IMPACT OF HEALTH LITERACY ON THE SELF-CARE OF PATIENTS UNDER PERITONEAL DIALYSIS THERAPY: integrative review
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202410141039
Geovanna Barbosa Dias1
Girlainy Maria Silva Duarte2
Thaynara Santos de Lima3
José Willian de Aguiar4
Resumo
OBJETIVO: Avaliar a importância do letramento em saúde para o autocuidado dos pacientes submetidos a terapia de diálise peritoneal. MÉTODOS: Revisão integrativa baseada na identificação do tema, elaboração da pergunta norteadora, avaliação dos estudos e interpretação dos resultados. Considerou-se artigos publicados nas bases de dados Biblioteca Virtual (BVS), SCIELO, PUBMED e SCOPUS, entre 2019 e 2024. RESULTADOS: Evidenciou-se que colocar em prática a avaliação do letramento em saúde desses pacientes é essencial para garantir o sucesso do tratamento, pois alguns fatores podem interferir diretamente no nível em que cada indivíduo se encontra, como o grau de escolaridade, renda econômica, desenvolvimento cognitivo, estilo de aprendizagem, questões sociais e/ou culturais. Os profissionais de saúde são essenciais para traçar estratégias de educação em saúde que ajudem os pacientes em diálise peritoneal a desenvolverem o seu letramento em saúde. CONCLUSÃO: Níveis adequados de letramento em saúde possui um impacto muito benéfico no processo de autocuidado dos pacientes submetidos a terapia de diálise peritoneal, pois leva-os a autogerenciar seu tratamento e aderir com responsabilidade todos os aspectos que estão envolvidos nessa terapêutica.
Palavras-chave: Letramento em saúde. Autocuidado. Diálise peritoneal. Doença renal crônica.
Abstract
Objective: To assess the importance of health literacy for the self-care of patients undergoing peritoneal dialysis therapy. Methods: Integrative review based on the identification of the theme, elaboration of the guiding question, evaluation of studies and interpretation of results. Articles published in the Virtual Library (VHL), SCIELO, PUBMED and SCOPUS databases between 2019 and 2024 were considered. Results: It was evident that implementing the assessment of health literacy in these patients is essential to ensure the success of the treatment, since some factors can directly interfere in the level at which each individual is, such as level of education, economic income, cognitive development, learning style, social and/or cultural issues. Health professionals are essential to outline health education strategies that help peritoneal dialysis patients develop their health literacy. Conclusion: Adequate levels of health literacy have a very beneficial impact on the self-care process of patients undergoing peritoneal dialysis therapy, as it leads them to self-manage their treatment and responsibly adhere to all aspects involved in this therapy.
Keywords: Health literacy. Self-care. Peritoneal dialysis. Chronic kidney disease.
1. INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas as Doenças crônicas não transmissíveis se tornaram um desafio de ampla escala para a saúde pública, devido ao seu crescimento acelerado, alta prevalência, elevadas taxas de mortalidade, internações prolongadas e altos custos para o sistema, sendo a principal causa de mortalidade no Brasil e no mundo.¹
Segundo Figueiredo, as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) podem ser definidas por um conjunto de doenças de múltiplas causas e fatores de risco, que têm origem não infecciosa, longo período de latência e um curso bastante prolongado, além de poder gerar incapacidades funcionais nos indivíduos.²
Dentre essas patologias, a doença renal crônica (DRC) têm se elevado significativamente nos últimos anos. Ela caracteriza-se por alterações diversas que podem afetar desde a estrutura até a função renal, onde o prognóstico pode envolver múltiplos fatores. É uma doença que surge lentamente, e que muitas vezes em sua evolução não apresenta sinais nem sintomas alarmantes. O principal problema da DRC está no agravamento do quadro clínico, levando a uma perda continuada da função renal que evolui para uma DRC terminal, no qual esses pacientes terão que se submeter a algum tipo de terapia renal substitutiva (TRS), como a hemodiálise, diálise peritoneal e transplante renal.³
Segundo o último Censo Brasileiro de Diálise, o número total de pacientes em julho de 2022 ultrapassou a marca de 150 mil indivíduos, 3,7% superior ao de julho de 2021, confirmando a tendência de aumento de pacientes em diálise. Dos 243 centros participantes no Censo, obteve-se um total de 42.868 pacientes, no qual 94,3% estavam submetidos a hemodiálise e 4,7% a diálise peritoneal. ⁴
A diálise peritoneal apesar de ser uma modalidade que possui um menor número de aderentes em comparação a hemodiálise, se trata de uma terapia renal em crescimento, por permitir uma maior liberdade e autonomia ao paciente sendo este capaz de autogerir seu tratamento, além de reduzir custos para os sistemas de saúde devido a sua infraestrutura ser mais simples. No entanto, para aderir a essa modalidade é preciso passar por um treinamento e seguir alguns critérios muito importantes, como o preparo do domicílio, orientações sobre a diálise, cuidados com o procedimento e com o cateter, como deve ser a alimentação, o uso de medicamentos, assim como a rotina e o monitoramento do tratamento.⁵
Logo, uma questão primordial é promover a educação em saúde, para proporcionar a essas pessoas uma maior autonomia que ajuda principalmente a diminuir os possíveis agravos, como as infecções, e aumentar a adesão ao tratamento. Nesse contexto, é muito importante que os profissionais de saúde responsáveis em acompanhar toda a transição desses pacientes para a implementação da diálise peritoneal saibam analisar e avaliar se essa transmissão de conhecimento está sendo eficiente.⁶ Uma das formas para isso é através da análise do Letramento em saúde (LS) de cada paciente, que segundo a Organização mundial de Saúde representa o conhecimento e as competências pessoais que se acumulam no dia a dia, na vida social e que possibilita os indivíduos a acessarem, compreenderem, avaliarem e usar essas informações de maneira que promovam e mantenham uma boa saúde para si e àqueles ao seu redor.⁷
Portanto, a realização deste estudo é primordial para identificar o impacto que o nível do letramento em saúde dos pacientes possui frente a seu processo saúde-doença. Ao fazer isso, espera-se contribuir para o desenvolvimento de práticas mais eficazes para se avaliar o letramento em saúde dos pacientes em tratamento dialítico, melhorando assim os resultados de saúde da população através de um maior envolvimento e empoderamento dos mesmos.
Dessa maneira, o presente trabalho tem como objetivo geral: avaliar a importância do letramento em saúde para o autocuidado dos pacientes submetidos a terapia de diálise peritoneal.
2. MÉTODO
Trata-se de uma revisão integrativa que se baseia na identificação do tema, elaboração da pergunta norteadora, avaliação dos estudos e interpretação dos resultados. Foi utilizado o método PICO⁸ (P: população; I: intervenção; C: controle ou comparação; e O: desfecho) para elaborar a questão norteadora e delinear o problema de pesquisa, pois ele possibilita redigir perguntas mais abrangentes, contemporâneas e fundamentadas em evidências científicas.
A seleção dos artigos foi realizada por meio do Portal de Periódicos do CAPES e do sistema da Biblioteca Central da Universidade de Brasília, dando acesso as principais bases de dados nacionais e internacionais. As bases de dados utilizadas foram: PUBMED, Scopus, Biblioteca Virtual da Saúde (BVS) e SCIELO.
O tema abordado é o Impacto do letramento em saúde no autocuidado dos pacientes em terapia de diálise peritoneal. A questão norteadora foi: Qual o impacto do letramento em saúde no autocuidado dos pacientes em terapia de diálise peritoneal? Nesse contexto, P corresponde à pacientes em diálise peritoneal, I ao letramento em saúde, C promoção do autocuidado, e O de publicações na literatura sobre o tema.
Os critérios de inclusão foram artigos indexados nos últimos 5 anos (2019 a 2024), em todos os idiomas nas bases de dados selecionadas.
A estratégia de busca dos artigos selecionados incluiu os seguintes descritores: “Health Literacy” AND “Self Care” AND “Renal Insufficiency” AND “Peritoneal Dialysis”, incluídos nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e no Medical Subject Headings (MeSH).
No início da triagem os dados extraídos dos artigos (títulos e resumos) incluíram informações como delineamento do estudo, título, ano , autor, país e idioma. E a fim de obter maior veracidade científica, utilizou-se o gerenciador de referências Rayyan⁹ para anexar todos os artigos selecionados das bases de dados e assim realizar a triagem das pesquisas.
Considerou-se a classificação de trabalhos científicos¹⁰ com base no quadro 2, empregado na geração de evidência¹¹ para análise da qualidade metodológica dos artigos inclusos.
Logo, uma exposição temática foi direcionada para firmar os dados relacionados aos objetivos, população e local da pesquisa, assim como aos resultados pertinentes à matéria da pesquisa. Os resultados estão expostos de forma descritiva, no qual a seleção dos artigos está exposta em um fluxograma elaborado pelo método PRISMA¹², além do uso de tabelas no intuito de melhor captar as evidências.
No presente estudo todos os aspectos éticos foram respeitados e todos os autores e seus materiais foram devidamente referenciados. A pesquisa não envolveu o estudo com seres humanos, portanto não foi necessário a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos.
3. RESULTADOS
A pesquisa nas bases de dados gerou um total de 122 artigos. Destes foram selecionados 10 artigos por busca manual, conforme as etapas retratadas na figura 1. Os resultados estão apresentados no Quadro 3.
Quadro 3 – Síntese das obras. Brasília, DF, Brasil, 2024.
Autores | Ano/ País | Título do artigo | Objetivo | Principais resultados | Nível de evidência |
RODRIGUES, Luiza et al¹³ | 2021 / Brasil | Autonomia de mulheres com doença renal para a diálise peritoneal no domicílio. | Analisar a construção da autonomia de mulheres com doença renal crônica para realizar a diálise peritoneal no domicílio. | A população do estudo foi constituída de 14 mulheres. A obtenção de informações e desenvolvimento da reflexão e da consciência quanto a atual condição possibilitou às mulheres a ampliação de conhecimentos, habilidades, atitudes e autoconhecimento, transformando-as em responsáveis sobre si, de forma a resolverem seus problemas e necessidades. A consulta de enfermagem se constitui como espaço potente para o desenvolvimento de ações de promoção da autonomia das mulheres com doença renal. | VI |
FREIRE DE OLIVEIRA, Jeany; MARINHO, Christielle; SILVA, Rudval¹⁴ | 2019 / Brasil | Da hemodiálise à diálise peritoneal : experiências de pacientes sobre a mudança de tratamento. | Conhecer as percepções dos usuários com insuficiência renal crônica que realizavam a diálise peritoneal e vivenciaram previamente a hemodiálise, acerca da mudança de tratamento. | O estudo contou com 9 participantes. A decisão sobre a seleção da Terapia Renal Substitutiva (TRS) foi do profissional médico em 54,2% dos casos. O medo da mudança devido ao desconhecimento da DP, a conquista de maior autonomia foram as experiências mais evidenciadas pelos entrevistados. Cabe destacar que os profissionais de saúde precisam ter habilidades de ensino e comunicação para transmitir informações compreensíveis e de qualidade. | VI |
UZDIL, Nurcan; KILIÇ, Zuleyha¹⁵ | 2022 / Turquia | Alfabetização em saúde e atitudes em relação à medicina holística, complementar e alternativa em pacientes em diálise peritoneal: um estudo descritivo. | Determinar a relação entre as atitudes dos pacientes em diálise peritoneal em relação às MAC holísticas e seus níveis de alfabetização em saúde (LS). | Um total de 91 pacientes participaram deste estudo. Destes, 18,7% perceberam sua saúde como ruim. O nível de LS dos pacientes que avaliaram sua saúde como ruim foi baixo. Os níveis de LS da maioria dos pacientes em diálise peritoneal eram elevados. Os pacientes em DP que receberam apoio dos profissionais de saúde para quaisquer problemas relacionados ao tratamento tiveram um efeito positivo no LS. | V |
MURALI, Karumathil et al¹⁶ | 2020 / Austrália | Comparação do perfil de letramento em saúde de pacientes com doença renal terminal em diálise versus doença renal crônica não dialítica e os fatores influenciadores. | Comparar diretamente o perfil de LH de pacientes com DRC em diálise com pacientes com DRC não dialítica. Além de associar o letramento em saúde a fim de identificar alvos de intervenção para abordar seus déficits de LS, o que pode melhorar seus resultados de saúde. | A coorte final do estudo incluiu 223 pacientes, 109 com DRC em diálise (96 em hemodiálise no centro, 7 em diálise peritoneal, 6 em hemodiálise domiciliar). A menor escolaridade foi associada a uma menor “capacidade de encontrar boas informações de saúde” e “compreender informações de saúde suficientemente bem para saber o que fazer”. A idade mais avançada e não ter um cuidador dedicado foi associado a uma menor “capacidade de gerir ativamente a saúde” . A melhoria da adesão ao tratamento tem sido associada a um melhor envolvimento e ativação do paciente. | IV |
DA ROCHA, Késia; FIGUEIREDO , Ana¹⁷ | 2019 / Brasil | Letramento em Saúde: Avaliação de pacientes em terapia renal substitutiva. | Estudar o impacto do nível de letramento em saúde de pacientes submetidos à hemodiálise, diálise peritoneal e transplante renal, associado aos aspectos cognitivos, adesão medicamentos e qualidade de vida. | Participaram do estudo 65 pacientes transplantados, 50 em hemodiálise e 23 em diálise peritoneal. A maioria dos pacientes classificados como inadequados em relação ao LS, tinham renda igual ou inferior a um salário- mínimo e ensino fundamental completo ou inferior. Assim, sugere-se que os profissionais de saúde se utilizem da avaliação do LS como um aliado à assistência, bem como uma ferramenta para a elaboração de um plano de cuidados individualizados. | V |
AUGUSTE, Bourne et al¹⁸ | 2020 / Canadá | Os eventos adversos em pacientes recém-treinados em diálise domiciliar estão relacionados aos estilos de aprendizagem? | Examinar se as diferenças nos estilos de aprendizagem dos pacientes estão associados a diferentes riscos de eventos adversos em pacientes em hemodiálise e diálise peritoneal domiciliares. | Foram incluídos 118 pacientes no estudo com 78 pacientes em HD domiciliar e 40 pacientes em DP. O estilo de aprendizagem visual foi o mais predominante, com mais de 60% dos pacientes. As contaminações úmidas foram o evento mais comum entre os pacientes com DP, com 11 episódios relatados, ocorrendo 56 eventos por 100 pacientes-ano. Dois episódios de peritonite por DP foram documentados para uma taxa de eventos de 10 por 100 pacientes-ano. Os eventos adversos podem ser mais prevalentes se os métodos instrucionais de treinamento em diálise domiciliar e os estilos de aprendizagem do paciente forem discordantes. | III |
BILLANY, Roseanne et al¹⁹ | 2023 / Reino Unido | Associações da literacia em saúde com comportamentos de autogestão e resultados de saúde na doença renal crónica: uma revisão sistemática. | Atualizar e expandir as relações entre alfabetização em saúde e comportamentos de autogestão e resultados de saúde. | As pesquisas identificaram 48 estudos que atenderam aos critérios de inclusão. No total foram 25.671 pacientes, sendo que oito estudos incluíram 285 pacientes em diálise peritoneal. Em 11.476 pacientes em diálise, o baixo nível de alfabetização em saúde foi associado ao aumento da mortalidade. Um estudo com 452 pacientes em hemodiálise relatou que uma menor alfabetização em saúde estava associada a uma menor adesão às recomendações dietéticas e de ingestão de líquidos. | I |
SHAH, Jennifer et al²⁰ | 2021 / Austrália | Uma revisão de escopo do papel da alfabetização em saúde na autogestão da doença renal crônica. | Investigar as evidências recentes de alfabetização em saúde e a relação entre alfabetização em saúde, conhecimento e autogerenciamento da doença renal crônica. | Foram incluídos 12 estudos no total. Cada ponto de aumento na alfabetização funcional em saúde, os indivíduos tiveram um aumento de cinco vezes na adesão aos regimes medicamentosos. Ter uma maior “capacidade de interagir com os prestadores de cuidados de saúde” mostrou uma maior adesão às recomendações de estilo de vida. Ter maior conhecimento sobre uma doença específica pode tornar as pessoas mais confiantes e confortáveis ao comunicarem com os seus prestadores de cuidados de saúde | V |
BOYER, Annabel et al²¹ | 2021 / Canadá | Nível de alfabetização em saúde em uma população de nefrologia de Québec: clínica de pré-diálise, hemodiálise em centro e diálise domiciliar; um estudo observacional monocêntrico transversal. | Definir os níveis de alfabetização em saúde em pacientes acompanhados em clínica de pré-diálise, diálise em centro (ICHD), diálise peritoneal (DP) e hemodiálise domiciliar (HHD). | Foram incluídos na pesquisa 363 pacientes. Os pacientes em diálise domiciliar (DP e HHD), com maior pontuação no BHLS, eram mais jovens, apresentavam maior taxa de escolaridade e de situação profissional ativa em comparação aos demais grupos. Em estudos anteriores, um menor nível de escolaridade foi associado a níveis limitados de alfabetização em saúde em pacientes | IV |
CAMPOS, Moiziara et al²² | 2019 / Brasil | Pacientes em diálise peritoneal: associação entre diagnósticos de enfermagem e seus componentes | Analisar a associação entre os diagnósticos de enfermagem e suas características definidoras, fatores relacionados ou de risco para pacientes em diálise peritoneal. | A pesquisa contou com 82 pacientes cadastrados, regularmente acompanhados em um centro de referência do tratamento de doenças renais, e com seis enfermeiros peritos em nefrologia. Um dos diagnósticos de enfermagem encontrados em todos os pacientes em diálise peritoneal foi o Diagnóstico Risco de infecção. | IV |
Foram identificados entre os artigos incluídos os seguintes níveis de evidências, avaliados de acordo com o quadro 2.
Quadro 4 – Níveis de evidência dos artigos incluídos na revisão.
Nível I | Nível II | Nível III | Nível IV | Nível V | Nível VI | Nível VII |
Uma revisão sistemática | 0 | Um estudo observacional retrospectivo sem randomização | Um estudo transversal Um estudo observacional transversal Um estudo de análise quantitativa | Uma revisão de escopo, um estudo retrospectivo quantitativo, e um estudo transversal quantitativo | Dois estudos qualitativos | 0 |
Fonte – Elaborada pelos autores, Brasília, 2024.
4. DISCUSSÃO
Os estudos mostram que o número de pacientes com DRC no Brasil e no mundo vêm crescendo exponencialmente devido, principalmente, ao aumento das doenças crônicas. Logo, os pacientes que se encontram num quadro mais agravado precisam aderir a uma terapia renal substitutiva, no qual dentro das modalidades existentes tem-se a diálise peritoneal. Essa modalidade por mais que seja ainda pouco utilizada permite, sobretudo, uma maior autonomia do paciente, porém é necessário que ele saiba gerir adequadamente seu tratamento para alcançá-la, e para isso passam por um processo intenso de treinamentos com os profissionais da saúde que são responsáveis em capacitá-los para tal. Dentro desse contexto, evidenciou-se que colocar em prática a avaliação do letramento em saúde desses pacientes é essencial para garantir o sucesso do tratamento.
Uma pesquisa realizada com 14 mulheres no Brasil buscou avaliar a autonomia que elas adquiriram ao desenvolver a diálise peritoneal no domicílio. Durante o processo, que se deu através de entrevistas individuais, abertas e semiestruturadas, construiu-se as seguintes categorias: surgimento da doença, necessidade de realizar a diálise peritoneal, transição do cuidado e gerenciando a DP no domicílio. Todas relataram que no início não compreendiam muito bem seu quadro clínico pois tinham informações insuficientes e não puderam participar ativamente na escolha da terapia que seriam submetidas. No entanto, ao envolver o paciente na decisão de seu tratamento é possível que ele entenda melhor seu processo de saúde-doença e assim consiga ter atitudes de qualidade.¹³
A implementação da DP envolve alguns passos, no primeiro momento essas mulheres tiveram que observar todo o procedimento sendo realizado pelos enfermeiros que às instruíam em relação ao material, as fases da troca, o processo de infusão e retirada do líquido dialisador, cuidados com o cateter, a reconhecer o próprio corpo, a entender as possíveis complicações que poderiam surgir e quando que deveriam buscar o serviço médico. Com o decorrer do treinamento elas começaram a realizar todas as etapas sozinhas até serem capazes de autogerenciar seu tratamento de forma eficaz, sendo que um dos fatores para isso foi as consultas com os enfermeiros no qual era possível esclarecer todas as dúvidas e reforçar o que foi aprendido.¹³
No decorrer do estudo, considerou-se a autonomia como um processo que precisa ser construído e que cada pessoa é diferente, portanto os profissionais tiveram que adequar suas orientações para cada indivíduo, levando em consideração suas particularidades, seu modo de aprender, sua situação de vida e assim fortalecer o diálogo entre o profissional e paciente. Apesar do LS não ser mencionado explicitamente na pesquisa, todos os aspectos trabalhados estão envolvidos dentro desse contexto multidimensional que, quando em níveis desejáveis, leva os indivíduos a terem um autocuidado com sua própria saúde.¹³
Uma outra pesquisa qualitativa realizada com 9 pacientes de uma clínica especializada em TRS na região norte do Brasil, a respeito da tomada de decisão quanto à seleção da terapêutica no município de Pelotas, relatou que em 54,2% dos casos essa decisão foi do médico sem a participação do paciente, deixando o segundo num estado de medo diante da nova terapia por falta de informações e por não compreender a sua necessidade, funcionamento e/ou desfecho. Outro ponto também avaliado, mostrou que muitos desses pacientes não conseguiram assimilar de forma satisfatória as informações transmitidas por mais que a explicação tenha sido de alta qualidade. Por isso, os profissionais da saúde necessitam adquirir habilidades de ensino para que consigam avaliar o nível de letramento de cada indivíduo e assim se comunicar de forma compreensível e com qualidade, se certificando de que tudo que foi transmitido foi realmente assimilado.¹⁴
Para os pacientes com doenças renais crônicas ter um LS limitado significa um maior risco de mortalidade, e um fator importante para mudar essa realidade é a interação do paciente com os profissionais da saúde. Em uma pesquisa descritiva realizada com 91 pacientes do Centro Universitário de Práticas e Pesquisa em Saúde na Turquia, apenas 18,7% dos participantes perceberam sua saúde como ruim e a maior parte dos resultados dos questionários aplicados obtiveram índices mais altos de LS do que era esperado. A conclusão para essa análise foi de que esses pacientes em diálise peritoneal, ao serem acompanhados mensalmente nas consultas com o médico ou enfermeiro, receberam informações e apoio em todos os problemas relacionados ao tratamento, o que elevou o nível de letramento deles.¹⁵
Em uma pesquisa transversal realizada em três ambulatórios de nefrologia na Austrália com 223 pacientes, sendo 109 com DRC em diálise (96 em hemodiálise nos centros, 7 em DP, 6 em hemodiálise domiciliar), utilizou-se o Questionário de Alfabetização em Saúde (HLQ) para avaliar alguns domínios do LS. Os resultados obtidos mostraram que um grau inferior de escolaridade se associou a uma menor capacidade de encontrar boas informações de saúde e compreendê-las suficientemente bem para saber o que fazer. Assim como ter uma idade mais avançada ou não ter um cuidador se associou a ter menos capacidade de gerir ativamente a saúde e de saber avaliar as informações encontradas e/ou transmitidas.¹⁶ Ainda nesse contexto, um outro estudo transversal com 23 pacientes em DP teve o objetivo de avaliar os fatores que mais influenciavam um nível baixo de LS, e em seus resultados 14% desses pacientes com letramento inadequado tinham uma renda igual ou inferior a um salário mínimo e ensino fundamental completo ou inferior.¹⁷
Sabe-se que cada indivíduo possui uma maneira para aprender novas informações, isso significa que os profissionais precisam entender que as pessoas são diferentes, seja no nível de escolaridade, cultural, social e cognitivo, e que é essencial avaliar qual o nível de entendimento e qual é o modo mais eficaz que essas pessoas se desenvolvem. Nesse contexto, uma pesquisa realizada na University Health Network, Toronto, Canadá, com 118 pacientes pós-treinamento (78 em hemodiálise domiciliar e 40 em DP), estudou os estilos de aprendizagem utilizando a ferramenta VARK e seu impacto principalmente nos eventos adversos ocorridos. Dentre os estilos de aprendizagem, o visual foi o mais predominante, com 60% entre os pacientes.¹⁸
Ao considerar os eventos adversos entre os pacientes com DP, as contaminações úmidas foram o evento mais recorrente tendo em média de 56 eventos por 100 pacientes/ano, seguido da peritonite com uma taxa de 10 eventos por 100 pacientes/ano. Portanto, quando há uma discordância entre o modo de aprendizagem e modo com que esses indivíduos foram treinados, existe uma grande probabilidade de ocorrerem eventos adversos.¹⁸
Uma outra pesquisa realizada para avaliar a associação do letramento em saúde com comportamentos de autogestão nos pacientes renais, através de uma revisão sistemática, identificou 48 estudos com 25.671 pacientes (285 pacientes em DP no total). Os principais resultados mostraram que o LS está vinculado a uma maior adesão medicamentosa em 187 pacientes e maior adesão ao tratamento de 30 pacientes com DRC. Já em outro estudo com 452 pacientes um nível baixo de letramento em saúde associou-se a uma menor adesão às recomendações dietéticas e de ingestão de líquidos. Em contrapartida, 42 pacientes com níveis mais elevados de LS demonstraram um aumento significativo na adesão às instruções sobre a dieta, medicamentos e líquidos. Ademais, o baixo nível de alfabetização em saúde relacionou-se ao aumento da mortalidade em 11.476 pacientes.¹⁹
Todavia, 542 pacientes com níveis desejáveis de letramento em saúde de uma análise transversal, mostraram ser capazes de ter comportamentos de autogestão adequados, pois conseguiram melhor se envolver com os profissionais de saúde, navegar no sistema de saúde e compreender as informações suficientemente bem para saber o que fazer.¹⁹
As DRC são muito complexas e quando é necessário submeter-se a um tratamento dialítico, compreender a doença se torna essencial para que o paciente saiba como enfrentá-la. Uma Revisão de Escopo realizada em 2021 na Austrália, avaliou essa relação do conhecimento da doença com o nível de LS em pacientes de todos os graus da DRC. Após análise foram incluídos 12 estudos e obteve-se um total de 2.306 participantes. Os resultados mais pertinentes evidenciaram uma relação significativa entre o conhecimento de saúde e o comportamento de autogestão, no qual cada acréscimo de pontuação no LS os indivíduos tiveram um aumento de cinco vezes mais na adesão dos medicamentos.²⁰ Nesse cenário, os pacientes em diálise peritoneal muitas vezes apresentam um conhecimento maior a respeito da sua doença por serem submetidos a um longo treinamento que por sua vez acaba elevando os seus níveis de letramento em saúde, como pôde ser visto num estudo transversal com 363 pacientes, sendo 38 em DP que obtiveram uma pontuação maior que os indivíduos submetidos a outros tipos de TRS.²¹
Sendo assim, constata-se que o papel dos profissionais de saúde é imprescindível para um melhor nível de letramento dos pacientes em diálise peritoneal, principalmente os enfermeiros, pois são responsáveis pela maior parte do treinamento dessa terapia. Dentro das atribuições dessa profissão está a elaboração de diagnósticos de enfermagem, de acordo com o quadro clínico dos pacientes e os riscos que possuem, que irão nortear todos os cuidados prestados e os principais pontos que precisam trabalhar com seus clientes. Nesse cenário, um artigo elaborado com 82 pacientes em DP, regularmente acompanhados em um centro de referência de DRC no nordeste do Brasil, contou com a participação de seis enfermeiros peritos em nefrologia para elaborar os principais diagnósticos de enfermagem desse quadro clínico. Em todos os pacientes foi encontrado o diagnóstico de risco para infecção, principalmente a peritonite ocasionada por más condutas durante o processo do tratamento da DP. E dentro do plano que eles elaboraram, viram que o principal modo de as combater foi através de práticas de educação em saúde para prevenir a sua instalação ²²
Por isso, é imprescindível que o enfermeiro estabeleça um plano de cuidados para cada paciente, onde poderá orientá-lo de forma adequada e eficiente de maneira que promova ao máximo a sua autonomia e autocuidado, pois os pacientes precisam realizar suas atividades diárias, assim como o manuseio certo de seu tratamento, e sem o conhecimento adequado o risco para infecções ou outras adversidades é muito alto.²²
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Portanto, infere-se dos artigos analisados que níveis adequados de letramento em saúde possui um impacto muito benéfico no processo de autocuidado dos pacientes submetidos a terapia de diálise peritoneal, pois leva-os a autogerenciar seu tratamento e aderir com responsabilidade todos os aspectos que estão envolvidos nessa terapêutica, e que são necessários para terem uma melhor qualidade de vida com menos intercorrências e um menor risco de mortalidade.
Os estudos também mostram que saber avaliar o nível de letramento em saúde dos pacientes com doenças renais crônicas pelos profissionais desde o início do tratamento, até mesmo antes da escolha por essa terapia, é essencial para traçar métodos de educação em saúde que sejam eficazes.
No geral, ponderou-se que existem poucos estudos a respeito desse tema, ao envolver o letramento em saúde e pacientes em diálise peritoneal. Logo, essa Revisão Integrativa promove uma reflexão e incentiva outros pesquisadores a adentrarem nessa temática e a estudarem com mais profundidade, para assim desencadear uma maior discussão que gere mais conteúdos científicos sobre a matéria em questão.
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1Discente do Curso Superior de Enfermagem do Centro Universitário LS; e-mail: diasgeovanna2006@gmail.com
2Discente do Curso Superior de Enfermagem do Centro Universitário LS; e-mail: liderdf.girlainy@gmail.com
3Discente do Curso Superior de Enfermagem do Centro Universitário LS; e-mail: conexao.s.lima@gmail.com
4Docente do Curso Superior de Enfermagem do Centro Universitário LS. e-mail: jose.aguiar@unils.edu.br