PRÁTICAS DOCENTES NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR

TEACHING PRACTICES IN THE CONTEXT OF HIGHER EDUCATION

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202409191955


Andréia Borges Andrade1,
Marinalva Lopes Ribeiro2


RESUMO

O estudo teve como objetivo investigar, mediante as representações dos professores do Curso de Administração da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), a base epistemológica que fundamenta a prática docente desses profissionais. A análise desse conhecimento busca compreender de que maneira o curso tem sido estruturado para formar sujeitos autônomos, capazes de compreender e atuar de maneira responsável na sociedade contemporânea. Utilizou abordagem qualitativa, com entrevistas semiestruturadas na produção dos dados. Os resultados sinalizam que esses profissionais, em sua maioria, não tiveram na sua formação inicial ou na pós-graduação disciplinas relacionadas à pedagogia universitária, que os ajudassem no exercício da docência. Observou-se que alguns docentes demonstram estar sob a influência de uma racionalidade instrumental, muitas vezes associada ao paradigma tradicional, enquanto outros demonstram alinhar-se com um paradigma emergente. Diante dessa realidade, torna-se evidente a necessidade de formação docente continuada. Essa formação permitirá que os professores desenvolvam práticas pedagógicas em sala de aula que promovam o desenvolvimento da autonomia dos estudantes, incentivando uma educação mais crítica, reflexiva e capaz de responder às demandas contemporâneas.

Palavras-chave: Epistemologia. Prática docente. Representações sociais.

ABSTRACT

The study aimed to investigate, through the representations of professors from the Administration Program at the State University of Feira de Santana (UEFS), the epistemological foundation that underpins the teaching practices of these professionals. The analysis of this knowledge seeks to understand how the program has been structured to develop autonomous individuals capable of understanding and acting responsibly in contemporary society. A qualitative approach was used, with semi-structured interviews for data collection. The results indicate that most of these professionals did not have, either in their initial education or in graduate programs, courses related to university pedagogy that would help them in their teaching practice. It was observed that some professors appear to be influenced by instrumental rationality, often associated with the traditional paradigm, while others align with an emerging paradigm. Given this reality, the need for continued teacher education becomes evident. This training will enable professors to develop pedagogical practices in the classroom that promote the development of student autonomy, encouraging a more critical, reflective education capable of addressing contemporary demands.

Keywords: Epistemology. Teaching practice. Social Representations.

1 INTRODUÇÃO

A prática docente no ensino superior, especialmente em cursos de formação profissional, é influenciada por diferentes bases epistemológicas que moldam tanto a abordagem pedagógica dos professores quanto os resultados esperados no processo de aprendizagem dos estudantes. No curso de Bacharelado em Administração, essas influências se tornam ainda mais evidentes, considerando-se a complexidade e a amplitude das competências exigidas para a formação de profissionais capazes de intervir de forma crítica e responsável na realidade social e econômica. Nesse contexto, torna-se imprescindível investigar as concepções e as representações dos professores sobre as bases epistemológicas que orientam suas práticas pedagógicas.

O presente artigo tem como objetivo investigar, mediante as representações dos professores do Curso de Administração da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), a base epistemológica que fundamenta a prática docente desses profissionais. A análise desse conhecimento busca compreender de que maneira o curso tem sido estruturado para formar sujeitos autônomos, capazes de compreender e atuar de maneira responsável na sociedade contemporânea. Ao examinar essas representações, esperamos contribuir para uma reflexão mais aprofundada sobre a formação de futuros administradores, questionando não apenas o conteúdo programático, mas também as metodologias e perspectivas epistemológicas adotadas no curso.

Diante do cenário atual, a educação enfrenta o desafio de refletir sobre ações formativas emancipadoras, em oposição à cultura hegemônica dominante, com o intuito de promover a mobilidade social e o desenvolvimento da autonomia dos mais diversos grupos sociais. Na prática educativa, torna-se urgente vislumbrar uma sociedade que transcenda um ensino marcado pela simples reprodução ideológica, atuando como agente mediador e humanizador. Esse papel é crucial para a superação de uma realidade caracterizada por injustiças, desigualdades, dominação e exclusão de direitos. Atribuir à educação a devida importância na formação das novas gerações significa capacitá-las a reivindicar uma nova organização social, com base em uma educação transformadora e libertadora, que oriente os estudantes a esse fim. Uma pessoa autônoma é capaz de desenvolver suas próprias estratégias de aprendizagem e de solucionar problemas ao longo dos desafios que enfrenta na vida.

A promoção da autonomia dos estudantes pode ser contemplada no âmbito do Projeto Pedagógico dos cursos. Um exemplo relevante é o da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, que, desde 2012, busca construir uma educação jurídica democrática, valorizando a subjetividade e o desenvolvimento da autonomia dos estudantes no processo pedagógico (Costa; Frota, 2013).

Outro aspecto que merece destaque, segundo Behrens e Junges (2018), refere-se à atuação dos docentes nas universidades. Muitos professores desempenham funções no mercado de trabalho em áreas específicas relacionadas à sua formação, paralelamente à docência. No entanto, é comum observar lacunas em sua formação pedagógica, uma vez que, em grande parte dos casos, sua formação inicial em bacharelado não abarcou os conhecimentos pedagógicos necessários para contribuir com a formação discente. Ademais, aqueles que possuem títulos de mestre ou doutor se destacam, em sua maioria, pelas pesquisas e publicações acadêmicas, mais do que por sua atuação em sala de aula, o que pode ter implicações diretas na qualidade do ensino ministrado.

2 O CAMINHO METODOLÓGICO SEGUIDO

Este estudo adota uma abordagem qualitativa, conforme delineada por Minayo (2008), para explorar as representações e práticas pedagógicas dos docentes do curso de Administração da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). A pesquisa qualitativa é apropriada para questões não quantificáveis, pois busca operacionalizar significados, valores, crenças, atitudes e percepções, permitindo a compreensão das relações sociais e a identificação de novas perspectivas sobre o problema investigado.

Segundo Minayo (2008, p. 57), “o método qualitativo é adequado aos estudos da história, das representações e crenças, das relações, das percepções e opiniões, ou seja, dos produtos das interpretações que os humanos fazem durante suas vidas.”

Para a coleta de dados, utilizou-se a entrevista semiestruturada e a técnica de indução de metáforas, conforme descrito por Lakoff e Johnson (2002). A metáfora, conforme os autores, não se restringe à linguagem, mas permeia o pensamento e a ação humana, sendo um componente central do sistema conceptual que molda a maneira como as pessoas compreendem o mundo. Essa abordagem permitiu identificar, de forma mais aprofundada, como os participantes compreendem inconscientemente o fenômeno em estudo. Mazzotti (1998) complementa afirmando que a metáfora possibilita que o sujeito participante transforme o objeto de estudo em uma imagem, que pode ser interpretada como uma representação social.

Seis docentes da UEFS foram entrevistados, três do sexo feminino e três do sexo masculino, todos com idades superiores a 41 anos e entre 10 e 25 anos de experiência docente. Cinco dos professores possuem doutoramento, enquanto um possui mestrado, todos com graduação em Administração. As entrevistas foram conduzidas presencialmente, com duração de 10 a 33 minutos, gravadas e transcritas. Contudo, os discursos foram sucintos, o que dificultou a exploração dos dados e a inferência de elementos mais profundos.

A análise dos dados foi realizada com base na Análise de Conteúdo de Bardin (2011), que se divide em três fases: (1) Pré-análise: foi feita uma leitura exaustiva das transcrições para uma compreensão geral dos dados, permitindo a formulação de hipóteses preliminares e a identificação de categorias analíticas. (2) Exploração do material: nesta fase, o material foi categorizado e codificado em unidades de registro (palavras, frases, parágrafos), que foram agrupadas conforme as categorias previamente definidas. (3) Tratamento dos resultados, inferências e interpretação: por fim, os dados foram analisados em profundidade para identificar padrões significativos e relações entre as categorias, permitindo inferências fundamentadas sobre o significado dos dados e sua relação com os objetivos da pesquisa. Os resultados foram, então, interpretados à luz do referencial teórico e dos objetivos do estudo.

As entrevistas foram codificadas e organizadas em temas, o que possibilitou uma análise temática a partir dos discursos dos participantes. A pesquisa seguiu todos os princípios éticos, resguardando a identidade dos colaboradores com o uso de nomes fictícios (José, Rocha, Maria, Lutero, Maria Luiza e Nelson). Além disso, a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, conforme o Parecer nº 2.391.364, de 22 de novembro de 2017.

3 PARADIGMAS E EDUCAÇÃO

A investigação da base epistemológica que sustenta a prática docente dos professores da UEFS, à luz das representações que eles têm sobre o ensino e o conhecimento, pode revelar uma tensão ou coexistência entre o paradigma tradicional e o emergente. A análise dessas representações permitirá identificar em que medida a prática docente está alinhada com a complexidade da realidade contemporânea e como ela responde às demandas de formar profissionais preparados para atuar em um mundo interconectado e dinâmico

O paradigma tradicional, está fortemente relacionado a uma visão fragmentada do conhecimento, típica do modelo newtoniano-cartesiano. Nesse paradigma, o foco na racionalidade, tecnicismo e na comprovação científica rigorosa tende a dissociar o conhecimento teórico da prática cotidiana e, portanto, do senso comum. Se os professores têm suas práticas marcada por uma abordagem que privilegia conteúdos estritamente técnicos e compartimentados, com pouco espaço para a subjetividade ou a contextualização social e prática do conhecimento. Este tipo de ensino pode ser visto como restritivo em termos de preparar os alunos para lidar com a complexidade do mundo contemporâneo.

Quanto ao paradigma emergente, também chamado de paradigma da complexidade, propõe uma visão mais integradora e dialógica do conhecimento. Defende a articulação entre o conhecimento científico e o senso comum, reconhecendo a interdependência entre sujeito e objeto, e a importância de contextos sociais e históricos na produção e na aplicação do conhecimento. Caso os professores do curso de Administração se aproximem mais dessa concepção epistemológica, sua prática docente tende a ser mais flexível, valorizando tanto o saber científico quanto o saber prático e cotidiano, reconhecendo a importância das experiências vivenciais dos alunos.

Por sua vez, o paradigma emergente está vinculado à defesa da articulação entre os saberes científicos e o senso comum (Santos, 2008). Esse último paradigma, também conhecido como Paradigma Emergente ou da Complexidade, rompe com os reducionismos e aponta para a importância do pensamento científico contextualizado, destacando a indissociabilidade da dualização sujeito/objeto na situação de apreensão da realidade. O citado autor, afirma ainda, que todo o conhecimento científico-natural é científico-social; todo o conhecimento é local e total; todo o conhecimento é autoconhecimento e todo o conhecimento científico visa constituir-se em senso comum, conforme sinaliza Santos:

O senso comum faz coincidir causa e intenção; subjaz-lhe uma visão do mundo assente na ação e no princípio da criatividade e da responsabilidade individuais. O senso comum é prático e pragmático; reproduz-se colado às trajetórias e às experiências de vida de um dado grupo social e nessa correspondência se afirma fiável e securizante (Santos, 2008, p. 89).

Behrens (2006) explica que o paradigma inovador, nas últimas décadas do século XX, sofreu forte influência de autores como Capra (1996) e Santos (2008) para ser denominado de paradigma emergente ou sistêmico. Mas, algum tempo depois, Capra (2002) reviu tal denominação, passando a denominar de paradigma da complexidade, por entender que a sociedade tem vivido uma nova concepção da vida que integra aspectos biológico, cognitivo e social de forma dialógica.

Morin (2002), por sua vez, aponta que a complexidade é um desafio a ser vivenciado, pois tem como premissa a desordem, o imprevisto, a incerteza no conhecimento, que acarreta o fim do saber absoluto e total. Por conta disso, Morin (2002) afirma a importância de um paradigma da complexidade que tenha o propósito de difundir uma nova compreensão de mundo: “[…] preciso um paradigma da complexidade, que, ao mesmo tempo, separe e associe, que conceba os níveis de emergência da realidade sem os reduzir às unidades elementares e às leis gerais” (Morin, 2002, p. 138). Para o mesmo autor a complexidade provoca as pessoas a pensarem. Não o pensamento simplesmente regido por leis, mas, sobretudo, um pensamento complexo e organizado que civiliza nossas mentes, que promovam melhorias nas relações humanas como um todo, inclusive do indivíduo com si mesmo (Morin, 2002).

O paradigma da complexidade não “produz” nem “determina” a inteligibilidade. Pode somente incitar a estratégia/inteligência do sujeito pesquisador a considerar a complexidade da questão estudada. Incita a distinguir e fazer comunicar em vez de isolar e de separar, a reconhecer os traços singulares, originais, históricos do fenômeno em vez de ligá-los pura e simplesmente a determinações ou leis gerais, a conceber a unidade/multiplicidade de toda entidade em vez de a heterogeneizar em categorias separadas ou de a homogeneizar em indistintas totalidade. Incita a dar conta dos caracteres multidimensionais de toda realidade estudada (Morin, 2002, p. 334).

A epistemologia da complexidade, sugere que a educação deve ser vista como um processo que vai além da simples transmissão de conhecimentos. A complexidade incentiva o questionamento das certezas e promove um pensamento crítico e reflexivo, que reconhece a multiplicidade de fatores que influenciam a realidade. Assim, na prática docente, especialmente no curso de Administração, isso implica a necessidade de formar profissionais capazes de lidar com incertezas, desordens e interações complexas no mundo dos negócios.

Se os docentes adotarem uma postura próxima ao paradigma da complexidade, sua prática é orientada para uma formação dos alunos, promovendo a reflexão crítica, a capacidade de adaptação às mudanças e a valorização das inter-relações entre os diferentes campos do conhecimento. O ensino não seria visto apenas como a transmissão de conteúdos técnicos, mas como uma construção conjunta de saberes, onde o aluno é um agente ativo no processo de aprendizagem.

Assim, o uso da Teoria das Representações Sociais é um elemento crucial para a pesquisa, pois essa teoria reconhece a existência de diferentes formas de conhecimento, incluindo o senso comum, e como essas formas são usadas para estruturar as percepções e práticas de indivíduos e grupos sociais. No contexto da prática docente na UEFS, investigar as representações dos professores pode revelar como eles concebem o processo de ensino- aprendizagem e quais bases epistemológicas fundamentam essas concepções. Essa abordagem permite compreender se suas práticas estão mais próximas do paradigma tradicional ou do emergente, ou ainda, se os docentes transitam entre esses paradigmas de acordo com as demandas e contextos.

Considerações sobre a Teoria das Representações Sociais

De acordo com Moscovici (2013), a comunicação na sociedade ocorre de duas formas principais: através do senso comum, que se manifesta nas representações sociais, e através da ciência. O senso comum engloba o conhecimento compartilhado por todos os indivíduos, como nas conversas informais do dia a dia, onde as opiniões são trocadas e difundidas. A comunicação científica, por sua vez, refere-se a um conhecimento mais estruturado, que segue os protocolos e critérios estabelecidos pela comunidade científica para ser validado e aceito (Moscovici, 2013).

A Teoria das Representações Sociais (RS) visa compreender como grupos ou indivíduos formam concepções e significados em torno de determinados objetos ou conceitos. As representações sociais não são uma reprodução fiel de uma realidade objetiva, mas sim construções coletivas que se formam continuamente nas interações diárias. A comunicação desempenha um papel crucial nesse processo, pois os indivíduos, ao compartilharem suas percepções, constroem uma realidade comum, trocando ideias que ajudam a dar sentido ao mundo ao seu redor. Assim, é possível identificar elementos simbólicos, como linguagens, imagens e valores, que orientam o comportamento de grupos.

No cotidiano, as representações sociais “[…] circulam, cruzam-se e cristalizam-se incessantemente, através de uma fala, um gesto, um encontro no cotidiano […]” (Moscovici, 1978, p. 41). Elas referem-se a conceitos, explicações e percepções derivadas da vida diária, sendo, portanto, equiparadas ao conhecimento de senso comum (Moscovici, 1978). Jodelet (2001, p. 22), uma das principais colaboradoras de Moscovici, define as representações sociais como “uma forma de conhecimento socialmente elaborado e compartilhado, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social”. Esse conhecimento novo pode tanto reforçar quanto transformar as representações sociais já existentes.

Jodelet (1990) atribui às representações sociais três funções principais: a função cognitiva, que envolve os processos mentais pelos quais um grupo ou indivíduo assimila novos objetos ou ideias ao seu repertório de conhecimento, por meio do processo de ancoragem; a função interpretativa, que se refere à maneira como o mundo social é interpretado e como os novos conhecimentos são incorporados para orientar os comportamentos sociais; e a função orientativa, que descreve como os conteúdos sociais são integrados e influenciam tanto a realidade quanto o próprio grupo ou indivíduo que os cria.

Nesse contexto, o estudo das representações sociais é de grande importância para entender a formação da autonomia dos estudantes do curso de Administração. A Teoria das Representações Sociais permite uma análise aprofundada das práticas docentes, revelando as opiniões e crenças que orientam o comportamento dos professores e, consequentemente, influenciam a realidade educacional dos alunos, possibilitando, assim, uma melhor compreensão dos sujeitos estudados.

4 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS NO CAMPO DA EDUCAÇÃO E NA FORMAÇÃO DO ADMINISTRADOR

A TRS busca investigar como as concepções, conceitos e práticas educacionais são compreendidos, compartilhados e transformados em diversos contextos sociais. Essas representações são os pensamentos que conferem sentido à realidade coletiva. Inserir essa teoria em pesquisas educacionais possibilita explorar camadas mais profundas de significado que influenciam tanto o processo de ensino-aprendizagem quanto a formulação de políticas educacionais. Através dessa abordagem, torna-se possível identificar elementos simbólicos que orientam o comportamento dos trabalhadores, como as linguagens, as imagens e os valores culturais. Durante a formação dos professores, essas representações podem ser reforçadas, questionadas ou até mesmo sofrer rupturas.

No ambiente organizacional, algumas instituições, influenciadas por princípios positivistas, adotam estruturas hierárquicas rígidas, muitas vezes com um formato piramidal. Nesse contexto, socializa-se a ideia de que, sem se submeter às normas da empresa, o trabalhador não sobreviverá no mercado. Para garantir sua permanência, o trabalhador acaba por internalizar os valores da organização de forma inquestionável, o que pode padronizar seus sentimentos, pensamentos e perspectivas de futuro. A tentativa de limitar a consciência crítica pode resultar em uma forma de imobilidade.

Por outro lado, existem organizações que operam sob uma perspectiva sistêmica, favorecendo a circulação de informações formais e informais. Esse ambiente mais aberto ao diálogo permite negociações, como as realizadas com sindicatos. No entanto, é importante reconhecer que a sobrevivência de qualquer organização depende da interação contínua entre capital e trabalho. Para isso, é fundamental que ambas as partes cultivem o desenvolvimento da consciência crítica, aliada ao conhecimento técnico, político e econômico.

Compreender as práticas dos docentes do curso de Administração, considerando as suas representações sociais, ou seja, em entender o discurso dos professores é uma maneira eficaz de acessar o que realmente acontece nas salas de aula, bem como as estratégias utilizadas no processo de ensino-aprendizagem, especialmente no que se refere à formação da autonomia dos estudantes.

Com base na Teoria das Representações Sociais (TRS), conforme proposta por Moscovici, investigar essas representações no campo educacional permite observar tanto sua formação quanto os processos de ressignificação. Ou seja, prática docente resulta de representações elaboradas e disseminadas pelos próprios professores a respeito da natureza do seu trabalho. Essas representações orientam as práticas pedagógicas e podem ser organizadas em modelos que, eventualmente, são formalizados em teorias. Segundo Tardif (2002, p. 150) “uma teoria da atividade educativa nada mais é do que um modelo de ação formalizado, um conjunto sistemático e coerente de representações que nos esforçamos por justificar através das normas do pensamento ou científico”. No entanto, as representações docentes nem sempre seguem uma lógica científica ou racional, podem ser derivadas da cultura cotidiana, das experiências de vida ou das tradições pedagógicas associadas a um determinado grupo.

Outro ponto relevante é que o sistema educacional não é neutro. Ele se fortalece pela prática docente e pode influenciar na criação de novas representações ou na consolidação de representações já existentes. Nesse contexto, as representações sociais permitem que um grupo, como os professores, preserve ou questione as práticas estabelecidas, especialmente aquelas vistas como socialmente aceitáveis no campo da Administração.

5 A PRÁTICA DOCENTE E AS POSSÍVEIS IMPLICAÇÕES PARA A FORMAÇÃO DA AUTONOMIA

O ensino, segundo Ribeiro (2009), é uma prática que tem sido expressa por uma série de verbos, como, por exemplo: ensinar, instruir, orientar, apontar, guiar, dirigir, treinar, formar, amoldar, preparar, doutrinar e instrumentar. No esforço para definir a prática docente, García (1995) deixa claro que é uma atividade intencional, desenvolvida num contexto organizado e institucional, que pressupõe uma interação entre formador e formando, objetivando uma mudança e contribuindo para a profissionalização dos estudantes. Fica evidente, para o referido teórico, a participação consciente e a boa vontade explícita do sujeito envolvido no processo para a consecução dos objetivos planejados. Nesta pesquisa, vamos usar a expressão “prática docente” quando nos referirmos à prática pedagógica e à prática educativa, termos usados por diversos autores como Zabala, Tardif e Freire.

Com relação à prática docente, Ribeiro (2009, p. 216) afirma que:

Essa prática é influenciada pelos múltiplos determinismos da realidade, o que exige, do profissional, competência e criatividade, pois a racionalidade envolvida no momento do planejamento das ações é limitada, visto que muitas dessas ações não decorrem de uma planificação estabelecida previamente, mas, de situações emergentes na sala de aula.

A prática docente é norteada por representações e saberes de origem científica e do senso comum. Tais representações são construídas e difundidas por meio da interação e comunicação que ocorre dentro dos grupos próprios. Assim, a prática docente pode ser pensada e modificada a partir das representações sociais formadas nas conversações dos docentes no cotidiano que as alimenta, pois, essas representações precisam ter uma relevância cultural, espessura social e se encontrarem implicadas de forma consistente, em alguma prática do grupo (Sá, 1998).

Dessa forma, percebemos que a mediação docente, ou a prática docente, não pode ser intuitiva, nem isolada, deve ser sustentada por uma teoria para que o ensino não seja mera transmissão de conteúdos. Assim, é fundamental que o docente medeie os conhecimentos específicos da área em formação com o desenvolvimento de competências que contemplem as dimensões social, interpessoal, pessoal e profissional (Zabala, 2010).

A dimensão social tem em vista superar os aspectos tecnicistas e econômicos do paradigma tradicional, de forma que o indivíduo seja competente para participar ativamente na transformação da sociedade, compreender, valorizar e nela intervir de maneira crítica e responsável, com vistas a torná-la mais justa, solidária e democrática (Zabala, 2010).

Para desenvolver a dimensão interpessoal dos estudantes, o processo formativo deve promover ações cooperativas, solidárias, que estimulem os sujeitos a serem tolerantes, a assumirem responsabilidades, seja no âmbito “familiar, profissional, cultural e associativa, capazes de agir e pensar, de forma sistemática, contracorrente de uma cultura dominante, contraditória e submetida aos interesses de uma minoria” (Zabala, 2010, p. 79).

Na dimensão pessoal, o processo formativo deve promover o desenvolvimento da autonomia, responsabilidade e liberdade, para formar, assim, profissionais críticos, solidários e criativos. Nesse sentido, os estudantes devem ser capazes de compreender a si mesmos e aos demais por meio de um melhor conhecimento do mundo. Mediante estratégias de aprendizagens, os professores podem possibilitar que os estudantes se emancipem e, racionalmente, transformem a si mesmos e ao mundo em que vivem (Zabala, 2010).

Na dimensão profissional, o indivíduo deve ser competente para exercer uma tarefa profissional adequada às suas capacidades e habilidades específicas da profissão, permitindo- lhe aplicar conhecimentos, atitudes, satisfazer suas motivações e suas expectativas de desenvolvimento profissional e pessoal (Zabala, 2010).

Para efeito do presente estudo, consideramos os elementos que possam desenvolver a autonomia na dimensão pessoal. Salientamos que, em certa medida, quando o docente desenvolve estratégias para desenvolver as dimensões interpessoal, social e profissional (Zabala, 2002; 2010), contribui também para desenvolver a dimensão pessoal. Ou seja, o desenvolvimento de uma dimensão pode acarretar o desenvolvimento de outra. Essa possibilidade de articulação entre as dimensões amplia as possibilidades de os docentes elaborarem estratégias que contemplem tais dimensões.

Nesse sentido, Zabala (2010) propõe que os conteúdos sejam trabalhados de forma metadisciplinar, ou seja, ministrados por vários professores, em diferentes componentes curriculares, ao longo do processo formativo, visto que não há apoio epistemológico que sustente a competência como de apenas uma disciplina.

Assim, Zabala (2002; 2010) sugere que o docente, ao definir as competências a serem formadas, deve considerar que nem todas as competências estão vinculadas a uma disciplina científica específica. Pois, segundo o autor, nem todos os conteúdos têm um caráter disciplinar, portanto, enquanto uns conteúdos dependem de uma ou mais disciplinas (interdisciplinaridade, pluridisciplinaridade, multidisciplinaridade, transdisciplinaridade) outros, como é o caso da competência da autonomia, não estão sustentados por nenhuma disciplina acadêmica (metadisciplinaridade).

Tratando mais em detalhes, a multidisciplinaridade é a configuração mais comum, nela a seleção dos conteúdos das disciplinas independe uma das outras, tendo uma característica somativa. Quanto à pluridisciplinaridade, as disciplinas afins estabelecem relações complementares. Na interdisciplinaridade, as disciplinas atuam de forma cooperativa, resguardando as especificidades conceituais, mas em alguns momentos, é possível interagir com novos conhecimentos. Na transdisciplinaridade, as disciplinas, utilizando da cooperação e integração, adotam o mesmo quadro conceitual, o mesmo paradigma, buscam unificar o conteúdo. Por fim, a metadisciplinaridade desconsidera as disciplinas e destaca para uma determinada necessidade formativa do sujeito (Zabala, 2002).

Nessa linha de raciocínio estão as competências atitudinais, que englobam os valores, atitudes e normas. Todavia, muitos docentes se prendem ao ensino dos conteúdos conceituais e procedimentais, deixando de trabalhar as competências desse nível, por desconhecer o seu papel em relação ao desenvolvimento daquelas competências, além da falta de formação pedagógica que lhe dê suporte.

Nesse sentido, o desafio docente é identificar estratégias para trabalhar com componentes sem apoio disciplinar e que são fundamentais para o desenvolvimento de competências prescritas na finalidade do ensino, como, por exemplo, exercer a autonomia de forma responsável e crítica por meio do conhecimento de si, das pessoas e da realidade. Portanto, destacamos a necessidade de que sejam implementadas áreas curriculares que assumam conteúdos interdisciplinares, ao mesmo tempo que contribuam com a aquisição de conteúdos de caráter metadisciplinar. Contudo, para aplicar os conteúdos de caráter metadisciplinar, é necessário que sejam abordados, de forma sistêmica, como estratégia para garantir que sejam contemplados em todas as áreas ou em todas as disciplinas como instrumento de reflexão (Zabala, 2002).

Outro aspecto importante a considerar no desenvolvimento de competências como autonomia, cooperação, liberdade, dentre outras, é que não podem ser tratadas em apenas uma unidade didática ou em uma atividade. Ao contrário, a autonomia deve ser desenvolvida por meio de variadas vivências, nas quais sejam embasados, de forma sistemática, valores e atitudes, simulações de realidades, reflexão, todos por meio de exemplos. Tais vivências devem ser planejadas de maneira explícita e formal no planejamento de ensino para serem aplicadas ao longo do curso e por toda equipe docente. Embora Zabala (2010) reconheça a dificuldade de avaliar os conteúdos de caráter metadisciplinar, decorrente do fato de não se definirem, de forma clara, as ações necessárias em que serão desenvolvidos e o resultado esperado para conhecer o desenvolvimento de tais competências no processo de ensino e aprendizagem, o que dificulta avaliar os resultados esperados.

Assim, acreditamos que os estudos sobre prática educativa e possíveis implicações para a formação da autonomia do estudante são uma abordagem necessária e urgente, tendo em vista que o paradigma da complexidade exige novas formas de aprender. Logo, as estratégias de ensino devem ser ressignificadas no Ensino Superior a partir de novos alicerces teóricos.

Referimo-nos, anteriormente, sobre a falta de formação pedagógica de grande parte dos docentes que atuam na educação superior, principalmente nos cursos de bacharelado, onde são priorizados os conhecimentos técnicos da formação e a experiência profissional na área, em detrimento dos conhecimentos pedagógicos necessários à docência. Não há exigência legal de formação pedagógica para contratar um docente, como aponta Tardif (2009, p. 61) “[…] também não exigem que eles tenham conhecimentos especializados, em matéria de relações interpessoais ‘professor/estudante’ de apoio ao desenvolvimento, ou avaliação de aprendizagem”. A exigência mais comum para contratar um docente bacharel é que tenha o maior nível de pós-graduação específica na área de conhecimento de atuação. De fato, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei 9.394/96 – considera a pós-graduação como título que habilita a atuação docente no Ensino Superior: “A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em cursos de mestrado e doutorado” (Brasil, 1996, art. 66).

Contudo, nem sempre o mestrado e o doutorado contemplam as lacunas do campo pedagógico. A formação docente costuma partir de iniciativas individuais e não como proposta institucional. Por outro lado, com a transição paradigmática que a sociedade tem vivido, a educação também precisa rever tal posicionamento, principalmente sobre o papel do docente. No novo paradigma da docência no Ensino Superior, o domínio dos conteúdos técnicos não compreende as variadas demandas sociais, são necessários conhecimentos que contemplem a prática docente e os saberes pedagógicos (Behrens, 1998). Cabe salientar que essa discussão proposta não questiona o conhecimento docente da sua formação de base, mas a adequação das ações desenvolvidas pelo docente no processo de aprendizagem dos estudantes, o que demanda uma formação específica no campo didático e pedagógico.

Em algumas situações, os docentes do Ensino Superior apenas repetem as atividades que foram utilizadas pelos professores em sua formação. Por isso, destacamos a importância da formação pedagógica desses profissionais para melhorarem suas práticas, afinal, as ações do professor são complexas e envolvem diversas questões, além dos aspectos relacionados aos saberes específicos da área de formação do professor. Segundo Pimenta e Anastasiou (2008, p.178), “[…] a profissão docente é uma prática educativa, é uma forma de intervir na realidade social, no caso mediante a educação […]”, portanto, os educadores devem criar as condições necessárias para a sua realização.

Conforme o Paradigma da Complexidade (Morin, 2002; Behrens, 1998) especialmente nas últimas décadas, tem se tornado cada vez mais relevante investigar as relações que envolvem a prática docente. A adoção do paradigma da complexidade na pesquisa em educação representa uma mudança significativa na forma como os fenômenos educacionais são compreendidos e investigados. Em contraponto às abordagens tradicionais que fragmentam o conhecimento em disciplinas isoladas, o paradigma da complexidade adota uma visão integradora e transdisciplinar, essencial para lidar com a complexidade inerente aos processos educacionais, nos quais os fenômenos devem ser analisados com múltiplos contextos e interconexões.

O professor precisa sair do centro e dividir o protagonismo do processo de aprendizagem com os estudantes. Para Masetto (2003, p. 24), “[…] a mudança está na transformação do cenário do ensino, em que o professor está em foco, para um cenário de aprendizagem, em que o aprendiz (professor e aluno) ocupa o centro”.

Com isso, não há como falar de prática docente sem abordar as teorias que norteiam esse processo, porque as ações docentes são subsidiadas por variadas correntes pedagógicas e a escolha de uma influenciará nas ações e estratégias de ensino-aprendizagem escolhidas.

Alguns autores categoriza m as teorias, abordagens ou correntes teóricas do processo de ensino e aprendizagem, a exemplo de Libâneo (1982), Mizukami (1986) e Behrens (1999). Cada autor utiliza de diferentes critérios para compor sua categorização. Segundo Santos (2005), Libâneo (1982) tomou como referência as finalidades sociais da escola, Mizukami (1986) considerou a relação do sujeito, a do objeto e interação entre ambas. A categorização realizada por Behrens (1999) tomou como critério a transição paradigmática, por entender que esse processo influencia significativamente a sociedade, a educação, as propostas pedagógicas e, em particular, o ensino oferecido pelas universidades. Podemos perceber que o modelo tradicional, que tem o docente como detentor do conhecimento e o estudante receptor passivo de um ensino reprodutivista e mecanicista, não corresponde aos anseios formativos de um sujeito autônomo.

Dentre os desafios para a educação no contexto do novo paradigma está a superação de uma educação conservadora, que trata o estudante como simples cumpridor de tarefas e normas para ser “aprovado”, considerando o docente como um transmissor de conteúdos. As demandas sociais não comportam o Paradigma Conservador como norteador ideológico da prática docente. A universidade não pode ser vista como o único espaço de formação dos estudantes, pois o sujeito aprende nas mais diversas possibilidades de interação, sobretudo atualmente, com as redes sociais e a internet. Portanto, as universidades precisam estar preparadas para formar esses sujeitos, superando a visão fragmentada de ensino, de modo a unir teoria e prática a fim de preparar estudantes-cidadãos que reconheçam as suas subjetividades, comprometidos com a ética, a criatividade, a criticidade e a transformação de sua realidade.

Destarte, é importante que o docente tenha clareza sobre qual abordagem norteia a sua prática, tendo em vista que as representações vão conduzir as decisões em relação à sua relação com os estudantes e desses com os conteúdos e com a avaliação. Essa percepção pode possibilitar ao docente refletir, por exemplo, se suas representações sobre a docência têm afinidades com sua prática, pois algumas vezes não há. Portanto, essa incompatibilidade do discurso em relação à prática, em muitas situações, ocorre justamente por falta de conhecimento e/ou de formação pedagógica.

6 PRÁTICA DOCENTE E SEUS PRESSUPOSTOS EPISTEMOLÓGICOS

As representações orientam a forma como percebemos e nos posicionamos diante de diferentes aspectos da realidade (Jodelet, 2001, p. 17). Por esse motivo, é importante conhecer as representações, pois elas podem ser indicativos de como acontece a prática docente e de suas bases epistemológicas.

A docente Maria Luiza (entrevista, grifo nosso) afirma que:

A minha sala de aula sempre foi um laboratório para aprendizagem tendo como base as ideias Paulo Freire. Até no meu doutorado Paulo Freire me acompanhou. Sempre acreditando que o homem pode construir sua autonomia pelo conhecimento, conhecer é a chave da independência, conhecer é a chave da conscientização do sujeito se sentir no mundo, com o mundo e para o mundo.

Reconhecemos, considerando o discurso da professora Maria Luiza (entrevista), que sua prática tem como elementos norteadores a construção de uma educação emancipatória e eticamente comprometida com a humanização dos sujeitos. Para a docente, a autonomia está diretamente relacionada ao conhecimento, visto como a chave que vai abrir a independência dos sujeitos. Assim, o conhecimento está diretamente relacionado ao desenvolvimento da consciência crítica para a formação de sujeitos capazes de exercer sua cidadania, além de valorizar a horizontalidade dos saberes, essa proposta pode dialogar com todos os níveis educativos. Esse modelo de educação tem como referencial Paulo Freire, que salienta a relevância do diálogo para a formação de sujeitos autônomos, conscientes da sua realidade.

A docente afirma ainda que procura identificar as necessidades formativas dos estudantes para planejar sua prática, a exemplo da experiência relatada a seguir, em que os estudantes apresentavam deficiência de leitura:

Gosto também de trabalhar com a pesquisa bibliográfica por conta da deficiência de leitura, quando buscam, pesquisam, leem e aprendem. Então em uma experiência com a turma de Direito com a disciplina TGA (Teoria Geral da Administração) eu tive uma experiência lindíssima com o tema liderança. Cada grupo escolheu um personagem da história, da sociedade humana: Jesus Cristo, Alexandre (O Grande), Gandhi, Carlos Magno, Salomão, vários outros. Eles pesquisaram a história de cada um. A partir do perfil de cada personagem eram trabalhados aspectos teóricos do conteúdo de liderança, e teoria da gerência, que é a principal função do gestor é ser líder[…] Meu desejo mesmo seria dar aula sem máquina, com leitura e vivência, promovendo feiras de artesanato, visitas técnicas para que os estudantes elaborem propostas práticas, debatendo e estimulando a reflexão (Maria Luiza, entrevista, grifo nosso).

Nesse sentido, a docente admite que, a partir dos conteúdos e contribuições dos teóricos de referência das disciplinas, promove algumas atividades para despertar nos estudantes a reflexão sobre seu papel social, profissional responsabilidade, autoestima, criatividade, criticidade e aplicabilidade prática. A docente afirma ainda, que alinhar todos esses propósitos não é fácil, contudo, é possível. Assim,  relata algumas experiências consideradas exitosas, como as atividades solicitadas em disciplinas ministradas e postas em prática pelos estudantes: “[…] têm, inclusive, os projetos da Panaceia e da Vita Crock que foram elaborados por alunos em minhas aulas. Isso é bacana porque a gente vê frutificar o trabalho. O aluno transforma sua realidade a partir de uma provocação nossa” (Maria Luiza, entrevista, grifo nosso).

A prática docente Maria Luiza dialoga com os pressupostos do paradigma da complexidade, nos quais as aulas expositivas cedem espaço para o ensino com pesquisa, promovendo um ambiente de aprendizagem inovador e participativo por meio de investigações individuais e coletivas. Com isso, o estudante de forma ativa no seu processo de aprendizagem, busca informações significativas, problematiza e produz conhecimentos relevantes. Desse modo, pode estar contribuindo para a formação da autonomia dos estudantes do Curso de Administração, na medida em que o aluno é estimulado a criar empresas cujo lucro é importante para o sustento de sua família, empresa que, alcançando sucesso, tem dado emprego a outras famílias, como é o caso dos empreendimentos citados pela docente, já reconhecidos no mercado, os quais contribuem para a “transformação da realidade”, como citado pela professora entrevistada.

A docente Maria Luiza afirma que prefere utilizar estratégias que relacionem a teoria com a prática, como visitas técnicas, para que os estudantes observem a dinâmica de organizações:

Acho a visita técnica muito importante, quando a turma chega às empresas e consegue diagnosticar alguma demanda, solicito que elabore propostas de intervenção com base em experiências reais, eles elaboram um plano de cargo e trabalho, por exemplo. Gosto de colocar o estudante em constante diálogo com sua realidade (Maria Luiza, entrevista, grifo nosso).

Com relação aos teóricos que orientam sua prática, a docente aponta especialistas que contribuem para o desenvolvimento da pedagogia. Com isso, podemos identificar, a partir dos relatos, as bases epistemológicas norteadoras de sua prática.

Estudei metodologia do ensino superior, até fui muito criticada por meus colegas, porque todo mundo dizia que eu deveria estudar finanças ou marketing. Mas eu fui estudar metodologia, e lá eu conheci Piaget, Vygostysk e me apaixonei pela educação. Conheci também Filosofia da ciência, da educação, estudei alguns dos grandes mestres da educação (Maria Luiza, 2017, grifo nosso).

Como evidenciado no discurso da docente, alguns professores bacharéis apresentam resistência em relação à formação pedagógica. Podemos notar em seu relato, o diferencial decorrente do fato de ter estudado Metodologia do Ensino Superior e dos autores que embasam a prática pedagógica, especificamente aqueles citados pela docente que se dedicaram ao estudo da aprendizagem. O fato de ela ter estudado teóricos como Piaget e Freire pode ter colaborado para compreender o contexto da prática pedagógica, conforme apontam os estudos de Fonseca et al. (2022) ao apresentar a importância do estudo de teorias da educação moderna e contemporânea para a prática educativa tendo em vista a necessidade de reflexão das suas práticas educativas. A docente deixa explícito que olha a realidade formativa dos estudantes a partir do diálogo e de suas necessidades, associa a teoria à prática e reconhece a importância do conhecimento como elemento emancipador do sujeito aprendente e investe nesse objetivo. Assim, podemos inferir que a ausência de uma prática fundamentada teoricamente pode acarretar algumas dificuldades para os professores bacharéis no desenvolvimento de sua prática docente.

Neste sentido, Pimenta (2005, p. 8) afirma que:

O saber do professor se fundamenta na tríade saberes das áreas específicas, saberes pedagógicos e saberes da experiência. É mobilização dessa tríade que os professores desenvolvem a capacidade de investigar a própria atividade e, a partir dela, constituírem e transformarem seus saberes-fazeres docentes.

Consideramos, também, que a importância da objetivação e ancoragem de novos conceitos a partir da formação pedagógica os docentes podem elaborar novas representações e transformarem suas práticas.

O docente Nelson explica a diferença de tratamento quando o componente curricular é teórico ou prático: “em disciplinas teóricas exponho o conteúdo e discuto para quando eles forem ler já tenham certa familiaridade. E em disciplinas práticas, aquelas que têm muito cálculo é exercitar mesmo. Exercitar diversas possibilidades” (Nelson, 2017, entrevista).

As estratégias que o docente Nelson costuma utilizar em sua prática são exercícios e aula expositiva. Percebemos que essas estratégias de ensino estão baseadas no contexto tradicional e estão delimitadas em aulas expositivas, leitura e discussão de textos, exercícios, entre outros. Para Saviani (1991), a ênfase desse ensino está pautada na transmissão dos conhecimentos, além da memorização de conteúdos e práticas pedagógicas fortemente centralizadas a métodos tradicionais. É válido destacar que essas estratégias são utilizadas em sala de aula, mas, no caso do curso noturno, em que os estudantes chegam cansados do trabalho, é necessário que outras estratégias de ensino sejam empregadas para não se tornar uma estratégia rotineira, o que pode comprometer a aprendizagem dos discentes e dificultar sua a participação, dificultando a aprendizagem significativa e, consequentemente, a autonomia de tais sujeitos.

A partir do discurso do professor Nelson, notamos que sua prática pode se aproximar do paradigma tradicional, considerando que os exercícios e a aula expositiva são estratégias repetitivas. Contudo, considerando as especificidades do curso noturno, os estudantes têm limitações de tempo para estudar fora do espaço da universidade, seria necessário buscar estratégias nas quais os estudantes pudessem aprender com os colegas, em pequenos grupos, lendo e interpretando com o auxílio do professor, aprendendo a questionar as teorias, a comparar o ponto de vista de diferentes autores e a sintetizar, além de outras atividades que desenvolvam as habilidades cognitivas superiores e que contribuirão para que os discentes construam sua própria autonomia.

Segundo Ribeiro (2009), a prática sofre influências de diversas naturezas e é fundamentada em uma base epistemológica. Nessa esteira de raciocínio, conhecer as representações pode nos dar pistas para avaliar o modo como os docentes agem em sala de aula com os discentes, a fim de mediar os conteúdos disciplinares e propiciar meios para que eles construam os conhecimentos de forma significativa e autônoma.

Quanto ao processo de avaliação, o docente Nelson deixa antever que está preocupado com a socialização do conhecimento mediante as atividades em grupo: “[…] eu passo avaliações em grupo valendo nota. Deixo os estudantes resolverem em grupo, pois quando eles são expostos a avaliação e tem que fazer algumas coisas para tirar uma nota e eles estão em grupo eles socializam muito conhecimento” (Nelson, 2017, grifo nosso).

Por meio dos argumentos do docente Nelson, notamos que sua prática se aproxima aos princípios das abordagens pedagógicas do paradigma da complexidade, ao provocar os estudantes a trabalharem em grupos no processo de construção da aprendizagem. Ao interagirem em atividades de grupo, os estudantes são provocados a serem participativos na construção do conhecimento, a cooperarem uns com os outros, uma atitude que precisa ser formada na universidade, pois é necessária na vida pessoal e profissional. Além dessa atitude, o trabalho em grupos ajuda os indivíduos no desenvolvimento de habilidades sociais e da responsabilidade. Todavia, há que se considerar que as atividades em grupos precisam ser bem planejadas e acompanhadas pelo docente, pois alguns estudantes podem ficar descansados enquanto outros levam a equipe “nas costas”, o que demanda a formação de grupos bem heterogêneos, onde haja espaços para os estudantes ajudarem seus colegas no processo de construção do conhecimento.

Identificamos, também na entrevista, que o docente Nelson tem questionado sua prática:

Fazer exercício no quadro, ficar orientando, em algum momento isso aí desgasta, isso é bom para apresentar o tema, mas não é bom para exercitar o tempo todo não. Tem uma hora que gera um desgaste que você pode fazer mil exercícios e eles vão ficar apenas copiando o que você está fazendo (Nelson, 2017, grifo nosso).

Percebemos que o docente entrevistado reconhece que a estratégia de repetição e reprodução não tem mais atendido nem as suas expectativas nem as dos discentes. Assim, quando o docente Nelson admite as limitações de sua prática ou que algumas medidas não estão sendo mais satisfatórias, é possível perceber indícios de que a base epistemológica que sustentava a sua prática não oferece mais condições para sustentar a complexidade da prática docente nos dias atuais, considerando os novos alunos que têm adentrado a universidade, em especial os estudantes trabalhadores que chegam cansados depois de um dia de trabalho e que, provenientes de uma escola pública de qualidade questionada, não detêm os conhecimentos básicos necessários ao desenvolvimento do curso superior. Sendo assim, podemos perceber que o docente tem refletido sobre as limitações do paradigma tradicional presente em sua prática. Isso pode conduzir o docente na busca de novos conhecimentos e experiências que ressignifiquem sua prática pedagógica.

No que se diz respeito ao desenvolvimento da autonomia dos discentes, a docente Maria considera que contribui para o desenvolvimento da autonomia dos estudantes a partir das estratégias adotadas. A docente costuma realizar dramaturgias, de modo a inovar, compartilhando as responsabilidades do processo com os estudantes.

Aula expositiva dialogada, que é o que eles estão mais acostumados e mais gostam. Estudos de casos, que acho muito importante no curso de administração, a parte de dramatização. Apesar dos estudantes serem muito resistentes, mas eu insisto porque eu sou psicodramaturga. E o interessante que quando essas técnicas são aplicadas nas empresas o pessoal aceita, mas em sala os estudantes são resistentes. Gosto de levar jogos (Maria, 2017, grifo nosso).

Além de aulas expositivas, a docente afirma estimular que os discentes experimentem a construção da aprendizagem de maneira ativa por meio da dramaturgia. Podemos identificar, em seu discurso, que a docente busca desenvolver atividades por meio de simulações da realidade e das dramatizações, que instiga atividades grupais que promovem uma multiplicidade de situações comunicativas. Com isso, essa professora pode estar contribuindo para desenvolver, nos estudantes, a condição de resolverem situações que a sociedade lhes impuser, seja na dimensão social, profissional ou interpessoal. É importante que a prática docente esteja voltada para formação da autonomia e o protagonismo, nesse sentido, o professor pode trabalhar com situações cotidianas, dialogando com o conhecimento científico, pois por meio do conhecimento podemos intervir na sociedade.

Tendo em vista as estratégias de ensino, a aula expositiva dialogada tem como estratégia o diálogo, de forma que a aula se torna uma troca de experiência. Nesse sentido, Anastasiou e Alves (2004) apontam para a importância da exposição de conteúdo que promova participação ativa dos estudantes, sobretudo se considerar os conhecimentos prévios dos sujeitos aprendizes.

Apesar disso, professora Maria sinaliza a necessidade do discentes em buscar os próprios conhecimentos:

A gente tem que dar caminhos, para ele buscar e construir o conhecimento dentro do que a gente está colocando para ele buscar, dentro da realidade atual, trazendo estudos de caso para ele aplicar o conhecimento dele também, para realidade dele também, não só despejar o conteúdo (Maria, 2017, grifo nosso).

Fica evidente, na prática docente de Maria, que ela trabalha no sentido de formar a autonomia dos estudantes de Administração. Nesse sentido, ela aponta caminhos, sugere estudos de casos e coloca-se contrária a uma prática na qual o professor “despeje” o conteúdo na cabeça dos educandos. Com efeito, no paradigma da complexidade a educação deve propiciar meios para que o estudante possa desenvolver suas capacidades críticas, além do funcional, não limitar o estudante a “[…] adquirir a aprendizagem de um ofício, mas que deve facilitar a aquisição de competências que permitem fazer frente às numerosas e variáveis situações que encontrará como trabalhador ou trabalhadora, algumas das quais serão imprevisíveis […]” (Zabala, 2002, p. 57). Logo, percebemos que a docente provoca os estudantes a saírem da zona de conforto e serem ativos na construção do conhecimento  ao salientar que: “A gente não vai despejar conteúdo para os alunos, eles também têm que buscar. Não tem sentido despejar o conteúdo” (Maria, 2017).

Contudo, percebemos alguns elementos contraditórios na prática da professora Maria, o que é coerente com a Teoria das Representações Sociais. Afinal, os sujeitos sociais recebem influências variadas e, às vezes, apresentam um discurso que tende para um núcleo central conservador; eles recebem influências dos elementos periféricos que, em constante contato com a realidade social, estimulam mudanças nas suas representações e práticas. Assim, a docente, ao tempo que desenvolve estratégias que despertam o desenvolvimento da autonomia, aplica um método avaliativo voltado para a premiação do indivíduo que cumprir as atividades propostas, o que difere do objetivo da avaliação que é coletar informações sobre a aprendizagem dos estudantes durante um período. Conforme o relato da docente:

Quando são disciplinas mais teóricas, eu passo muito resumo porque tem a obrigação de ler e trazer o conteúdo para sala. Para que os alunos leiam, tenho que dar ponto, para incentivar a participação. Ao final da unidade eu dou um ponto para quem cumpre todos os resumos e meio ponto para quem cumpre 50%, dentro da nota que estiver mais baixa, prova ou outra atividade (Maria, 2017, grifo nosso).

De acordo com o discurso, a docente vivencia o dilema da resistência dos estudantes para realizarem leituras. Nessa situação, a professora aparenta ter alguns limites para intervir e encontra apoio em métodos tradicionais. Identificamos que ela não tem plena satisfação com a escolha da estratégia escolhida, visando que os estudantes leiam para elaborarem resumo do conteúdo. Ao que parece, utilizar a premiação, como nas velhas práticas tradicionais, pode ser um elemento que dificulta a formação da autonomia, pois para que o estudante – trabalhador em formação – atue, “[…] não basta o educando reproduzir as informações que a ele forem confiadas. É preciso que as compreenda, as manipule e as possa utilizar de modo flexível, transferível e multilateral […]” (Luckesi, 1994, p. 132). Pelo exposto, a docente transita entre diferentes paradigmas, pois, como mostramos anteriormente, ela promove a dramaturgia na sala de aula, que é um indício de uma metodologia ativa, todavia se vale de exames e da atribuição de prêmios para os estudantes fazerem as atividades, o que contraria um ensino baseado no paradigma da complexidade.

Nas reflexões do docente José é demonstrado reconhecer a importância de o estudante ser autônomo e responsável pelo seu processo de aprendizagem. Além disso, ele não se exime do seu papel de mediador do processo de aprendizagem.

O aluno não tem que ser apenas o sujeito passivo do processo educacional. Ele tem que ser responsável pela formação dele, ele é o sujeito ativo. Eu ainda acredito que o professor é o condutor do processo. O professor está ali para isso. Ele tem mais experiência, tem formação. Agora de forma mais participativa com os estudantes (José, 2017, grifo nosso).

Ao se posicionar como mediador, o docente se coloca entre o estudante e o objeto de aprendizagem. Para tanto, é fundamental a superação do paradigma tradicional, no qual o professor é detentor do conhecimento. No papel de mediador, o docente contribui para que as novas informações sejam transformadas em conhecimento e, assim, promover novas aprendizagens, consolidando o surgimento de novos conhecimentos com os conhecimentos prévios trazidos pelo estudante.

O docente José também alega que a ausência de infraestrutura adequada dificulta a escolha de estratégias diversificadas:

Tenho trabalhado muito com estudos de caso e com resolução de problemas. Porém, aqui na UEFS, a infraestrutura prejudica. O docente tem dificuldade com Internet, tem dificuldade com ambiente físico… então eu tento me adaptar à estrutura que eu tenho (José, 2017, grifo nosso).

As condições de trabalho, em alguns casos, são determinantes para o docente adotar práticas inovadoras, como o acesso a laboratórios. Uma análise sobre a infraestrutura das universidades públicas no Brasil dá evidências de uma verdadeira crise, com inversões de prioridades governamentais, pautadas nos princípios de minimalização do papel do Estado e aplicação de medidas de contingenciamento de despesas, tudo isso tem impactado na infraestrutura e nas condições de trabalho, tanto da gestão quanto para os docentes, o que reflete significativamente na qualidade da formação dos estudantes, cuja responsabilidade é da universidade. 

O discurso da docente Lutero mostra que ela tem questionado o paradigma conservador ou tradicional, ao considerar que a aula expositiva não basta para promover a aprendizagem dos estudantes, porque o conteúdo fica centrado na figura do professor que expõe sua ideia e “pronto”, enquanto o estudante, de forma passiva, é reduzido a um mero reprodutor que ouve, anota, fotografa os slides e os reproduz na prova.

Embora a aula expositiva seja muito utilizada como estratégia de ensino, não gosto muito porque uma pessoa que tem uma ideia e “pronto”. Leva e transfere aquele formato, os estudantes ouvem, anotam, fotografam o quadro ou recebem os slides e reproduzem na avaliação. Ou seja, você não está produzindo nada, não está analisando, não está contribuindo. É só uma transmissão de pensamento, às vezes até transmissão de ideias equivocadas, o que resulta num país com pessoas de possibilidades críticas limitadas (Lutero, 2017, grifo nosso).

A docente, ao reconhecer que somente a aula expositiva não estimula a participação crítica e ativa dos estudantes no processo de construção do conhecimento, opta por uma prática mais dinâmica, promovendo: “workshop, palestra, construção de revistas, coisas que poderiam ser melhores e ampliadas” (Lutero, 2017, entrevista). Observamos que a partir de sua prática, envolve os discentes por meio de estratégias ativas, com o uso de recursos tecnológicos, o que pode contribuir para o desenvolvimento da autonomia. 

Existem muitas formas de trabalhar o conhecimento como os meios digitais, nas redes sociais, nos celulares. Como você utiliza o celular para criar grupos, aplicativos, criar conexões. Utilizar os espaços de convivência para que… na realidade eu vejo que o alunato não sabe que eles estão criando ou podem criar (Lutero, 2017, grifo nosso).

No entanto, as tecnologias não representam necessariamente inovação da prática docente. A inovação depende de uma proposta bem elaborada que tenha como objetivo promover a aprendizagem e a autonomia dos sujeitos. Embora as novas tecnologias façam parte da realidade da sociedade chamada “do conhecimento”, concordamos com Tavares (2003, p.110) quando afirma que:

É preciso mexer em profundidade nos modos de ensinar e aprender e, eventualmente, desaprender, adotando métodos de trabalho em que a criatividade, autonomia e a colaboração entre os diferentes agentes dos processos com recursos às tecnologias da informação e da comunicação não sejam palavras vãs, mas, pelo contrário, constituam os fundamentos dessa mesma transformação.

Ao que tudo indica, a docente Lutero está formando uma nova consciência influenciada por alguns pressupostos que se aproximam do paradigma da complexidade, isso tem refletido em sua prática.

 Já a docente Rocha demonstra insatisfação porque os estudantes não fazem as atividades recomendadas, deixam para o final do semestre ou se comportam como expectadores:       

A gente deixa para o aluno fazer a atividade, e aí “quebra a cara” como costuma acontecer. Na hora que você vai ver, a atividade que deveria ser processual, o aluno ficou o semestre inteiro sem fazer nada. Agora, no final do semestre ele fica desesperado para finalizar o trabalho. Tem alguns que estão ali apenas como espectadores da disciplina (Rocha, 2017, grifo nosso).

Na representação do docente Rocha é proferida a expressão “quebra a cara”, relacionada ao fato de os estudantes não realizarem as atividades processualmente no decorrer do semestre. De fato, esse é um grande problema enfrentado pelos docentes na atualidade. Tudo indica que existe uma cultura entre os estudantes do imediatismo. Parece que não há um planejamento das tarefas diuturnamente. É como se os jovens vivessem o agora, não se organizassem para as atividades semanais e mensais. 

Outro elemento que merece destaque é quando o docente atribui o fracasso do estudante ao fato de este portar-se na sala de aula “como espectador da disciplina”. Assim sendo, inferimos, a partir do relato do docente Rocha, que os docentes poderiam se mobilizar para discutir tal problemática com os pares no sentido de desenvolverem dinâmicas que possibilitem a formação de um ambiente colaborativo, motivador, para que os estudantes assumam o protagonismo no processo de ensino e aprendizagem. Nesta pesquisa, vimos que alguns professores têm desenvolvido metodologias ativas, nas quais os estudantes não ficam na sala na condição de expectadores, mas na condição de sujeitos ativos na construção das aprendizagens.

Com efeito, segundo Pozo e Mateos (2009), não há uma resposta mágica para fomentar a autonomia e o uso competente do conhecimento. Contudo, o docente pode utilizar algumas propostas metodológicas que priorizam a reflexão e a interação. Nesse sentido, Huertas (2009) afirma que para o professor contribuir com a formação da autonomia dos estudantes é necessário que envolva os discentes em várias fases do planejamento das atividades da disciplina. Nessa lógica, o professor pode socializar com a turma os objetivos das atividades, planejar com os estudantes as etapas e as estratégias para desenvolvê-las, dentre outras possibilidades de participação discente. Afinal, segundo Huertas (2009), os estudantes ficam mais motivados quando as atividades são desafiadoras e quando eles conseguem atribuir sentido para seu processo formativo. 

Além do mais, Tavares (2003, p. 10) deixa claro que: 

Os alunos de hoje têm preocupações muito diferentes dos de há 10 ou 20 anos atrás e dispõem, em número crescente, de meios, equipamentos e plataformas de ação e interação bastante alargadas e poderosas […] lutam por causas, a nossos olhos, muito nobres, para as quais se esperam respostas inovadoras, sérias e urgentes, como uma melhor docência e aprendizagem, mais recursos pedagógicos e sociais.

Com base nas entrevistas, foi possível perceber que há docentes do curso de Administração que têm questionado suas práticas, embora falte, para alguns, uma base teórica do campo da pedagogia e da didática que fundamente a transformação da sua prática. Percebemos que tais inquietações têm emergido a partir da percepção dos próprios professores que as estratégias utilizadas não estão correspondendo às necessidades formativas dos estudantes. Segundo Capra (1996, p. 27), “[…] a mudança de paradigmas requer uma expansão não apenas de nossas percepções e maneiras de pensar, mas também de nossos valores”. 

Isto posto, fortalecemos o entendimento que temos a respeito da necessidade de formação pedagógica para o docente bacharel. Normalmente, esse profissional possui competências voltadas para os conteúdos específicos da sua área de formação, no caso de Administração, aquelas voltadas para o mercado de trabalho. Entretanto, a docência universitária requer além dos conhecimentos técnicos específicos da área de formação, também que o docente domine algumas bases teóricas do processo de ensino-aprendizagem.  Com a formação pedagógica, pretende-se que o docente compreenda a necessidade de superar a perspectiva conservadora da educação que acolhe os conteúdos específicos da área em formação como suficientes para o exercício da docência no Ensino Superior. A esse respeito, Libâneo (2011) explica ser comum no Ensino Superior que os saberes pedagógicos sejam considerados de menor relevância para atuação docente. 

Ao defendermos a formação pedagógica para professores bacharéis, corroboramos com Vasconcelos (2000) quando afirma que a formação pedagógica do docente contribui para fortalecer o envolvimento desses profissionais com as questões do ensino e aprendizagem. Até porque, a partir da formação pedagógica, é possível que os docentes reflitam mais sobre suas práticas, o que segundo Vasconcelos (2000, p. 31), é “[…] absolutamente indispensável, para “pensar” a Educação; seus objetivos, seus meios, seus fins, seu raio de influência, seu envolvimento com a sociedade, seu compromisso com todos os alunos que pela escola passam”.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir desta pesquisa, foi possível identificar que a prática docente dos professores do curso de Administração da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) é marcada pela coexistência de paradigmas tradicionais e emergentes. Isso reflete a influência de representações sociais enraizadas tanto na racionalidade instrumental, típica do paradigma tradicional, quanto nas novas abordagens que privilegiam a complexidade e a interatividade no ensino. O demonstra que muitos docentes ainda carecem de formação pedagógica específica, essencial para a construção de práticas mais reflexivas e emancipadoras.

Diante da carência de disciplinas relacionadas à pedagogia universitária na formação inicial ou mesmo na pós-graduação dos docentes, emergem lacunas no desenvolvimento de competências que favoreçam uma educação mais crítica e transformadora e despertar nestes profissionais o reconhecimento da importância da formação pedagógica continuada para a superação dessas limitações e para o fortalecimento de estratégias pedagógicas que promovam a autonomia dos discentes. 

Em suma, a formação pedagógica continuada e a superação do paradigma tradicional no ensino superior constituem aspectos essenciais para o aprimoramento da prática docente e, consequentemente, para a formação de sujeitos autônomos e críticos, capazes de intervir de forma ativa na sociedade.

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1Bacharel em Administração, Mestra em Educação,
Analista da Universidade Estadual de Feira de
Santana (UEFS), Feira de Santana /BA- Brasil.
E-mail: andreiaborges@uefs.br

2Licenciada em Letras e em Pedagogia, Mestra e Doutora em Educação e
Professora Permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Feira de Santana Bahia:
E-mail: marinalva.biodanza@hotmail.com