POLÍTICAS LOCAIS E OBJETIVOS GLOBAIS: A CONEXÃO ENTRE O PLANO MUNICIPAL DE LAZER DE JUIZ DE FORA E O ODS-5 PARA A IGUALDADE DE GÊNERO E PROMOÇÃO DE LAZER DAS MULHERES

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202409160502


Hanna Guimarães Santos;
Lídia dos Santos Zacarias;
Ludmila Mourão


Resumo

O artigo analisa a conexão entre o Plano Municipal de Esporte e Lazer (PMEL) da cidade de Juiz de Fora/MG e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável número 5 (ODS-5) da Agenda 2030 das Organização das Nações Unidas (ONU). Para tanto, foi realizada uma análise crítica documental que considerou as metas e ações que, direta ou indiretamente, mencionam ou impactam mulheres e meninas no contexto de suas práticas de lazer e o uso dos termos “gênero”, “meninas” e “mulheres” ao longo do documento. Percebe-se que o PMEL não cita ou faz referência aos ODS-5, apesar de em alguns momentos fazer menção ao lazer de mulheres com o objetivo de possibilitar e incentivar a participação das mesmas nos projetos das políticas públicas do município.

Palavras-chave:  Lazer. Mulheres. ODS . Política pública.

Introdução

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são uma agenda global das Organizações das Nações Unidas (ONU) composta por 17 objetivos interconectados, criada para promover o desenvolvimento sustentável, erradicar a pobreza, proteger o meio ambiente e garantir paz e prosperidade para todos até 2030, sua elaboração contou com a presença de 193 países membros (BRASIL, Nações Unidas, 2024).

Particularmente, o ODS de número 5 (ODS-5) trata da busca pela igualdade de gênero, um tema amplamente discutido na atualidade, visto que as desigualdades entre homens e mulheres continuam a se manifestar em diversas esferas da sociedade, incluindo o acesso ao lazer e às práticas esportivas. (BRASIL, Nações Unidas, 2024). Esse compromisso com os ODS-5, assinado pelo Brasil, implica na criação de ações concretas para promover a igualdade de gênero, seja na educação, política, economia, no mercado de trabalho, ou em atividades de lazer e esporte, garantindo que as mulheres tenham as mesmas oportunidades de desenvolvimento e participação. 

Na cidade de Juiz de Fora, o documento oficial de governo que trata do lazer de mulheres é o Plano Municipal de Esportes e Lazer (PMEL). Ele foi redigido em 2023 por profissionais da Secretaria de Esporte e Lazer (SEL) e trata-se de um documento norteador das práticas e políticas públicas que estão sendo, ou serão, implementadas na cidade. Justamente por isso, espera-se que constem nele ações descritas para minimizar a diferença de acesso e participação entre o lazer de homens e mulheres. O documento apresenta 49 páginas, nas quais são estabelecidas 7 metas, divididas em 28 ações, com a descrição de diversas estratégias que devem ser gerenciadas em curto (até 2 anos), médio (de 2 a 6 anos) e longo prazo (de 6 a 10 anos) (CÂMARA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA, 2023).

Neste contexto, o presente trabalho busca analisar a relação entre o Plano Municipal de Esporte e Lazer (PMEL) de Juiz de Fora/MG e o ODS-5 da Agenda 2030, com o objetivo de verificar se as políticas de lazer propostas no plano local consideram as diretrizes de igualdade de gênero estabelecidas pela ONU. A análise está focada nas metas e ações do PMEL que, direta ou indiretamente, mencionam ou afetam mulheres e meninas, avaliando como o lazer pode ser uma ferramenta para a promoção da igualdade de gênero no município e nas menções dos termos “gênero”, “meninas” e “mulheres” ao longo do documento.

O trabalho se justifica dada a importância do lazer para a sociedade e para as mulheres, já que infelizmente, as experiências masculinas no lazer, nas instituições acadêmicas e na sociedade, de maneira geral, têm sido frequentemente apresentadas como o padrão universal, o que resulta na marginalização das experiências (IRIGARAY, 2007).

A importância do lazer para a sociedade é significativa e se apresenta como mais do que uma oportunidade para relaxamento, alívio do estresse ou para a recuperação da energia laboral. O lazer deve ser compreendido como uma ferramenta para promover o bem estar social, já que ele é capaz de, como indica Dumazedier (2000), possibilitar o descanso, o divertimento e o desenvolvimento pessoal. O autor define o lazer como:

“(…) conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou ainda para desenvolver sua informação ou formação desinteressada, sua participação social voluntária, ou sua livre capacidade criadora após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais”. (DUMAZEDIER, 2000, p. 34).

Dada as capacidades do lazer, a Constituição Federal do Brasil de 1988 define em seu Capítulo II:

“São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL, 1988, art. 6º, grifo nosso).

Considerando o compromisso do Brasil com o ODS-5, o lazer como um direito social e a elaboração do PMEL, este estudo pretende contribuir para o debate sobre o papel do lazer na construção de uma sociedade mais inclusiva e equitativa e discutir políticas municipais no estabelecimento de metas que levem em consideração a particularidade do lazer das mulheres.

O trabalho está estruturado de modo a apresentar em um primeiro momento o Plano Municipal de Esporte e Lazer, logo em seguida faz uma análise crítica dos trechos nos quais o lazer de mulheres é evidenciado. Em um segundo momento são analisados os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estabelecidos pelas Organizações das Nações Unidas e a relação do PMEL com o mesmo. Na conclusão são apresentados os achados mais relevantes do estudo e sugestões de futuras pesquisas.

Desenvolvimento

O Plano Municipal de Esporte e Lazer de Juiz de Fora/MG:

O plano, redigido em 2023 por profissionais da Secretaria de Esporte e Lazer (SEL), representantes da Secretaria de Assistência Social (SAS), representantes da Secretaria de Sustentabilidade em Meio Ambiente e Atividades Urbanas (SESMAUR), representantes da Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage (FUNALFA), membros do Conselho Municipal de Desportos (CMD), membros do Panathlon Club Juiz de Fora, membros da Liga de Futebol 7 de Juiz de Fora, membros da Liga de Futebol de Juiz de Fora, membros da Associação Juiz-Forana de Skate, membros da Associação Cultural Arte e Vida, membros da Associação de Árbitros de Juiz de Fora, membros do Sindicato de Clubes Culturais, Recreativos, Esportivos e Sociais do Estado de Minas Gerais (SINDICLUBES), representantes do Serviço Social da Indústria (SESI), e colaboradores de diversas academias, estúdios, clubes, associações esportivas e culturais, escolas (municipais, estaduais, federais e privadas), universidades (públicas e privadas) e projetos culturais, é válido até 2032 (CÂMARA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA, 2023).

No documento de 49 páginas, o lazer é compreendido como direito social, produto cultural histórico e, também, como uma necessidade humana. É ressaltada a importância das atividades de lazer para a promoção da saúde biológica, motora, psíquica, social, afetiva, emocional e cultural, sendo estas atividades capazes de serem influenciadas e de influenciarem o modo de vida em sociedade.

Resultantes dessa compreensão, são apresentadas, no mesmo, 7 metas divididas em 28 ações, que devem ser gerenciadas em curto (em até 2 anos), médio (de 2 a 6 anos) e longo (de 6 a 10 anos) prazo.

PMEL e o foco no lazer das mulheres

No documento, o termo “mulheres” é citado sete vezes, sempre em conjunto com outros grupos minoritários, como PcD, indígenas, quilombolas, pretas, LGBTQIA+, pessoas de diferentes matrizes religiosas, idosas, populações periféricas e em situação de rua, sendo este sempre o mesmo texto. Essa abordagem, embora inclusiva, revela uma ausência de foco específico nas mulheres, diluindo suas demandas em um contexto mais amplo de minorias. 

Em apenas duas ocasiões, o documento menciona a necessidade de “incentivar a conscientização” – meta 3, ação 3.1, estratégia VII – ; e de “valorizar” – meta 2, ação, 2.5, estratégia III – o lazer das mulheres. Expressões que indicam uma tentativa de promover mudanças significativas nos hábitos e práticas de lazer feminino. Esses termos podem ser considerados mais impactantes, pois sugerem uma ação mais profunda para alterar percepções e criar condições favoráveis à participação das mulheres em atividades de lazer.

Nas outras cinco menções, no entanto, o lazer das mulheres é tratado de maneira superficial, sendo citada apenas a “possibilidade de participação” e o “favorecimento de participação” desse grupo nas atividades de lazer. Essas referências indicam um compromisso menor em promover ações concretas que superem as barreiras estruturais que muitas mulheres enfrentam no acesso ao lazer.

O termo “gênero” é utilizado 13 vezes no documento duas vezes explicando o termo LGBTQIA+; outras 9 vezes associado a diversas minorias sociais, tais como Pessoas com Deficiência (PCDs), diferentes grupos etários, diferentes religiosidades e diferentes etnias; outra fazendo referência ao “gênero humano”; e a última compondo a meta dois, ação 2.5. que será discutida ainda neste texto. Percebe-se que a maioria das vezes na qual o termo aparece ele é colocado sem o contexto da particularidade em suas demandas. 

Outro ponto crítico é a ausência de metas mensuráveis e detalhadas e estabelecimento de planos de ação específicos para garantir o acesso das mulheres ao lazer. As estratégias não pontuam o passo a passo para atingir o objetivo final, sendo muito amplas e genéricas, por exemplo:

“oferecer atividades e eventos esportivos e de lazer que favoreçam a participação das pessoas socialmente excluídas (PcD, mulheres, indígenas, quilombolas, pretas, LGBTQIA+, de diferentes matrizes religiosas, idosas, populações periféricas e em situação de rua, além de outros grupos que sofram qualquer tipo de discriminação)” (CÂMARA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA, 2023, p.31).

 O objetivo de uma meta é estabelecer resultados específicos e mensuráveis, preferencialmente numéricos, que servirão como base para o monitoramento e a avaliação das políticas, permitindo a verificação do cumprimento dos objetivos estabelecidos e a realização de ajustes quando necessários (DORAN, 1981).  Ao analisar as metas e ações do PMEL percebe-se que é inexistente a descrição de números relativos à participação da população, a participação de mulheres ou a quantificação de projetos a serem oferecidos, dificultando o gerenciamento do lazer na cidade.

Considerando, então, a descrição das metas e as ações a elas associadas, a ação 1.2 busca o

“desenvolvimento de pesquisas que possibilitem traçar o panorama dos hábitos esportivos e de lazer da população juiz-forana, tais como nível socioeconômico, gênero, faixa etária, escolaridade e modalidades praticadas, dentre outros, por meio do qual será possível identificar o perfil dos usuários dos equipamentos esportivos e de lazer” (CÂMARA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA, 2023, p.22, grifo nosso).

Percebe-se a importância desta ação para o conhecimento detalhado do público atendido pela Secretaria de Esporte e Lazer (SEL) e para a formulação de metas mais precisas, direcionadas especificamente à inclusão e ao fomento do lazer voltado para as mulheres em Juiz de Fora. A partir dos dados coletados, será possível identificar padrões de exclusão ou sub-representação de determinados grupos, como as mulheres, nas atividades esportivas e de lazer, permitindo ajustes nas políticas públicas. Com essas informações, as intervenções poderão ser planejadas de forma mais eficaz, considerando as necessidades específicas das mulheres, tanto em termos de acesso quanto de participação.

A ação 2.2 descreve a estratégia I: 

“instituir os projetos desenvolvidos pela SEL em programas, buscando garantir a continuidade como política pública de Estado, e o direito de acesso e fruição das PcD, grupos que sofrem discriminação étnica, racial, etária, religiosa e de gênero, entre outros” (CÂMARA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA, 2023, p.24, grifo nosso).

Bem como a estratégia IV:

“oportunizar o financiamento de projetos e atividades esportivas e de lazer para a comunidade, inclusive para PcD, grupos que sofrem discriminação étnica, racial, etária, religiosa e de gênero, entre outros.” (CÂMARA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA, 2023, p.24, grifo nosso).

Ambas as estratégias agrupam diferentes minorias e não estabelecem planos de ações específicos a cada grupo. Ambas as estratégias parecem preocupadas com a continuidade dos projetos de lazer, dando a entender que a estratégia I visa a inserção destes projetos em políticas públicas e a estratégia IV estaria buscando financiamento de empresas privadas para os mesmos. Tal busca também é descrita na ação 2.3, na estratégia II que descreve: 

“elaborar subsídios para possibilitar acesso e fruição das PcD, grupos que sofrem discriminação étnica, racial, etária, religiosa e de gênero, entre outros nas atividades esportivas e de lazer” (CÂMARA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA, 2023, p.25, grifo nosso).

A ação 2.5 busca instituir políticas de ações afirmativas, incluindo as mulheres como grupo de minorias a serem beneficiadas e descreve duas ações estratégicas: realizar parcerias intersecretariais e realizar eventos esportivos e de lazer que promovam a conscientização, valorização e inclusão da mulher. Ambas ações significativas para possibilitar o acesso e a permanência das mulheres em diferentes eventos de lazer.

A Meta 3 tem como objetivo “democratizar a participação da população em atividades esportivas e de lazer de Juiz de Fora/MG” (CÂMARA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA, 2023, p.28). Dentro dessa meta, destaca-se a estratégia VII na ação 3.1, que visa incentivar e apoiar a cessão de espaços e equipamentos públicos para minorias, incluindo as mulheres. Esse apoio é de grande relevância, pois, tradicionalmente, o espaço público tem sido reservado majoritariamente para os homens, enquanto às mulheres foi destinado o ambiente doméstico. A abertura desses espaços representa um passo importante na superação de barreiras históricas e culturais, promovendo maior equidade no acesso ao lazer e ao esporte para as mulheres.

Também merece destaque a ação 3.2, que busca “ampliar a oferta e a participação nas atividades e eventos esportivos e de lazer realizados na cidade” (CÂMARA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA, 2023, p.29). Embora o termo “ampliar” não seja diretamente relacionado a questões de gênero, essa ação pode ter um impacto positivo na inclusão de mulheres, ao criar mais oportunidades para sua participação em espaços e atividades que, historicamente, foram dominadas por homens.

A Ação 3.4 somada à estratégia IV, refere-se ao esporte de participação, que desempenha um papel crucial nas práticas de lazer, no qual a competição não é o foco principal. A inclusão do esporte de participação no documento é especialmente relevante, pois promove a participação de mulheres com diversos interesses esportivos, independentemente do nível de habilidade ou competitividade, o que amplia o impacto das políticas de lazer na cidade. A ação 3.6, estratégia III faz o mesmo para o esporte de formação, e a ação 3.7, estratégia IV, faz o mesmo para o esporte de rendimento, dadas as diferenças entre os interesses.

A ação 3.8 busca “promover eventos e oferecer atividades de lazer que possibilitem a participação das PcD, mulheres (…)” (CÂMARA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA, 2023, p.34), porém, não se faz referência nas estratégias às preferências de lazer de cada grupo minoritário, ou sobre como superar as diferentes barreiras que seriam peculiares a cada grupo. O único grupo que recebe destaque nas estratégias é o de pessoas com deficiência, já que na estratégia IV é descrito “tornar acessíveis os espaços, os eventos e as atividades de lazer” (CÂMARA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA, 2023, p.34).

A Meta 7 busca “Avaliar as Políticas Públicas de Esporte e Lazer de Juiz de Fora/MG” sua única ação, a 7.1, tem o intuito de “criar instrumentos avaliativos para verificar o andamento das proposições do PMEL/JF” (CÂMARA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA, 2023, p.40). A avaliação dessas políticas pode incluir indicadores de participação de gênero, possibilitando ajustes para garantir que as mulheres tenham acesso igualitário, se comparadas aos homens, às atividades de esporte e lazer.

ODS-5 relacionados às metas no PMEL

O objetivo 5 da ODS é “alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas”, este objetivo é acompanhado por 6 metas, sendo que a 6 possui 3 desdobramentos (BRASIL, Nações Unidas, 2024). Totalizando, assim, 8 pontos de análise.  As metas 3, 4, 6a e 6b não se relacionam com as práticas de lazer, por isso não estão descritas aqui. 

A meta 5.1 objetiva “Acabar com todas as formas de discriminação contra todas as mulheres e meninas em toda parte” (BRASIL, Nações Unidas, 2024), nesse ponto o Plano Municipal de Lazer busca oferecer atividades de lazer que sejam do interesse de mulheres, diversificando as atividades em áreas: físicos, intelectuais, manuais, artísticos e sociais nas esferas turísticas e virtuais. Além de oferecer atividades de lazer esportivas em categoria feminina. 

A meta 5.2 busca “eliminar todas as formas de violência contra todas as mulheres e meninas nas esferas públicas e privadas, incluindo o tráfico e exploração sexual e de outros tipos” (BRASIL, Nações Unidas, 2024). Nesta meta pode-se pensar sobre o acesso às praças, aos ambientes e equipamentos de lazer, que muitas vezes são perigosos para mulheres e meninas, que são mais submetidas ao assédio. Quanto a isso, pode-se inferir que o PMEL, por procurar a gestão compartilhada dos espaços e equipamentos públicos de lazer, estaria buscando a melhor qualidade destes ambientes e equipamentos, uma melhor manutenção e diminuição da depredação, o que indiretamente poderia proporcionar melhor segurança nestes locais. Também é possível pensar em parcerias com a polícia municipal e militar, que podem estabelecer bases nas praças e áreas de lazer, tornando-as mais seguras.

A meta 5.5 busca “garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública” (BRASIL, Nações Unidas, 2024).  Na elaboração do Plano Municipal de Lazer percebe-se grande presença feminina, apesar delas não serem vistas nos dois cargos mais altos da gestão de lazer, o de secretário com apenas uma vaga e o de gerência que apresenta duas vagas. É possível perceber a presença de 5 mulheres nos 14 cargos disponíveis de supervisão, representando 35,71% de ocupação feminina. Esta proporção é ainda maior nos cargos para a equipe técnica executiva, nestas as mulheres representam 50% das 12 vagas, totalizando 6 vagas.

A meta 5.6.c visa “adotar e fortalecer políticas sólidas e legislação aplicável para a promoção da igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas em todos os níveis” (BRASIL, Nações Unidas, 2024). Esta é uma das duas metas que trabalham o empoderamento das mulheres, sendo esta a que mais se relaciona com o lazer. A possibilidade educacional do lazer, como descrita no PMEL, possibilita a elaboração de políticas públicas que trabalhem atividades de lazer como “formas, meios e vivências para que o indivíduo usufrua do lazer de maneira crítica, criativa, livre, e produza valores e sentidos diversos, conforme suas especificidades e o contexto no qual está inserido” (CÂMARA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA, 2023, p.16). Esta compreensão está intimamente ligada à educação de meninas e mulheres, que podem ter no lazer um momento de afirmação das suas identidades, o desenvolvimento de habilidades, a inserção em um grupo social, incentivo à participação política.

Metodologia

A pesquisa é de natureza qualitativa documental e tem o objetivo de investigar a relação entre o  Plano Municipal de Esporte e Lazer (PMEL) da cidade de Juiz de Fora/MG e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), especificamente o ODS-5 da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), que trata da promoção da igualdade de gênero e do empoderamento de mulheres e meninas. 

Para tanto, realiza-se uma análise crítica do PMEL, com foco nas metas e ações que, direta ou indiretamente, mencionam ou impactam mulheres e meninas no contexto de suas práticas de lazer e no uso dos termos “gênero”, “meninas” e “mulheres” ao longo do documento. O enfoque crítico permite interpretar as implicações do uso desses termos para a promoção da igualdade de gênero. Portanto, metas e ações que façam referência à ampliação da participação dos cidadãos ou ações com base em políticas afirmativas também serão incluídas na análise.

A análise foi conduzida a partir da leitura detalhada dos documentos oficiais do PMEL e do ODS-5, permitindo identificar as áreas de convergência, onde o plano local reflete os princípios globais da ODS-5, bem como as lacunas, onde as diretrizes de igualdade de gênero podem ser reforçadas ou melhor implementadas.

Esta pesquisa não se propõe a realizar uma análise profunda dos efeitos ou causas das políticas propostas no PMEL. O foco está na identificação e descrição da relação entre as metas do PMEL e as diretrizes da ODS-5, sem avaliar os impactos práticos das políticas sobre a população local. As conclusões fornecem uma base descritiva e crítica, mas não abordam de maneira exaustiva as consequências das ações propostas.

Conclusão

O Plano Municipal de Esporte e Lazer de Juiz de Fora (PMEL) é o primeiro plano municipal aprovado pela cidade de Juiz de Fora, ele se apresenta como uma força clara de valorização do esporte e lazer na cidade frente às políticas públicas, além de promover a inclusão de diferentes grupos minoritários, incluindo as mulheres, em suas políticas e ações. 

No entanto, a análise detalhada do documento revela algumas lacunas importantes quanto ao lazer de mulheres. Apesar de presente, o termo “mulheres” é citado sete vezes, sempre em conjunto com outros grupos minoritários, como PcD, indígenas, quilombolas e LGBTQIA+, isso sugere uma abordagem inclusiva, mas dilui as demandas específicas das mulheres, o que enfraquece a possibilidade de atender de maneira eficaz suas necessidades no lazer. O texto também não trabalha de modo claro questões interseccionais das mulheres, apesar de citar diferentes classes sociais, faixas etárias e etnias.

No PMEL, as ações que envolvem o lazer das mulheres, em sua maioria, apresentam apenas a “possibilidade de participação” ou o “favorecimento de participação”, sem detalhar como essas oportunidades serão concretizadas. As expressões mais relevantes, como “valorização” e “conscientização” do lazer feminino, embora positivas, ainda são raras e insuficientes para efetivar transformações profundas na participação das mulheres nas atividades de lazer.

Além disso, é notável a ausência de metas mensuráveis que permitam monitorar o progresso em termos de acesso e inclusão das mulheres no lazer, uma característica importante no modelo SMART de formulação de metas (DORAN, 1981). Sem indicadores claros e quantitativos, é difícil avaliar o impacto real das ações propostas ou mesmo verificar a eficácia das políticas públicas destinadas a esse grupo.

Ao relacionar as metas do PMEL com os ODS-5, que visam a igualdade de gênero, observa-se que a importância do lazer das mulheres como ferramenta de emancipação e empoderamento é uma ideia congruente a ambos os documentos. No entanto, ainda precisam ser fortalecidas políticas públicas mais específicas e de ações afirmativas, que sejam mais claras, que garantam o acesso e o pleno exercício do lazer como um direito para as mulheres.

Em síntese, embora o PMEL represente um avanço ao abordar a questão de gênero no lazer, ainda há um longo caminho a percorrer para que as políticas públicas municipais assegurem a inclusão plena e efetiva das mulheres. Para isso, é necessário conhecer o universo dos diferentes grupos de mulheres da cidade de Juiz de Fora e a demanda dos mesmos; criar e descobrir indicadores mensuráveis relevantes para o lazer das mulheres e implementar ações e estratégias que não apenas favoreçam a participação, mas que também enfrentam as barreiras sociais e culturais que limitam o acesso ao lazer de mulheres.

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