A FORMAÇÃO DAS IDENTIDADES: O CONCEITO DE HABITUS DE BOURDIEU CONTRIBUI PARA A COMPREENSÃO NO AMBIENTE ESCOLAR

THE FORMATION OF IDENTITIES: THE CONCEPT OF HABITUS DE BOURDIEU CONTRIBUTES TO UNDERSTANDING IN THE SCHOOL ENVIRONMENT

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202410031401


Carlos André dos Santos Silva1
Rosinai Amanajás Pena2
Rosinere Amanajás Pena3
Josué Coelho de Freitas4


Resumo

O presente artigo aborda o impacto do conceito de habitus, desenvolvido por Pierre Bourdieu, na formação das identidades no ambiente escolar, examinando como as disposições internalizadas pelos alunos, moldadas por contextos sociais específicos, influenciam suas percepções e construções identitárias. O problema investigado reside na perpetuação das desigualdades sociais através do habitus, que tende a reproduzir as disposições da classe dominante na escola.  O objetivo do estudo é analisar criticamente o papel do habitus na formação das identidades escolares e explorar práticas educativas que desafiem as disposições internalizadas. A metodologia empregada envolve uma revisão teórica da literatura sobre habitus, identidade e práticas escolares, com base em autores como Bourdieu, Ortiz e Lahire. Os resultados indicam que o habitus tem um impacto significativo na reprodução das desigualdades no ambiente escolar, mas também destacam o potencial de práticas pedagógicas transformadoras para reconfigurar essas disposições. As considerações finais apontam para a necessidade de políticas educacionais e metodologias de ensino que desafiem o habitus tradicional, promovendo uma educação mais justa e inclusiva.

Palavras-chave: habitus; identidade escolar; desigualdades sociais; práticas pedagógicas; educação inclusiva.

1 INTRODUÇÃO

A formação das identidades no ambiente escolar é um processo complexo, influenciado por uma multiplicidade de fatores sociais, culturais e individuais. No cerne desse processo, o conceito de habitus, elaborado por Pierre Bourdieu (1930-2002), surge como uma ferramenta analítica fundamental para compreender como as disposições adquiridas ao longo da vida moldam as percepções, comportamentos e interações dos indivíduos.

O habitus, entendido como um conjunto de predisposições duráveis e incorporadas, que orienta como os indivíduos se posicionam no mundo, oferece uma perspectiva valiosa para analisar como as identidades são construídas, negociadas e reproduzidas no contexto escolar.

A relevância desse tema se torna evidente quando consideramos o papel central da escola na socialização dos jovens e na transmissão de valores e normas culturais. A escola não é apenas um espaço de aprendizagem formal, mas também um campo de forças onde identidades são constantemente formadas e reformuladas.

As práticas pedagógicas, as interações entre alunos e professores, e as expectativas institucionais atuam como mecanismos que reforçam ou desafiam as identidades sociais preexistentes. Nesse sentido, entender como o habitus influencia a formação das identidades escolares é crucial para identificar as dinâmicas de poder e os processos de reprodução social que ocorrem no ambiente educativo.

Além disso, em uma sociedade marcada por profundas desigualdades sociais, culturais e econômicas, a escola pode tanto perpetuar essas desigualdades quanto oferecer caminhos para a sua superação. A compreensão do habitus e de seu papel na formação das identidades possibilita uma reflexão crítica sobre as práticas escolares, promovendo estratégias que possam contribuir para uma educação mais justa e inclusiva.

Assim, investigar o impacto do habitus na formação das identidades no ambiente escolar não é apenas uma questão teórica, mas também uma questão prática de grande importância para o desenvolvimento de políticas educacionais que visem à equidade e à transformação social.

Segundo Gil (2017), a pesquisa bibliográfica é baseada em materiais já publicados, tradicionalmente incluindo materiais impressos, mas como resultado da proliferação de novos formatos de informação, tal pesquisa passou a incluir outros tipos de fontes, incluindo material disponibilizado na Internet. A metodologia realizada nesta pesquisa tem uma abordagem qualitativa e com procedimentos bibliográficos. A partir de artigos previamente publicados sobre o tema em questão.

Desta maneira foram identificados os principais teóricos da área como: Bourdieu (1974); Mauss (1974); Piaget (1975); Giddens (1994); Durkheim (1995); Vygostsky (1999); Pinto (2000); Bonnewitz (2003); Dosse (2007) e outros.

O presente trabalho foi dividido em cinco seções, iniciando-se com o conceito de habitus de pierre bourdieu e a sua relação com o ambiente escolar; a formação de identidade e a sua importância no contexto educacional; o habitus e as práticas pedagógicas e curriculares; contribuições da pesquisa sobre o conceito de habitus para a compreensão da identidade escolar e, por fim, às considerações finais.

 2 O CONCEITO DE HABITUS DE PIERRE BOURDIEU E A SUA RELAÇÃO COM O AMBIENTE ESCOLAR

Pierre Bourdieu, um dos mais influentes sociólogos do século XX, desenvolveu o conceito de habitus como uma ferramenta teórica para compreender como as estruturas sociais são incorporadas pelos indivíduos e, posteriormente, reproduzidas em suas práticas cotidianas. O habitus é definido como um conjunto de disposições duráveis e transponíveis, que orientam as ações, percepções e pensamentos dos indivíduos.

Essas disposições são adquiridas através da socialização primária e secundária e operam de maneira inconsciente, moldando como os sujeitos interagem com o mundo ao seu redor. Segundo Bourdieu (1999, p.76), o habitus é “a história inscrita nos corpos individuais sob a forma de esquemas mentais e corporais de pensamento, percepção e ação”.  Desse modo, o habitus se manifesta na vida cotidiana dos indivíduos, influenciando desde as escolhas estéticas até as práticas educativas.

O conceito de habitus é particularmente relevante para a compreensão da formação das identidades no ambiente escolar. Bourdieu, argumenta que as instituições educativas desempenham um papel central na reprodução das desigualdades sociais, uma vez que o habitus dos alunos, moldado por suas origens sociais, influencia diretamente seu desempenho escolar e suas trajetórias educacionais.

O habitus é um conceito central da sociologia bourdieusiana. Ele garante a coerência entre a sua concepção da sociedade e a do agente social individual e o coletivo. Por meio desta noção, surge uma teoria específica da produção social dos agentes e de suas lógicas de ação. Segundo Bourdieu, a socialização, realizando a incorporação dos habitus de classe, produz a filiação de classe dos indivíduos, reproduzindo ao mesmo tempo, a classe enquanto grupo que compartilha o mesmo habitus. Esse conceito está na base da reprodução da ordem social. Por isso, como princípio de conservação, ele também pode tornar-se um mecanismo de invenção e, consequentemente, de mudança. (BONNEWITZ, 2003, p. 75).

O habitus segundo Dosse (2007), permite dialetizar competência e desempenho ao permitir a exteriorização da interiorização, restabelecer os mecanismos de reprodução, assim como “prever também estratégias sustentadas pelos agentes do sistema que variam segundo os lugares e o momento.

Na escola, o habitus se expressa através das disposições cognitivas e comportamentais que os alunos trazem de suas experiências prévias, as quais podem estar mais ou menos alinhadas com as expectativas e as normas da instituição educativa. Como afirma Lahire (1997), a escola, ao valorizar certas formas de habitus em detrimento de outras, acaba por reforçar as desigualdades sociais, legitimando as diferenças de desempenho como naturais ou meritocráticas.

A relação entre habitus e identidade é uma questão central na obra de Bourdieu. A identidade, enquanto construção social, é profundamente influenciada pelo habitus, que condiciona a maneira como os indivíduos se percebem sendo percebidos pelos outros. No ambiente escolar, essa relação se manifesta na forma como os alunos internalizam as expectativas e os estigmas atribuídos a eles com base em sua origem social, gênero, etnia, entre outros fatores.

Mauss (1974), destaca que o habitus não é apenas uma reprodução passiva das estruturas sociais, mas também um espaço de agência, onde os indivíduos podem resistir e subverter as normas impostas. No entanto, essa capacidade de agência é limitada pelas condições objetivas nas quais o habitus foi formado, o que faz com que a escola muitas vezes reforce identidades estigmatizadas, em vez de transformá-las.

A análise do habitus no contexto escolar revela a complexidade das interações entre estrutura e agência na formação das identidades. Enquanto alguns alunos conseguem mobilizar um habitus alinhado às expectativas escolares, outros enfrentam dificuldades em adaptar-se às exigências da instituição, resultando em fracasso escolar e marginalização. Esse processo de exclusão é frequentemente naturalizado pela escola, que atribui o insucesso à falta de esforço ou à incapacidade individual, sem considerar as desigualdades estruturais subjacentes.

Como argumenta Piaget (1975), a escola desempenha um papel crucial na legitimação das desigualdades sociais, ao transformar diferenças culturais em diferenças de capital escolar, reforçando as hierarquias sociais. Além disso, o conceito de habitus permite uma análise crítica das práticas pedagógicas e curriculares no ambiente escolar. A maneira como o currículo é estruturado e as metodologias de ensino adotadas refletem e reproduzem os valores e as normas da classe dominante, incorporados pelos alunos através do habitus.

No entanto, como observa Bonnewitz (2003), a escola também pode ser um espaço de resistência, onde o habitus pode ser transformado mediante práticas pedagógicas críticas que valorizam a diversidade cultural e promovem a inclusão. Essa perspectiva sugere que, embora o habitus seja um poderoso mecanismo de reprodução social, ele também pode ser um ponto de partida para a transformação social, desde que as práticas educativas sejam orientadas para a conscientização e a emancipação dos alunos.

Por fim, é importante ressaltar que o conceito de habitus, embora poderoso, não deve ser utilizado de maneira determinista. Como enfatiza Pinto (2000), o habitus é uma estrutura aberta, sujeita a mudanças e adaptações ao longo da vida dos indivíduos. Isso significa que, embora o habitus seja um produto das estruturas sociais, ele não está completamente determinado por elas, permitindo um grau de liberdade e criatividade na ação humana. No contexto escolar, essa abertura do habitus pode ser explorada por meio de práticas pedagógicas que incentivem a reflexão crítica e o questionamento das normas sociais, promovendo a formação de identidades mais autônomas e diversificadas.

Portanto, o conceito de habitus de Pierre Bourdieu oferece uma ferramenta teórica poderosa para compreender a formação das identidades no ambiente escolar, revelando as complexas interações entre estrutura e agência, reprodução e transformação social. Ao analisar o papel do habitus na escola, identificar-se as dinâmicas de poder que perpetuam as desigualdades sociais e, ao mesmo tempo, explorar as possibilidades de transformação por práticas educativas mais inclusivas e críticas. A compreensão do habitus, portanto, não é apenas uma questão teórica, mas uma necessidade prática para a construção de uma educação mais justa e equitativa.

3 A FORMAÇÃO DE IDENTIDADE E A SUA IMPORTÂNCIA NO CONTEXTO EDUCACIONAL

A formação da identidade no ambiente escolar é um processo central para o desenvolvimento individual e social dos alunos. A identidade, enquanto construção dinâmica e multifacetada, envolve a integração de elementos pessoais, culturais e sociais, os quais são continuamente negociados nas interações cotidianas. No contexto escolar, a identidade dos alunos é moldada por uma série de fatores, incluindo as práticas pedagógicas, as interações com pares e professores, e as normas institucionais.

O conceito de identidade já foi debatido inúmeras vezes e não se esgota, já que é muito complexo. Se buscarmos uma genealogia do conceito de identidade atribuiremos a Marcel Mauss nos anos 1970. O ponto de partida desse pensador é a noção de uma definição no aspecto “sociológico” da pessoa humana e sua caracterização enquanto seu “eu” diferindo do “outro”.

[…] A identidade social refere-se às características, sendo atribuídas a um indivíduo pelos outros. Elas podem ser vistas como marcadores que indicam quem, em um sentido básico, essa pessoa é. Ao mesmo tempo, esses marcadores posicionam essa pessoa em relação a outros indivíduos que compartilham dos mesmos atributos. São exemplos de identidades sociais o estudante, a mãe, o advogado, o católico, o sem teto, a asiático, o disléxico, o casado, e assim por diante. Muitos indivíduos têm identidades sociais que compreendem mais do que um atributo. Uma pessoa poderia ser simultaneamente uma mãe, uma engenheira, muçulmana e uma vereadora. Múltiplas identidades sociais refletem as muitas dimensões das vidas das pessoas (GIDDENS, 1994, p. 44).

Na tarefa de pensar a formação da identidade no espaço escolar acreditamos que em primeiro lugar devemos elucidar aspectos da representação social dos agentes envolvidos e, posteriormente, pensar como se forjam as identidades. Na vivência e nas práticas sociais Segundo Bourdieu (1999, p.117) identidade é um “ser percebido que existe fundamentalmente pelo reconhecimento dos outros”.

Segundo Ortiz (1983), a identidade é formada na interseção entre o eu e o outro, sendo um reflexo das relações sociais e das experiências vividas. Dessa forma, o ambiente escolar não apenas reflete as identidades pré-existentes dos alunos, mas também atua como um espaço de construção e transformação dessas identidades.

A importância da identidade no ambiente escolar se manifesta de diversas maneiras, particularmente na forma como os alunos se percebem sendo percebidos pelos outros. A escola, enquanto instituição socializadora, desempenha um papel crucial na construção das identidades sociais, por oferecer um conjunto de referências normativas e culturais que os alunos internalizam e reproduzem.

De acordo com Giddens (1994), a identidade é um ponto de referência essencial para a experiência social dos indivíduos, funcionando como uma âncora que dá sentido às suas vidas. No contexto escolar, essa ancoragem é fundamental para o sucesso acadêmico e o bem-estar emocional dos alunos, uma vez que a construção de uma identidade positiva está intimamente ligada à autoestima e à motivação para aprender.

Segundo Vygostsky (1999), descreve que o processo de construção da identidade no ambiente escolar é permeado por desafios, especialmente para alunos que pertencem a grupos sociais marginalizados. A escola, muitas vezes, opera com base em normas culturais que refletem e reproduzem os valores da classe dominante, o que pode levar à exclusão ou marginalização de identidades que não se conformam a esses padrões.

Como argumenta Bourdieu (1999), as instituições educativas tendem a legitimar certas formas de capital cultural enquanto desvalorizam outras, contribuindo para a reprodução das desigualdades sociais. Nesse sentido, a escola pode ser um espaço de tensão, onde as identidades dos alunos são constantemente negociadas, reafirmadas ou questionadas.

A construção de uma identidade escolar positiva é essencial para o desenvolvimento acadêmico e social dos alunos. Quando os alunos se sentem valorizados e reconhecidos em suas identidades, eles estão mais propensos a se engajar no processo de aprendizagem e a estabelecer relações saudáveis com seus pares e professores.

Segundo Giddens (1994), a formação da identidade é um dos principais desafios do desenvolvimento durante a adolescência, e o ambiente escolar desempenha um papel crucial nesse processo. A escola, ao promover um ambiente inclusivo e acolhedor, pode contribuir para o fortalecimento da identidade dos alunos, ajudando-os a desenvolver um senso de pertencimento e de autoeficácia.

Por outro lado, a falta de reconhecimento e valorização das identidades dos alunos pode ter consequências negativas significativas. Estudos demonstram que alunos que experimentam discriminação ou marginalização na escola têm maior probabilidade de apresentar baixo desempenho escolar, evasão escolar e problemas emocionais.

A exclusão ou estigmatização das identidades no ambiente escolar pode levar à alienação e ao desengajamento, comprometendo o desenvolvimento social e emocional dos alunos. Nesse contexto, é fundamental que as escolas implementem políticas e práticas que promovam a inclusão e a valorização da diversidade, reconhecendo a importância da identidade na construção de um ambiente educativo saudável.

Além disso, a identidade no ambiente escolar não se limita à esfera individual, mas também possui uma dimensão coletiva. A identidade coletiva dos alunos é formada nas interações grupais e no compartilhamento de experiências e valores comuns.

Conforme Pinto (2000), a identidade coletiva é construída por meio de processos de categorização social, onde os indivíduos se identificam com determinados grupos e se diferenciam de outros. No contexto escolar, essas identidades coletivas podem se manifestar em subculturas estudantis, grupos de interesse ou movimentos sociais, que desempenham um papel importante na vida dos alunos e na dinâmica escolar.

Em suma, a identidade no ambiente escolar é um elemento central para o desenvolvimento dos alunos, influenciando tanto seu desempenho acadêmico quanto seu bem-estar social e emocional. A escola, ao reconhecer e valorizar a diversidade de identidades, pode criar um ambiente mais inclusivo e propício à aprendizagem, onde todos os alunos têm a oportunidade de desenvolver seu potencial pleno.

A negligência ou marginalização das identidades no contexto escolar pode resultar em exclusão e fracasso escolar, perpetuando as desigualdades sociais. Portanto, a compreensão e valorização da identidade no ambiente escolar são essenciais para a construção de uma educação mais equitativa e transformadora.

4 O HABITUS E AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E CURRICULARES

A escola desempenha um papel central na formação do habitus, conceito desenvolvido por Pierre Bourdieu para descrever o conjunto de disposições duráveis e transponíveis que orientam o comportamento, as percepções e as práticas dos indivíduos. Essas disposições são adquiridas por processos de socialização em diferentes contextos sociais, sendo a escola um dos principais espaços onde o habitus é formado e reforçado.

As práticas escolares, que incluem tanto as práticas pedagógicas quanto as curriculares, desempenham um papel crucial na modelagem do habitus dos alunos, influenciando a maneira como eles percebem o mundo e se posicionam nele. Segundo Bourdieu (1974), o habitus é uma estrutura estruturada predisposta a funcionar como uma estrutura estruturante, ou seja, é tanto resultado de estruturas sociais quanto uma força que reproduz essas estruturas.

As práticas pedagógicas, entendidas como as metodologias e estratégias de ensino utilizadas pelos educadores, influenciam diretamente a formação do habitus dos alunos. Através dessas práticas, os alunos internalizam as normas, valores e expectativas da escola, que refletem, em grande medida, as exigências e expectativas da sociedade em geral.

Como argumenta Durkheim (1995), no seu livro a evolução pedagógica as práticas pedagógicas são portadoras de significados culturais transmitidos aos alunos, influenciando suas disposições cognitivas e comportamentais. Dessa forma, as práticas pedagógicas não são neutras; elas desempenham um papel ativo na reprodução social ao reforçar ou transformar o habitus dos alunos.

Além das práticas pedagógicas, as práticas curriculares também exercem uma influência significativa na formação do habitus. O currículo escolar, entendido como o conjunto de conteúdos e conhecimentos transmitidos pela escola, desempenha um papel central na socialização dos alunos, orientando o considerado válido e legítimo no campo do conhecimento.

Bourdieu (2008) destaca que o currículo é uma ferramenta de poder simbólico, através do qual a escola legitima certos tipos de conhecimento em detrimento de outros. Ao selecionar e organizar os conteúdos curriculares, a escola influencia a formação do habitus ao inculcar nos alunos um conjunto de disposições que refletem as hierarquias e as divisões sociais existentes.

Um exemplo concreto de como as práticas pedagógicas e curriculares influenciam a formação do habitus pode ser observado na maneira como a escola lida com a avaliação e o sucesso acadêmico. Através das práticas avaliativas, a escola estabelece critérios de sucesso e fracasso que são internalizados pelos alunos como parte de seu habitus. Como bem disse Elias (1996), aqueles que conseguem adaptar-se às exigências escolares tendem a desenvolver um habitus que valoriza o sucesso escolar e a conformidade com as normas escolares.

Por outro lado, alunos que encontram dificuldades em adaptar-se às expectativas da escola podem desenvolver um habitus que valoriza outras formas de reconhecimento e sucesso, muitas vezes em oposição às normas escolares. Como sugere Setton (2002), o sistema de avaliação escolar não apenas mede o desempenho dos alunos, mas também contribui para a formação de suas identidades e disposições sociais.

Além disso, as práticas pedagógicas e curriculares podem reforçar ou desafiar as desigualdades sociais, dependendo de como são implementadas a escola tende a reproduzir as desigualdades sociais ao privilegiar os alunos que possuem um habitus mais alinhado às expectativas da classe dominante. Isso ocorre porque as práticas pedagógicas e curriculares são frequentemente orientadas por um habitus que reflete os valores e as normas da classe dominante, colocando os alunos de classes sociais menos favorecidas em desvantagem.

No entanto, práticas pedagógicas e curriculares que promovem a inclusão e a valorização da diversidade têm o potencial de transformar o habitus dos alunos e, consequentemente, reduzir as desigualdades sociais. Um aspecto importante a considerar é o papel dos professores na formação do habitus. Os professores, ao implementarem práticas pedagógicas e curriculares, atuam como agentes de socialização que influenciam a formação das disposições dos alunos.

Como observa Lahire (1997), o habitus dos professores também é um fator que deve ser considerado, pois suas próprias disposições influenciam a maneira como eles interpretam e aplicam as práticas pedagógicas e curriculares. Dessa forma, a formação do habitus é um processo dinâmico, que envolve a interação entre as disposições dos alunos e as disposições dos educadores, mediadas pelas práticas escolares.

Outro ponto relevante é a influência das práticas escolares na formação do habitus emocional dos alunos. Além de influenciar as disposições cognitivas e comportamentais, as práticas pedagógicas e curriculares também afetam as disposições emocionais dos alunos, que fazem parte integrante do habitus.  O habitus emocional é formado através das interações sociais e das experiências vividas no ambiente escolar, influenciando a maneira como os alunos respondem emocionalmente às situações de aprendizagem.

As práticas escolares que promovem um ambiente acolhedor e inclusivo podem contribuir para a formação de um habitus emocional positivo, enquanto práticas que perpetuam a exclusão e a discriminação podem gerar disposições emocionais negativas, como a ansiedade e a desmotivação. Por fim, é essencial reconhecer que as práticas pedagógicas e curriculares, ao moldarem o habitus, desempenham um papel central na reprodução ou transformação das estruturas sociais.

Dubet (1996) aponta, o habitus é uma das principais ferramentas através das quais as desigualdades sociais são reproduzidas de maneira inconsciente. No entanto, a escola também possui o potencial de transformar essas estruturas ao promover práticas pedagógicas e curriculares que desafiam as normas estabelecidas e incentivam a inclusão e a equidade. Dessa forma, a compreensão do papel das práticas escolares na formação do habitus é crucial para a construção de uma educação mais justa e inclusiva.

As práticas pedagógicas e curriculares influenciam profundamente a formação do habitus, moldando as disposições cognitivas, comportamentais e emocionais dos alunos. Através dessas práticas, a escola desempenha um papel central na socialização dos indivíduos, reproduzindo ou transformando as estruturas sociais. A análise crítica das práticas escolares e sua influência na formação do habitus é, portanto, fundamental para o desenvolvimento de políticas e práticas educativas que promovam a equidade e a inclusão, permitindo que todos os alunos desenvolvam plenamente seu potencial.

5 CONTRIBUIÇÕES DA PESQUISA SOBRE O CONCEITO DE HABITUS PARA A COMPREENSÃO DA IDENTIDADE ESCOLAR

O conceito de habitus proposto por Pierre Bourdieu é um dos mais influentes na sociologia da educação, fornece uma base teórica sólida para compreender a formação da identidade escolar. O habitus, entendido como um conjunto de disposições internalizadas que orientam a percepção, o pensamento e a ação dos indivíduos, oferece uma explicação poderosa para a maneira como as experiências escolares influenciam a construção das identidades dos alunos.

O habitus é um sistema de disposições duráveis e transponíveis que se desenvolve ao longo da vida, sendo moldado pelas condições sociais e pelas práticas culturais a que os indivíduos estão expostos. No contexto escolar, o habitus atua como um mediador entre as estruturas sociais e as práticas educativas, influenciando a maneira como os alunos percebem a si e constroem suas identidades.

Uma das principais contribuições da pesquisa sobre o habitus para a compreensão da identidade escolar é a ideia de que as identidades dos alunos são moldadas por disposições adquiridas em contextos sociais específicos, sendo reforçadas ou desafiadas pela escola. O habitus escolar, formado pelas experiências vividas no ambiente educacional, influencia diretamente como os alunos se identificam com o papel de estudante e com as expectativas associadas a esse papel.

O habitus escolar é um dos principais fatores que determinam o sucesso ou o fracasso acadêmico, ao condicionar as atitudes e as expectativas dos alunos em relação ao aprendizado. Dessa forma, a identidade escolar não é apenas um reflexo das características individuais dos alunos, mas também um produto das disposições que eles internalizam através das práticas educativas.

Outro aspecto significativo que emerge da pesquisa sobre o habitus é a maneira como ele explica as desigualdades na formação da identidade escolar. Alunos provenientes de diferentes contextos sociais chegam à escola com habitus distintos, que refletem suas experiências familiares, culturais e econômicas. Esses habitus influenciam a maneira como os alunos se adaptam ao ambiente escolar e como constroem suas identidades dentro dele.

Ortiz (1983) destaca que a escola tende a valorizar os habitus que estão em consonância com as normas e expectativas da classe dominante, colocando em desvantagem os alunos cujos habitus diferem dessas normas. Essa disparidade na formação do habitus contribui para a reprodução das desigualdades sociais, pois os alunos de classes menos favorecidas podem enfrentar dificuldades em adaptar-se ao ambiente escolar, afetando negativamente a construção de suas identidades escolares.

Essa relação entre habitus e capital cultural revela como as práticas escolares podem reforçar ou transformar as disposições dos alunos, influenciando diretamente a construção de suas identidades. Além disso, o conceito de habitus oferece uma perspectiva crítica sobre a identidade escolar ao questionar a ideia de que as identidades dos alunos são formadas de maneira autônoma e voluntária. Através do habitus, a pesquisa sociológica demonstra que as identidades escolares são, em grande medida, moldadas por processos de socialização determinados por estruturas sociais mais amplas.

Como argumenta Morin (1984), o habitus opera inconscientemente, levando os indivíduos a internalizar as normas e expectativas sociais de maneira automática, sem uma reflexão crítica consciente. Isso significa que a identidade escolar não é simplesmente uma escolha individual, mas é condicionada por disposições adquiridas e reforçadas pelas práticas educativas.

Outro ponto relevante da pesquisa sobre o habitus é a compreensão de como a escola atua como um campo social onde diferentes habitus interagem e se confrontam. Bourdieu (2008) descreve a escola como um espaço de luta simbólica, onde os alunos com diferentes habitus competem por reconhecimento e legitimidade. Essa competição influencia a formação da identidade escolar, pois os alunos são constantemente pressionados a ajustar seu habitus para se conformar às expectativas da escola ou para resistir a elas. A identidade escolar, nesse sentido, é o resultado de um processo dinâmico e contínuo de negociação entre o habitus dos alunos e as exigências impostas pelo campo educacional.

A pesquisa sobre o habitus também destaca a importância das práticas pedagógicas e curriculares na formação da identidade escolar. As metodologias de ensino, os conteúdos curriculares e as interações pedagógicas são todas práticas que moldam o habitus dos alunos e, consequentemente, influenciam a construção de suas identidades.

Como aponta Lahire (1997), as práticas pedagógicas que promovem a inclusão e a valorização da diversidade têm o potencial de transformar o habitus dos alunos, permitindo que eles desenvolvam identidades escolares mais positivas e autênticas. Por outro lado, práticas que reforçam estereótipos e desigualdades podem contribuir para a formação de identidades escolares marginalizadas ou estigmatizadas.

A pesquisa sobre o habitus oferece uma perspectiva valiosa para a elaboração de políticas educativas que visam promover a equidade e a inclusão no ambiente escolar. Ao compreender como o habitus influencia a formação da identidade escolar, educadores e formuladores de políticas podem desenvolver estratégias pedagógicas que desafiem as desigualdades sociais e incentivem a formação de identidades escolares positivas.

Segundo a pesquisa sugere-se, a transformação das práticas educativas é essencial para romper com a reprodução das desigualdades e promover uma educação mais justa e inclusiva. Portanto, a pesquisa sobre o habitus não apenas contribui para a compreensão teórica da identidade escolar, mas também oferece percepções práticos para a melhoria das práticas educativas.

As contribuições da pesquisa sobre o conceito de habitus para a compreensão da identidade escolar são amplas e profundas. O habitus fornece uma explicação sociológica robusta para a maneira como as identidades escolares são formadas e moldadas pelas estruturas sociais e práticas educativas. Ao revelar a relação entre habitus, capital cultural e práticas pedagógicas, a pesquisa sobre o habitus ilumina os processos de reprodução social que ocorrem no ambiente escolar e oferece caminhos para a promoção de uma educação mais equitativa. Através dessa lente, a identidade escolar é vista não apenas como um reflexo das características individuais dos alunos, mas como um produto complexo de disposições internalizadas que são constantemente negociadas e transformadas no campo educacional.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O artigo proposto teve como objetivo analisar o impacto do habitus na formação das identidades no ambiente escolar, utilizando o conceito desenvolvido por Pierre Bourdieu como uma lente teórica para compreender os processos pelos quais as disposições sociais e culturais dos alunos são moldadas e reproduzidas na escola.

Ao longo da discussão, foi demonstrado que o habitus, enquanto um conjunto de disposições internalizadas, desempenha um papel crucial na maneira como os alunos percebem a si, seus colegas e o ambiente escolar, influenciando diretamente a construção de suas identidades.

Ao retomar os objetivos iniciais, é possível afirmar que a pesquisa cumpriu seu propósito ao evidenciar que o habitus influencia não apenas as práticas e atitudes dos alunos, mas também como as identidades são construídas e reforçadas no ambiente escolar. Como foi pesquisado que o habitus é formado através da internalização das estruturas sociais e das práticas culturais, o que significa que as identidades escolares são, em grande medida, reflexos das desigualdades e das hierarquias sociais presentes na sociedade em geral.

Diante dos achados deste artigo, torna-se evidente a importância de desenvolver práticas pedagógicas que transformem o habitus dos alunos, promovendo a inclusão e a valorização da diversidade no ambiente escolar. Nesse sentido, os educadores têm um papel fundamental na construção de identidades escolares mais inclusivas, ao criar espaços de aprendizagem que valorizem as diferentes experiências e conhecimentos dos alunos, em vez de simplesmente reproduzir as normas da classe dominante.

As considerações aqui apresentadas indicam que, para avançar na construção de uma educação mais equitativa, é essencial continuar explorando a complexa relação entre habitus, identidade e práticas escolares. Sugere-se que futuras pesquisas se concentrem em identificar estratégias pedagógicas e políticas educacionais que desafiem as disposições do habitus que perpetuam as desigualdades, promovendo, assim, a formação de identidades escolares mais inclusivas e justas.

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VYGOSTSKY, L.S. A formação social da mente. Martins Fontes, 1999


1Bacharel em Teologia e Licenciado em História. Especialista em: Gestão e Docência de Ensino Superior; Metodologia de Ensino de Filosofia e Sociologia; Metodologia de Pesquisa Cientifica; Ensino Religioso e Ciências da Religião – Universidade Federal do Amapá. UNIFAP. E-mail: professorcarlosandre.teologia@gmail.com Currículo Lattes: https://lattes.cnpq.br/7642220799466750 e Orcid: https://orcid.org/0009-0007-9026-3275

2Bacharel e licenciado em história. UNIFAP.  Especialista em história do Brasil – Faculdades integradas de Jacarepaguá – RJ. Mestre em desenvolvimento regional pela UNIFAP. Doutorando em educação pela faculdade interamericana de ciências sociais FIC’s – Paraguai. Professor. E-mail: rosinaipena@bol.com.br Currículo Lattes:  http://lattes.cnpq.br/3280147153645469

3Licenciada em Pedagogia. UNIFAP. Especialista em Gestão Escolar. UNIFAP. Professora. E-mail: dayanneamanajas@hotmail.com

4Licenciado em Matemática e física. UNIFAP. Mestrado UNIFAP. Professor de matemática e física. E-mail:   josue.coelho.freitas@hotmail.com Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5860684597952240