A LEI Nº 10.639/03: UMA ANÁLISE ENTRE UMA ESCOLA QUILOMBOLA E UMA URBANA NA CIDADE DE MACAPÁ

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th10249161303


Ivaldo da Silva Sousa
Esmeralda Viana Braga Sá 
Aldinei Borges de Almeida 
Ana Cleia Lacerda da Costa Sousa 
Arivaldo Leite Mira 
Elizabete Belo Lobato 
Jeanne do Socorro Batista Aguiar 
Jocivannia Maria de Sousa Nobre Dias 
Josiette de Nazaré Silva da Costa 
Marlene de Souza da Cunha 
Mércia Ferreira de Souza 
Rildo Frederico Ferreira 
Simone Pelaes Maciel Nunes


Resumo 

O objetivo principal desta pesquisa foi investigar como a gestão e as políticas públicas relacionadas à Lei nº 10.639/03 vêm sendo desenvolvidas na Escola Estadual Alexandre Vaz Tavares, na zona urbana de Macapá, e na Escola Estadual Quilombola José Bonifácio. Buscamos identificar, em nossos objetivos específicos, as semelhanças e singularidades na implementação das ações pedagógicas da referida Lei nº 10.639/03; investigamos os projetos de inclusão étnico-racial desenvolvidos nas escolas pesquisadas; investigamos as leis de diversidade étnico-racial e políticas públicas educacionais implementadas em Macapá; investigamos ainda a funcionalidade do Núcleo de Educação Étnico-Racial (NEER/SEED). A abordagem da pesquisa foi do tipo documental qualitativo, na qual utilizamos o método comparativo entre as duas escolas. Tivemos a pesquisa documental com delineamentos qualitativos como técnica; utilizamos a análise documental e a observação dos espaços escolares. Quanto aos instrumentos de análise de dados, tivemos como resultado das observações e documentais, tomando como base o desenvolvimento de projetos educacionais e ações pedagógicas que preconizam a Lei nº 10.639/03, sempre fazendo a relação e comparação entre as duas escolas pesquisadas. Como resultado, constatamos que a Escola Estadual José Bonifácio, localizada no Quilombo do Curiaú, apresenta maiores manifestações pedagógicas voltadas às questões étnico-raciais, desde as ilustrações contidas em todos os espaços escolares até uma infinidade de projetos educacionais que são realizados durante o ano letivo; por outro lado, na Escola Estadual Alexandre Vaz Tavares, não foram detectados projetos educacionais ou quaisquer ilustrações voltadas para questões étnico-raciais, levando-nos a perceber as particularidades e singularidades existentes entre as duas escolas.

Palavraschave:  educação;  políticas públicas; gestão; leis.

Abstract 

The main objective of this research was to investigate how management and public policies related to law 10.639/03 have been developed in Alexandre Vaz Tavares State School in the urban area of Macapá and in the Quilombola José Bonifácio State School, seeking to identify in our specific objectives the similarities and singularities in the implementation of the pedagogical actions of the aforementioned Law 10.639/03, we investigated the projects of ethnic-racial inclusion developed in the schools surveyed, we investigated the laws of racial ethnic diversity and public educational policies implemented in Macapá, we also investigated the functionality of the Nucleus of Racial Ethnic Education-NEER/SEED. The research approach was of the qualitative documentary type, where we used the comparative method, between the two schools. We had documental research as qualitative designs, as techniques, we used document analysis and observation of school spaces. As for the data analysis instruments, we had as a result the analyzes based on the data of observations and documental analyses, based on the development of educational projects and pedagogical actions that advocate law 10.639/03, always making the relationship and comparison between the two schools surveyed. As a result, we found that the José Bonifácio State School, located in Quilombo do Curiaú, presents greater pedagogical manifestations focused on ethnic-racial issues, from the illustrations contained in all school spaces to an infinity of educational projects that are carried out during the school year, on the other hand, at the Alexandre Vaz Tavares State School, no educational projects or any illustrations focused on ethnic-racial issues were detected, leading us to perceive the particularities and singularities existing between the two schools.

Keywords: education; public policy; management; laws.

1  Introdução

Em nossos objetivos gerais, investigamos de que forma vem sendo realizados as práticas pedagógicas e os projetos voltados para o desenvolvimento da Lei nº 10.639/03 na região urbana e quilombola de Macapá. Como objetivos específicos, buscamos identificar as semelhanças e singularidades na implementação das ações pedagógicas da referida Lei nº 10.639/03; investigamos os projetos de inclusão étnico-racial desenvolvidos nas escolas pesquisadas; investigamos as leis de diversidade étnico-racial e as políticas públicas educacionais implementadas em Macapá; investigamos ainda a funcionalidade do Núcleo de Educação Étnico-Racial- (NEER/SEED).

A mais recente lei educacional relacionada às questões étnico-raciais brasileiras foi a Lei nº 10.639/03, que surgiu após muitas discussões e reivindicações dos movimentos sociais de afrodescendentes, o que teve como resultado a proposta de lei apresentada ao Congresso Nacional pelo Deputado Federal Paulo Paim, em 2003. Grandes mobilizações surgiram para pressionar a aprovação da proposta de lei, cujo resultado foi a concretização da Lei Federal nº 10.639/03, de 9 de janeiro de 2003, que trouxe a obrigatoriedade do ensino sobre a História e Cultura Afro-Brasileira nos ensinos fundamental e médio.

Faz-se necessário o estudo sobre a execução e o desenvolvimento da Lei nº 10.639/03 e o desenvolvimento da gestão escolar nesta política pública e ainda poder comparar seu desenvolvimento em lugares considerados opostos, ou seja, uma escola da zona urbana de Macapá e a outra da zona rural quilombola. Acreditamos, assim, ser fundamental que se desenvolvam pesquisas que tragam o tema em questão para uma melhor compreensão de problemas educacionais relacionados aos preconceitos étnico-raciais nas escolas, e as observações e reflexões feitas sobre as questões do preconceito e discriminação racial no cotidiano do ambiente escolar. 

Fazemos essa discussão como forma de caracterizar o pano de fundo cultural das atuais relações étnico-raciais, que justificam a necessidade de questionamentos sobre a possibilidade de uma luta contra o preconceito e discriminação racial na escola. Com base na Lei nº 10.639/03,que traz todas as diretrizes e bases de educação nacional para que seja incluído, no currículo das instituições escolares, tanto nas escolas públicas quanto particulares, o estudo da temática “História e Cultura Afro-brasileira”, é que surgem nossas principais questões norteadoras do presente estudo: Como a Lei nº 10.639 /03 está sendo aplicada no âmbito das escolas estaduais em Macapá? Quais são as similaridades da aplicabilidade da Lei nº 10.639/03 na Escola Estadual Alexandre Vaz Tavares e na Escola Estadual Quilombola José Bonifácio? 

Em nossa pesquisa qualitativa, faremos as análises documentais de forma comparativa entre as escolas já citadas acima. Consideraremos, como documento, as imagens fotográficas dos acervos escolares, como também imagens contidas nos espaços escolares, juntamente com as análises dos projetos desenvolvidos por ambas as escolas, incluindo o Projeto PolíticoPedagógico das mesmas.

2  Referencial teórico
2.1  Políticas públicas e o afrodescendente no Brasil

No Brasil, temos muitas leis que, em sua teoria (atente que estou falando em sua teoria, porém na sua prática e execução apresentam-se deficitárias), deixam-nos orgulhosos, demonstrando que são leis modernas, contemporâneas e as mais avançadas, levando em consideração outros países do globo. Ressalto, novamente, que nossas leis e políticas públicas, em sua teoria, são “belas”, porém, com base em nosso dia a dia, percebemos que muitas apresentam falhas em sua praticidade e execução.

Cito, como exemplo, a nossa legislação, que busca a igualdade entre todos, chegando a ser uma das leis mais progressistas, já vistas no mundo, porém não é o que percebemos em nossa prática diária. Aprovamos e promulgamos os mais variados tipos de estatutos de proteção às várias minorias. Temos, como exemplo, o estatuto da criança e do adolescente (ECA), o estatuto do índio, o estatuto do idoso, o da igualdade racial, a Lei Maria da Penha (que combate a violência contra a mulher). Vejam que estes são alguns exemplos da legislação que temos, as quais nos tornam referência para o mundo. Temos leis que, em sua teoria, buscam uma certa regulação de nossas relações sociais, chegando a punir atitudes racistas, considerando as manifestações racistas e preconceituosas que ainda se manifestam, às vezes de forma dissimulada, escamoteada, porém evidente. Nossas leis, no decorrer dos tempos, vêm tentando corrigir e reparar os grandes danos causados em seu povo e que se apresentam em realidades desiguais e injustas, porém queremos destacar que somente com a criação de leis de reparação não será possível mudar os comportamentos sociais e a mentalidade que já se apresenta contaminada por pensamentos preconceituosos e discriminatórios, que foram construídos socialmente durante nossa história.

Vale lembrar que o esforço tem sido grande para colocar em prática e efetivar uma educação multicultural e pluriétnica. Estes esforços têm suas fundamentações legais, “[…] nas alterações instituídas na Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDBEN) – Lei n. 9394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996) com base na Lei 10.639 de 9 de janeiro de 2003 (BRASIL, 2003) e pela Lei n. 11.645 de 10 de março de 2008 (BRASIL, 2008)” (Marçal; Lima, 2015, p. 91).

Como pesquisador e educador, podemos afirmar que a educação é a forma mais provável para alcançar as transformações necessárias para uma sociedade sem discriminação ou preconceito étnico-racial, porém o país, o estado, as escolas e os professores precisam encontrar melhores estratégias para colocar em prática as leis antirracistas e realmente tentar alcançar a real finalidade das leis, para que possam promover e melhorar as relações sociais que estão no dia a dia, ajudando na formação das subjetividades dos seres.

Destacaremos, a seguir, algumas leis que buscam a igualdade entre os cidadãos brasileiros, como, por exemplo, a Constituição Brasileira de 1988, que “foi promulgada, com um amplo processo de mobilização popular, resultado da abertura democrática experienciada a partir de 1985, que colocou fim aos vinte anos de ditadura militar” (Toledo, 2013, p. 65). É nessa mesma lei que o racismo passou a ser considerado crime, de acordo com o artigo 5º, XLII: “A prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão, nos termos da lei” (Brasil, 1998). 

Vale destacar que já existem algumas  políticas públicas locais voltadas para as questões afro-amapaense, como, por exemplo: a criação da Secretaria dos Afrodescendentes (SEAFRO), em 2006; a criação da Coordenadoria Municipal da Igualdade Racial (2010) – extinta com a criação do Instituto Municipal de Promoção da Igualdade Racial (IMPROIR); a Lei nº 1.196/08, que ratifica a Lei nº 10.639/03 em âmbito estadual (Amapá, 2008); a criação do Núcleo de Educação Étnico-Racial, por meio do Decreto nº 4.258/2008; a Lei do Marabaixo – Lei nº 049/2020 – que declara que o dia 16 de junho é o dia estadual do Marabaixo; a representação afro-amapaense no Conselho Estadual de Educação; a Resolução 025/2016, do CEE/AP. Estamos avançando lentamente e ainda dependemos muito das ações de muitos gestores, para que se efetivem na prática, de forma concreta, os verdadeiros objetivos das leis relacionadas às questões étnico-raciais e das políticas públicas.

2.2  Políticas afirmativas e seu desenvolvimento após a Constituição de 1988  

Historicamente, o Brasil traz uma deficiência educacional muito grande em relação às questões étnico-raciais, pois a população de afrodescendentes, vinda direta ou indiretamente do regime de escravidão, sempre ficou excluída do sistema educacional institucionalizado, pois hoje a história nos conta que o acesso à educação sempre foi negado ao povo afro-brasileiro.

Sabe-se que todos os direitos ao acesso do afrodescendente à educação, nos diferentes níveis educacionais, sempre se deram com muita luta. Após muitas mobilizações dos movimentos e grupos organizados, que sempre buscaram melhores formas de inclusão e garantia dos direitos do cidadão, começam a surgir as políticas afirmativas. Siss (2012, p. 18) nos ajuda a entender o conceito de políticas afirmativas, dizendo-nos que são

Políticas públicas, estatais e de caráter compulsório, elaboradas e implementadas pelo Estado. É o Estado em ação. Sua gestão pode estar a cargo do próprio Estado ou ser por ele delegada. Elas estão para a promoção e a afirmação da igualdade daqueles grupos ou minorias políticas colocadas em posição de subalternização social. 

Podemos dizer que as políticas e ações afirmativas objetivam solucionar e criar opções em que sejam garantidos os preceitos democráticos, levando em consideração a pluralidade e a diversidade cultural da formação da população.

Historicamente, é possível perceber exemplos de ações governamentais que buscam desenvolver-se em ações afirmativas, como, por exemplo:

Ainda na década de 1930, o movimento social Frente Negra Brasileira (FNB), ao identificar que a Guarda Civil de São Paulo não continha nenhum afrobrasileiro em seu quadro de membros, decidiu solicitar audiência com a presidência e teve a reivindicação atendida: nesse mesmo ano, foram contratados 200 homens afrodescendentes para integrarem a guarda civil, número que chegou a 500 profissionais no decorrer da década (Siss, 2012, p. 19).

E, aos poucos, os movimentos negros começam a ter novas conquistas. Telles (2003, p.23) apresenta algumas datas, como, por exemplo:

Em 1980, alguns estados brasileiros implantaram conselhos especiais que tratassem das questões que envolvia o negro. Em 1984, o Estado de São Paulo implanta o Conselho da Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra. Em 1985, o presidente chegou a propor a criação do Conselho Negro e Ação Compensatória, porém, na efetivação da ação, surgiu a Fundação Cultural Palmares.

Se analisarmos estes dados históricos, perceberemos que as ações dos governos foram sendo desenvolvidas de forma individual, tornando-se ações isoladas das outras regiões, mostrando assim a necessidade de uma política pública voltada para as questões étnico-raciais em todo o território nacional. Na análise de Marçal e Lima (2015, p. 74),

Dessa forma a desigualdade só poderia agravar-se cada vez mais. A postura do Estado diante da necessidade de superação da desigualdade não poderia ser diferente, visto que este não se reconhecia como racista e desigual e, portanto, não considerava que havia diferenças ou discriminações dentro da sua sociedade harmoniosa. 

Portanto, conforme Marçal e Lima (2015), nos finais da década de 1980, o país sentia o gosto da liberdade, os movimentos sociais agitavam-se e buscavam por seus representantes políticos, buscando assim a sensibilização para suas demandas. Dessa forma, os movimentos negros, juntamente com outros movimentos organizados, começam a se planejar, aspirando alcançar as garantias legais que lhes foram negadas há muito tempo.

Acreditamos que assim se dava o início para novas possibilidades de luta contra o racismo no Brasil, o que nos traz de forma legal na Constituição os princípios de tolerância e do multiculturalismo, garantindo direitos e identidades, e assim podendo dar abertura para a construção e elaboração de outras leis e ações para se combater o racismo.

A democratização vivenciada e legalmente estabelecida pela Constituição de 1988 oferecia possibilidades de avanços a grupos organizados. O movimento negro, que já havia atuado como força política na construção desse momento democrático, iniciou campanha massiva de combate à desigualdade racial existente, contrapondo o discurso de que na sociedade brasileira não existia racismo. Assim aliado a outros segmentos, esse movimento expandiu as discussões sobre a necessidade de implementação de políticas de ações afirmativas. Esse foi o cenário da década de 1990, vivenciado em um contexto bem democrático. Na academia, os intelectuais começaram a realizar de forma mais periódica estudos sobre raça como campo de análise das ciências sociais, os quais confirmaram a posição racista brasileira. Essa condição preconceituosa ficou cristalizada na comprovação, por meio de pesquisas, da constituição da situação econômica gerada pelo tratamento historicamente desigual de raças. Diante dessa constatação, não foi mais possível a sustentação da farsa de ser um país não racista. (Marçal; Lima, 2015, p. 7576).

Percebemos, assim, que, com a Constituição de 1988, os movimentos negros e também outros grupos organizados ganham forças para suas reivindicações e o mais importante é que começam as pesquisas científicas nas academias sobre as questões étnico-raciais, para que tenhamos informações precisas e reais sobre a questão negra na sociedade. Observa-se que, na década de 2000, acontecem, com mais evidências, as mudanças sociais e, de certa forma, políticas também, pois,

Depois do reconhecimento, nos anos de 1990, do racismo presente em nosso país e das recomendações da Organização das Nações Unidas (ONU) aos estados signatários para estabelecessem políticas públicas para de reconhecimento das diferenças culturais, os governos brasileiros iniciaram, desde então, a implantação e a implementação de políticas de ações afirmativas. (Marçal; Lima, 2015, p. 7).

Cavalleiro (2001) destaca que, em algumas ações se apresentam os tratamentos diferenciados pelos educadores em relação a determinados alunos brancos e, em alguns casos, manifestam-se com contatos físicos, como beijos, abraços e satisfação pela presença em sala, demonstrando, assim, um grande afeto pela criança branca, enquanto que a negra não recebe essas mesmas manifestações de afeto. Assim, cabe o questionamento: Como está sendo formada a subjetividade e a autoestima daquela criança? Está bastante disseminada a ideia de mudanças e inovações, entretanto existem grandes resistências em aperfeiçoar o processo de ensinoaprendizagem, dando maior ênfase à avaliação quantitativa do que à qualitativa.

3  Marco metodológico 

Destacamos aqui os principais objetivos que nortearam nossa pesquisa. Fizemos uma análise documental sobre a gestão escolar e as políticas públicas diante da aplicabilidade da Lei nº 10.639/03 na Escola Estadual Alexandre Vaz Tavares, na zona urbana de Macapá, e na Escola Estadual Quilombola José Bonifácio, na zona rural de Macapá. Analisamos a inclusão e o desenvolvimento das informações referentes aos estudos da “História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional”, e ainda identificamos a realização dos projetos educacionais relacionados ao que preconiza a Lei nº 10.639/03, que obriga que sejam incluídas tais temáticas, estabelecidas nas diretrizes e bases da educação nacional brasileira, observando as similaridades e singularidades entre as duas escolas pesquisadas, e ainda investigamos as leis de diversidade étnico-racial e políticas públicas educacionais em Macapá, juntamente com a funcionalidade do Núcleo de Educação Étnico-Racial (NEER/SEED).

Quanto ao cenário desta pesquisa, destacamos que o seu desenvolvimento foi na cidade de Macapá na Escola Estadual Alexandre Vaz Tavares, na zona urbana de Macapá, e na Escola Estadual Quilombola José Bonifácio, localizada na área quilombola na comunidade do Quilombo do Curiaú. Destacamos ainda que as duas escolas foram escolhidas para a pesquisa justamente por apresentarem supostamente públicos diferenciados. A escola do quilombo, possivelmente, tem um público composto por alunos do mesmo grupo étnico-racial, isso por ser uma escola localizada em um quilombo; a outra escola (Alexandre Vaz Tavares), por estar localizada em uma zona urbana de Macapá, tem um público composto por uma diversidade étnico-racial. 

Como método de procedimentos, adotamos o método comparativo.

Em nossas análises documentais e observações, estivemos atentos para identificar e  descrever de que forma vem sendo realizada na prática o desenvolvimento e a aplicabilidade  da Lei nº 10.639/03 nas regiões urbana e quilombola de Macapá, usando como referência a Escola Estadual Alexandre Vaz Tavares e a Escola Estadual Quilombola José Bonifácio, destacando ainda que buscamos identificar as similaridades e singularidades entre estas escolas na implementação das ações pedagógicas voltadas para atender os propósitos da Lei nº 10.639/03. Verificamos ainda como a escola vem desenvolvendo projetos e atividades pedagógicas relacionadas à lei, no decorrer do período letivo. 

4    Análises dos resultados
4.1  As leis de diversidade étnico-racial e políticas públicas educacionais em Macapá 

Para que seja possível termos uma visão geral das leis e políticas públicas voltadas para as questões educacionais na busca da equidade étnico-racial em Macapá, faremos algumas referências às leis federais referentes à temática aqui discutida. Portanto, voltamos a falar da implementação da Lei nº 10.639/2003 no sistema educacional e que, a partir desta Lei, cabe providências para sua efetividade. Os Estados, Municípios, Secretarias, Conselhos de Educação e demais órgãos precisam sistematizar suas prerrogativas locais para que a lei possa ser efetivada e possa surtir o efeito social. Sabemos das dificuldades da verdadeira implementação em sua prática diária escolar, portanto, reforçamos e destacamos que é uma lei de grande importância para todo o sistema educacional brasileiro, pois temos nossa formação populacional brasileira recheada com a diversidade étnico-racial.

Aqui no Estado do Amapá, cinco anos após a promulgação da Lei nº 10.639/2003, foi apresentado o Projeto de Lei nº 0090/07-AL, aprovado pela Assembleia Legislativa em 2008, sendo assim sancionada a Lei nº 1.196, de 14 de março de 2008, que institui a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana no currículo da Educação Básica (Amapá, 2008). Esta Lei Estadual, na verdade, traz em seu conteúdo a mesma matéria que trata a Lei Federal nº 10.639/03, sendo que foram incorporados dois artigos em seu corpo, apresentando algumas novidades, conforme segue:

Art. 3° Caberá ao Conselho de Educação do Estado do Amapá, desenvolver as Diretrizes Curriculares Nacionais instituídas pela Resolução n° 01, de 17 de junho de 2004, do Conselho Nacional de Educação/ Conselho Pleno/DF dentro do regime de colaboração e de autonomia de entes federativos e seus respectivos sistemas. 

Art. 4° O prazo para implementação do estabelecido no caput do art. 1° desta lei (torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-brasileira), será de 01 (um) ano, contados da publicação desta Lei. Parágrafo único. A Escola de Administração Pública do Estado disponibilizará curso de especialização para os professores de história da rede de ensino fundamental e médio, visando ao atendimento do ensino estabelecido no caput do art.1°. (AMAPÁ, 2008, art. 3º e 4º).

Observa-se que a Lei estabeleceu o prazo de um ano para implementação total da lei, colocando o Estado para capacitar os professores através da Escola de Administração Pública, com eventuais ofertas de especializações aos professores, cabendo-nos questionar: Será que o Estado já ofereceu tais especializações?

4.2  A funcionalidade do Núcleo de Educação Étnico-Racial (NEER/SEED)

No ano de 2008, o Governo do Estado do Amapá regulamentou a Lei nº 1.230, de 29 de maio de 2008, que organizou a Secretaria de Estado da Educação. Após esta regulamentação, foi criado e instituído o “Núcleo de Educação Étnico-Racial – NEER, que nasceu através da Lei 1.196/08, aprovada em 14/03/08, que propunha a criação de um núcleo de educação para os afrodescendentes. (Data de criação do NEER no dia 29/05/08)” (Custódio, 2016, p. 7).

Da Lei nº 1.196/2008, nasceu o Núcleo de Educação Étnico-Racial (NEER), subordinado à Secretaria de Estado de Educação do Amapá (SEED), uma luta também do Movimento Negro que reivindicava a criação de um núcleo de educação para os afrodescendentes. Desta forma, a SEED, atendendo reivindicações, criou o NEER no dia 29/05/2008, a partir de um processo de reestruturação desta secretaria, atendendo à publicação do Decreto nº. 4.258 publicado no Diário Oficial do Estado do Amapá em 2008, o qual dar ênfase a necessidade de estruturar um núcleo de educação voltado para a educação das relações étnico-raciais. (Custódio, 2016, p. 5).

Informações documentais do NEER/SEED nos mostram suas principais competências:

  1. – Elaborar e participar da execução dos planos, programas, projetos e ações voltados a implantação das diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais;
  2. – Propor cursos de formação continuada e o aperfeiçoamento de professores, técnicos e gestores que atuam nas escolas de comunidades quilombolas, visando a melhoria na educação e na aplicação da Legislação em vigor, que venham atender as especificidades dessas comunidades;
  3. – propor a formação continuada para os profissionais da Rede Pública Escolar da Educação, História, Cultura afro-brasileira e Africana, visando a inclusão e a preservação no ensino das origens e costumes da comunidade étnico-racial;
  4. – Propor programas de atendimento das escolas de comunidade remanescentes de quilombolas com merenda escolar, manutenção e outros a serem regulamentados;
  5. – Velar pela institucionalização da Lei nº 10.639/03, assim como a Lei nº 11.645/08, no âmbito de todo o Sistema Educacional, em condições adequadas para o seu pleno desenvolvimento como Políticas de Estudo; 
  6. – Propor estudos e ações voltadas para a superação dos preconceitos, a partir da construção de uma pedagogia antirracista;
  7. – viabilizar programa de estudos, elaboração e avaliação de materiais didáticos e paradidáticos, com recorte voltado para educação das relações étnico-raciais;
  8. – desenvolver ações de orientação curricular, assessorando em conjunto com os demais setores da SEED os planos, os programas e projetos voltados para as relações étnico-raciais no Sistema Educacional;
  9. – Manter a disposição dos órgãos de controle externos e internos, cópia da documentação comprobatória proveniente da execução física de programas, convênios, contratos, acordos e outros instrumentos firmados entre a Secretaria de Educação e outros órgãos da administração pública Federal, Estadual e Particular, cuja ação estiver sob responsabilidade do Núcleo de Educação Étnico-Racial, visando subsidiar a prestação de contas e/ou relatórios solicitados. (Silva, 2021, p. 5).

Pudemos conhecer assim as principais competências deste núcleo étnico-racial, que faz parte do organograma da Secretaria de Estado da Educação, conforme consta nos registros das Ações do NEER/CEESP/SEED. Para a Educação Escolar Quilombola temos:

  1. – Melhorias nas escolas quilombolas:
    Transporte escolar terrestre/fluvial, estrutura física, estrutura pedagógica, construção de escolas, planejamento de implantação de internet em todas as escolas quilombolas
  2. Programas para a melhoria de prédios educacionais
    Programa escola melhor – PROEM
    Programa Dinheiro Dentro da Escola – PDDE
    Programa Dinheiro Dentro da Escola Estadual – PDDEE
  3. – Matriz Curricular para a educação escolar quilombola (em formatação inserido no Referencial Curricular Amapaense)
  4. – Referencial curricular amapaense
  5. – Currículo prioritário quilombola
  6. – Projeto político-pedagógico quilombola (PPPQ) em parceria com o núcleo de inspeção e organização escolar (NIOE), núcleo de assessoramento técnico pedagógico (NATEP), unidade de currículo (UOCUS)
  7. – Atendimento às resoluções 08/12 – CNE – 025/2016 – CEE – no que tange a indicação e nomeação de gestores quilombolas. 
  8. – Adimplência/inadimplência das escolas quilombolas – responsabilidade do Estado. (Silva, 2021, p. 4).

O Núcleo de Educação Étnico-Racial (NEER/SEED) vem desenvolvendo muitos projetos. Segundo seus registros, temos:

  1. – Projeto: Diversidade em Movimento  
    Objetivo: Visa qualificar e / ou fomentar seus projetos pedagógicos frente aos conteúdos a que se referem as Leis 10.639/03 e 11.645/08. 
    O projeto alcançou sessenta e oito escolas (68) de oito (08) Municípios.
  2. Projeto: Encontro de Gestores Quilombolas
    Objetivo: realizado anualmente com o objetivo de informar os Gestores
    Escolares Estaduais, principalmente, os Gestores das 26 Escolas Quilombolas Estaduais sobre assuntos relacionados ao melhoramento das práxis pedagógicas sob a ótica da Lei 10.639/03 e a Educação Escolar Quilombola. 
  3. Projeto: Jogos Escolares Quilombolas
    Objetivo:  integrar as comunidades quilombolas do Estado do Amapá através dos jogos escolares, estimulando o desporto e conhecimento cultural além de propagar o cumprimento da lei 10.639/03, e das resoluções 025/2016 – CEE 08/2012- CNE. (Silva, 2021, p. 6).

Portanto, percebemos que, desde a criação e promulgação da Lei nº 10.639/03, viemos avançando de forma lenta em nossas leis e políticas públicas locais, voltadas para o que preconiza a Lei, e apenas em 2012 o Conselho de Educação do Estado do Amapá estabeleceu normas complementares às diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira aqui no Amapá. Com base na análise documental, observamos também que o Núcleo de Educação Étnico-Racial vem desenvolvendo muitos projetos voltados para a educação étnico-racial; portanto, voltamos para nossa experiência como profissional de educação e, também, com base em nossas observações durante esta pesquisa, nós nos questionamos: Por que as escolas ainda não conseguem se adequar em sua totalidade ao que rege a Lei nº 10.639/03?

4.3  O desenvolvimento de projetos de inclusão étnico-racial nas escolas

Fizemos o levantamento documental para analisar e registrar todos os projetos que as duas escolas desenvolvem em suas ações pedagógicas e que estão voltados para as questões étnico-raciais. Começaremos as nossas ponderações sobre as informações coletadas na Escola Estadual Alexandre Vaz Tavares. Identificamos que a escola citada não desenvolve nenhum projeto específico voltado para as questões étnico-raciais. Percebe-se que a escola busca uma formação voltada para a construção da cidadania e qualificação para o mercado de trabalho, sendo também um meio de preparação para a formação preparatória para os próximos níveis de ensino. O Projeto Político-Pedagógico da Escola Alexandre Vaz Tavares tem algumas prioridades, que ficam bem evidentes em seu texto: “Este projeto destaca como prioridades educacionais a promoção de uma aprendizagem contextualizada, significativa e de qualidade social, que contribua para baixar os índices de reprovação, repetência e evasão em nossa unidade escolar” (Macapá, 2019, p. 5). A escola vem primando por uma formação voltada para uma preparação à ascensão ao ensino superior. Como já mencionamos, não foi identificado nenhum projeto voltado para as questões étnico-raciais ou que visem desenvolver o reconhecimento da identidade dos alunos, e ainda seu reconhecimento como protagonista e sujeitos da história.

4.3.1  Análise de projetos da Escola Estadual Quilombola José Bonifácio

Analisando o Projeto Político-Pedagógico da instituição, observamos sua principal missão descrita no documento, que é proporcionar situações de aprendizagem e conhecimento que possibilitem aos educandos o desenvolvimento integral, oportunizando  o planejamento pessoal e a participação ativa do seu contexto familiar e social; respeitando a si mesmo, as pessoas e a natureza; tornando-se predisposto à sua condição racial, afirmando sua herança cultural, bem como sua identidade, para criar meios de convivência e equilíbrio com o mundo, ou seja, permitir que o educando se torne um cidadão na plenitude de suas potencialidades sociais, cognitivas e afetivas. (Macapá, 2022, p. 35-36).

No PPP da escola é sempre presente objetivos que visam respeitar às diferenças individuais de forma a direcionar o trabalho de acordo com a política de inclusão, e ainda reafirma constantemente os processos que visam contar a história de seus ancestrais, a fim de que seus descendentes se autovalorizem através de suas tradições e manifestações culturais (batuque e marabaixo), como forma de reconhecimento da sua identidade (Macapá, 2022, p. 36).

A busca pelo combate ao racismo se encontra presente neste PPP, pois a luta contra o racismo, em nosso país, vem possibilitando que sejam discutidos temas significativos para a compreensão de todo esse processo, mostrando a resistência dos africanos e seus descendentes, que não se submeteram à escravidão, que se estabeleceram e conseguiram manter vivas as suas tradições (Brasil, 2006, p. 56).

Um ponto que nos chama atenção nos objetivos específicos do PPP desta escola é que já contempla a valorização dos projetos macros que a escola desenvolve durante o ano letivo como, por exemplo, o Projeto “Canto de Casa” e “Curiaú, Mostra Tua Cara”, que trazem temas comuns à cultura quilombola, como educação, valores e saberes, tais como: terra, identidade, religiosidades, organização comunitária, história e cultura africana e afro-brasileira e outros. (Macapá, 2022, p. 37-39).

 E ainda acrescenta as atividades pedagógicas que deverão ser trabalhadas a partir dos projetos macros, onde deverão buscar desenvolver, a partir do Projeto “Curiaú, Mostra Tua Cara”, atividades pedagógicas que enfatizem a aplicabilidade das Leis nº 10.639/03 e nº 11.645/08, considerando as práticas vividas, elaborando e registrando experiências de educação, de modo que estas possam compor o currículo e materiais pedagógicos desta unidade escolar (Macapá, 2022, p. 37-39). Assim, percebemos que o PPP desta escola está valorizando as leis que regem a educação das relações étnico-raciais no Brasil. No Projeto, a escola traz a preocupação do atendimento à diversidade social, econômica e cultural existente, que lhe garante ser reconhecida como instituição voltada, indistintamente, para a inclusão de todos os indivíduos. Portanto, é visível, no Projeto Político-Pedagógico, que existe uma certa preocupação com as questões de identidade, cultura local, ancestralidade, tradições, respeitando as diversidades.  

Analisando o PPP da escola, percebemos que já constam em suas metas a realização de muitos outros projetos educacionais dentro do seu projeto macro denominado de “Curiaú, Mostra Tua Cara”. Percebemos aí que a escola vem realizando uma infinidade de projetos, os quais são desenvolvidos por todos os alunos da escola durante todo o ano letivo. Como foi citado acima, são muitos os projetos realizados por esta escola; no entanto, vamos nos ater e comentar apenas aqueles que estão voltados direta ou indiretamente para as questões étnicoraciais, que é o foco desta pesquisa.

A escola desenvolve um projeto macro denominado “Curiaú, Mostra Tua Cara”. É um projeto com atividades voltadas para o fortalecimento da identidade, com resgate das tradições do quilombo, 

[…] buscando  fazer com que os alunos se orgulhem de seu grupo étnico racial, busca ainda melhorar a autoestima, disseminar o aprendizado sobre a cultura e sua etnia, propagando o respeito, a tolerância e a fraternidade entre seus pares e demais. Dessa forma possibilitando aos alunos uma interação harmônica com as variadas culturas (Brito et al., 2021, p. 18).

O projeto Curiaú, Mostra Tua Cara, por sua vez, traz outros micros projetos interligados, que são desenvolvidos durante todo o ano letivo. Cada ano, os projetos trazem temáticas diferentes, voltadas para as questões étnico-raciais, com a culminância do projeto em uma apresentação final para toda a comunidade local, no final do ano letivo.

Portanto, nossas análises documentais nos levaram a descobrir que a Escola José Bonifácio, com o projeto Curiaú, Mostra Tua Cara, mesmo antes da Lei nº 10.632/03, já desenvolvia seus projetos com preocupações voltadas para as questões étnico-raciais. Como foi mencionado, o projeto macro (Curiaú, Mostra Tua Cara) traz outros projetos micros, como, por exemplo: Horta Medicinal/Projeto Plantando Saúde e Saberes, orientado pelas professoras Marta, Maiara e Lucilene; Projeto Foliões Mirins, com a coordenação da professora Deusiana Machado; Horta na escola, comandado pelas professoras Núbia Lopes e Nilma Lopes; Projeto Conviver, desenvolvido pelo professor Moisés, grupo de Marabaixo, que é convidado para aberturas de eventos e demais reuniões; Projeto Páscoa, o verdadeiro significado; Dia das Mães; Dia da Família; Festividade Junina; Dia dos Pais; Dia do Estudante; Dia do Professor; e um projeto diferenciado, Fábrica dos Sonhos, elaborado pela professora Roseany Brito e desenvolvido pela equipe do projeto, composta pelas professoras Francinete, Deusiana, Nilma, Núbia e Socorro Lino. Nas festividades religiosas, a escola está presente na festa em homenagem a São Sebastião, São Lázaro, Santa Maria, Santo Antônio, São Joaquim, Nossa Senhora da Conceição e São Tomé, (Brito et al., 2021, p. 37).

4.3.2       Similaridades e singularidades nos espaços pedagógicos, que propiciem a valorização das identidades brasileiras

Perante a Lei nº 10.639/03, podemos dizer que as escolas pesquisadas são similares, pois a abrangência da lei deve ser tanto para o ensino médio quanto para o ensino fundamental. Como já foi apresentado, a Escola Alexandre Vaz Tavares é uma escola que atende alunos do ensino médio e a Escola Quilombola Estadual Jose Bonifácio atende o ensino fundamental. Portanto, a escola José Bonifácio traz uma particularidade, pois se trata de uma Escola Quilombola, e ainda podemos dizer que traz uma singularidade, pois em nossas análises apresenta maiores preocupações em atender a Lei nº 10.639/03, com os inúmeros projetos étnico-raciais que esta escola realiza durante o ano letivo. Vale ressaltar que se percebe também, em seu Projeto Político-Pedagógico, esta preocupação, chegando a fazer referências sobre a temática diversas vezes, coisa que não detectamos no Projeto Político-Pedagógico da Escola Alexandre Vaz Tavares. 

Então, temos duas escolas com particularidades e singularidades diferentes, porém, independentemente de suas particularidades e singularidades, as duas se enquadram no que prescreve a obrigatoriedade da Lei nº 10.639/03 e assim trazem a necessidade de se inserir  no que trata a lei. A Escola Estadual Quilombola José Bonifácio, apesar de ser uma escola quilombola, atende também alunos das proximidades; sendo assim, é uma escola com um público com uma diversidade étnico-racial diversificada, assim como a Escola Alexandre Vaz Tavares, cujo conjunto de alunos também é composto por uma diversidade étnico-racial e cultural diversa. Acredito ser este um ponto no qual as duas apresentam similaridades também. Um ponto que acredito ser relevante nesta pesquisa foram justamente as observações e registros feitos nas dependências das duas escolas, onde foi detectado uma diferença muito grande em relação às informações contidas nestes espaços escolares, os quais acredito serem espaços também educativos e que, de certa forma, fazem parte do currículo da escola. Entendemos que o currículo pode ir muito mais além do que as disciplinas que compõem a grade curricular e educacional, podendo se estender aos elementos que compõem a escola. Desde a entrada até suas ornamentações em murais e demais imagens pela escola, tudo pode ser considerado educativo.

Com este pensamento, fizemos uma série de registros e observações. Apresentaremos aqui os registros fotográficos realizados, pois acreditamos que nestes registros se encontram muitas informações educativas. Como já foi dito, “[…] prevalece entre os especialistas a ideia de que currículo é o conjunto das atividades desenvolvidas pela escola. Portanto, currículo é tudo o que a escola faz […]. Com efeito, se tudo o que acontece na escola é currículo […] (Saviani, 2016, p. 56).

Vale ressaltar que a Escola Estadual José Bonifácio vem desenvolvendo espaços pedagógicos relacionadas à história da cultura negra local, mesmo antes da implementação da lei. A pesquisa nos colocou diante de duas realidades distintas, em que identificamos os projetos desenvolvidos e percebemos assim a diferença entre as escolas pesquisadas, onde uma não desenvolve projetos e a outra desenvolve durante todo o ano letivo projetos considerados educativos dentro das relações étnico-culturais. Vejamos as imagens das escolas. Adotaremos como metodologia a apresentação das imagens das escolas nos seus respectivos espaços, como espaços da entrada da escola, do saguão, da biblioteca, da quadra de esporte, dos corredores, do refeitório e outras imagens que se considerou relevante para esta pesquisa.  

Nestas imagens a seguir, temos a frente das duas escolas. Externamente, não há muita diferença entre uma e outra.

Adentrando, veremos, na Escola Alexandre Vaz Tavares, o espaço do saguão, onde observamos apenas a imagem do patrono da escola ou ornamentação. Pudemos observar que, na Escola acima citada, encontra-se apenas algumas informações burocráticas. Agora, vejamos o saguão da entrada da Escola Quilombola José Bonifácio:

Observa-se que a Escola Quilombola José Bonifácio demonstra uma certa preocupação em ilustrar e ornamentar o espaço de recepção da escola com imagens que fazem referência a toda uma história afro-brasileira. São elementos que retratam a cultura, a religiosidade de matriz africana, com instrumentos musicais, imagens religiosas, livros de autores afro-amapaenses sobre a temática do preconceito e discriminação e outros autores negros.

Observamos esta particularidade da Escola Quilombola José Bonifácio, na qual são utilizadas imagens buscando a representatividade nas questões étnico-culturais, e essas imagens tendem a criar significados. São imagens contidas nos espaços dos corredores, trazendo muitas referências históricas e culturais da matriz afro-brasileira.Os discursos são repassados através de cada imagem contida nos corredores, trazendo cultura e ancestralidade e experiências culturais da vida do povo quilombola, pois “O mundo visual também junta diferentes discursos – imagem e palavra – e é construído a partir de articulações que os indivíduos percebem, produzem, participam, criticam e transformam ao viver suas experiências” (Tourinho, 2009, p. 145).Um fato curioso que me chamou atenção e gostaria de registrar é o fato de que todas as salas de aulas trazem um nome próprio, como, por exemplo: sala Tio Duca, sala Mãe Venina, sala Raimundo Nem… Fazem uma espécie de homenagem a estes nomes de pessoas que fizeram parte da história da comunidade Quilombola.

Seguindo em nossas observações e análises, registramos as imagens dos espaços da biblioteca das duas escolas e aproveitamos para apresentar aqui as imagens da biblioteca da Escola Alexandre Vaz Tavares. Vejamos:

Em nossas observações neste espaço que consideramos muito importante para a construção de conhecimento, constatamos que este espaço não traz informações visuais, como o uso de imagens para ilustrar o ambiente, como se pode ver nas imagens acima. Porém, na biblioteca da outra escola pesquisada, a Escola Quilombola José Bonifácio, há uma diferença muito grande, pois na escola quilombola encontramos imagens que remetem às questões étnicoraciais e culturais. Vejamos abaixo as imagens contidas na biblioteca da Escola Quilombola José Bonifácio:

Há diferenças significativas entre estes dois espaços, se compararmos as duas bibliotecas. Nas dependências da biblioteca da Escola Quilombola José Bonifácio, como observamos nas imagens acima, podemos constatar que o espaço traz informações relevantes em suas imagens e ilustrações contidas nas paredes deste espaço pedagógico, “[…] pois ler uma imagem é o que fazemos ao refletir sobre aquilo que estamos vendo, é relacionar o conteúdo da imagem com o contexto no qual estamos inseridos” (Medeiros, 2012, p. 265). 

Partindo para as análises e observações dos espaços da quadra de esporte das duas escolas, começaremos mostrando as imagens da quadra da Escola Alexandre Vaz Tavares:

Não detectamos nenhuma imagem registrada nas dependências da quadra de esporte da escola Alexandre Vaz Tavares, imagens referentes às nossas inquietações. Sendo assim, partiremos para as observações da quadra de esporte da Escola Quilombola José Bonifácio. A simbolização está contida na quadra de esportes da Escola Quilombola José Bonifácio. Em nossas observações e registros, detectamos muitas imagens em todo o espaço da quadra de esportes. Vejamos algumas:

De maneira geral, nas imagens da quadra de esporte da Escola Quilombola José Bonifácio, já percebemos uma grande diferença em relação à quadra da outra escola pesquisada, pois esta quadra possui uma grande quantidade de ilustrações referentes às manifestações culturais, religiosas, costumes, produções econômicas e imagens, que se referem ao afroamapaense e seus costumes locais. São imagens que representam o afro-brasileiro e os costumes daquela comunidade:

Figura 8 – Imagens dos costumes e manifestações culturais na quadra de esporte da Escola Quilombola José Bonifácio

Podemos dizer que a quadra de esporte da Escola Quilombola José Bonifácio ajuda nas construções das subjetividades e constrói conhecimento e pertencimento de forma indireta, pois retrata em suas ilustrações muitas informações do povo quilombola local. 

São imagens com grandes potenciais de construção de subjetividade, de construção de identidade, imagens que falam, que transmitem conhecimento e pertencimento, onde estão presentes a ancestralidade, a cultura, a religiosidade e muito mais. Vimos imagens que trazem mensagens, trazendo textos sem palavras, mas falando muito através de seus signos. A historicidade está presente em cada imagem distribuída nas dependências da escola.

5  Considerações 

Em nossa caminhada, esta pesquisa nos levou a muitos caminhos, a muitos olhares, em que as percepções e as análises de tudo a que nos propusemos no início deste trabalho nos permitiu um olhar profundo de nosso problema de pesquisa. Percebemos que as escolas em questão desenvolvem ações diferenciadas em relação às questões étnico-raciais na educação, em que uma apresenta grandes preocupações com as políticas públicas de equidade étnico- racial, enquanto na outra não encontramos nenhum registro dessas preocupações. 

Quando analisamos os Projetos PolíticoPedagógicos, encontramos diferenças em sua composição teórica.Por exemplo, no PPP da Escola Alexandre Vaz Tavares, percebemos que este projeto faz referência apenas uma vez à Lei 10.639/03, dando a entender que foi citado para enriquecer e colocar o PPP da escola dentro dos padrões da inclusão étnicoracial, porém não foi identificado nenhum projeto pedagógico voltado para esta temática. Nenhuma preocupação na representatividade no afro-brasileiro foi identificada nos espaços escolares da escola. Porém, na Escola Quilombola José Bonifácio, conseguimos identificar no Projeto Político-Pedagógico várias referências à Lei nº10.639/03 e à Lei nº11.645/08, deixando transparecer uma certa preocupação em se adequar ao que rege a lei. Identificamos ainda vários projetos educacionais já citados dentro do próprio PPP da escola, projetos estes que buscam uma equidade e a prática de uma educação igualitária e libertadora, projetos que são desenvolvidos durante todo o ano letivo, projetos premiados regional e nacionalmente. Encontramos também o registro de imagens referentes à cultura afro-brasileira, imagens estas que (concordamos) também fazem parte do currículo escolar, pois sabemos do poder das imagens nas construções das subjetividades e, como já mencionado, “uma imagem vale mais que mil palavras”. Imaginemos quantas palavras foram ditas em tantas imagens encontradas nos corredores, nas salas de aula, na biblioteca, na quadra de esporte e em tantos outros lugares  escolares neste estabelecimento de ensino.

A gestão escolar e a educação estão diante de um grande desafio, pois nem todos conseguem entender e desenvolver uma metodologia onde possam ser contemplados todos os grupos étnico-raciais que a lei preconiza, onde todos serão lembrados, valorizados, oportunizando o acesso e a permanência dos alunos nas instituições escolares.

Observamos o bom exemplo da Escola Quilombola José Bonifácio, que vem desenvolvendo, durante todo o ano letivo, vários projetos sobre as questões étnico-raciais, e isso de forma multidisciplinar. Acreditamos ser um fator positivo, pois os assuntos referentes a esta temática não devem ser trabalhados ou discutidos esporadicamente ou ainda de forma isolada. Isso reduziria muito as oportunidades de construção de conhecimento e ainda poderiam se tornar temáticas temporárias apenas em determinadas datas. Por isso, reforçamos nossa ideia, valorizando assuntos que tratam de questões étnico-raciais, preconceito, discriminação, culturas, multiculturalidades, religiosidade de matriz africana e outras temáticas referentes a esta discussão. Isso tudo pode e deve ser tratado em todas as disciplinas e propostas pedagógicas, e ainda em projetos educativos ou culturais durante todo o ano letivo. As questões étnico-raciais precisam ser apresentadas constantemente.

Para o sucesso da Lei nº10.639/03, acreditamos que exista uma forte relação entre o que se pode chamar de uma espécie de triangulação entre lei, políticas públicas e gestão. Assim, se cada um cumprir sua função, o que era teoria se tornará prática e surtirá seu verdadeiro efeito legal em que foi preconizada tal lei.

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