ancestrais em organismos modernos. Essas características são consideradas atípicas ou incomuns em relação à maioria dos indivíduos da mesma espécie.
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1Graduanda no curso de Direito da Universidade do Contestado – Campus Rio Negrinho/SC. E-mail: estefanidecarvalho97@gmail.com
2Mestre no Programa de Mestrado Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado – Campus Canoinhas/SC.
Professor Universitário no curso de Direito da Universidade do Contestado – Campus Rio Negrinho/SC. E-mail: jaciel.karvat@professor.unc.br