SOCIAL WORK IN COMBATING VIOLENCE AGAINST WOMEN: AN INTERNSHIP EXPERIENCE IN THE SOCIO-LEGAL FIELD
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202409160436
Deborah Ketlem Santos do Nascimento
Resumo
Este presente trabalho tem como objetivo contemplar as atividades desenvolvidas pelo estagiário de Serviço Social no campo de estágio sociojurídico, em um dos Juizados Especializados no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, particularizando o papel do Serviço Social e do Juizado. O Serviço Social propõe-se a atuar nas expressões da questão social, analisando a violência de gênero a partir dos processos surgidos com o sistema capitalista e da luta de diferentes gerações de mulheres que enfrentaram essa forma de violência.
Palavras chaves: Violência, Mulher, Estágio, Serviço Social, Juizado.
Abstract
This present work aims to contemplate the activities carried out by the Social Service intern in the field of socio-legal internship, in one of the Courts Specialized in Combating Domestic and Family Violence Against Women, particularizing the role of Social Service and the Court. Social Services proposes to act in the expressions of the social issue, analyzing gender violence based on the processes that emerged with the capitalist system and the struggle of different generations of women who face this form of violence.
Keywords: Violence, Women, Internship, Social Service, Court.
Introdução
O presente trabalho tem como objetivo relatar a experiência de estágio de Serviço Social no campo sociojurídico, em um dos Juizados Especializados no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. O estágio desempenha um papel fundamental na formação do discente, contemplando a oportunidade de exercer a prática profissional durante a formação, conforme afirma o inciso II do art. 1 da Lei 11.788/2008.
O estágio visa ao aprendizado de competências próprias da atividade profissional e a contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho.
Dentro do campo de estágio o discente pôde observar as diversas expressões da questão social, em particular a violência contra mulher imposta por uma sociedade patriarcal em que a mulher como ser biológico é vista como o sexo mais frágil. A desigualdade de gênero pode ser definida como
Um elemento constitutivo de relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder (SCOTT, 1995, p. 86).
A violência se perpetua na sociedade contemporânea, onde é possível observar a partir de fatores socioeconômicos e de uma sociedade machista que coloca a mulher em situação de vulnerabilidade. Podemos definir a Violência, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2002) como o “uso intencional da força ou poder em uma forma de ameaça ou na efetivamente, contra si mesmo, outra pessoa ou grupo ou comunidade, que ocasiona ou tem grandes probabilidades de ocasionar lesão, morte, dano psíquico, alterações do desenvolvimento ou privações”.
A partir desse pressuposto cabe ao Serviço Social atuar nas expressões da questão social, analisando a violência de gênero a partir dos processos surgidos com o sistema capitalista e da desigualdade de gênero, a violência contra a mulher é um ciclo que atravessa gerações, sustentado por uma estrutura patriarcal.
Metodologia
Este trabalho possui como metodologia a pesquisa qualitativa, pois parte das reflexões vivenciadas pelo discente, para Denzin e Lincoln (2006) a pesquisa qualitativa surge pela interpretação do mundo do qual o pesquisador está inserido, tentando entender os fenômenos em termos de significados. Deste modo, a pesquisa qualitativa para os autores:
[…] é uma atividade situada que localiza o observador no mundo. Consiste em um conjunto de práticas materiais e interpretativas que dão visibilidade ao mundo. Essas práticas transformam o mundo em uma série de representações, incluindo as notas de campo, as entrevistas, as conversas, as fotografias, as gravações e os lembretes. Nesse nível, a pesquisa qualitativa envolve uma abordagem naturalista, interpretativa do mundo, o que significa que seus pesquisadores estudam as coisas em seus cenários naturais, tentando entender, ou interpretar, os fenômenos em termos dos significados. que as pessoas a eles conferem (DENZIN; LINCOLN, 2006, p. 17).
Portanto, serão relatadas as vivências a partir do campo de estágio, onde o discente pôde observar a prática profissional do assistente social no sociojurídico e as atividades desenvolvidas a partir das políticas públicas voltadas ao combate à violência contra mulher. A reflexão acerca do estágio foi de suma importância para compreender o papel do assistente social neste processo de acolhimento das vítimas.
O Papel do Juizado
O Juizado Especializado no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher garante a proteção e defesa dos direitos das mulheres que são vítimas de violência, segundo o art. 14 da Lei 11.340, de 07 de agosto de 2006:
Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Podemos destacar alguns dos papéis dos juizados, como, por exemplo: Aplicação de Medidas Protetivas: as medidas protetivas são restrições estabelecidas pelo juiz que visam resguardar a segurança da vítima, dentre estas podemos exemplificar o afastamento da residência, proibição de contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação, suspensão de visitas aos filhos e a prestação de alimentos provisionais ou provisórios. A medida protetiva, após seu encerramento, pode ser renovada através do pedido feito ao Ministério Público ou pela própria mulher em situação de violência, por meio de advogado ou pela Defensoria Pública. Desta forma, é realizado um novo atendimento psicossocial para analisar a situação da vítima e garantir a sua proteção.
Contudo, é importante ressaltar que a violação da medida protetiva gera penalidades para o agressor, como pena de detenção de 3 (três) meses a 2 (dois) anos. Análise e julgamento dos crimes: os casos de violência contra mulher são baseados no art.7 da Lei Maria da Penha que enumera a violência em física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Sendo assim, os casos são julgados através da violência de gênero.
Encaminhamento para as redes de apoio: os juizados trabalham em parcerias com as redes de apoio, estas instituições promovem ações e projetos educativos e preventivos que visem oferecer atendimento psicológico, orientação jurídica e cursos profissionalizantes para capacitação e empoderamento das vítimas.
Acessibilidade: cabe ao juizado a orientação quanto aos procedimentos do processo, garantido de forma eficaz o acesso à justiça e a resolução do caso.
OsJuizados Especializados no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher exercem um papel de suma importância para a sociedade, pois visam garantir os direitos estabelecidos pela Lei Maria da Penha e criam mecanismo para reprimir a violência contra as mulheres, em conformidade com a Constituição Federal de 1988. Cabe ressaltar que a competência dos juizados se restringe as medidas protetivas deferidas em favor da vítima.
A competência cível dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher é restrita às medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha, devendo as ações cíveis e as de Direito de Família ser processadas e julgadas pelas varas cíveis e de família, respectivamente (Enunciado 3, FONAVID).
Portanto, é incumbido de processar, julgar e executar os casos oriundos da prática de violência doméstica e familiar contra as mulheres, conforme estipulado pela Lei 11.340/2006.
O Serviço Social frente a violência contra mulher e a desigualdade de gênero. A desigualdade de gênero surge a partir de antecedentes históricos onde o papel do homem era ser o provedor da família e as mulheres assumiam os papéis domésticos, como cuidar da casa e dos filhos. O acesso à educação, o direito ao voto e ao trabalho foram negados às mulheres por muitos anos, até que em 1827 com a promulgação da Lei Geral as mulheres tiveram direito a frequentar as escolas, no entanto, o ensino passado ainda era voltado para os afazeres da casa e do cuidado com a família. O direito ao voto só foi conquistado a partir de 1920, no Brasil foi sancionado a partir de 24 de fevereiro
de 1932, onde o voto feminino passou a ser assegurado pela legislação brasileira. O direito ao trabalho culminou em vários movimentos sociais realizados pelas mulheres por igualdade de direitos, devido às péssimas condições de trabalho colocadas em comparação aos homens. Um dos eventos históricos que marcaram a luta pela igualdade de direitos ocorreu em uma fábrica de tecidos em que as operárias passaram a reivindicar seus direitos como a igualdade de salários, diminuição da jornada de trabalho e melhores condições do ambiente, devido ao local insalubre.
Os movimentos sociais, as passeatas e as greves realizadas por igualdade de direitos levaram ao surgimento do dia 08 de março como o Dia Internacional da Mulher, implementado pelas Nações Unidas na década de 70 para marcar as reivindicações de direitos pelas mulheres.
O combate à violência contra a mulher requer a compreensão de que a desvalorização feminina está presente em diversos setores da sociedade, resultado de uma construção patriarcal que valoriza o homem como provedor e coloca a mulher em posição submissa.
A construção histórico-ideológica da superioridade do homem em relação à mulher fornece dados que proporcionaram uma compreensão do aspecto evolutivo relacional dentro do quadro de agressão marital. Essa submissão ocorre, como registro histórico, há pelo menos 2500 anos. Nas civilizações gregas, a mulher era vista como uma criatura subumana, submissa ao homem. Era diminuída moralmente e socialmente e não tinha direito algum. (MORAIS, RODRIGUES, 2016, p. 91).
O Serviço Social desempenha um papel fundamental na luta contra a violência contra as mulheres, trabalhando em muitas frentes para proteger e capacitar as vítimas. Em primeiro lugar, prestar apoio psicossocial, escuta as mulheres em situação de violência, acolhe os seus pedidos e as orienta sobre os seus direitos. Além disso, o assistente social facilita o acesso a serviços especializados, como abrigo e assistência jurídica.
Outra função importante é a articulação com a rede de proteção, que inclui delegacias, centros de referência e ONGs. O assistente social também encaminha as vítimas para serviços que podem ajudar a quebrar o ciclo de violência e fortalecer a autonomia das mulheres. Além disso, trabalha para aumentar a conscientização e educação sobre a violência de gênero, tanto em contextos comunitários como institucionais, promovendo campanhas e atividades educativas que desafiam as normas sociais que perpetuam a violência. Por fim, o serviço social atua junto às políticas públicas, ajudando a formular, implementar e avaliar programas que visam proteger e promover os direitos das mulheres.
No campo de estágio foi possível observar a violência como uma expressão da questão social em que se percebe que as consequências trazidas por esta muitas vezes são irreversíveis para as vítimas. A violência contra as mulheres tem consequências profundas e duradouras, tanto físicas como psicológicas. Do ponto de vista físico, pode causar lesões graves, incapacidade permanente e, em casos extremos, a morte. Além disso, há consequências emocionais como ansiedade, depressão, estresse pós-traumático e perda de autoestima. As vítimas também podem enfrentar isolamento social, dificuldade em manter ou obter emprego e enfrentar barreiras no acesso a serviços de apoio.
No Brasil, um marco no enfrentamento da violência contra a mulher foi a promulgação da Lei Maria da Penha, sancionada em 7 de agosto de 2006. A Lei n.º 11.340 visa proteger as mulheres da violência doméstica e familiar.
Os assistentes sociais que atuam no Juizado Especializado no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher estão envolvidos na prevenção e no combate à violência contra as mulheres, compreendendo todas as formas de violação da integridade física, psicológica e jurídica das vítimas. As intervenções são prestadas mediante uma equipe multidisciplinar, conforme aborda o art. 29 da Lei 11.340/2006.
Os tribunais poderão contar com equipes especializadas nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde para prestar atendimento multidisciplinar e humano às vítimas de violência doméstica e a todos os familiares envolvidos na situação.
No juizado os assistentes sociais utilizam como instrumentos técnico-operativos a entrevista, visita domiciliar, elaboração de laudos, pareceres e relatórios, palestras e reuniões em grupos e articulações com as redes de apoio. Os instrumentos técnico-operativos são as ferramentas utilizadas para realizar a intervenção profissional, conforme estabelece o art. 30 da Lei Maria da Penha.
Compete à equipe de atendimento multidisciplinar, entre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito ao juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante laudos ou verbalmente em audiência, e desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas, voltados para a ofendida, o agressor e os familiares, com especial atenção às crianças e aos adolescentes.
O Manual de Rotina e Estruturação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher do Conselho Nacional de Justiça destaca que os integrantes da equipe técnica devem observar a legislação pertinente às suas categorias profissionais, como os assistentes sociais, que devem seguir a Lei n.º 8.662/1993, o Código de Ética, as resoluções e demais atos do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS). Deste modo, “A equipe multidisciplinar tem o importante papel de auxiliar o juiz na compreensão do contexto familiar em que ocorre a situação, das peculiaridades e necessidades daquela unidade familiar, assim como da vítima e do agressor” (CNJ, 2018, p. 47).
Considerações finais
O Serviço Social no Juizado Especializado no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher aborda a violência como uma manifestação da questão social, compreendendo o contexto mais amplo da violência de gênero. O assistente social atua na prevenção e no enfrentamento da violência, em conformidade com a legislação que orienta sua prática, conforme o art. 29 da Lei n. 11.340/2006. Esse artigo estabelece que os juizados podem, por meio de uma equipe multidisciplinar composta por profissionais das áreas psicossocial, jurídica e de saúde, oferecer um atendimento humanizado e integrado às vítimas de violência.
O profissional, dentro de suas competências e atribuições, deve compreender o contexto social em que a mulher em situação de violência se encontra, utilizando instrumentos técnico-operativos adequados. Portanto, a intervenção do assistente social não é apenas para mitigar os efeitos imediatos da violência, mas também para atuar na prevenção e transformação estrutural das causas que perpetuam esta forma de opressão.
A experiência de estágio evidencia que o trabalho do assistente social no campo sociojurídico está em diálogo constante com outros setores, contribuindo com documentos processuais que auxiliam o juiz em suas decisões.
Referências Bibliográficas
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