CARACTERÍSTICAS DO TRANSTORNO POR USO DE TABACO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202409201653


José Valdeci Almeida Gitirana1; Rosa Maria Batista Pinheiro da Fonseca2; Daphne Costa Gitirana3; Carol Adrea Oliveros4.


RESUMO

O hábito de fumar é uma das maiores causas de morte no Brasil e no mundo. Esse problema de saúde pública reflete nos distintos danos à vida do usuário, provocando variados tipos de cânceres, Doenças Crônicas Não Transmissíveis, Doenças cardiovasculares e pulmonares. Apesar das enfermidades citadas, o maior agravante do uso do tabaco está em seu potencial fator de dependência, e o que poucas pessoas sabem é como as substâncias contidas no cigarro, podem progredir para o Transtorno Pelo Uso do Tabaco (TPUT). Nesse ínterim o estudo pretende responder à pergunta problema: quais as características Transtorno Por Uso de Tabaco? Para responder à problemática, o objetivo do estudo foi abordar o que é o TPUT, por meio da metodologia qualitativa, por uma revisão da literatura, tendo como base teórica o “Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, desordem mental”, estando incluído na pesquisa, estudos publicados nos últimos 10 anos, abordando a temática do Transtorno Por Uso de Tabaco e documentos governamentais sem limite de data de publicação. A coleta dos dados foi realizada pelos sites de busca “Google Acadêmico e Scientific Electronic Library Online (SCIELO)”, com a estratégia de busca utilizando os termos: i) Tabagismo; ii) Transtorno Por Uso de Tabaco; iii) Tratamento para tabagismo. Conclui-se que o hábito de fumar é prejudicial à saúde física e mental, sendo um grave precedente de comorbidades. No entanto, é prevenível e curável, conquanto, precisa ser visto como um transtorno e não somente como um vício, uma vez que provoca milhares, transformações químicas no organismo convergindo para a autoadministração contínua do tabaco.

Palavras-chave: Tabaco. Nicotina. Tratamento. Transtorno.

1 INTRODUÇÃO

O tabagismo é um problema associado a várias Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT), favorecendo também o desenvolvimento do câncer de pulmão (INCA, 2017, INCA, 2021; DSM5, 2014; DSM5, 2022), o qual é mais prevalente em pessoas fumantes, entretanto, os demais tipos de cânceres podem ser provocados, uma vez que a nicotina é transportada para todos os tecidos corporais acarretando problemas biológicos e fisiológicos (DSM5, 2014; DSM5, 2022; MARTINS, 2022).

Para além dos problemas de saúde citados, estão os comprometimentos mentais, sendo o Transtorno Por Uso de Tabaco (TPUT) ocasionado pelo ato de fumar continuamente, resultando na dependência do tabaco ou nicotina (HIRSCH; LANDAU, 2020). Tal dependência está relacionada a um Transtorno Mental e do Comportamento (TMC), derivada da inalação da combustão da fumaça na fase gasosa, contendo mais de 5 mil componentes, dos quais o fator de maior força, está na absorção do alcaloide tóxico presente na folha de tabaco (Nicotiana tabacum L.) por ser uma substância psicoativa que atinge os receptores nicotínicos cerebrais rapidamente (SOARES et al., 2013; INCA, 2017). Consequentemente, as substâncias estimulam ao Sistema Nervoso Central (SNC) e vasoconstritor nos pequenos vasos sanguíneos (SOARES et al., 2013; DSM5, 2014; HIRSCH; LANDAU, 2020; DSM5, 2022).

Consoante à absorção dos componentes tóxicos pelo organismo, poucas pessoas conhecem ou compreendem os verdadeiros motivos da dependência química do tabaco, menos ainda se sabe sobre quais os efeitos psicóticos que estão relacionados à prática rotineira de fumar. Nesse liame, o presente estudo prima responder à pergunta problema: quais as características Transtorno Por Uso de Tabaco?

Para a resposta do problema, o objetivo do estudo está em abordar o que é o TPUT, com o objetivo específico de investigar como se pode tratar esse transtorno destacando quais os tipos de tratamentos indicados. Portanto, o método de pesquisa utilizado se consolidou na metodologia qualitativa, por uma revisão da literatura, tendo como base teórica o “Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, desordem mental”, estando incluído na pesquisa, estudos publicados nos últimos 5 anos, abordando a temática do Transtorno Por Uso de Tabaco e documentos governamentais sem limite de data de publicação. A coleta dos dados foi realizada pelos sites de busca “Google Acadêmico e Scientific Electronic Library Online (SCIELO)”, com a estratégia de busca utilizando os termos: i) Tabagismo; ii) Transtorno Por Uso de Tabaco; iii) Tratamento para tabagismo.

Justifica-se a presente investigação por ser um tema relevante e atual, visto que o Instituto Nacional de Câncer (INCA, 2021) apresentou dados expressivos quanto ao índice de mortalidade pelo ato de fumar, alcançando uma marca de 161.853 mortes anuais somente no território brasileiro, representando cerca de 443 mortes diárias, posicionando o tabagismo no pódio de terceiro maior fator de risco de morte, consoante aos anos de vida perdidos convencionados por incapacidade.

Nesse ínterim, as informações disponibilizadas na investigação podem servir como estratégia para pessoas que desejam perder o hábito de fumar (não se tratando de uma receita, visto que pessoas com o transtorno precisam de um acompanhamento profissional), e também como fonte para futuros profissionais da área das Ciências da Saúde, Ciências Biológicas, Ciências Sociais, sagrando um tema multidisciplinar endereçado a todos os interessados pela temática.

2 CARACTERÍSTICAS DO TRANSTORNO POR USO DE TABACO

O TPUT pode ser desenvolvido pelo consumo de todas as formas de tabaco, a saber: a fumar cigarros, ao mascar o tabaco, uso de rapé, por cachimbos, charutos, por dispositivos eletrônicos com a utilização de nicotina, e até mesmo pelo consumo oral via medicamentos à base de nicotina prescritos em goma ou adesivo (DSM5, 2022).

Os produtos convergem para uma capacidade relativa de promover o transtorno ou induzir a abstinência devido a sua rápida absorção pelo organismo, uma vez que a via de administração ao fumar ocorre de forma oral transdérmica, no qual é absorvida toda a nicotina e tabaco contida no produto. Sendo assim, essa categoria agora possui a nomenclatura “tabaco” a qual nas edições anteriores era mais utilizado pelo uso da “nicotina”, logo, no DSM-5 (2022), com base de novos estudos, verificou-se que os danos maiores são causados pelo vício estar associado em maior proporção ao tabaco e em menor proporção à nicotina.

No que consiste ao uso da nicotina ela é uma substância aditiva ao tabaco, com efeito, o TMC é provocado quando no momento da inalação é ativado os receptores nicotínicos colinérgicos, com maior ênfase os pré-sinápticos, por estarem relacionados a distintas funções cognitivas, da atenção, da aprendizagem/memória, do despertar, da sensopercepção e motricidade, da percepção da dor, temperatura e atém mesmo do controle de apetite (GIGLIOTTI; LEMOS, 2012; SOARES et al., 2013).

Apesar de o uso constante do tabaco estar associado a um maior risco de quadros demenciais, bem como a prejuízos cognitivos, a utilização aguda da nicotina se associa ao alargamento de atenção e corriqueiramente a um melhor desempenho cognitivo. Fisiologicamente dizendo, há um estímulo do receptor nicotínico que aumenta a liberação de dopamina na via mesolímbica, ocorrendo pela ação direta dos neurônios dopaminérgicos, ou de modo indireto por meio da ação de neurônios glutamatérgicos, ou gabaérgicos (ARAÚJO, 2012). Como resultado ocorre a liberação de dopamina no núcleo accumbens, fazendo parte do circuito de recompensa cerebral, provocando a sensação de prazer que por vez reforça a autoadministração da nicotina (SOARES et al., 2013).

A fumaça do cigarro, ao ser inalada, aumenta simultaneamente as concentrações sanguíneas de nicotina e após apenas uma tragada, esses elevados níveis invadem aceleradamente o cérebro em maior extensão e magnitude, mais rápido que uma administração intravenosa. Peixoto (2022) cita que a absorção acontece em cerca de 15 segundos depois da tragada, transportando 25% da nicotina ativando o sistema de recompensa, resultando em uma rápida alteração comportamental (BENOWITZ et al., 2009; DSM, 2014; DSM5, 2022).

O uso do cigarro eletrônico, entretanto, é consumido pelo aquecimento do líquido de seu reservatório, este também é inalado pelo usuário. Nele não há combustão de monóxido de carbono como o cigarro comum, contudo, possui a nicotina com o acréscimo de outras substâncias líquidas como o glicerol, a glicerina vegetal, entre outros (PEIXOTO, 2022).

Em suma, a breve exposição à nicotina e tabaco altera as sensações corporais, acarretando uma excitabilidade prolongada que acaba por demandar o sistema de recompensa, resultando na mazela de início do desenvolvimento da dependência por tabaco, podendo resultar fatalmente na fase aguda (SOARES et al., 2013).

Conforme o DSM5 (2014; 2022), a nicotina presente no tabaco ao produzir as boas sensações cerebrais, promove uma ótima sensação de bem-estar, bem confortante, essa sensação explica a vontade atenuante de fumar um novo cigarro, resultando no vício que em algumas pessoas pode ocorrer no prazo de horas, não sendo necessário o uso de muitos cigarros para que o indivíduo se encontre na situação de TPUT.

Soares et al. (2013) explicam que o fenômeno ocorre pela quantidade de propriedades farmacológicas contidas na nicotina, fornecidas por um padrão de liberação exacerbado ao passo de uma via de rápida absorção pelo organismo, recorrentes no ato do fumo de cigarros comuns, e eletrônicos, provocando “uma variação contínua de picos de concentração de nicotina no cérebro” (p. 12). Consequentemente, o cérebro passa por uma transformação, predominando um distúrbio mental, já que o fumante passa ter a necessidade contínua de uma autoadministração do tabaco para alívio da síndrome de abstinência.

Araújo (2012) destaca que no mecanismo de fumar, é estabelecido um espaço de tempo considerado entre fumar “um cigarro e outro”, caracterizando uma “ressensibilização” dos receptores, fazendo com que o organismo volte ao estado de repouso, provocando assim uma fissura e os demais sintomas da abstinência pela falta de liberação de dopamina.

Essas transformações no organismo convergem para uma característica diagnóstica persistente e considerada pela tolerância do tabaco, explicada de maneira global, pois:

A tolerância ao tabaco é exemplificada pelo desaparecimento da náusea e da tontura após o consumo repetido e com um efeito mais intenso do tabaco na primeira utilização do dia. A interrupção do uso de tabaco pode produzir uma síndrome de abstinência bem definida. Muitos indivíduos com transtorno por uso de tabaco utilizam-no para aliviar ou para evitar os sintomas de abstinência (p. ex., ao saírem de uma situação na qual o uso é restrito). Muitos que usam tabaco apresentam doenças ou sintomas físicos relacionados à substância e continuam a fumá-la. (DSM5, 2014, p. 572).

Entretanto, para um diagnóstico fidedigno ao TPUT, o DSM5 (2014; 2022) menciona alguns critérios de diagnóstico, conforme demonstrado na tabela 1:

Tabela 1 – Critérios de diagnóstico

Fonte: Adaptado de DSM5 (2014; 2022).

Além da observância das manifestações acima citadas, deve-se considerar algumas especificidades do estágio em que se encontra o TPUT, se: i) em remissão precoce; ii) em remissão sustentada; iii) em terapia de manutenção e iv) em ambiente protegido (DSM5, 2014; DSM5, 2022).

Explicando as especificações, a primeira sendo a remissão precoce, incorre quando todos os critérios para TPUT terem sido preenchidos anteriormente e/ou quando nenhum dos critérios tenha sido constatado por um período mínimo de três meses, no entanto, inferior a 12 meses, considerando a exceção de que o Critério 4, possa estar em uma janela de ocorrência (DSM5, 2014; DSM5, 2022).

A remissão sustentada por vez, é constatada quando nenhum dos critérios para TPUT foi preenchido em nenhum momento por um período igual ou superior a 12 meses, também excetuando que o Critério A4 possa estar em uma janela de ocorrência (DSM5, 2014; DSM5, 2022).

No cerne da especificação terceira, terapia de manutenção, o paciente se encontra no uso de medicamentos de manutenção por um período de longo prazo, tendo o consumo controlado de drogas de reposição de nicotina, contudo, nenhum dos critérios para TPUT foi satisfatório para essa classe de medicamento, com exceção de quando existir o caso de tolerância ou abstinência do medicamento de reposição de nicotina. Considerando a quarta especificação, ambiente protegido, percorre como adicional às demais especificações, sendo considerada se o paciente estiver em um ambiente onde o acesso ao tabaco seja restrito (DSM5, 2014; DSM5, 2022).

Para a constatação do código aplicado é conveniente que o diagnóstico apresente a gravidade atual do TPUT. O código usual é o CID-10-MC, conquanto haja a abstinência de tabaco ou outro transtorno do sono induzido por tabaco, não se deve utilizar os códigos abaixo apresentados na tabela 2 para considerar a gravidade do transtorno. Pois, é indicado a aplicação do código por TPUT comórbido, sendo indicado pelo 4.º caractere do código de transtorno induzido por tabaco. Nesse ínterim, no que tange à gravidade, a tabela 2 apresenta o grau leve, moderado e grave.

Tabela 2 – Código e grau de TPUT

Fonte: Adaptado de DSM5 (2022).

A gravidade apresentada na tabela acima é externada em situações cotidianas do paciente, portanto, o TPUT pode estar presente em situações em que o fumante usa o cigarro em no máximo 30 minutos após acordar; acende o cigarro diariamente; fuma com abundância durante o dia, e à noite se levanta para fumar (DSM5, 2014; DSM5, 2022).

Nos casos de gravidade acentuada, as condições médicas são proporcionais ao agravamento, comumente ocorrendo o câncer de pulmão (INCA, 2017, INCA, 2021; DSM5, 2014; DSM5, 2022), câncer bucal (FONTANELLI; SIMONATO, 2022) entre os demais existentes (DSM5, 2014; DSM5, 2022), doenças cardiovasculares, pulmonares (VARGAS et al., 2021), agravantes perinatais (PAVESI et al., 2023), tosse contínua, insuficiência respiratória (RIBEIRO, 2023), hipertensão arterial (QUEIROZ et al., 2020), DCNT (SILVA et al., 2021) e envelhecimento acentuado da pele (DA SILVA SÁ; RODRIGUES BACHUR, 2020). Todas as doenças citadas possuem relação no cigarro comum e eletrônico.

2.1 PREVALÊNCIA

Atualmente o cigarro eletrônico é o mais usual no consumo do tabaco mundialmente falando, ficando em segundo lugar o cigarro comum (DSM5, 2022), enquanto no Brasil, o cigarro comum é ainda o mais usual (INCA, 2021). Ambos são viciantes, contudo, o cigarro eletrônico possui um efeito de absorção ainda maior devido à alta dosagem de substâncias no dispositivo tão utilizado por jovens de 18 a 34 anos, atingindo uma marca de quase 1 milhão de usuários (TUNES, 2022).

Dados coletados pela Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL, 2019), apontaram que o número de fumantes com idade de 18 anos ou mais, é estimada em 9,8% da população, sendo 12,3% entre homens e 7,7% entre mulheres.

Mediante a dados coletados pelo “Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas Não Transmissíveis em Tempos de Pandemia (Covitel)” (HALLAL, 2022), referente ao primeiro trimestre de 2022, a maior prevalência do TPUT foi apontada em pessoas com a idade de 25 a 34 anos, sendo a região Sul do país com o primeiro lugar no ranking de fumantes. Em oposto, marcando a menor prevalência observada, a Região Nordeste foi a que apresentou menos fumantes.

2.2 FATORES DE RISCO E PROGNÓSTICO 

Segundo o DSM5 (2022) os fatores de risco ao TPUT podem ser i) temperamentais; ii) ambientais; iii) genéticos e iv) fisiológicos. Sendo assim, as pessoas com traços de personalidade externalizantes possuem mais propensão de iniciar o uso do tabaco, a chance é ainda mais aumentada em pessoas com outras comorbidades. Crianças com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade tendem a fumar precocemente, ou tendem a fumar na fase adulta. O risco em pessoas já na fase adulta é mais expressivo quando apresentam transtornos depressivos, bipolaridade, um grau de ansiedade excessivo, ou que já sofrem transtornos por uso de outras substâncias.

O risco ambiental incorre em pessoas de baixa renda e baixo nível educacional, estando mais propensas a iniciar o uso do tabaco, sendo ainda menos provável que pare de fumar. Enquanto o risco genético e fisiológico, são por fatores intrínsecos e biológicos. Os fatores genéticos, por vez, acontecem consoante ao grau de herdabilidade, esse em grande escala pontua 50% de chance do desenvolvimento do TPUT semelhante ao observado com outros transtornos por uso de substâncias (DSM5, 2022).

2.3 ABORDAGEM E TRATAMENTO DO FUMANTE

Para a abordagem e tratamento da retirada do hábito de fumar, o DSM5 (2022) destaca 4 observações que não devem ser descartadas no paciente com TPUT de código CID-10-CM apresentadas na tabela 3.

Tabela 3 – Critérios diagnósticos para tratamento de pessoas com TPUT

Fonte: Adaptado de DSM5 (2022).

Salienta-se que o código CID-10-CM envolvendo a retirada de tabaco é F17.203. É sabido que o código CID-10-CM indica a presença comórbida de um TPUT moderado ou grave, refletindo que a abstinência do tabaco só pode ocorrer quando o paciente possui um TPUT moderado ou grave.

O tratamento de pessoas com esse tipo de transtorno precisa ser mais estudado, pois, cada pessoa tem uma resposta, o que depende muito do seu convívio sociocultural. Há as chances de sucesso em protocolos comprovados cientificamente e alguns ainda não comprovados, portanto, o presente estudo cita como modelo o protocolo disponibilizado pela cartilha “Abordagem e Tratamento do Fumante” (BRASIL, 2001).

Do que vem antes é uma abordagem “cognitivo comportamental”, posteriormente, com a farmacoterapia, e nos casos de diversidade, ocorre uma “Abordagem do Tabagismo em Grupos e Situações Especiais” (BRASIL, 2001, p. 17). No primeiro caso a abordagem é feita por meio de conversas e entrevistas com uma equipe multiprofissional disponibilizada na Rede de Sistema Único de Saúde (SUS).

A abordagem combina intervenções cognitivas junto a um treinamento de habilidades comportamentais, sendo um protocolo também usual para o tratamento de pessoas com outros tipos de dependências. O eixo norteador dessa primeira abordagem está na: i) detecção de situações de risco e recaída e ii) elaboração de estratégias para enfrentamento das próximas etapas do tratamento, ensino de estratégias para um automonitoramento, com ferramentas no uso de técnicas de relaxamento e procedimentos aversivos. Em voga, nesta primeira abordagem, o foco está nas motivações ao paciente com estímulos ao autocontrole, fazendo com que este, aprenda a lidar consigo mesmo nos momentos de abstinências e vontade de fumar, evitando o hábito e ocasiões que o levam ao ato de fumar (BRASIL, 2001).

Fiore et al. (2000) destacam que nessa primeira abordagem as principais estratégias devem primar por: preparar o fumante para a resolução de seus problemas e pendencias; estimular novas habilidades para conseguir resistir a seus momentos de tentações ao tabaco; preparar seu cognitivo para prevenir de recaídas e preparar o paciente para lidar com o stress a ser enfrentado.

Após essa primeira etapa segue-se a classificação da abordagem proposta (BRASIL, 2001), atualmente conhecida como “Boas Práticas no Tratamento do Tabagismo”, oficializada pela Portaria Conjunta n.º 10, DE 16 de abril de 2020 com a aprovação do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Tabagismo. A Primeira. Abordagem breve/mínima (PAAP): objetiva perguntar e avaliar; aconselhar e preparar. Enquanto a segunda é mais invasiva, caracterizando uma Abordagem básica (PAAPA): consistindo em perguntar; avaliar; aconselhar; preparar e acompanhar o fumante para deixar o hábito de fumar.

O PAAP pode ser realizado em uma triagem, em Pronto Atendimento (PA), em consultas de rotina, compondo cerca de 3 minutos, na presença do profissional da saúde e paciente. Apesar de breve, pode propiciar resultados positivos até mesmo com a cessação do hábito de fumar, uma vez que a motivação permite que muitos fumantes sejam beneficiados, devido ao baixo custo desse protocolo (BRASIL, 2001; 2020).

Semelhantemente o PAAPA pode ser realizado nos mesmos moldes e locais como o PAAP, porém, é mais indicado por prevê o retorno do paciente, sendo fundamental na fase de acompanhamento quando o sujeito se encontra em estado crítico, em situações que a abstinência está mais aflorada, portanto, se constitui uma importante estratégia em termos de saúde pública, não diferente, oferece a vantagem do baixo custo (BRASIL, 2001; 2020).

Após as Perguntas de Avaliações baseadas em 6 fatores principais para a compreensão da fase e gravidade do TPUT, aplica-se medidas de aconselhamentos adaptadas de acordo com cada especificidade do paciente, não sendo um padrão para todos, outrossim, se considera toda a sua identidade conforme seu estilo de vida. Em casos que o fumante não queira largar o hábito em até 30 dias, o profissional precisa o motivar para o estimular a parar, se colocando à disposição para apoiá-lo (BRASIL, 2001; 2020).

Os que estão destinados e conscientes a deixar o hábito são preparados, para que, assim, saibam o que irão passar. Esse período pode perpassar por 3 sessões durante os seis meses subsequentes a parar de fumar. Os retornos podem acontecer, conforme a avaliação do profissional de saúde, nos 1º, 3º e 6º meses (BRASIL, 2001; 2020). 

 Em conseguinte, há o acompanhamento propriamente dito, se consumando o tratamento, tendo a existência de abordagens mais específicas e intensivas (BRASIL, 2001). Este deve ocorrer em ambulatório específico para o atendimento dos fumantes, pode ser realizado de maneira individual ou em grupo, sendo propício aos fumantes motivados através das abordagens anteriores, que em algum outro momento, tentaram deixar de fumar, mas não conseguiram. De igual modo, pode ser voltado àqueles que procuraram diretamente os profissionais para esse tipo de apoio, com certeza, do objetivo de deixar o vício.

Para melhor apoio a esses pacientes, é desejável um atendido mínimo de quatro sessões estruturadas com periodicidade semanal, somando pelo menos 90 minutos no total das 4 primeiras sessões. Há um cronograma estimado em: “a. 15 Dias b. 30 dias c. 60 dias d. 90 dias e. 180 dias f. 12 meses” (BRASIL, 2001, p. 15), a depender do sucesso do paciente ao tratamento.

Quando dividido em 4 sessões conforme preconizado, os temas propostos simultaneamente em cada sessão são: entender por que se fuma e como isso afeta a saúde; feedback dos primeiros dias sem fumar; como vencer os obstáculos para permanecer sem fumar; e os benefícios obtidos após parar de fumar (BRASIL, 2020). Há ainda duas sessões quinzenais, para a fase de manutenção da abstinência e uma sessão mensal aberta, para prevenção de recaídas, até que se complete 1 ano.

2.3.1 Tratamento combinado por terapia intensiva e farmacoterapia

A associação dos dois tipos de tratamento costuma ser mais efetiva e eficaz, uma vez que integra as ações estratégicas do aconselhamento estruturado de abordagem intensiva, com o incremento de medicamentos. Para o protocolo de tratamento misto, deve-se analisar se: i) o paciente apresenta muitos sintomas de abstinência; ii) a quantidade de cigarros consumidos no dia, se igual ou acima de 5; iii) se o consumo do primeiro cigarro é antes de uma hora após acordar; e a pontuação no teste de Fagerström igual ou inferior a 4 (BRASIL, 2020).

São estipuladas duas sessões quinzenais, iniciando a fase de manutenção da abstinência, e o viés das sessões de manutenção não é mais estruturado, pois agora o objetivo está em conhecer as dificuldades e estratégias de cada fumante para permanecer sem fumar e receber o auxílio e orientações necessárias (BRASIL, 2020).

Há também uma sessão mensal aberta, como foco preventivo de recaídas, até completar 1 ano. Essas sessões não são estruturadas, e o objetivo permanece no conhecimento das dificuldades e estratégias de cada fumante para permanecer sem o uso do cigarro, recebendo orientações, motivações e fortalecimento da decisão de permanecer sem fumar (BRASIL, 2020).

Concernente à farmacoterapia, o tratamento ocorre com a Terapia de Reposição de Nicotina (TRN) podendo ser combinada de forma lenta com o adesivo, ou de forma rápida com a goma, tem ainda a opção da pastilha de liberação de nicotina. As opções de combinações medicamentosas são: TRN combinada com bupropiona isolada; TRN isolada com o adesivo, goma, pastilha ou bupropiona associada a uma TRN isolada, todas essas opções, são de medicamentos de primeira linha (BRASIL, 2001; 2020).

Em situações de tratamento sem sucesso, pelo fato de o paciente não ter conseguido deixar o hábito do tabaco após as abordagens cognitivo-comportamental com o uso de medicamentos de 1ª linha, é interessante aplicar os protocolos de associação das formas terapêuticas. Sendo a associação entre adesivo mais a goma de mascar de nicotina, ou adesivo de nicotina mais a bupropiona, com uma terceira opção entre goma de mascar de nicotina e bupropiona (BRASIL, 2001).

Há os casos de pacientes com contraindicação ao uso de TRN, ou tenha algum transtorno psiquiátrico, logo, é indicado a bupropiona, após as considerações de um especialista em saúde mental. Ressalta-se que independente de o paciente apresentar alguma contraindicação, as possibilidades de tratamento medicamentoso obrigatoriamente devem ser precedidas pela avaliação individual e minuciosa do médico, considerando que toda e qualquer característica precisa ser do conhecimento do profissional, para assim, ser indicada a medicação adequada ao quadro clínico do TPUT. Com efeito, a responsabilidade potencial do fármaco é de cunho médico, junto à equipe multidisciplinar da rede SUS para as sessões de retorno (BRASIL, 2020; INCA 2022).

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi possível alcançar o objetivo do estudo de abordar o que é o TPUT, pois há um consenso na literatura que o principal fator viciante do cigarro está no tabaco, contendo a nicotina, substância aditiva ao tabaco. Tais substâncias, conjuntas às demais presentes no cigarro comum e eletrônico, são rapidamente absorvidas pelo organismo pela inalação da fumaça em caso do cigarro comum, e do vapor em caso do cigarro eletrônico, ativando os receptores nicotínicos colinérgicos, com maior ênfase os pré-sinápticos, aumentando a liberação de dopamina na via mesolímbica, causando efeito da sensação de prazer.

Consequentemente, o sistema de recompensa ativa o Sistema Nervoso Central, fazendo com que a vontade de fumar aumente para que a boa sensação ocorra novamente, com efeito, há a necessidade contínua de uma autoadministração do tabaco para alívio da síndrome de abstinência.

Como objetivo específico de investigar sobre o tratamento do TPUT, encontrou-se dois tipos de tratamento, a saber: pelas estratégicas do aconselhamento estruturado de abordagem intensiva e pelo método misto com a farmacoterapia de medicamentos de primeira linha, como o adesivo, goma de mascar, pastilhas e comprimidos à base de nicotina, junto às estratégias de aconselhamento estruturado.

Na limitação do estudo, se constatou a falta de novos protocolos e estudos de caso, para a maior comprobabilidade da eficácia dos tratamentos. Uma segunda limitação do estudo, está na escassa publicação de artigos com o termo do Transtorno Por Uso do Tabaco, corroborando a hipótese da pouca preocupação acadêmica com os problemas psicológicos ocasionados pelo hábito de fumar, outrossim, se preocupando com os efeitos secundários causados pelas doenças entendidas como mais graves.

Conclui-se que o hábito de fumar é prejudicial à saúde física e mental, sendo um grave precedente de comorbidades. No entanto, é prevenível e curável, conquanto, precisa ser visto como um transtorno e não somente como um vício, uma vez que provoca milhares, transformações químicas no organismo convergindo para a autoadministração contínua do tabaco.

REFERÊNCIAS

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1Estudante de medicina da Universidade Privada Del Este – UPE CDE, email = jgitirana@gmail.com
2Estudante de medicina da Uniberdidad Privada del Este – UPE CDE ; email: rosafonsecaa@gmail.com
3Estudante de medicina da Uniberdidad Privada del Este – UPE CDE ); email: dgitirana@gmail.com
4Professora da disciplina de psiquiatria da Uniberdidad Privada del Este ( UPE CDE ) Médica especialista em psiquiatria e docência; Mestranda em neurociências; e-mail : caroladreaoliveros@gmail.com