REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202410171428
Alberto Mario Santini,
Profa. Orientadora: Mestre Simone Schmaltz
RESUMO
Esta pesquisa monográfica tem como objetivo buscar entender o porquê do Kosovo não ter sua independência reconhecida pela Sérvia e, se nesse processo de independência o país cometeu algum ato ilegal perante o Direito Internacional. Com os conflitos entre a Sérvia e o Kosovo, a região ficou bastante desgastada. Embora a reação da Sérvia sobre a decisão apresentada na sentença da Corte Internacional de Justiça tenha sido pacífica, permanece ainda uma forte tensão política naquela área. O governo sérvio tem pressionado a União Européia para que não reconheça a independência do Kosovo, mesmo após esta ter sido considerada legítima pela Corte.
Palavras-chave: Organização das Nações Unidas (ONU), Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN); Kosovo, Direitos Humanos, Direito Internacional.
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa monográfica tem a finalidade de conhecer o processo de independência do Kosovo, do não reconhecimento por parte da Sérvia, a posição adotada pela ONU diante da autodeclaração de independência do Kosovo e, também, como a decisão da Corte Internacional de Justiça pode afetar a Comunidade Internacional. Sendo assim, observaremos que um grande passo no cenário internacional foi dado, pois trata-se de um caso único.
No primeiro capítulo apresentamos o conceito e estrutura do sistema de Direito Internacional por meio da sua principal organização que é a Organização das Nações Unidas. Sabe-se que o principal objetivo dessa organização é a promoção da paz, tentando sempre controlar conflitos em diferentes partes do planeta, e por isso, no caso do Kosovo não seria diferente.
Abordamos o Direito Internacional no caso do Kosovo, que foi um conflito muito delicado, a violação dos direitos humanos, e o papel desempenhado pela ONU no processo de independência deste caso específico, dentro do contexto dos Direitos Humanos.
No segundo capítulo será discutido a formação e o desenvolvimento do Kosovo, e entender como a teoria (neofuncionalista) adotada na pesquisa monográfica, se encaixa com o tema abordado. Como a sua declaração de independência é analisada sob ponto de vista do direito internacional, para assim posteriormente obter um parecer sobre a legalidade de sua atitude.
Também observaremos como ocorreu o processo de autodeclaração de independência do Kosovo, de forma mais detalhada, para que possamos entender se foi um ato legitimo ou não segundo a ONU.
O terceiro capítulo irá apresentar o que vem a ser a Corte Internacional de Justiça, e qual a posição adotada pela mesma diante da autodeclaração de independência do Kosovo, bem como a interpretação dada pela Corte à Resolução 1244.
Mencionamos a repercussão da independência do Kosovo no cenário internacional, regional e local. Pois se tratando de um caso único, é de extrema importância observar qual a posição de cada país do cenário internacional diante da sentença da CIJ.
Finalmente, vale ressaltar que esta pesquisa foi realizada por meio de revisão bibliográfica, e de matérias jornalísticas veiculadas na mídia nacional e internacional, sobre a independência do Kosovo. Pois tratando-se de um caso recente, que ainda esta em andamento, muitas coisas ainda não foram definidas, uma das importantes fontes de informação utilizada neste estudo foi a internet.
CAPÍTULO I
1 A ONU E SUA ESTRUTURA
O ponto de partida para a construção de um sistema de Direito Internacional é a identificação de um elemento conciliador que produza uma identidade de independência política e, necessariamente, de igualdade jurídica entre os Estados. Esse elemento é a soberania, mas não só. O sistema internacional é composto por atores estatais, atores não-estatais (pessoas) e os transnacionais, pois para a política, falar em “sociedade internacional” parece muito mais incluso e realista para uma análise. Nas relações internacionais essa percepção, aparentemente, é procedente, mas apenas se desconsiderarmos o conteúdo e a motivação política na formação das regras de Direito, o que se convencionou denominar de “fontes materiais do Direito”.
No inicio do século XX, com o Tratado de Versalhes, um tratado de paz, procurou-se criar um novo conceito fundado numa organização internacional, a Sociedade das Nações. Este Tratado estabeleceu uma Corte Permanente de Justiça Internacional e inaugurou um processo de sistematização irreversível do Direito Internacional fundado na cooperação, inaugurando uma era de organizações internacionais que seria mantida e aperfeiçoada com a criação da Organização das Nações Unidas e, de tantas outras organizações internacionais especializadas, a partir de 1945.
Esse ramo da ciência jurídica possibilita o estudo não só dos princípios e das normas internacionais que o regem, mas também a particularização, ou seja, dos aspectos regionais, em função de determinados lugares, de formação histórica semelhante com interesses comuns, como no caso dos países latino-americanos, africanos, europeus (nosso caso abordado) e outros.
Podemos observar que com o direito de cada país, os estudos e pesquisas desse ramo do Direito são muito importantes, pois são formas de alcançar a cooperação internacional, e também a melhoria de relação entre os povos, além de garantir a paz.
As relações de natureza pacífica entre os Estados se processam através de determinados órgãos apropriados, que os representam, com funções específicas, são eles: os soberanos ou chefes de Estados, os ministros das Relações exteriores, os agentes diplomáticos e os cônsules.
Os órgãos das Relações Internacionais estão para as coletividades, assim como os funcionários internacionais estão para as coletividades interestatais.
Um dos elementos componentes do Estado é o território. A noção de território em Direito Internacional Público não é geográfica e sim jurídica, visto que ele “é o domínio de validade da ordem jurídica de um determinado Estado soberano” (Kunz).
O direito internacional na pratica tem o papel de analisar os fatos que ocorrem em determinado conflito, no caso do Kosovo, e assim decidir o que acontecerá. Quais serão as decisões tomadas. Cabe à Corte Internacional de Justiça nesses casos, analisar os fatos de um conflito, e assim tomar decisões cabíveis.
1.1. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS
A Organização das Nações Unidas, ONU, é uma organização internacional cujo objetivo declarado é facilitar a cooperação em matéria de direito internacional, segurança internacional, desenvolvimento econômico, progresso social, direitos humanos e a realização da paz mundial. A ONU foi fundada em 1945 após a Segunda Guerra Mundial para substituir a Liga das Nações, com o objetivo de deter guerras entre países e para fornecer uma plataforma para o diálogo. Ela contém várias organizações subsidiárias para realizar suas missões.
A ONU está dividida em instâncias administrativas, principalmente: a Assembleia Geral (Assembleia deliberativa principal); o Conselho de Segurança (para decidir determinadas resoluções de paz e segurança); o Conselho Econômico e Social (para auxiliar na promoção da cooperação econômica e social internacional e desenvolvimento); o Secretariado (para fornecimento de estudos, informações e facilidades necessárias para a ONU), o Tribunal Internacional de Justiça (o órgão judicial principal); e o Conselho de Tutela, que teve suas funções praticamente extintas em 1994 com a independência de Palau e sua admissão à ONU.
A seguir, apresentamos o Organograma da Organização das Nações Unidas, retirado do livro de Thales Castro:
A Assembleia Geral da ONU tenta fornecer roupagem democratizante às Relações Internacionais. Nela, todos os Estados-Membros têm presença garantida, capacidade de voto e de determinação de agenda, não havendo veto ou restrições ao debate diplomático. A AGNU representa o foro de debates amplo, aberto e de aproximação de todos os países que compõem a ONU e poderia ser classificada como órgão interno da ONU de baixa intensidade política.
A Assembleia Geral das Nações Unidas é o órgão central e pleno da ONU no qual todos os Estados-Membros, com direito a um voto, estão representados. Está fundada no idealismo isonômico-legalista e reúne-se, anualmente, de forma regular, podendo, porém, ser convocada, tanto pela maioria dos Estados-Membros quanto pelo Conselho de Segurança, para sessões extraordinárias. Os Estados-Membros são representados por, no máximo, cinco diplomatas e cinco suplentes. Com vistas a auxiliar a organização de sua ampla gama atribuições e papéis, a AGNU conta com seis comissões permanentes: primeira comissão: desarmamento e segurança internacional; segunda comissão: econômica e financeira; terceira comissão: social, humanitária e cultural; quarta comissão: política e descolonização; quinta comissão: assuntos administrativos e orçamentários e sexta comissão: jurídica. Os Estados têm a prerrogativa de indicação de seus diplomatas como membros em cada uma dessas comissões. Entre as sessões regulares permanentes, a Assembleia Geral é representada por uma Mesa Diretora composta por presidente, treze vice-presidentes e os presidentes das seis comissões permanentes.
O Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, um dos mais importantes das Nações Unidas, tem 54 membros, eleitos pela Assembleia Geral por períodos de três anos. Este destina-se ao estudo de questões relativas à saúde, organização econômica, direitos da mulher, varas internacionais de infância, direito trabalhista internacional, direito cultural e de independência dos povos de toda parte do Mundo.
O Secretariado-Geral é o órgão administrativo, por excelência, da Organização das Nações Unidas. Tem uma sede permanente, que se acha estabelecida em Nova Iorque. Compreende um Secretário-Geral, que o dirige e é auxiliado por pessoal numeroso, o qual deve ser escolhido dentro do mais amplo critério geográfico possível.
O secretário-geral é eleito pela Assembleia Geral, mediante recomendação do Conselho de Segurança. O pessoal do Secretariado é nomeado pelo Secretário-Geral, de acordo com regras estabelecidas pela Assembleia.
Como funcionários internacionais, o secretário-geral e os demais componentes do secretariado são responsáveis somente perante a Organização e gozam de certas imunidades.
O secretário-geral atua nessa qualidade em todas as reuniões da Assembleia Geral, do Conselho de Segurança, do Conselho Econômico e Social e do Conselho de Tutela, e desempenhará outras funções que lhe forem atribuídas por esses órgãos.
Entre suas obrigações ordinárias, figura a de apresentar um relatório anual à Assembleia Geral, sobre os trabalhos da Organização. Uma de suas mais importantes faculdades é a de chamar a atenção do Conselho de Segurança para qualquer assunto que, em sua opinião, possa ameaçar a manutenção da paz e da segurança internacionais. O Secretário-Geral só é responsável perante a ONU, não podendo, em conseqüência, receber instruções dos governos.
A Corte Internacional de Justiça é o principal órgão judiciário da Organização das Nações Unidas. Tem sede em Haia, nos Países Baixos. Por isso, também costuma ser denominada como Corte da Haia ou Tribunal da Haia. Sua sede é o Palácio da Paz.
Foi instituído pelo artigo 92 da Carta das Nações Unidas: « A Corte Internacional de Justiça constitui o órgão judiciário principal das Nações Unidas. Funciona de acordo com um Estatuto estabelecido com base no Estatuto da Corte Permanente de Justiça Internacional e anexado à presente Carta da qual faz parte integrante.”
Sua principal função é de resolver conflitos jurídicos a ele submetidos pelos Estados e emitir pareceres sobre questões jurídicas apresentadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas, pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas ou por órgãos e agências especializadas acreditadas pela Assembleia da ONU, de acordo com a Carta das Nações Unidas
O Conselho de Segurança das Nações Unidas é um órgão das Nações Unidas com responsabilidades sobre a segurança mundial. O órgão tem o poder de autorizar uma intervenção militar em algum país. Todos os conflitos e crises políticas do mundo são tratados pelo conselho, para que haja intervenções militares ou missões de paz.
O Conselho de Segurança é composto por 15 membros, sendo 5 membros permanentes: os Estados Unidos, a França, o Reino Unido, a Rússia e a República Popular da China, sendo que cada um destes membros tem direito de veto. Os outros 10 membros são rotativos e têm mandatos de 2 anos.
Uma resolução do Conselho de Segurança é aprovada se tiver maioria de 9 dos quinze membros, inclusive os cinco membros permanentes. Um voto negativo de um membro permanente configura um veto à resolução A abstenção de um membro permanente não configura veto.
1.2. O DIREITO INTERNACIONAL NO CONFLITO DO KOSOVO
A ONU tem como Direito Internacional básico promover a paz. Com isso, pode-se observar que o relacionamento entre Estados e as regras que os criavam consistiam na substância do que chamamos de Direito Internacional.
“Segundo o direito internacional as organizações devem ser consideradas como possuindo os poderes (no caso, os poderes de proteção funcional dos agentes e de reclamação internacional) que, não estando expressamente enunciados na Carta, são, por conseqüência necessária, conferidos à organização na medida em que são essenciais para o exercício das suas funções”. (RIBEIRO, Manuel de Almeida
– A Organização das Nações Unidas. 1998)
Nota-se que o Direito Internacional da ONU é extremamente amplo, pois a cada novo conflito uma ação diferente pode ser realizada. Não precisa constar em sua carta constitutiva para poder agir dentro do seu planejamento, pois podem ocorrer conflitos raros em que não tenha nada especificado como agir e delimitar as ações da organização.
O direito internacional tem o dever de agir na resolução dos conflitos. Um importante aspecto a ser ressaltado é o que compreende os princípios de justiça que governam as relações entre os povos1. De tal forma, internacionalmente, os fatos são abordados e a Corte Internacional de Justiça toma as devidas providências. Quando ocorre com uso de violência e guerra, os conflitos deverão ser analisados o quanto antes para poder resolvê-los.
No caso da guerra, inicia com o Estado de guerra, que resulta na beligerância entre duas ou mais nações; e torna-se necessário um decreto governamental estabelecendo a zona ou teatro de guerra, de operações militares, de aplicação da lei marcial.
1.3. O PAPEL DA ONU NA INDEPENDÊNCIA DO KOSOVO
Quando isso ocorre, a ONU tem o papel de tentar intervir nas ações dos estados para não prejudicar a população e violar os direitos humanos, no caso concreto aqui tratado, qual seja, o conflito no Kosovo, a matéria do jornal O Estado de São Paulo2, abaixo, retrata bem como o direito internacional da ONU atuou no reconhecimento da Independência de Kosovo:
“Declarada de forma unilateral em 17 de fevereiro de 2008 e reconhecida até agora por 69 países, a independência de Kosovo foi considerada legal pela Corte Internacional de Justiça (CIJ), tribunal ligado à ONU com sede em Haia. A decisão foi anunciada ontem e significa que além de um marco na história do país é também uma derrota para o governo da Sérvia, que esperava ter a antiga parte de seu território restituída pela Corte Internacional”.
A sentença também abre as portas para o futuro ingresso da bandeira kosovar na ONU.
Segundo o parecer do tribunal, a declaração de independência “não violou nem o direito internacional, nem a resolução 1244 da ONU”. O texto havia sido adotado em 1999, ao término dos confrontos entre o Exército sérvio e os separatistas albaneses. Desde então, a Província de Kosovo tornou-se um protetorado das Nações Unidas e era administrada com autonomia, como forma de controlar a crise humanitária decorrente da guerra.
Instantes após a divulgação da sentença, o ministro das Relações Exteriores da Sérvia, Vuk Jeremic, veio a público reafirmar que não reconhecerá “jamais” a independência da ex-província, e garantiu também que levará a questão à Assembleia-Geral das Nações Unidas, em setembro.
“Dias difíceis virão pela frente. É de importância crucial preservar a paz e a estabilidade em todo o território da província”, afirmou Jeremic, em tom de alerta. O chanceler continuou seu apelo aos que se opõem à separação de Kosovo, em sua maioria sérvios, declarando: “É crucial que nossos cidadãos não respondam às eventuais provocações. É primordial manter a calma, continuar perseverantes, determinados e unidos na continuação desse combate.”
O tribunal tinha sido acionado em outubro de 2008 pela Sérvia para que se posicionasse sobre a legalidade da independência. A sentença tem caráter apenas consultivo, mas serve como argumento para que outros países reconheçam a existência do Estado kosovar.
Como exemplo dos Bascos e Catalães. Mesmo que potências como Estados Unidos, Japão e 22 dos 27 membros da União Européia já o tenham feito, as resistências ainda são grande. A Rússia, maior aliado do governo da Sérvia, e a China, ambos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, não aceitam a divisão.
Mesmo na Europa Ocidental há uma resistência importante: a da Espanha, país que tenta controlar os próprios movimentos separatistas na Catalunha e no País Basco. Em dezembro, convidado a participar de um fórum promovido pela Corte de Haia, o governo espanhol afirmou que uma decisão favorável a Kosovo abriria “um precedente perigoso” a separatistas espalhados pelo mundo. Vizinhos como Romênia, Moldávia, Grécia e Chipre, por razões distintas, também não aceitaram a independência.
Kosovo é um território de 1,8 milhão de habitantes, dos quais 90% de origem albanesa. Apesar de sua área mínima, de 10,8 quilômetros quadrados, ser cerca de 25% do Estado do Rio de Janeiro, o país foi pivô de um conflito armado entre as forças sérvias e os independentistas entre 1998 e 1999, em um dos últimos capítulos da implosão da Iugoslávia3. O choque deixou cerca de 13 mil mortos e 1,8 mil pessoas estão desaparecidas até hoje, em um dos últimos capítulos da implosão da Iugoslávia
Conforme a citação anterior, a Resolução 1244 da ONU não foi violada. Esta Resolução autorizou uma presença civil e militar internacional em Kosovo, então parte da República Federal da Iugoslávia; foi adotada em 10 de junho de 1999 colocando-a sob administração interina da ONU. Esta Resolução não foi violada. Ambos os lados no conflito subseqüentemente a adotaram no Tratado de Kumanovo.
A partir disso, a CIJ entendeu que o Kosovo não desrespeitou nenhuma regra imposta pela ONU, e assim, era justo aceitar a independência do estado. A ONU interviu, e juntamente com a CIJ, ao analisaram todos os fatos que aconteceram no conflito em que mais de 18 mil pessoas morreram.
1.4. DIREITOS HUMANOS
Um dos objetivos da ONU é a internacionalização dos direitos humanos. E esse processo não é fácil, devido às diferenças entre os Estados. Uns mais liberais, e outros nem tanto. E normalmente os direitos humanos em um conflito de guerra não são respeitados.
Noberto Bobbio em seu “Dicionário de Política” define os direitos humanos como direitos e liberdades básicos de todos os seres humanos. Geralmente o conceito de direitos humanos tem a idéia também de liberdade de pensamento e de expressão, e a igualdade perante a lei.
Ao falar em direitos humanos, vale citar que a Corte Européia de Direitos Humanos, passou a existir, permanentemente, em 1998. Esta Corte possui competência consultiva e contenciosa.
Quanto à competência consultiva, nos termos do artigo 47 da Convenção das Nações Unidas, cabe à Corte, por solicitação do Comitê de Ministros, formular opiniões consultivas sobre questões jurídicas relativas à interpretação da Convenção e seus Protocolos. Porém, com base no mesmo dispositivo, há a restrição de que tais opiniões consultivas não devam referir-se a qualquer questão afeta ao conteúdo ou ao alcance dos direitos e liberdades enunciados na Convenção e em seus Protocolos, ou mesmo a qualquer outra questão que a Corte ou o Comitê de Ministros possa levar em consideração em decorrência de sua competência. Tal restrição tem sido objeto de agudas críticas doutrinárias, por limitar em demasia a competência consultiva da Corte. Isso nos explica o porquê da Corte Européia não ter proferido, até 2005, qualquer opinião consultiva. Nesse aspecto, observa-se que as Cortes Interamericana e Africana de Direitos Humanos apresentam ampla competência consultiva, sem as fortes restrições sofridas pela competência da Corte Européia, com base no § 2º do artigo 47 da convenção das Nações Unidas.
No campo da competência contenciosa, as decisões da Corte são juridicamente vinculantes e têm natureza declaratória. Na percepção de Mark Janis, Richard Kay e Anthony Bradley, “se comparada com as demais cortes internacionais permanentes do mundo, a Corte Européia é a que possui a maior jurisdição territorial, considerando a população total dos 41 Estados-parte, que ultrapassa 800 milhões de pessoas. Além disso, não nacionais e não residentes podem submeter casos à Corte em face de um Estado-parte da Convenção”.
Dessa forma, pode-se observar que ocorre uma averiguação por parte da Convenção em relação ao respeito ou não dos direitos humanos, com a inclusão dos países do Leste Europeu na União Européia. Todavia, maior diversidade e heterogeneidade têm sido agregadas, o que gera o desafio do sistema em enfrentar situações de graves e sistemáticas violações aos direitos humanos, somadas a incipientes regimes democráticos e a Estados de Direito ainda em construção. Por meio da Corte Européia, ressalta-se que, dos sistemas regionais, é o europeu o mais experiente em justicialização de direitos humanos. Isto é, o sistema europeu não apenas elenca um catálogo de direitos, mas institui um sistema inédito que permite a proteção judicial dos direitos e liberdades nele previstos.
De acordo com o Thales Castros4, a busca da paz é uma constante da Humanidade. Desde as relações pessoais às relações de Estado, a paz, compreendida em sua forma mais simples com a ausência de conflitos, é o ponto para o qual convergem todas as aspirações da Humanidade. Como as relações interpessoais, entre Estados e pessoas, e as interestatais se tornam a cada dia mais complexas, especialmente no campo do Direito. Definir o conteúdo da paz tornou-se tarefa das mais árduas. O mesmo se pode dizer sobre a definição de um Estado de paz.
A paz pode ser definida como:
- Paz interna em contraposição à paz externa;
- Paz como antítese da guerra;
- A paz como um valor e como um ideal perpétuo;
- A paz como meio; ou
- A paz de potência, de impotência ou de satisfação
No conflito de Kosovo pode-se analisar a paz como antítese da guerra, pois ela carreia ao conceito de paz um conteúdo negativo e uma imprecisão conceitual. Há entre a guerra e a paz absolutas estágios intermediários de mais guerra e menos paz, ou vice-versa, como os armistícios e os acordos de cessar-fogo.
Além disso, pode-se utilizar a força armada como modo de imposição da paz, que se denomina, modernamente, no âmbito das operações, de paz da ONU. Essa formulação da paz encerra uma interpretação realista, hobbesiana, “de que a paz não é um estado natural entre os homens em sociedade, mas, sim, os conflitos de interesses que degringolam para a violência pessoal ou para a estrutural”. Existe então uma paz negativa, caracterizada pela ausência de violência pessoal, e uma paz positiva, caracterizada pela ausência de violência estrutural ou institucional, que causa as desigualdades, a exclusão social e econômica dos Estados, numa perspectiva que se aproxima muito da perspectiva do Estado e que influencia sobremaneira o conteúdo da paz internacional.
Uma das funções do Estado é o provimento de segurança aos seus nacionais, ou seja, a de segurança pública e a de segurança integridade territorial ou política. A defesa deste patrimônio se conduzida ao extremo, é exercida pela guerra ou conflitos interestatais.
Se associarmos o Estado às liberdades dos indivíduos e essas à ordem legal, impondo limites para a ação do Estado em relação aos indivíduos, podemos considerar que as funções do Estado de paz podem ser consideradas em três perspectivas de dois atores distintos, o Estado e o indivíduo, quais sejam:
- Entre indivíduos (isoladamente);
- Entre indivíduos e o Estado (sociedade e obrigações em relação ao Estado e vice-versa);
- Entre Estados (relações internacionais).
Do ponto de vista jurídico, sob o qual se funda este estudo, estas perspectivas operam em três sistemas distintos: o Sistema de Direito Interno, o Sistema de Direito Internacional e o Sistema das Nações Unidas. Em tais Sistemas, definidos como parte de sistemas de Direito, os esforços de paz não comportam percepções individuais, mas apenas percepções coletivas, expressas em leis que formam o corpo jurídico do Estado e, cuja perspectiva de paz é estrutural ou institucional, na qual uma situação de paz se estabelece numa situação de não-violência do Estado em relação aos indivíduos, cuja aferição, especialmente sob o ponto de vista internacional, é politicamente indeterminável.
CAPITULO II
2 KOSOVO FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
2.1 A TEORIA NEOFUNCIONALISTA E A QUESTÃO DO KOSOVO
A teoria neofuncionalista nasceu da teoria funcionalista, sendo como uma resposta à incapacidade da Liga das Nações de manter a paz depois da Primeira Guerra Mundial. Com isso gerou-se a consciência de que para alcançar a paz era necessário algo mais do que o federalismo voluntário5.
A integração regional é fundamental no neofuncionalismo, pois com ela segundo um importante teórico das Relações Internacionais, Ernst Haas6: “A integração é um processo no qual os atores políticos nacionais são persuadidos a transferir sua lealdade, expectativas e atividades políticas para um novo centro; cujas instituições têm ou demandam uma jurisdição que ultrapassam dos estados”.
Podemos entender a partir disso que a Organização das Nações Unidas tem importância fundamental de mediar os conflitos na região do Kosovo e a partir disso buscar uma integração para manter a paz. Quando Haas cita a lealdade, ele entende também como Soberania. Isto é, os estados depositam a sua soberania em confiança para que assim ocorra a integração e no caso, aconteça a paz. E essa confiança existe dentro de um órgão internacional, que no caso se trata da ONU.
Outro teórico neofuncionalista é Philippe Schmitter, que afirma que uma organização internacional pode ultrapassar as fronteiras do Estado e assim modificar as políticas de governo. Isso reforça o que foi dito anteriormente em relação à Organização das Nações Unidas, que tem importância para dar organização a um determinado conflito e manter a paz. No caso se tratando do Kosovo a ONU agiu juntamente com a OTAN6 para administrar o conflito e tomar as decisões cabíveis.
A teoria neofuncionalista deste modo é capaz de servir como parâmetro de análise, uma vez que a integração é importante para manter a paz. Com isso sabe-se que a ONU tem papel importante para atuar em determinados conflitos e assim os administrar quando solicitada.
A ONU, na questão específica do Kosovo, agiu para amenizar os conflitos e tentar resolvê-los para que essa região da ex-Iugoslávia não sofresse mais com ataques que ameaçavam os direitos humanos. E, juntamente com seu direito internacional, a Organização das Nações Unidas promoveu com a OTAN entrar no território para intervir nos conflitos e administrar a região enquanto as demandas políticas não fossem resolvidas.
2.2 O KOSOVO
Com o fim da Iugoslávia, em 2003, a região foi dividida em sete países, quais sejam: Kosovo, Sérvia, Croácia, Montenegro, Bósnia e Herzegovina, Eslovênia e Macedônia.
A região que compreende o Kosovo passou a ser importante há muitos séculos atrás, ainda por volta do ano de 1390 em guerra conhecida como a Batalha do Kosovo, a Sérvia perdeu uma batalha muito disputada frente ao exército turco otomano. Somente no século XX a Sérvia finalmente recuperou a região sendo este um dos principais motivos para rejeitar a independência do Kosovo, sob a alegação de que o território é um marco histórico da Sérvia.
Com a morte do ex-presidente da Iugoslávia, Josip Broz Tito, líder da Iugoslávia que conseguia manter toda a região diplomaticamente estável, em 1980, os diferentes grupos étnicos (a maioria albaneses e uma pequena parte sérvios, no Kosovo) entraram em constantes divergências políticas. Em 1990, com o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), os movimentos separatistas se fortaleceram na região da Iugoslávia. Sabe-se que as diferentes repúblicas que integravam a nação iugoslava foram obtendo suas independências através de conflitos armados e de muitas mortes.
Segundo o autor Paulo Roberto França, em seu livro: “A Guerra do Kosovo, a OTAN e o conceito de Intervenção” cita que em 24 de março de 1999 a OTAN atacou a Iugoslávia defendendo o território kosovar, pois o presidente até então da Iugoslávia, Slobodan Milosevic estava promovendo uma limpeza étnica na região, assassinando milhares de kosovares de origem albanesa. Pois os albaneses eram muito diferentes dos sérvios, começando pela religião7. Com isso a OTAN alegando motivos humanitários e buscando evitar essa limpeza étnica promovida por Milosevic atacou a Iugoslávia, dando início à guerra do Kosovo que durou 78 dias.
Após esse período de guerra, pressionado por soldados estagnados devido ao desgastante conflito, por suas famílias, e inclusive pela Rússia (sua aliada), e por temer ser preso por crimes de guerra, caso a OTAN investisse em uma ação por terra, o presidente da Iugoslávia Slobodan Milosevic se rendeu no dia 3 de junho de 1999. Para encerrar o conflito oficialmente, a cúpula militar da Iugoslávia assinou um acordo no dia 10 de junho de 1999, obrigando os soldados e a polícia sérvia a deixar a província de Kosovo (até então) e permitir a entrada de 50 mil soldados de uma missão internacional de paz no Kosovo. Os kosovares enfrentaram uma crise muito extensa, porém, não haviam alcançado o que tanto desejavam: a independência.
No mesmo dia, 10 de junho de 1999, o Conselho de Segurança da ONU (CS), na busca da paz e segurança internacional, aprovou a resolução 1244, que procurava uma solução para a tragédia que havia ocorrido em Kosovo, além de acabar definitivamente com o conflito entre a OTAN e a Iugoslávia. Tal documento foi ratificado pela Força de Segurança Internacional do Kosovo (KFOR) e também pelos Governos da República Federativa da Iugoslávia e da República da Sérvia, através do Tratado de Kumanovo, nome que foi dado graças ao Acordo Técnico Militar (MTA) que encerrou a Guerra do Kosovo.
A ONU tinha uma preocupação inicial, que era a necessidade de garantir o retorno seguro dos refugiados da guerra (grande maioria albaneses que se refugiaram em países vizinhos), com isso na Resolução 1244, condenava qualquer ato de violência contra a população kosovar, além de atentados terroristas de ambas as partes. Tudo isso para dar continuidade ao projeto de estagnação da paz.
A OTAN buscou estar sempre a par de qualquer evento que ocorresse enquanto sua intervenção estivesse na região. Para isso todos os países membros se reuniram para discutir o que deveria acontecer no local. A ONU decidiu passar a competência da presença civil internacional para a UNMIK8 para cuidar e tomar decisões em relação a alíquotas fiscais, administração alfandegária e comércio exterior. Com isso aos poucos a região começaria a tomar um rumo no pós-guerra. Após a retirada das autoridades sérvias, a polícia assumiu um essencial papel na região graças ao desaparecimento do sistema jurídico após a retirada das autoridades sérvias.
Paulo França destaca que o orçamento da ONU para o Kosovo no primeiro ano foi de 64 milhões de dólares. Como ainda estava tudo desorganizado e a população ainda não possuía pleno controle de seu destino, os albaneses de Kosovo conquistaram uma pequena autonomia, mas não a tão sonhada independência. Vale analisar que, em síntese, o Kosovo passou a ser objeto de tutela pela ONU.
Muito se discutiu sobre a legalidade da intervenção da OTAN no Kosovo. Porém se haviam ameaças à paz e segurança internacionais em território iugoslavo, é de total legalidade e legitimidade a intervenção da OTAN no território kosovar. Justamente por isso, o Conselho de Segurança da ONU em momento algum condenou os ataques da OTAN.
Um ano após a vitória da OTAN sobre as forças sérvias, os soldados patrulhavam Kosovo. Nesse período um grupo de extremistas albaneses expulsaram cem mil sérvios de suas casas em Kosovo e mataram aproximadamente mil e quinhentos. Tudo dava a entender como se fosse uma punição para os sérvios. Entendemos que mesmo depois do conflito e com a administração da ONU, os pequenos conflitos continuavam.
Um governo de transição foi proposto pela ONU, para tentar recompor a região pós conflito. E após quase dois anos, os kosovares compareceram às urnas, em outubro de 2000, para votar e assim escolher um novo rumo para a região.
(Bandeira do Kosovo)
(Mapa Político do Kosovo)
No site da UNMIK consta que, em 2001, a Missão instituiu a “Constituição Provisória de Autogoverno do Kosovo”. Esse documento não era uma constituição propriamente dita, referindo-se ao Kosovo como se fosse uma região sob administração internacional provisória. Com isso a Assembleia do Kosovo foi impedida de tomar qualquer decisão unilateral sobre o status da Província.
Em 2005, a ONU encomendou um relatório para reavaliar as condições do Kosovo e esclarecer regras que não foram muito bem condicionadas na resolução 1244. Enquanto não havia progresso no plano técnico, a Sérvia e o Kosovo, mantiveram posições estritamente opostas quanto à questão da independência.
Com esse relatório, um projeto de Resolução passou a existir e, continha algumas disposições que foram amplamente interpretadas como reconhecimento da soberania do Kosovo. Essas disposições foram bem claras, começando como: criar uma Força de Segurança para proteger as suas fronteiras, a província teria o direito de solicitar adesão em qualquer organização internacional, aprovar seu próprio nacional – Bandeira e Hino – e também isenção de impostos à igreja Sérvia. Além de dar o direito de regresso dos refugiados. Estava claro que o Kosovo encaminhava-se para sua independência, porém ainda não havia nada certo. Inclusive a Sérvia rejeitou qualquer acordo em que deixasse a entender que o Kosovo iria se tornar independente aos poucos.
A partir do Projeto de Resolução a ONU, em 2007, por meio do seu Conselho de Segurança deu a entender que o Kosovo iria se tornar independente com um período de supervisão internacional. Porém os sérvios afirmaram que a proposta de independência era “ilegítima e inaceitável”, uma violação a soberania do país e, com isso, contraria à Carta das Nações Unidas e os princípios do Direito Internacional. Do outro lado, os albaneses do Kosovo afirmavam que, com a forte repressão do regime de Milosevic na década de 90, não poderiam permanecer dentro do Estado sérvio.
De acordo com o site do Parlamento Europeu vimos que no mesmo ano, através de um comunicado oficial, o Parlamento Europeu apoiou a proposta global da ONU para uma solução do estatuto do Kosovo e afirmou que a “soberania supervisionada pela comunidade internacional é a melhor forma de garantir estes objetivos”. O Parlamento frisou que, o Conselho de Segurança da ONU adotasse rapidamente outra resolução para substituir a Resolução 1244. No caso, podemos entender que outra resolução deveria ser mais clara que a anterior, para que assim medidas pudessem ser tomadas legalmente para considerar o Kosovo independente.
2.3. A INDEPENDÊNCIA DO KOSOVO E O DIREITO INTERNACIONAL
A declaração de independência do Kosovo causou, respectivamente, tensão política e um intenso debate teórico. A tensão apresentou-se de forma mais visível nos países europeus considerados “multinacionais” ou “multiétnicos”, como: Espanha, Reino Unido, França, Bélgica, Itália, Bósnia e Herzegovina, Romênia e Turquia, fato que foi também verificado em relação a fenômenos separatistas ocorridos na Géorgia, Chipre, Rússia, Azerbaijão e Moldávia.
A independência autoproclamada do Kosovo na visão de alguns destes Estados, estaria legitimando os processos secessionistas de grupos separatistas ativos no País Basco, na Catalunha, na Escócia, na Valônia, na Irlanda do Norte, em Székely, na República Sprska, em Flandres, e em tantas outras regiões da Europa, e com isto, rompendo com o ideal de inviolabilidade das fronteiras do continente, estabelecido no pós-guerra e confirmado pela Ata de Helsinque, em 1975.
Por outra parte, o debate teórico, abordou uma questão delicada, sobre como conciliar o direito de autodeterminação dos povos e o contexto das garantias concedidas aos Estados relativamente a sua soberania e inviolabilidade territorial.
Accioly9, tomando como base na doutrina do nacionalismo de 1851, citada por Pasquale Mancini, que defendeu o “princípio das nacionalidades”, através do qual, deveria ser atribuída a cada nação a soberania de si mesma e de todo o seu território, lhe dando a faculdade de se constituir, de organizar e de eleger um governo próprio de acordo com as suas próprias necessidades. Contudo, houve criticas a esta lição doutrinária como podemos
“Não é possível, entretanto, levar aos últimos extremos a aplicação do princípio das nacionalidades. Além de que, muitas vezes, dificilmente se podem precisar os limites uma nacionalidade, a realização prática do sistema conduziria ao absurdo da formação de pequenos Estados, absolutamente sem condições de vida, encravados, dentro de outros, ou à dissociação de alguns Estados, que vivem perfeitamente felizes com os seus povos pertencentes a mais de uma nacionalidade. (Accioly, 1933).
Entretanto, o princípio da autodeterminação dos povos não deixou de fomentar inúmeros movimentos nacionalistas que visavam à criação de Estados soberanos ao longo do século XIX.
A expressão “autodeterminação dos povos” foi citada, oficialmente, pela primeira vez, nos artigos 1°, 2 e 55°, da Carta das Nações Unidas (CNU)10, que refere:
Artigo 1.º – Os objetivos das Nações Unidas são:
[…]
2) Desenvolver relações de amizade entre as nações baseadas no respeito do princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal;
Artigo 55.º – Com o fim de criar condições de estabilidade e bem-estar, necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito do princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos […]
As expressões “nações” e “povos” se constituíam, portanto, em sinônimos do termo “Estado”. Assim, o princípio da autodeterminação dos povos estava representado na Carta de ONU como um preceito intimamente ligado a soberania estatal, uma espécie de garantia concedida a cada Estado no sentido de gozar de autonomia em suas decisões internas e externas, a partir da dinamização do dever de não intervenção ou interferência de nações estrangeiras. No entanto, não se pode deixar de lado, a origem liberalista difundida neste preceito:
A noção de que a autodeterminação dos povos era um direito inerente a cada povo remonta às idéias liberais e iluministas do século XVIII. Deve-se dizer, a propósito, que a Revolução Francesa não consagrou esse direito – as idéias e ações revolucionárias baseavam-se no entendimento de que a nação era a fonte fundamental de legitimidade política, e não poderia ela ser ameaçada por desejos autonomistas ou secessionistas de grupos minoritários dentro dela. Tal como o conhecemos na atualidade, o direito à autodeterminação é uma construção político jurídica do século XIX e, especialmente, do século XX. Seja como for, a idéia já existia, e a Carta das Nações Unidas rompe com ela, ao não reconhecer explicitamente a autodeterminação como direito dos povos, mas, sim, como princípio de ação estatal no plano das relações internacionais.
A aplicação deste preceito levou a um aumento quantitativo no número de Estados, após a Primeira Guerra Mundial. Após a Segunda Guerra Mundial, a prática de constituição de novos Estados passou a ser aplicada com certa facilidade, levando a desvalorização da figura estatal. Assim, da República Iugoslava, surgiram: Eslovênia, Croácia, Macedônia e Bósnia e Herzegovina.
Mesmo assim, o princípio à autodeterminação encontraria limitações em face da existência do próprio atributo soberano dos Estados, que continua a ser uma das noções mais controversas e discutidas. Vale destacar, nesse instituto a interpretação dada por Telma Berardo ao pensamento de Hermann Heller (jurista e teórico político alemão), que afirma:
A soberania é um fenômeno jurídico decorrente do fato de o Estado possuir a última palavra dentro de seu território; assim, o Estado, ao estabelecer o que é de sua competência e aquilo que não lhe cabe decidir, estará em verdade manifestando sua soberania.
O conceito de soberania, segundo Del’Olmo, tem seu alicerce na figura do Estado, poder que lhe é absoluto:
Esse Estado soberano tem a prerrogativa de se estruturar juridicamente, conforme sua vontade, emanando de seus dirigentes e legisladores, em nome do povo, a organização de seu governo, administração, justiça e as mais variadas relações entre as pessoas. Tem o Estado o monopólio de fazer as leis e de obrigar o cumprimento das mesmas.
Contudo, o termo soberania tem sido compreendido em seu sentido ampliado para ensejar certo grau de dependência à ordem jurídica internacional. Portanto, a soberania estabelece em favor do Estado uma “presunção” de competência exclusiva em seu território.
A CNU, por meio da combinação dos arts. 2.°, n.° 7 e 2.º, n.º 411 proíbe a interferência de qualquer membro da organização, na jurisdição interna de um Estado, assim como ameaças ou uso da força para ocupar seu território ou até mesmo atentar contra a sua independência política, fatos que configuram objetiva violação aos propósitos das Nações Unidas.
Buscando solucionar esta questão, em dezembro de 1960, em meio à fase de descolonização africana, a ONU aprovou a Resolução 1514, fruto incontestável da luta contra as políticas imperialistas e colonialistas, que vinham sendo executadas pelas metrópoles do velho mundo e pelos Estados Unidos, em face de suas possessões ultramarinas na África, América, Ásia e Oceania.
No dia 24 de outubro de 1970, a Assembléia Geral da ONU aprovou a Resolução 2625 (XXV), “Declaration on Principles of International Law concerning Friendly Relations and Cooperation among States in accordance with the Charter of the United Nations”. Reafirmando as disposições da Resolução 1514, declarou que:
Em virtude do princípio dos direitos iguais e da autodeterminação dos povos consagrado na Carta das Nações Unidas, todos os povos têm o direito de determinar livremente, sem interferência externa, seu status político e de perseguir seu desenvolvimento econômico, social e cultural, e todo Estado tem o dever de respeitar esse direito de acordo com as provisões da Carta.
Segundo dispõe, é proclamado o direito de todos os povos na determinação de seu status político sendo que, quando da emergência de um Estado soberano e independente constitui-se na maneira mais apropriada de seu povo exercer o direito a sua livre disposição.
O direito a secessão de uma nação, fica reconhecido desde que o Estado de onde esta provém não represente a população, e que consagre a discriminação do ponto de vista racial ou religioso, como princípio de sua organização constitucional interna e que haja um reconhecimento internacional acerca da sua existência como entidade estatal.
Shaw (2003) traz uma referência que restringente a esta regra, qual seja, o direito à autodeterminação dos povos seria uma faculdade coletiva dos habitantes de territórios não independentes. Segundo o autor, este preceito jurídico não confere quaisquer direitos de secessão (unilateral) a determinados grupos existentes em Estados (como os albaneses kosovares) que na prática já desenvolviam sua independência, e estes poderiam exercer o direito à autodeterminação, sem esquecer, que acima de tudo, os Estados teriam soberania, merecendo o respeito à manutenção e integralidade de seu território, salvo perseguições extremas de grupo por ele ainda denominados de “colônias”.12
Como crítica a essa teoria, convém ressaltar, que nos deparamos com um fato contencioso atual, que independente da Carta das Nações Unidas ter dedicado uma atenção especial aos países e povos coloniais, houve a preocupação de estender a “todos os povos”, o direito inalienável a completa liberdade. A ONU não demonstrou qualquer interesse de fomentar movimentos separatistas, mas, objetivamente, também não demonstrou qualquer tolerância contra o desrespeito aos direitos humanos.
No caso Kosovo, há pelo menos um argumento admissível neste sentido, na verdade os sérvios foram responsáveis por violações graves de direitos humanos e abusos contra os kosovares, como menciona a própria Resolução 1244: “grave situação humanitária” e uma “ameaça para a paz e a segurança internacionais”.
Desta forma, ao proclamar que o direito à soberania e inviolabilidade territorial dos Estados possui um caráter relativo, pois, se condiciona ao respeito às garantias fundamentais ditadas em favor de todas as nações.
Apesar de surgir com natureza absoluta e sem fragmentações, a soberania estatal deve respeitar as normas jurídicas. Assim, cabe destacar que um Estado ocupado por outro sujeito de Organização Internacional ou outro Estado, pode manter a sua personalidade, mas ter a sua soberania suspensa.
A ONU colocou a Sérvia nesta situação em 1999, evidentemente como estratégia de assegurar a paz na região do Kosovo.
CAPITULO III
3.A INDEPENDÊNCIA DO KOSOVO RECONHECIDA PELA ONU
3.1. DECLARAÇÃO DE INDEPENDÊNCIA DO KOSOVO
A independência de Kosovo foi declarada pelo Parlamento Kosovar no dia 17 de fevereiro de 2008, pelos deputados presentes. Os deputados sérvios boicotaram a votação. Os ministros de relações exteriores dos países da União Européia se reuniram em Bruxelas, na Bélgica, para decidir a posição de cada país membro da UE sobre o reconhecimento do Kosovo independente. Houve posicionamentos favoráveis e contrários por parte dos países membros. Os países favoráveis entenderam que o caso de Kosovo como sendo único e, desta forma, não seria considerado como precedente para outros movimentos separatistas. Estes países foram: França, Alemanha, Reino Unido e Itália. Entretanto, países como Chipre, Grécia, Romênia, Bulgária, Eslováquia e Espanha, que enfrentaram disputas internas, se manifestaram contrários, considerando que a declaração do Parlamento Kosovar violou o direito internacional.
A Sérvia e seus aliados são contra a declaração emitida pelo Kosovo, como pode ser constatado na matéria divulgada pelo Jornal o Estadão, de 17 de fevereiro de 2008:
“O primeiro-ministro e o presidente da Sérvia repudiaram a declaração de independência de Kosovo neste domingo, mas mostraram sinais bem diferentes sobre quais seriam as
consequências do fato nas relações sérvias com o Ocidente. O primeiro-ministro nacionalista, Vojislav Kostunica, que liderou uma batalha diplomática para manter Kosovo, atacou os Estados Unidos e a Europa por apoiarem a secessão da província, tida pelos sérvios como coração de sua cultura e história
(..)
“Enquanto o povo sérvio existir, Kosovo será a Sérvia”, disse Kostunica. “A declaração do falso Estado, sob a supervisão dos Estados Unidos e da União Européia, é o ato final da política de força iniciada com o bombardeio da Sérvia e que continuou com a chegada das tropas da OTAN a Kosovo.”
Os EUA lideraram as forças aéreas da OTAN em 1999, retirando as tropas sérvias da província para evitar o assassinato em massa de cidadãos albaneses em uma operação contra insurgentes.
Entretanto, Boris Tadic, presidente sérvio, mesmo condenando a iniciativa do Kosovo de se declarar independente, pediu que a população tivesse calma, declarando que:
“A Sérvia não usará de violência”, acrescentou em um comunicado. “A Sérvia continuará… e defenderá seus interesses e a lei internacional, não importa quanto tempo leve.”
Para o presidente sérvio, a UE deveria analisar a questão do ingresso de seu país na comunidade européia, independente da sua posição em relação ao pedido de independência Kosovar. A posição do primeiro–ministro sérvio foi pressionar os líderes europeus para não reconhecerem a independência do Kosovo.
Por esta razão, a questão do Kosovo foi encaminhada para ser deliberada pela Corte Internacional de Justiça, de aceitar ou não a sua declaração de independência, para que Kosovo passe então, a ser legitimamente reconhecido pela ONU como país.
3.2. DECLARAÇÃO DE INDEPENDÊNCIA DE KOSOVO NO CENÁRIO INTERNACIONAL, REGIONAL E LOCAL
A declaração de independência por parte da província Sérvia do Kosovo provocou grande repercussão tanto no cenário internacional como no regional e local, causando uma divisão entre aqueles que apóiam a decisão e os que são contrários a ela.
3.2.1. REPERCUSSÃO INTERNACIONAL
Em âmbito internacional, o reconhecimento da independência do Kosovo pela União Européia é representado por meio da criação da EULEX – Missão Civil da União Européia no Kosovo para garantir a lei – o que vem demonstrar a solidez de sua política externa, confirmando seu importante papel na segurança regional.
Até o dia 20 de março de 2010, 33 países já haviam reconhecido a declaração de independência de Kosovo, sendo que dos 27 membros da UE 18 tinham se posicionado em favor de Kosovo.
No Brasil, o Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, negou o reconhecimento de independência, declarando que o governo brasileiro só irá apoiar um acordo se o mesmo for estabelecido de maneira conjunta pela Prístina e Belgrado, sob a condução da ONU.
Por outra parte, o reconhecimento por parte dos países próximos a Kosovo não foi unânime. Aqueles que tiveram sua origem na desintegração da antiga Iugoslávia, como a Bósnia e Montenegro, mantêm ainda uma forte ligação cultural e comercial com a Sérvia, e por isso são contrários.
3.2.2. REPERCUSSÃO REGIONAL E LOCAL
No âmbito regional, a Sérvia vem adotando uma política de fortalecimento das instituições paralelas entre os kosovares-sérvios com o objetivo de enfraquecer a coesão do Kosovo e facilitar uma possível divisão baseada em valores étnicos.
Pode-se observar que a crise sérvia indica uma direção para o fortalecimento do nacionalismo, demonstrando a dificuldade em abandonar valores que marcaram o período em que Milosevic esteve no comando da ex-Iugoslávia. Porém, o novo governo kosovar tem se mostrado com capacidade para adotar medidas que garantam os direitos das minorias étnicas.
3.3. A CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA
O principal órgão jurisdicional da ONU, que é a Corte Internacional de Justiça, ao emitir parecer que a declaração de independência do Kosovo não ofendeu o Direito Internacional, escreve um importante capítulo da história desse ramo do direito. A posição da CIJ representa um dos mais importantes pareceres jurídicos por ela emitido, além de ter contado com a participação de cinco membros permanentes do Conselho de Segurança (CS) nos procedimentos da Corte, fato esse considerado como inédito.
Havia uma expectativa de que o parecer emitido pela Corte poderia ser parecer dúbio, mas a firmeza do documento contrariou essas expectativas, possibilitando novas interpretações do Direito Internacional sobre as declarações de independência de outros grupos separatistas, e também, sobre qual deverá ser o papel exercido pelos órgãos das Nações Unidas em questões de segurança e paz.
O reconhecimento do status de Estado independente, por parte de outros países, era considerado, como sendo o principal elemento constitutivo13 de um Estado. Esse reconhecimento é tão importante quanto ter o território bem definido, o povo e a capacidade de autogoverno.
Cabe aqui mencionar que, para um Estado constituir-se como tal, importam somente os elementos referentes à sua capacidade de organizar, ditar regras em seu território, e de representar a população que ali habita14. Contudo, esta mudança de perspectiva teórica ainda que seja recente, não diminui a importância de um Estado ver reconhecido seu status de nação soberana por seus pares.
Com base nesta nova perspectiva teórica, a relação entre países torna-se primordial. Assim podemos considerar que o parecer consultivo da Corte Internacional de Justiça constitui-se como um documento que possivelmente irá influenciar as decisões dos países e dos organismos internacionais em relação ao Kosovo, assim como se torna um forte precedente para novos casos.
Para entender a exata extensão da importância do parecer, citamos Thales Castro: “O questionamento feito pela Assembléia Geral (AG) da ONU à Corte foi: “A declaração de independência pelas Instituições Provisórias de Auto-Governo do Kosovo está de acordo com o Direito Internacional?”. Como a própria CIJ tratou de esclarecer, a questão que serviu como base para o parecer não se referiu às conseqüências legais da declaração de independência, ou aos efeitos legais do reconhecimento de Kosovo por outros países ou, ainda, e principalmente, se o Kosovo hoje se perfaz como um Estado efetivamente soberano. A pergunta respondida foi simplesmente se as normas internacionais foram respeitadas quando da declaração das autoridades kosovares, sem considerações e avaliações de natureza política.”
A CIJ faz uma análise minuciosa sobre a competência da Assembléia Geral em discutir essa questão, e até mesmo, se esta seria uma atribuição do Conselho de Segurança, que já estava atuando no caso. A Corte, neste caso, faz uma interpretação mais restritiva do artigo 12 (que aprofunda as competências da Assembléia) dispondo que o poder do Conselho para manutenção da paz e da segurança não é a ele limitado, não sendo, portanto, função exclusiva da mesma.
No caso do Kosovo, tanto a doutrina que trata do princípio da autodeterminação dos povos como a própria ONU na Resolução 1514 (1960) tendem a considerar que o limite do princípio da integridade territorial é o respeito aos direitos humanos, assim como, a capacidade do governo de um Estado representar todo o povo que habite seu território, sem distinções de natureza religiosa ou étnica.
Em seu parecer sobre Kosovo, a CIJ optou por não entrar no mérito da discussão sobre a disposição de o governo sérvio representar de maneira legítima os kosovares ou de desrespeitar seus direitos fundamentais, concentrando-se apenas à questão puramente jurídica da possibilidade unilateral de independência, dispondo ser esta possível de acordo com o Direito Internacional graças ao desenvolvimento do princípio da autodeterminação. O parecer ateve-se a questão da declaração de independência ser feita sob vigência da Resolução 1244 (1999), que criou uma administração internacional interina de Kosovo por meio da UNMIK. Houve questionamentos se a declaração não seria um afronta à existência de um documento que impunha uma administração internacional à região. No site da Corte consta, que, esta resolução deveria permanecer em vigor por 12 meses e continuar em vigência até que o Conselho de Segurança decidisse o contrário. Como não houve qualquer manifestação do CS de terminar a administração interina, ela ainda seria válida, e assim, estaria ferindo as normas internacionais.
Entretanto a Corte não entendeu dessa forma e interpretou que os autores da declaração de independência não foram os membros do governo interino do Kosovo, como havia questionado a Assembléia Geral à CIJ, mas os líderes kosovares eleitos como representantes da população, e que não tinham qualquer dever ou proibição de agir dentro da estrutura criada pela Resolução 1244. A CIJ considerou a declaração de independência como legítima, por se tratar de uma ação da própria população, realizada fora do escopo da Resolução. Portanto, a declaração não feriu a Resolução 1244.
Para a CIJ, a declaração de independência de um Estado é, acima de tudo, um ato político, geralmente ápice de um longo processo de lutas internas difíceis de serem ponderadas em toda sua extensão e profundidade por pessoas que não tenham feito parte daquela história.
3.4. A SENTENÇA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA SOBRE A INDEPENDÊNCIA DE KOSOVO15
Após o pedido de reconhecimento da independência do Kosovo, a ONU, por meio do seu conselho jurisdicional, analisando todos os fatos, julgou a solicitação encaminhada apresentando a seguinte sentença:
HAIA, 22 de julho de 2010. A Corte Internacional de Justiça (CIJ), principal órgão judicial das Nações Unidas, hoje deu o seu parecer consultivo sobre a questão da conformidade com o direito internacional da declaração unilateral de independência em relação a Kosovo (pedido de parecer consultivo). Neste parecer, o Tribunal, por unanimidade considera que tem competência para dar a opinião consultiva solicitada pela Assembléia Geral das Nações Unidas e, por nove votos a cinco, decide cumprir esse pedido. O Tribunal de Justiça, em seguida, responde ao pedido do seguinte modo: ” Por dez votos a quatro, é de opinião, que a declaração de independência do Kosovo aprovado no dia 17 fevereiro 2008 não violaram o direito internacional”. O raciocínio do Tribunal de Justiça no final do seu raciocínio, que se resume a seguir, o Tribunal conclui que “a adoção da declaração de independência de 17 de fevereiro de 2008 não violam o direito internacional geral, a resolução do Conselho de Segurança 1244 (1999).”O parecer consultivo é dividido em cinco partes: (I) Competência e discrição; (II) alcance e o significado da questão, (III) fatos; (IV) a questão de saber se a declaração de independência está em conformidade com o direito internacional, e (V) A conclusão geral.
Ainda de acordo com a Sentença da Corte de Haia, em relação ao item I:
“Competência e discrição – o Tribunal recorda que, quando submetido a um pedido de parecer consultivo, tem primeiro de examinar se tem competência para dar o parecer solicitado e se, caso a resposta seja afirmativa, não haverá nenhuma razão para que o Tribunal de Justiça, a seu critério, deva renunciar ao exercício de qualquer jurisdição. Com isso nota-se que a CIJ avaliou a situação e após isso, determinou a ação cabível”.
Quanto ao item II:
“Alcance e o significado da questão observa-se que, o Tribunal salienta que a Assembléia Geral pediu que, se a declaração de independência do Kosovo, adotada em 17 de fevereiro de 2008 foi “de acordo com o” direito internacional: a resposta a essa questão, portanto, consiste em saber se o direito internacional aplicável é proibido para que ocorra a declaração de independência. O Tribunal acrescenta que, se conclui que o direito internacional que proíbe a declaração, então ele deve responder à questão colocada, dizendo que a declaração de independência não estava em conformidade com o direito internacional. O Tribunal salienta que a tarefa que é chamado a exercer, é de determinar se a declaração de violação do direito internacional foi adotada ou não. Ele salienta que “não é exigido por uma pergunta, ela foi convidada a tomar uma posição sobre se o direito internacional conferido um direito positivo no Kosovo unilateralmente a declarar a sua independência ou, possivelmente, sobre se o direito internacional em geral confere o direito sobre as entidades situado dentro de um Estado, unilateralmente, romper com isso“.
Quanto ao item III:
“Os fatos: O Tribunal continua o seu raciocínio, indicando que a declaração de independência do Kosovo, adotada em 17 de fevereiro de 2008 “deve ser considerado dentro do contexto dos fatos que levou à sua adoção”. Ele descreve brevemente as características relevantes do quadro criado pelo Conselho de Segurança para garantir a administração provisória do Kosovo, ou seja, resolução do Conselho de Segurança 1244 (1999) e os regulamentos promulgados pela Organização das Nações Unidas no Kosovo (UNMIK). Em seguida, ele faz um relato sucinto dos desenvolvimentos relacionados com o chamado “processo do estatuto final” nos anos que antecederam a adoção da declaração de independência, antes de girar para os acontecimentos de 17 de fevereiro de 2008”.
No que se refere ao item IV:
“nota-se a problemática do direito internacional se esta em sincronia com a declaração de independência, isto é, dentro das normas. Avalia-se as irregularidades, se de fato existirem. A partir disso reúnem-se os membros do Tribunal (CIJ) para esclarecer os demais fatos e analisarem do que se trata, no caso a independência. E caso não apontem irregularidades concordam em não obstruir a independência do Kosovo e reconhecem tal ato”.
Finalizando, a Corte em sua Conclusão Geral (item V) apresenta que:
“Para trazer o seu raciocínio ao fim, o Tribunal de Justiça resume suas conclusões o seguinte: “O Tribunal concluiu acima que a adoção da declaração de independência de 17 de fevereiro de 2008, não violam o direito internacional geral, a resolução do Conselho de Segurança 1244 (1999) ou o quadro constitucional. Por conseguinte, a adoção desta declaração não violou qualquer regra de direito internacional aplicáveis.”
Dando continuidade à discussão sobre a Sentença da Corte Internacional, citamos a matéria divulgada pela emissora Rede Globo, por meio de seu departamento Jornalístico, no dia 22 de julho de 2010, para explicar que mesmo após a sentença a Sérvia não reconhece a independência de Kosovo.
“HAIA, 22 Jul 2010 (AFP) – A declaração de independência de Kosovo “não violou o direito internacional geral”, decidiu nesta quinta-feira, em Haia, a Corte Internacional de Justiça (CIJ), principal instância judicial da ONU, uma sentença não vinculante solicitada pela Sérvia, que considera o território uma província.
“A declaração de 17 de fevereiro de 2008 não violou nenhuma regra aplicável ao direito internacional geral”, afirmou o presidente da CIJ, Hisashi Owada, ao ler a sentença no Palácio da Paz de Haia.
No entanto, à CIJ “não corresponde pronunciar-se sobre a questão a ela apresentada de tomar partido sobre se o direito internacional conferia a Kosovo um direito positivo de declarar de forma unilateral sua independência”, acrescentou o magistrado.
(…)
O presidente, Boris Tadic, declarou que a Sérvia “nunca” irá reconhecer a independência autoproclamada pelo Kosovo.
“A Sérvia, obviamente, nunca reconhecerá a independência unilateral proclamada por Kosovo porque acredita que a secessão unilateral e baseada em questões étnicas não condiz com os princípios das Nações Unidas”, disse Tadic.
Belgrado considera o Kosovo uma província e esperava uma decisão favorável que permitisse apresentar novas negociações sobre seu estatuto.
(…)
“O juízo da CIJ diz claramente que a declaração de independência de Kosovo é legal, uma resolução que apoiamos. Agora corresponde à Europa unir-se em prol de um futuro comum”, disse à AFP o porta-voz do Departamento de Estado, Philip Crowley.
A guerra de 1998-1999 entre as forças de Belgrado e os separatistas kosovares deixou 13.000 vítimas, a maioria albaneses de Kosovo. Um total de 1.862 pessoas ainda são consideradas desaparecidas.
Desde sua criação, em 1947, a CIJ emitiu 24 juízos consultivos a pedido da ONU.
Os juízos consultivos da principal instância judicial das Nações Unidas não têm efeito vinculante e se centram, sobretudo, em questões técnicas.”
Com base em todas as informações apresentadas, podemos afirmar que mesmo após o reconhecimento da Organização das Nações Unidas, a Sérvia e seus aliados mantém a posição de não reconhecer a independência do Kosovo. Contudo, essa estratégia poderá resultar em um clima bastante hostil entre seus civis.
Sabe-se que o Kosovo deu um passo bastante largo em sua política e história após a decisão da Corte Internacional de Justiça. O processo de reconstrução e elevação do país na sociedade internacional provavelmente será lento, mas o primeiro passo já foi dado. Após muito esforço, o Kosovo tem sua independência reconhecida pela Organização das Nações Unidas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Declaração de Independência do Kosovo inaugura um novo capítulo do Direito Internacional. O Direito Internacional da autodeterminação criou um direito à independência de povos de territórios destituídos de autogoverno e de povos submetidos ao domínio e à exploração estrangeira. É neste enquadramento jurídico que se operaram a descolonização e a multiplicação de Estados no Sistema Internacional.
A ONU analisou a situação da região do Kosovo embasada em seus princípios, e juntamente com a CIJ deu um parecer sobre o reconhecimento do novo estado. A decisão de que o Kosovo não violou os direitos humanos, foi um fator fundamental para a resposta final da organização diante do pedido kosovar.
A Resolução da Corte registrou a importância do princípio da integridade do território no relacionamento interestatal. Deliberou que nos termos da questão posta à sua apreciação não lhe cabia examinar a abrangência do direito à autodeterminação. Concentrou a sua análise na Resolução 1.244, de 1999, do Conselho de Segurança. Esta Resolução propiciou a presença da ONU para estabilizar o Kosovo, contemplando uma solução negociada para definir o status futuro do Kosovo sob a proteção da administração interina da ONU.
As negociações mediadas pelo enviado especial da ONU e pela União Européia, EUA, Rússia não tiveram efeito. Este impasse levou o Kosovo à declaração unilateral de independência. A Corte entendeu que a resolução do Conselho de Segurança não impedia ou excluía a independência do Kosovo. Assim, concluiu que a declaração unilateral de independência não foi contrária ao Direito Internacional e não violou a Resolução 1.244 (1999) do Conselho de Segurança.
Diante dessa decisão da Corte podemos concluir que ela foi dada no exercício de sua competência consultiva, portanto, não é um comando. Por esta razão, o parecer consultivo tem uma dimensão jurídica de consequências políticas sobre a legalidade da ameaça, pois a decisão de legitimar a independência do Kosovo, hoje reconhecida por 69 países, irá enfraquecer a posição multilateral da Sérvia.
Entretanto, a sentença da CIJ não deixa de ser um precedente que põe em discussão o princípio da integridade territorial dos Estados. Nesse aspecto, a Corte fez com que o pedido do Kosovo fosse aceito, pelo fato de que, sem irregularidades a região pudesse manter a paz. A partir disso, um novo marco da história e política mundial passou a existir no cenário das Relações Internacionais.
Nesse ano, segundo a ONU, o Kosovo, em suas eleições, será testado no âmbito democrático. Com isso saberemos se tem condições de ser um estado maduro e desta forma uma eventual entrada na UE poderá ocorrer.
Milhares de pessoas comemoram a declaração de independência do Kosovo da Sérvia no dia 17 de fevereiro de 2008, em Pristina.
Veículo da ONU e tanques queimam após confronto entre manifestantes sérvios e tropas de paz em Mitrovica, no dia 17 de março de 2008
O presidente Fatmir Sejdiu assina a primeira constituição do Kosovo no dia 15 de junho e 2008 em Pristina.
Sérvios protestam na cidade de Mitrovica durante confronto com kosovares albaneses e tropas de paz no dia 30 de maio de 2010.
1 Outro aspecto a ser considerado é o de ser o direito concretamente aplicado, proveniente dos acordos entre os sujeitos (de tal ou) do conflito.
2 Matéria divulgada em 23 de julho de 2010 no jornal O Estado de São Paulo
3 Que atualmente é composta pela Sérvia, Croácia, Kosovo, Montenegro, Bósnia e Herzegovina, Eslovênia e Macedônia
4 Em seu livro: Conselho de Segurança da ONU: Unipolaridade, Consensos e Tendências.
5 HAAS, 1964 – Livro Nova Visão das Teorias de Integração Regional. 6 Outra teoria das Relações Internacionais.
6 Organização do Tratado do Atlântico Norte – trata-se de uma organização internacional de cooperação militar
7 Outro motivo para os conflitos
8 Missão de administração Interina das Nações Unidas no Kosovo
9 ACCIOLY, Hildebrando. Tratado de direito internacional público. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1933. Tomo 1. p. 79)
10 UNITED NATIONS. Charter of the United Nations and Statute of the International Court of Justice. Disponível em: <http://treaties.un.org/doc/Publication/CTC/uncharter-all-lang.pdf>. Acesso em: 29 nov. 2010. p. 3 e 11.
11 Estes artigos tratam do princípio da integridade territorial
12 SHAW, Malcolm N. International Law. 5.ª ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. p. 443-444.
13 De acordo com a teoria constitutiva do Estado, este só ser torna um, quando sua soberania é reconhecida por outros estados
14 A teoria declaratória de Estado define o status de Estado em termos dsas características que uma região possui de fato.
15 TRANSCRIÇÃO DA SETENÇA DA CORTE, retirada do site: www.icj-cij.org, em 25.11.2010, as 20:15. (tradução nossa)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LIVROS
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5. Grande do Sul Faculdade de Direito – Porto Alegre 2009. Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=1055. Acesso em: 28 nov. 2010
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9 Sérvia pretende criticar independência de Kosovo – Disponível em: www.folha.com.br – 22/07/10 – Acesso em, 28 nov. 2010
10 SHAW, Malcolm N. International Law. 5.ª ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. p. 443-444.
11 site: www.icj-cij.org, SETENÇA DA CORTE. Acesso em: 25.11.2010. (tradução nossa)
12 União Européia amplia missão em Kosovo em mais dois anos – Disponível em: www.folha.com.br – 08/06/10 – Acesso em, 28 nov. 2010
13 UNITED NATIONS. Charter of the United Nations and Statute of the International Court of Justice. Disponível em: http://treaties.un.org/doc/Publication/CTC/uncharter-all-lang.pdf. Acesso em: 29 nov. 2010. p. 3 e 11
14 www.nato.int – Acesso em: 17 set. 2010
15 www.unmikonline.org – Acesso em: 17 set. 2010
16 http://noticias.terra.com.br/mundo/fotos/0,,OI132088-EI294,00 Veja+linha+do+tempo+da+independencia+do+Kosovo.html – Acesso em: 28 nov. 2010