PROCESSOS DE CONSTRUÇÃO DA AUTONOMIA DISCENTE NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR 

PROCESSES OF BUILDING STUDENT AUTONOMY IN THE CONTEXT OF HIGHER EDUCATION

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202409272305


Andréia Borges Andrade1
Marinalva Lopes Ribeiro2


RESUMO 

O estudo, de abordagem qualitativa, adota entrevistas semiestruturadas na produção dos dados e tem como objetivo compreender a partir das representações de professores do curso de Bacharelado em Administração da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), como a prática docente desses sujeitos contribui com a formação da autonomia dos estudantes. Os resultados sinalizam que esses profissionais, em sua maioria, não tiveram na sua formação inicial ou na pós-graduação disciplinas relacionadas à pedagogia universitária, que os ajudassem no exercício da docência. Constatamos que eles demonstraram sofrer influências da racionalidade instrumental, marcada pelo paradigma tradicional. Portanto, faz-se necessário a formação docente continuada, de modo que possam desenvolver experiências em sala de aula que contribuam para a autonomia discente. 

Palavras-chave: Autonomia discente; Prática docente; Representações sociais

ABSTRACT 

This qualitative study employs semi-structured interviews for data collection and aims to understand, based on the representations of professors from the Bachelor’s Degree in Administration at the State University of Feira de Santana (UEFS), how the teaching practices of these individuals contribute to the development of student autonomy. The results indicate that the majority of these professionals did not have subjects related to university pedagogy in their initial or postgraduate training that would assist them in their teaching practice. We found that they are influenced by instrumental rationality, marked by the traditional paradigm. Therefore, continuous teacher training is necessary to help them develop classroom experiences that contribute to student autonomy. 

Keywords: Student autonomy; Teaching practice; Social representations 

Introdução 

O debate a respeito da formação da autonomia discente ganha centralidade no contexto educacional contemporâneo, principalmente porque já não se aceitam mais sujeitos subalternos que, agindo como autômatos, recebem ordens para executar tarefas. 

Ao contrário, espera-se que os estudantes sejam orientados para conhecer os processos envolvidos na aprendizagem e na resolução de problemas de forma autônoma. Nos últimos anos, como fruto de políticas de inclusão, a universidade pública tem recebido estudantes, os quais fazem parte de minorias que tiveram seus direitos negados historicamente: uma diversidade étnica, sexual, de gênero, social e cultural. Uma constatação deste fato é apresentada no Relatório de Atividades 2022 da Universidade Estadual de Feira de Santana, instituição pesquisada. Este relatório aponta que em 2022.2, dos 9.335 alunos da graduação ativos, 4.979 eram cotistas. No curso de graduação em Administração, dos 442 estudantes ativos, 225 eram cotistas (Uefs, 2023). 

Assim, é posta à educação o desafio de refletir sobre ações formativas emancipatórias em contraposição à cultura hegemônica, buscando assegurar a mobilidade e a formação da autonomia dos mais diferentes grupos sociais. Na prática educativa é inadmissível vislumbrar uma sociedade que supere o ensino caracterizado pela reprodução ideológica e atuar como mediadora e humanizadora, a fim de superar uma sociedade marcada por injustiças, desigualdades, dominação e exclusão de direitos. Seria dar à educação a importância que deva ter na formação de novas gerações para que reivindiquem uma nova organização social, uma educação transformadora e libertadora que oriente os estudantes para tal, pois uma pessoa autônoma, consegue desenvolver suas próprias estratégias de aprendizagem e de resolução de problemas diante dos desafios vivenciados ao longo da vida. 

A autonomia dos estudantes pode ser prevista no próprio currículo dos cursos universitários, como anunciam Jung, Duarte e Silva (2020). Segundo tais autores, o currículo possui multirreferenciais que precisam levar em consideração as características dos estudantes, de modo a conceder-lhes protagonismo no seu desenvolvimento formativo. Além disso, tal currículo precisa pautar-se no diálogo e na formação do pensamento crítico. 

Afora o currículo, a autonomia dos estudantes pode ser prevista no próprio Projeto Pedagógico, como ocorre na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília o qual, a partir de 2012, prevê a construção de uma educação jurídica democrática na medida em que valoriza a subjetividade e o desenvolvimento da autonomia discente nos processos pedagógicos (Costa; Frota, 2013). 

Outro aspecto que merece destaque, segundo Behrens e Junges (2018), na universidade, normalmente muitos docentes exercem funções no mercado de trabalho em alguma área específica relacionada à sua formação e, paralelamente, atuam como docentes. Entretanto, é comum identificar lacunas relativas à formação pedagógica de tais docentes tendo em vista que em sua formação inicial, geralmente em Bacharelado, não receberam os conhecimentos necessários para contribuir com a formação pedagógica dos discentes. Entretanto, àqueles que têm o título de mestre ou doutores destacam-se, em sua grande maioria, mais por suas pesquisas e publicações do que por sua atuação em sala de aula. Tais fatos podem implicar diretamente na prática destes profissionais em sala de aula. 

Nesse sentido, este artigo apresenta resultados de uma pesquisa que teve por objetivo compreender a partir das representações de professores do curso de Bacharelado em Administração da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), como a prática docente desses sujeitos contribui com a formação da autonomia dos estudantes. 

Este trabalho, além da introdução, apresenta as seguintes subseções: o caminho metodológico seguido, considerações sobre a Teoria das Representações Sociais, o conceito de autonomia, autonomia e suas possibilidades no ensino superior e, por fim, os resultados e discussões. 

O caminho metodológico seguido 

Do ponto de vista metodológico, vale destacar que a pesquisa realizada teve um caráter qualitativo. A pesquisa qualitativa contempla questões não quantificáveis, operacionaliza significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, observa e compreende as relações, a sociedade, tentando perceber novas possibilidades para o problema investigado. Em síntese: 

O método qualitativo é adequado aos estudos da história, das representações e crenças, das relações, das percepções e opiniões, ou seja, dos produtos das interpretações que os humanos fazem durante suas vidas, da forma como constroem seus artefatos materiais e a si mesmos, sentem e pensam (Minayo, 2008, p. 57). 

Para obtenção dos dados foi utilizada a entrevista semiestruturada e a técnica “indução de metáforas”. Mazzotti (1998) afirma que uma metáfora é um processo no qual o sujeito participante é convidado a transformar o objeto em algo que se apresenta como uma imagem, possibilitando que as metáforas sejam apresentadas como representação social. 

Foram entrevistados 06 docentes da UEFS, sendo três do sexo feminino e três do sexo masculino. Os professores possuíam idade superior a 41 anos, com cerca de 10 e 25 anos de experiência docente. Todos são graduados em Administração, sendo cinco deles com título de doutorado e somente um professor com mestrado. 

Sobre a complexidade da prática docente e a importância de ouvir os docentes, Franco, afirma que: 

Adentrando na intimidade das práticas docentes, escutando e auscultando os protagonistas deste processo, fui cada vez mais me surpreendendo com as armadilhas e contradições com que se revestem as práticas pedagógicas […] através de gravações, relatos ou depoimentos, os docentes vão, aos poucos, explicitando questões e fazendo perguntas, sentem-se encorajados quando estão juntos e estão sendo ouvidos/ vistos […]. Percebem que, na prática, vão se consolidando histórias e contextos; políticas e formação; e a percepção desse amálgama me leva a considerar as práticas como “espaço de reverberação” das condições institucionais e políticas (Franco, 2023, p. 6). 

As entrevistas foram realizadas de forma presencial, gravadas e transcritas. Com duração entre 10 a 33 minutos. Os discursos foram sucintos e, de certo modo, dificultaram a atividade exploratória por parte do pesquisador, oferecendo poucos elementos para inferência. A análise dos dados foi realizada a partir da Análise de Conteúdo de Bardin (2011). Assim, os recortes foram agrupados por temas para possibilitar a análise e inferência a partir dos discursos dos entrevistados. 

Sob o aspecto ético, a pesquisa teve todos os cuidados, resguardando as identidades dos colaboradores, os quais receberam nomes fictícios: José, Rocha, Maria, Lutero, Maria Luiza, Nelson e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos. 

Considerações sobre a Teoria das Representações Sociais 

Segundo Moscovici (2013), a sociedade apresenta duas formas básicas de se comunicar: uma é o senso comum, que são as representações sociais, e a outra é a científica. Com a primeira, todas as pessoas têm a competência para expressar o conhecimento, são as conversas informais do cotidiano nas quais são compartilhadas opiniões. A segunda representa os conhecimentos que cumprem os protocolos da comunidade científica para serem aceitos (Moscovici, 2013). 

A Teoria das Representações Sociais (RS) tem como intuito identificar concepções ou entendimentos que um grupo ou sujeito tem a respeito de algum conceito ou objeto. A RS não é a reprodução original de um objeto ou situação, são as verdades construídas diariamente pelas pessoas, no âmbito das relações interpessoais. Nesse sentido, a comunicação tem relevante papel na troca de informações, afinal, as pessoas querem falar o que os demais estão falando, são pensamentos que dão sentido à realidade compartilhada, assim, é possível verificar elementos simbólicos que orientam o comportamento do grupo, como as linguagens, imagens e valores. 

No dia-a-dia, as RS, “[…] elas circulam, cruzam-se e cristalizam-se incessantemente, através de uma fala, um gesto, um encontro no cotidiano […]” (Moscovici, 1978, p. 41). Portanto, elas se referem a conceitos, proposições e explicações oriundas do cotidiano das pessoas, são equiparadas aos conhecimentos de senso comum (Moscovici, 1978). Para Jodelet (2001, p. 22), uma das principais colaboradoras de Moscovici, define Representações Sociais, como: “as representações sociais são uma forma de conhecimento socialmente elaborado e compartilhado, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social”. Assim, o novo conhecimento pode provocar reforço ou ruptura das representações sociais. 

Jodelet (1990) atribui para as RS três funções: cognitiva, refere-se aos processos mentais envolvidos na representação de algo, como o sujeito ou grupo significa o objeto novo representado ao repertório mental pelo processo de ancoragem. A função de interpretação que abrange a interpretação do mundo social e a de representação desse novo conhecimento orientando comportamentos sociais, pois o sujeito é afetado pelas interações sociais. E por fim, a função de orientação, que esclarece como acontece a integração dos conteúdos sociais que ao mesmo tempo influencia e é influenciada por determinada realidade. 

Nessa perspectiva se insere a importância aqui atribuída ao estudo das representações sociais para compreender a formação da autonomia do estudante do curso de Administração, uma vez que amplia as possibilidade de análise dos dados, pois a TRS oportuniza conhecer, por intermédio das práticas docentes adotadas, as opiniões e crenças para, dessa forma, compreender a realidade dos sujeitos do nosso estudo 

Refletindo sobre o conceito de autonomia 

Etimologicamente, a palavra autonomia tem origem grega autonomia, formada pelo adjetivo autos, que significa “o mesmo”, “ele mesmo” e “por si mesmo”, e nomos, que significa “compartilhamento”, “lei do compartilhar”, “lei” (Segre; Silva; Schramm, s/d). Assim, a autonomia consiste na capacidade de o sujeito autogovernar-se, conduzir sua vida respaldada em suas próprias leis e valores. 

Filosoficamente, a origem do termo autonomia está associada a Kant para designar a independência de vontade em relação a algo e a capacidade de o sujeito poder decidir conforme as próprias leis ou a sua razão (Abbagnano, 2007). Nesse sentido, a finalidade da autonomia é que o sujeito pense e aja por si. 

A partir da pesquisa das concepções teóricas sobre autonomia, foram identificadas algumas vertentes que tratam esse termo como a autonomia intelectual e moral (Piaget); autonomia como construção na perspectiva pessoal e profissional (Contreras); autonomia como tomada de consciência a partir das interações (Morin); autonomia como competência pessoal (Zabala) e autonomia como libertação dos determinismos sociais (Freire). Vamos detalhar, em seguida, tais posicionamentos e esclarecer a nossa opção. 

Para Piaget (1977), o desenvolvimento da autonomia ocorre de forma integrada e processual, podendo ser considerada como autogoverno. Contudo, tal expressão não pode ser confundida com a condição de o sujeito agir livremente, a seu modo. A autonomia se desenvolve a partir das relações estabelecidas com as pessoas e com o contexto no qual o sujeito está inserido. Piaget (1977) admite que a autonomia não é algo fácil para ser desenvolvido, pois exige o encadeamento de ações para superar relações heterônomas em prol de “[…] um poder que só se conquista de dentro e que só se exerce no seio da cooperação” (Piaget, 1977, p. 321). Para tanto, o sujeito precisa do equilíbrio entre tomar decisões e acatar as normas e valores do grupo ao qual pertence. Assim, a prática pedagógica deve promover simultaneamente atitudes de natureza intelectual e moral, de modo que tais atitudes desenvolvidas conjuntamente sejam expressas por meio de condutas autônomas nos âmbitos moral e intelectual, sendo reflexo de uma autonomia que se desvela nessas duas esferas. Porém, a autonomia intelectual pode ser reconhecida a partir de seus aspectos exteriores e de certas condições de adaptação ao mundo social, por exemplo, quando o sujeito reconhece que não está no centro de suas relações e acata ideias diferentes das suas. 

Para Contreras (2002), a autonomia, seja na perspectiva profissional ou pessoal, não pode ser analisada de maneira individual, como se fosse uma capacidade inata, pois, na verdade, é uma construção: 

A autonomia profissional como pessoal não se desenvolve nem se realiza, nem são definidas pela capacidade de isolamento, pela capacidade de “se arranjar sozinho”, nem pela capacidade de se evitar influências ou relações. A autonomia se desenvolve no contexto de relações, não de isolamento (Contreras, 2002, p. 199). 

Para defender tal posicionamento, ao conceituar autonomia, Contreras (2002, p. 92) exemplifica alguns perfis de profissionais que nos ajudam a compreender o conceito de autonomia. Para o especialista técnico, a autonomia é concebida como, “[…] autoridade unilateral do especialista. Não ingerência. Autonomia ilusória: dependência de diretrizes técnicas, insensibilidade para os dilemas, incapacidade de resposta criativa diante da incerteza”. O profissional reflexivo técnico concebe a autonomia com o enfoque moral e individual. Contudo, esse profissional considera os diferentes pontos de vista, busca o “[…] equilíbrio entre a independência de juízo e a responsabilidade social. Capacidade para resolver criticamente as situações-problemas para realização prática das pretensões educativas” (Contreras, 2002, p. 192). Para o intelectual crítico, a autonomia é compreendida como emancipação, ou seja, liberação profissional e social das opressões. Esse profissional, por meio da consciência crítica, busca a superação das distorções ideológicas, compreendendo a “[…] autonomia como processo coletivo (configuração discursiva de uma vontade comum), dirigido à transformação das condições institucionais e sociais […]” do ambiente de trabalho (Contreras, 2002, p. 192). O indivíduo que age como “profissional crítico” tem como premissa sua emancipação, liberdade, autonomia, ao tempo em que respeita e dialoga com o coletivo, ao contrário do “especialista técnico”, que concebe a autoridade unilateral. 

Morin (2002) também aborda o tema autonomia em seus escritos, asseverando que o conceito de autonomia deve ser pensado de forma sistêmica e interdependente, o que implica interações que cada sujeito tem ao longo da vida. O sujeito só se torna autônomo a partir das relações culturais e sociais estabelecidas, “[…] nós dependemos de uma educação, de uma linguagem, de uma cultura, de uma sociedade, dependemos claro de um cérebro, ele mesmo produto de um programa genético, e dependemos também de nossos genes” (Morin, 2006, p. 66). Essa reflexão pode aparentar ausência de autonomia, mas, ao tempo que o sujeito interage, ele desenvolve a capacidade de avaliar as circunstâncias, fazer escolhas e tomar decisões (Morin, 2006). Assim, ser autônomo é o sujeito que, a partir das interações estabelecidas, toma consciência de sua realidade, a fim de melhorá-la. 

Para Zabala (1998; 2010), a autonomia aparece ao lado das ideias de responsabilidade, capacidade crítica, cooperação e liberdade, como uma competência pessoal que pode ser desenvolvida para que os indivíduos atuem em diferentes contextos. Em relação ao termo competência, na perspectiva educacional de Zabala (2010), coaduna com o entendimento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), para este autor: 

Cada competência é a combinação de habilidades práticas, conhecimentos (incluindo os implícitos), motivação, valores éticos, atitudes, emoções e outros componentes sociais e comportamentais que podem se mobilizar conjuntamente para que a ação realizada em determinada situação possa ser eficaz (Zabala, 2010, p. 32 apud OCDE – PROJETO DESECO, 2002, p. 8) 

Dessa forma, o termo competência dialoga com as ações contextualizadas, quando aplicada a determinadas situações reais. Assim, os docentes devem tê-la em vista em suas propostas educativas, em todas as unidades didáticas, não apenas em relação aos conteúdos, mas envolvendo procedimentos e atitudes, a fim de que os estudantes assumam responsabilidades com sua própria aprendizagem e as utilizem na vida pessoal e profissional. 

Por fim, a partir do discurso de liberdade, encontramos em Freire (2016a, 2016b, 2016c) a autonomia como um dos elementos centrais, de forma que a formação da autonomia do sujeito é uma experiência de libertação. Assim, ser autônomo é quando o sujeito toma posse da realidade e, a partir do conhecimento, busca transformá-la. Por meio de um processo de tomada de consciência, a autonomia significa libertar-se, sobretudo dos determinismos sociais. Porém, essa liberdade é conquistada de forma processual, a partir das interações e vivências. Assim: 

Ninguém é sujeito da autonomia de ninguém. Por outro lado, ninguém amadurece de repente, aos 25 anos. A gente vai amadurecendo todo dia, ou não. A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser. Não ocorre em data marcada. É neste sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas da liberdade (Freire, 2016a, p. 105). 

Neste trabalho, foram assumidas as perspectivas dos autores Freire, Morin e Zabala, pois consideramos que são abordagens complementares para a análise dos dados produzidos na pesquisa que ora apresentamos, tendo em vista que estão alinhados à perspectiva da complexidade da Teoria das Representações Sociais e do Ensino Superior. 

Diante do exposto, destaca-se o relevante papel da educação no processo formativo da autonomia do sujeito, inclusive no Ensino Superior, percebe-se que a prática educativa, enquanto fenômeno social, é também um ato técnico e um ato político, dialeticamente relacionado (Rios, 2006), ou seja, não atua de forma neutra. Portanto, é fundamental formar profissionais críticos e autônomos. Assim, vamos nos ater mais detalhadamente na explicitação da relação entre o ensino superior e a formação da autonomia. 

Autonomia e suas possibilidades no ensino superior 

Nesta seção, há destaque para a necessidade de uma educação que promova a autonomia no ensino superior. Na obra de Morin (2000, 2002), Freire (2016a, 2016b, 2016c) e Zabala (1998, 2002, 2010) encontramos elementos norteadores para a construção de uma educação emancipatória, eticamente comprometida com a humanização dos sujeitos, visando ao desenvolvimento da consciência crítica para a formação de sujeitos capazes de exercer sua cidadania, além de valorizar a horizontalidade dos saberes. Esse tipo de proposta de educação salienta a relevância do diálogo para a formação de sujeitos autônomos, conscientes da sua realidade. 

Paulo Freire (2016, 2016b, 2016c) discute a necessidade de construirmos um novo modelo de sociedade, em que o diálogo, a ética, a liberdade e a emancipação permeiam por todos os espaços. Ao preconizar a dialogicidade como elemento essencial para humanizar as relações, Freire acredita que, a partir do processo educativo dialógico, pode ser despertado nos sujeitos a consciência de mundo e de educação emancipatória, fundamentalmente opositora ao modelo de educação bancária. A educação emancipatória tem o papel de desenvolver a autonomia e a criticidade dos educandos para possibilitá-los atuar como sujeitos históricos. 

Nesta perspectiva, Morin (2002) defende que a sociedade deve buscar a superação da fragmentação do conhecimento, a fim de reconciliar o pensamento científico e o pensamento humanista, dissociados pelo paradigma tradicional. Assim, o estudioso francês propõe uma nova educação que possibilite a formação de cidadãos em tempos de incertezas, contemplando suas múltiplas dimensões, incluindo a sua autonomia e emancipação. 

As percepções de Morin (1998, 2000, 2002) e de Freire (2016a, 2016b, 2016c) vão de encontro à educação tradicional, que tem como pressupostos o professor como detentor do saber e o estudante como um agente passivo que recebe as informações de fora, o que contribui para a formação de sujeitos acomodados, acríticos, pouco participativos, vulneráveis à manipulação. Esse modelo de educação é reprodutor de desigualdades, pois quando a educação não promove o diálogo, dificulta a apropriação e reconstrução do conhecimento, comprometendo as possibilidades de o sujeito formar-se cidadão autônomo. Vejamos o que propõe Freire para a pessoa tornar-se sujeito: 

É preciso que a educação esteja – em seu conteúdo, em seus programas e em seus métodos – adaptada ao fim que se persegue: permitir ao homem chegar a ser sujeito, construir-se como pessoa, transformar o mundo, estabelecer com os outros homens relações de reciprocidade, fazer a cultura e a história (Freire, 2016a, p. 39). 

A perspectiva educativa de Freire objetiva que o sujeito se aproprie do diálogo, do conhecimento e da reflexão a partir de sua realidade, de modo que possa superar a condição que lhe foi imposta e lhe negou oportunidades. Com efeito, Freire se refere ao processo de conscientização para os sujeitos superarem a condição de excluídos que foram historicamente submetidos. Dessa forma, ao defender a educação dialógica, problematizadora e libertadora, Freire demonstra acreditar na transformação social e, sobretudo, na possibilidade de a educação inserir e incentivar o sujeito a ser participativo em variadas esferas da vida, o que depende da sua conscientização. 

Diante das necessidades apontadas anteriormente, no que diz respeito à autonomia, Martín (s/d) destaca que a universidade tem uma dupla função: a preparação acadêmica e profissional dos estudantes. Nesse diálogo entre conhecimento científico e preparação profissional, a universidade deve promover a formação intelectual, tendo em vista as competências específicas da profissão e as competências do campo pessoal, dentre elas, a autonomia. 

Portanto, a formação da autonomia é um processo cíclico e gradativo, pois, quanto mais são exercidas atividades que estimulem a autonomia, mais o indivíduo terá recursos conscientes para seguir gerando o conhecimento de forma autônoma e continuar aprendendo ao longo da vida (Pozo; Mateos, 2009; Zabala, 2010). 

Nesse sentido, a universidade, na condição de espaço privilegiado de aprendizagem, pode contribuir para a formação do indivíduo autônomo. Monereo e Pozo (s/d) defendem que a autonomia do estudante deve ser o objetivo fundamental do ensino na universidade com intuito de formar pessoas cultas, cidadãos honestos, líderes, bons pesquisadores, sujeitos autônomos e capazes de tomar decisão, interpretando e operando o mundo através de significados e procedimentos aprendidos na universidade. 

Resultados e discussão 

Apresentamos, a seguir, alguns achados da pesquisa, os quais serão discutidos à luz dos referenciais teóricos. 

Sentidos de autonomia 

Neste trecho, inserimos parte dos discursos dos sujeitos entrevistados que dizem respeito aos sentidos atribuídos ao termo autonomia e suas condições de produção. Quanto às respostas dos participantes referentes às concepções de autonomia identificamos dois tipos, sejam elas: autonomia como conscientização e autonomia como um atributo pessoal. Seguem os excertos que ilustram tais achados. A autonomia como consciência foi identificada na fala de Maria Luiza: 

Autonomia é ter consciência de si e do seu lugar no mundo, da sua realidade, da sua relação com o outro, com seu estudo, sua profissão.
É ser autor da sua própria história. E que a universidade pode oportunizar meios do estudante ser preparado para tal (Maria Luíza, entrevista). 

Deste modo, podemos destacar o entendimento de autonomia como conscientização do sujeito e seu papel social, proposta essa é harmonizada com o pensamento de Freire ao corroborar que a formação da autonomia perpassa pelo despertar da consciência e apropriação da realidade de maneira libertadora (Freire, 2016). Em Freire, a partir do discurso de liberdade, encontramos a autonomia como um dos seus elementos centrais. Notamos que a formação da autonomia do sujeito deriva de experiências formativas que o sujeito vivencia de libertação, independência e luta pela democracia. 

Para outro colaborador da nossa pesquisa, 

O sujeito autônomo é aquele que consegue realizar as tarefas acadêmicas com independência, sem precisar do auxílio continuado do docente (Rocha, entrevista). 

Todavia, o professor Nelson considera difícil intervir na sala de aula porque, segundo explicita, o estudante já vem condicionado: 

Um negócio bem difícil o docente intervir na autonomia do estudante, tendo em vista que o mesmo já vem de uma vida condicionada a um determinado comportamento que é difícil de mudar (Nelson, entrevista). 

Outro docente entrevistado pondera sobre a complexidade da formação da autonomia do estudante, como podemos ver no excerto a seguir: 

A autonomia tem sua complexidade porque o sujeito tem outras influências, deste modo não sei exatamente se contribuo para o desenvolveria a autonomia (José, entrevista). 

Maria entende autonomia como “aprendizagem continuada, é o sujeito continuar aprendendo.” 

Por meio dos discursos, foi possível conhecer as representações docentes sobre autonomia. A relevância dessa ação se dá porque representar ultrapassa meras formulações de conceitos acerca de um determinado fato. A representação norteia os comportamentos dos indivíduos em relação ao objeto social. 

Todavia, como podemos inferir, em alguns casos, os docentes participantes da pesquisa não demonstraram consciência que suas ações são influenciadas por suas representações sociais e que a sua prática, enquanto docentes, pode contribuir efetivamente para que os estudantes permanecem reféns da sociedade que dita normas e de professores que não têm consciência do seu papel, quando afirmam que: “não sei exatamente se contribuo para o desenvolvimento da autonomia, como nos diz José. 

E Lutero, afirma que: 

o estudante não está preparado para ser autônomo. Quem não sabe como está sendo conduzido, levado? Volto à questão da autonomia, da possibilidade na realidade, eu vejo que os alunos não sabem que eles podem criar” (Lutero, entrevista). 

O docente não anuncia de forma clara o sentido que atribui ao termo autonomia, mas considera que os estudantes não estão aptos para serem sujeitos autônomos. Considerando que a formação da autonomia é uma conquista processual, contínua e cumulativa, que é o “[…] amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser […]” (Freire, 2016b, p. 41), há possibilidade para a intervenção docente, ainda que os estudantes tenham vivências sem estímulo para tal competência. Especialmente se pensamos em um ensino para a complexidade, isso implicará a necessidade de formar sujeitos hábeis para responderem às questões que a vida lhes coloca em todas as dimensões. 

Evidentemente, se o estudante não está preparado, é papel do professor propiciar atividades em sala de aula que estimulem o desenvolvimento do diálogo entre os estudantes e ele próprio, a colaboração entre colegas que dominam determinados pontos do conteúdo com aqueles que ainda não aprenderam, de modo a contribuir efetivamente para a emancipação dos sujeitos que adentraram a universidade na atualidade, de modo que possam transformar a realidade, caso seja necessário. 

Assim, concordamos com a representação de autonomia apresentada pela docente Maria Luiza ao afirmar que: 

Autonomia é ter consciência de si e do seu lugar no mundo, da sua realidade, da sua relação com o outro, com seu estudo, sua profissão.
É ser autor da sua própria história. E a universidade pode oportunizar meios do estudante ser preparado para tal (Maria Luiza, entrevista). 

Para a mesma docente a autonomia é representada como uma possibilidade a ser desenvolvida. A docente não se exime desse compromisso quando afirma que a universidade “deve oportunizar meios” para que isso ocorra. Além disso, a professora afirma, em seu discurso, que ser autônomo é quando o sujeito toma consciência de si por meio de experiências interativas emancipadoras. Outro aspecto de destaque na representação da referida docente é que, embora ela associe o desenvolvimento da autonomia à formação profissional, no caso do estudante de Administração, a professora consegue reconhecer o alcance do termo para além da perspectiva funcionalista, de modo que representa a autonomia como faculdade subjetiva individual e coletiva que fortalece as forças sociais dos sujeitos envolvidos, possibilitando-os serem agentes de suas próprias histórias. A importância dessa perspectiva pode ser destacada por se tratar de estudantes-trabalhadores de um curso noturno que necessitam problematizar a sua própria história. 

Quanto aos professores Nelson e José, ambos compartilham de representações similares. Para Nelson, o termo autonomia “é um negócio bem difícil o docente intervir na autonomia do estudante, tendo em vista que o mesmo já vem de uma vida condicionada a um determinado comportamento que é difícil de mudar” (Nelson, entrevista). Já para José, autonomia tem sua complexidade porque “o sujeito tem outras influências […] não sei exatamente se contribuo para o desenvolvimento da autonomia” (José, entrevista). 

De fato, os estudantes vivem em diferentes grupos nos quais compartilham saberes em suas conversações. Por exemplo, aprendem que a classe social baixa não alcança um objetivo na vida, que estudar é complicado, que não vão conseguir, que universidade é lugar para pessoas inteligentes, entre outras representações sociais que circulam em nossa sociedade. Todavia, para Moscovici (2013) vivemos em uma sociedade cambiante, dinâmica e portanto o indivíduo pode sofrer as representações do seu grupo, mas há lugar, também, para a construção de representações individualizadas, pois o sujeito também pode diferenciar-se dessas representações construídas na escola, na igreja ou na família, na medida em que, em contato com a realidade em constantes mudanças, vai escutando a mídia, lendo os jornais e participando de outros grupos de modo que aos poucos é possível perceber que, como negro, mulher ou outra minoria, pode construir uma identidade diferente daquela que foi impregnada de que mulher “é burra” ou de que “negro quando não suja na entrada, suja na saída”, como por exemplo. Desta forma, os professores precisam acreditar na possibilidade de contribuir para mudar as representações dos estudantes trabalhadores e desenvolverem estratégias neste sentido, o que verdadeiramente não é simples. 

Conforme Zabala (2010), há uma certa complexidade para contribuir com a formação da autonomia, tendo em vista que simplesmente uma disciplina não dá suporte epistemológico para desenvolver algumas competências abstratas, como a autonomia, por exemplo. Bem como apenas uma unidade didática não é suficiente. Entretanto, os docentes podem desenvolver ações planejadas de maneira que selecionam os conteúdos a partir das competências que desejam formar, além daquelas técnicas, para que, conjuntamente, possam desenvolver a reflexão crítica, com vistas a superar a visão simplificadora, estimulando os estudantes a se decidirem baseados no diálogo e na reflexão. Afinal, é papel da educação estimular que os estudantes pensem por si, emancipem-se e, por meio do conhecimento, transformem a si mesmos e sua realidade. 

Contudo, segundo Zabala (2010), para que o sujeito consiga desenvolver tais competências é fundamental que ele passe pelo “[…] autoconhecimento, pela criação do autoconceito e da autoestima […]” (Zabala, 2010, p. 81), porque esses aspectos são imprescindíveis para que cada um consiga manter relações interpessoais de qualidade. A representação do termo autonomia, para Rocha (2017), significa que “o sujeito autônomo é aquele que consegue realizar as tarefas acadêmicas com independência, sem precisar do auxílio continuado do docente”. Nesse sentido, há o consenso entre autores como Morin (1989, 2000, 2002), Freire (2016a, 2016b, 2016c, 2016d) e Pozo (2009) sobre a importância da interação para a formação da autonomia, na medida em que essa condição não é formada no isolamento. De fato, o sujeito autônomo vai, aos poucos, conquistando sua independência. Ensinar para a autonomia é uma transferência progressiva do controle. Inicialmente, o professor faz a mediação das instruções, seguindo por atividades de orientação e práticas cooperativas compartilhadas com a turma, para depois o estudante seguir com sua prática independente. Nesse último momento, o docente pode exercer um papel menos intervencionista, atribuindo mais responsabilidades aos estudantes os apoiando em caso de dúvidas (Pozo; Mateos, 2009). A docente Maria representa autonomia como “aprendizagem continuada, é o sujeito continuar aprendendo”. Conforme Zabala (1998), o crescimento pessoal do sujeito implica diretamente na formação de sua autonomia. Objetivando o aprender a aprender, os estudantes devem assumir responsabilidades para participarem das etapas de resolução dos desafios, em vez de se limitarem a copiar e reproduzir as explicações dadas pelo professor. Inicialmente, o docente deve ser mais colaborativo, mas, à medida que a atividade for se desenvolvendo, o estudante deve ir assumindo a responsabilidade progressivamente, até conseguir aplicar os conhecimentos de forma autônoma. Diante das representações docentes sobre o termo autonomia, retomamos as ideias de Moscovici (1978), quando afirma que as representações transformam a realidade e a forma pela qual pensamos como ela é ou deveria ser. No caso dos docentes do curso de Administração, transformar a representação sobre o termo autonomia, pode implicar uma reflexão e um redimensionamento da prática docente, além de influenciar nas escolhas epistemológicas que darão apoio à sua ação na sala de aula. 

Considerações finais 

O objetivo do estudo foi compreender, a partir das representações sociais de professores do curso de Bacharelado em Administração de uma universidade pública, como a prática docente desses sujeitos contribui com a formação da autonomia dos estudantes. Assim, os resultados desta pesquisa lançam um olhar para as representações de autonomia dos docentes do curso de Administração. A partir dos resultados alcançados e analisados anteriormente, tecemos algumas considerações. 

A maioria dos docentes considerou ser difícil modificar as representações dos estudantes e fazê-los reconhecer que podem ser sujeitos autônomos e autores de suas vidas. Infere-se que tais representações, possivelmente, tiveram sua origem no processo de formação do próprio docente que também é bacharel em Administração. Assim, os docentes, do mesmo modo que os estudantes, apresentam representações que parecem ter sido influenciadas pelas Teorias Administrativas, que fundamentam o curso de Administração e que, em sua maioria, têm como pressuposto a racionalidade instrumental e são marcadas pelo paradigma tradicional. 

Todavia, o mundo organizacional, na atualidade, exige que o administrador atue como líder, seja colaborativo, responsável, tomador de decisões, dentre outras competências, nas dimensões pessoal, interpessoal, profissional e social. Nesse sentido, percebemos alguma divergência entre o que o paradigma da complexidade orienta, o que as organizações demandam e as representações de alguns docentes entrevistados nesta pesquisa. 

Outros docentes declaram que a autonomia corresponde ao sujeito ter consciência de si e do seu papel nas relações que estabelecem, bem como da capacidade que ele tem de agir com responsabilidade, consciência, ética e criticidade. Tais representações contemplam os pressupostos do paradigma da complexidade e o entendimento de Paulo Freire sobre a autonomia dos sujeitos. 

A autonomia do estudante também foi representada como competência inata. Se os professores representam a autonomia dessa forma, a sua ação em sala de aula, evidentemente, seria de não intervir, quer dizer, ele não desenvolveria estratégias voltadas para a formação de atitudes de trabalho em grupo, pesquisa, colaboração, diálogo, dramatização, intervenção na realidade, questionamento e tantas outras que visam fomentar o trabalho em grupos e a formação da autonomia dos discentes. 

A autonomia é representada como “aprender a aprender”, de maneira que o estudante deve aprender a buscar seus próprios conhecimentos, o que se aproxima da concepção de Pozo e Mateos (2009), para quem o professor deve transferir progressivamente a responsabilidade da aprendizagem para o estudante. 

Foi identificado nas representações, que há docentes com práticas coerentes com os pressupostos do paradigma da complexidade, eles valorizam os conhecimentos prévios, as necessidades formativas, as subjetividades e reconhecem a diversidade dos estudantes. Ademais, em suas práticas, alguns docentes reconhecem a importância tanto dos conhecimentos técnicos formativos próprios da profissão, como de despertar para outras competências, como a responsabilidade, o agir criticamente, a transformação da realidade, a cooperação, a liberdade, dentre outras. 

Constatou-se, a partir dos resultados, que alguns docentes aparentam vivenciar uma transição paradigmática. Além disso, ficou evidente nos discursos dos sujeitos pesquisados, que suas representações coadunam com os princípios das abordagens do paradigma tradicional em alguns momentos, mas em outros realizam estratégias que se aproximam das abordagens do paradigma da complexidade. Enfim, reconhecem que algumas estratégias utilizadas não contemplam satisfatoriamente a diversidade e o perfil dos estudantes, por isso ensaiam algumas estratégias ativas, nas quais os estudantes são estimulados a construírem aprendizagens significativas. Todavia, para que essa transição aconteça, é fundamental que os professores universitários busquem aprender com seus pares, dialogar com os colegas sobre a diversificação de estratégias de ensino utilizadas na sala de aula que estão dando certo, a fim de que os estudantes se tornem, progressivamente, mais autônomos. Além dessas trocas com os pares, é essencial que os docentes estudem teorias sobre o ensino-aprendizagem, a fim de fundamentarem suas práticas a fim de inova-las. 

Percebe-se, nas representações dos docentes, que o perfil do estudante do turno noturno tem mudado, alguns chegam às aulas desinteressados com o curso e com a aprendizagem, apresentam cansaço físico, falta de comprometimento e falta de interesse para realizar as atividades, o que dificulta sobremaneira a atuação dos docentes que, muitas vezes, sofrem e se sentem impotentes. De um modo geral, essa representação está naturalizada entre os docentes, contudo, não foi descrito nas narrativas se os docentes tomam medidas diagnósticas para identificar os elementos causadores de tais comportamentos. 

Identifica-se, nas narrativas dos docentes, que eles têm percebido como algumas de suas práticas não têm conseguido alcançar o objetivo de possibilitar uma aprendizagem significativa, isso sugere que alguns desses professores têm refletido sobre a própria prática. Nesse sentido, reconhece-se a necessidade de formação pedagógica de tais sujeitos para que se processe o seu desenvolvimento profissional. 

Outra questão constatada neste trabalho investigativo refere-se ao desconhecimento dos papeis dos docentes na prática educativa. De tal modo, seus discursos evidenciam que alguns professores querem se eximir de suas responsabilidades no processo de ensino e aprendizagem. 

Alguns docentes têm o conhecimento técnico, mas demonstram dificuldades pedagógicas para conduzir o processo de aprendizagem. Entendem que se fornecerem as fontes de pesquisa e apresentarem os desafios aos estudantes, isso já é suficiente. Entretanto, como apresentamos ao longo do texto, as abordagens teóricas do paradigma da complexidade demonstram que o sujeito precisa, em sua formação, ter acesso a componentes conceituais, procedimentais e atitudinais que influenciam na dimensão pessoal, profissional, interpessoal e social; além disso, demonstram, ainda, que a função do professor é mediar o desenvolvimento de tais conhecimentos. 

No que diz respeito às práticas desenvolvidas pelos professores do curso de Administração, percebemos que alguns têm avançado, usando estratégias que favorecem a formação da autonomia dos estudantes. Todavia, outros permanecem com métodos tradicionais que não contribuem para o desenvolvimento da autonomia dos alunos. A fim de que o curso de Administração possa contribuir para a formação da autonomia dos estudantes, seria necessário implementar estratégias coletivas, mediante as quais estudantes e professores pudessem planejar ações para desenvolver tal propósito. 

Dentre as fragilidades de nossa pesquisa, podemos apontar o fato de não termos ouvido os estudantes do curso de Administração, o que seria fundamental para fazermos a triangulação com os dados produzidos a partir das entrevistas com os docentes. 

Esta pesquisa apresenta as seguintes perspectivas: os resultados aqui apresentados podem auxiliar na elaboração de outros estudos relativos à temática contribuir para que docentes bachareis reflitam sobre suas práticas e sobre as políticas de formação continuada do professor bacharel. Outra perspectiva diz respeito ao desenvolvimento de pesquisas que ouçam os estudantes da universidade, especialmente os dos cursos noturnos, sobre suas necessidades formativas, cujos resultados constituam pautas de discussão dos professores. Por fim, uma última perspectiva que destacamos se refere ao fato de que os resultados desta pesquisa devem ser considerados em reuniões de planejamento dos professores do curso de Administração, dentre outros. 

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1Bacharel em Administração, Mestra em Educação, Analista da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Feira de Santana/BA- Brasil. E-mail: andreiaborges@uefs.br 
2Licenciada em Letras e em Pedagogia, Mestra e Doutora em Educação e Professora Permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Feira de SantanaBahia: E-mail: marinalva.biodanza@hotmail.com