REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th10249301936
José André Júnior*
Maria do Socorro Tinôco Correia
Cristovam Maia Filho
Dione Neves da Silva
Darlene Pereira da Silva
Mauri Alves da Silva Júnior
Calik Gabriel Paula de Jesus
Camilla Sthefny Carneiro e Silva
1. INTRODUÇÃO
O extrativismo de coco babaçu é uma atividade tradicional e sustentável que envolve a coleta dos frutos caídos das palmeiras. O Babaçu é uma palmeira nativa da região amazônica e do cerrado brasileiro. Seus frutos, o coco babaçu, têm uma casca dura e contêm uma polpa rica em óleos e gordura, além de sementes que também são valiosas. A polpa é utilizada para a produção de óleo, que é amplamente utilizado na culinária e na indústria cosmética. As sementes também podem ser processadas para obter óleo ou ser usadas como biomassa. Em Babaçulândia, uma cidade localizada no Norte do Tocantins, o extrativismo do coco babaçu desempenha um papel importante para a economia local e para as comunidades que dependem desse recurso.
As atividades extrativistas de azeite de coco se encaixam diretamente em grupos e tradições culturais que produzem nas suas experiências cotidianas, seus saberes para transpor problemas e desenvolver técnicas para apoiar a produção e venda de azeite. Nesse contexto, a etnomatemática, ao promover uma visão mais inclusiva do ensino da matemática, reconhecendo que todos os povos e culturas possuem algum tipo de saber matemático, pode ser contextualizada e trabalhada nas salas de aula da EJA, das escolas de Babaçulândia. Muitas vezes diferente da matemática formal, mas igualmente valioso, a etnomatemática ajuda a mostrar que a matemática não é um conhecimento abstrato e distante, mas algo que pode ser encontrado nas práticas cotidianas de todas as sociedades.
A matemática está presente no dia-a-dia das pessoas, que às vezes sem perceberem, a utilizam de formas diversas ao comprar ou vender algo, controlar a temperatura do forno, medir o volume de água para realizar alguma tarefa etc.
Dessa forma, o objetivo deste trabalho é entender como os conhecimentos matemáticos dos produtores de azeite de coco babaçu, que frequentam as salas de aula da EJA nas escolas estaduais do município de Babaçulândia-TO, influenciam seu processo de aprendizagem.
D’Ambrosio (2010) em seus estudos sobre Etnomatemática argumentou que a matemática sempre esteve ligada a cultura dos povos e suas tradições. Para Lima et al. (2023), essa abordagem teórica busca compreender como as necessidades de resolução de problemas, que envolvem comparação, classificação, ordenação, medição e quantificação, estão presentes no cotidiano de grupos culturais determinados.
Por outro lado, Pissetti e Soares (2022) sustentaram que a prática do ensino da matemática, por estar apoiada em informações sobre resultados formalizados, definições e procedimentos de cálculos, regras e fórmulas, em muitas ocasiões, são desconectadas dos significados e dos fundamentos que geraram o conteúdo, objeto de estudo, priorizando estruturas prontas e já formalizadas, regras e algoritmos, dessa forma, o aluno aprende a empregar símbolos, fazer cálculos e executar algoritmos, na maioria das vezes sem refletir sobre esses procedimentos e, muito menos, relacionar o que aprende com as situações do cotidiano ou fenômenos da realidade que o cerca.
Nesse contexto, Santos et al. (2020, p. 983) afirmaram que:
[…] por conta da pouca contextualização realizada nas aulas de matemática, ela acaba ganhando uma conotação de “ciência isolada”, em que a formalidade e as regras acabam contribuindo tanto para dificultar que os estudantes realizem cálculos matemáticos como também contribuem para que estes não aprendam os conteúdos vistos em sala de aula.
Portanto, é razoável admitir que o ensino de matemática deve ultrapassar sua abordagem formal, incorporando práticas que promovam o desenvolvimento de competências e atitudes necessárias. Essas práticas são fortalecidas pelo pensamento lógico e estruturado, pela análise crítica, pela construção de ideias, pela coerência no raciocínio e pela habilidade de representar situações e fenômenos do mundo real.
2. DESENVOLVIMENTO
Historicamente, o extrativismo do babaçu tem sido uma fonte vital de sustento para muitas famílias, especialmente para as quebradeiras de coco, em sua maioria mulheres. Essas comunidades não só dependem da coleta e do processamento do coco babaçu para produzir óleo, farinha, carvão e outros produtos, como também aplicam conhecimentos matemáticos em suas práticas cotidianas.
Hoje, o extrativismo do babaçu continua a ser uma atividade econômica vital em Babaçulândia e outras regiões do Tocantins, contribuindo para a sustentabilidade ambiental e o desenvolvimento socioeconômico das comunidades locais. Neste contexto, a etnomatemática está presente nas técnicas de medição, contagem e organização usadas no processo produtivo, como a estimativa de quantidades de coco coletadas, a divisão do trabalho entre as participantes e o cálculo das proporções exatas para a produção dos derivados do babaçu, refletindo um saber matemático inserido em seu contexto cultural. Essa integração mostra como a matemática está presente de maneira natural e prática nas atividades culturais das comunidades, reforçando a importância de reconhecer esses saberes tradicionais.
Atualmente, o município de Babaçulândia conta com duas escolas estaduais que oferecem turmas de EJA, onde cerca de 60% dos alunos estão envolvidos em atividades relacionadas ao extrativismo do babaçu. A maioria desses alunos são mulheres, que coletam e transportam os cocos em cofos, um tipo de cesto tradicionalmente utilizado, feito de palha trançada.
Durante o processo investigativo, foram realizadas atividades práticas com base na produção de azeite de babaçu entre os alunos da EJA. Após a aula, foram propostos questões e situações-problema relacionados à comercialização do azeite produzido pelos alunos. De forma surpreendente, eles resolveram todos os cálculos matemáticos e demonstraram uma notável habilidade em lidar com troco, apesar de não dominarem formalmente a leitura e a escrita. D’Ambrosio (2018) argumentou que as pessoas são condicionadas a pensar que é difícil aprender matemática, mesmo entre os mais jovens. Sobretudo, relatou o autor, que a escola sempre atribuiu um caráter rigoroso a ela. Então pensar numericamente se tornou uma atividade abstrata e distante da realidade. Diante disso é possível atribuir que a dificuldade relatada no aprendizado da matemática pelos alunos da EJA se enquadre nessa situação.
Como mencionado por D’Ambrosio (1990) “é importante reconhecer na etnomatemática um programa de pesquisa que caminha juntamente com uma prática escolar”. Nesse entendimento, a Etnomatemática favorece a suplantação do modelo pedagógico tradicional, positivista e cartesiano, com consequências nos processos de ensino aprendizagem da matemática escolar, para horizontes além dos limites disciplinares. Os etnomodelos êmicos podem ser considerados como as análises e as descrições de características retiradas do cotidiano do grupo cultural em estudo, que são significativos e importantes para aqueles que estão sendo modelados (CORTES, 2017).
Esse autor é corrobora com Silva (2020, p. 45), ao afirmar que:
[…] Elas [as quebradeiras de coco] usam um conhecimento matemático próprio, algo que é repassado por meio da experiência, e que mesmo sendo aparentemente divergente da matemática acadêmica, há uma relação entre ambas, pois na maioria das vezes os cálculos feitos mentalmente por essas mulheres não divergem dos cálculos e resultados realizados com as fórmulas estabelecidas academicamente.
Vale ressaltar que os talentos para resolver problemas na extração e venda do azeite de coco babaçu, engloba cálculos mentais, contagem e algoritmos que lhes são peculiares (Silva, 2020).
3. CONCLUSÃO
Os Alunos das salas da EJA das escolas de Babaçulândia carregam saberes e fazeres etnomatemáticos relacionados ao extrativismo, à produção e comercialização do azeite de coco babaçu, entre eles os conhecimentos que envolvem medição, quantificação, razão e proporções, tempo e margem de lucro, que desmistificam a ideia de que a matemática é difícil.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CORTES, Diego Pereira de Oliveira. Etnomodelos como uma ação pedagógica: sugestões para a prática docente em sala de aula (2015-2017). Dissertação (Mestrado Profissional em Educação Matemática) – Instituto de Ciências Exatas e Biológicas-ICEB. Departamento de Educação Matemática-DEEMA. Ouro Preto, MG: UFOP, 2017.
D’AMBROSIO, Ubiratan. [et al]. Etnomatemática: Elo entre as tradições e a modernidade. 6ª Edição. Belo Horizonte, Editora Autêntica, 2010.
D’AMBROSIO, Ubiratan. Etnomatemática, justiça social e sustentabilidade. Revista Estudos Avançados, São Paulo, v. 32, n. 94, p. 1-20, 2018.
D’AMBROSIO, Ubiratan. Etnomatemática: Arte ou técnica de explicar e conhecer. 1ª Edição. São Paulo, Editora Ática, 1990
PISSETTI, Schayla Letyelle Costa, DO SACRAMENTO, Soares. A etnomatemática desenvolvida por uma costureira: Possibilidades e inspirações para práticas pedagógicas de ensino da Matemática. Revista de Ensino de Ciências e Matemática, São Paulo, REnCIMa, v.13, n.4, p.1-121, 2022.
SANTOS, Ângela Maria, CUNHA, Antônio Ledo Alves, CERQUEIRA, Paula. O matriciamento em saúde mental como dispositivo para a formação e gestão do cuidado em saúde. Revista Estudos Avançados, Rio de Janeiro, v. 30, n. 4, p. 1-20, 2020.
SILVA, Carla Taís Pereira. BABAÇU LIVRE: entre o racismo ambiental e a proteção ao modo de vida das quebradeiras de coco babaçu (2015-2020). Monografia (Bacharelado em direito) – Centro Universitário Unidade de Ensino Superior Dom Bosco. São Luís, MA: UNDB, 2020.
*Dados do primeiro autor:
Graduado em Matemática Licenciatura no Centro Universitário Cidade Verde (UNICV)
Nome para citação: ANDRÉ JÚNIOR, J.
Orcid iD: https://orcid.org/0009-0008-1119-7685