A QUESTÃO DE GÊNERO NO ENSINO SUPERIOR

THE GENDER ISSUE HIGHER EDUCATIO

LA CUESTIÓN DE GÉNERO EN LA EDUCACIÓN SUPERIOR

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202409141344


Aline Soares Campos1
José Gerardo Vasconcelos1


Resumo: O estudo reflete sobre a questão de gênero no ensino superior, analisando o ingresso e conclusão das mulheres numa ponderação acerca do universo feminino mundial e brasileiro. Metodologicamente, o trabalho apresenta uma revisão da literatura do estado da arte da relação Educação Superior e Gênero, apoiadas no Censo da Educação Superior, realizado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Essas tendências das matrículas femininas no ensino superior, com procedência em uma visão global de indicadores até a realidade do Brasil. A inversão da disparidade de gênero na educação acompanhou o aumento do nível de escolaridade. Globalmente, é veraz concluir que as mulheres ainda enfrentam um problema profissional fundamental no meio acadêmico: ainda falta a sua plena participação no sistema de ensino superior, seja no papel de líderes sêniores, professoras ou investigadoras. Consequentemente, há uma necessidade urgente de considerar a vasta gama de elaborações de gênero não abordadas quando a conversa se centra apenas nas mulheres no ensino superior e nas crises associadas à sub-representação e ao progresso.

Palavras-chave: Ensino Superior. Gênero. Matrícula.

Summary: The study reflects on the issue of gender in higher education, analyzing the entry and completion of women in a consideration on the global and Brazilian female universe. Methodologically, the work presented a review of the stae-of-the-art literature on the relationship between Higher Education and Gender, supported by the Higher Education Census, carried out annually by the National Institute of Educational Studies and Research Anísio Teixeira (Inep). These trends in female enrollment in Higher Education, proceeding form a global view of indicators to the reality in Brasil. The reversal of the gender gap in education accompanied the increase in the level of the education. Overall, it is true to conclude that women still face a fundamental professional problem in academia: their full participation in the Higher Education system is still lacking, wheter in the role of seniors leaders, professors or researchers. Consequently, there is na urgente need to consider the vast array of gender elaborations left unaddressed when the conversation focuses solely on women in Higher Education and the associated crises of underrepresentation and advancement.

Keywords: University Education. Gender. Enrollment. 

Resumen: El estudio reflexiona sobre la cuestión de género en la educación superior, analizando el ingreso y finalización de las mujeres en una consideración del universo femenino global y brasileño. Metodológicamente, el trabajo presenta una revisión del estado del arte de la literatura sobre la relación entre Educación Superior y Género, sustentada en el Censo de Educación Superior, realizado anualmente por el Instituto Nacional de Estudios e Investigaciones Educativas Anísio Teixeira (Inep). Estas tendencias de la matrícula femenina en la educación superior, partiendo de una visión global de los indicadores para la realidad brasileña. La reversión de la brecha de género en la educación acompañó el aumento del nivel de educación. En general, es cierto concluir que las mujeres todavía enfrentan un problema profesional fundamental en el mundo académico: todavía falta su plena participación en el sistema de educación superior, ya sea en el rol de altos directivos, professores o investigadores. En consecuencia, existe una necesidad urgente de considerar la amplia gama de elaboraciones de género que no se abordan cuando la conversación se centra únicamente en las mujeres en la educación superior y las crisis asociadas de subrepresentación y progreso.

Palabras clave: Enseñanza superior. Género. Matrícula. 

INTRODUÇÃO 

A igualdade de gênero não é apenas um direito humano fundamental, mas também uma base necessária para um mundo pacífico, próspero e sustentável. Houve progressos nas últimas décadas, mas o mundo não está no bom caminho para alcançar a igualdade de gênero até 2030. As mulheres e meninas representam metade da população mundial e, portanto, também cinquenta por cento do seu potencial. A desigualdade de gênero persiste, entretanto, em todo o lado e estagna o progresso social. Em média, as mulheres no mercado de trabalho ainda ganham 23 por cento menos do que os homens na contextura mundial e elas despendem cerca de três vezes mais horas em trabalho doméstico e de cuidados não remunerado do que os homens. A violência e a exploração sexuais, a divisão desigual dos cuidados não remunerados e do trabalho doméstico e a discriminação nos cargos públicos continuam a ser enormes barreiras. 

Todas estas áreas de desigualdade foram exacerbadas pela pandemia da COVID-19: houve um aumento nos relatos de violência sexual, as mulheres assumiram mais trabalhos de prestação de cuidados em razão do encerramento das escolas e 70% dos assistentes sociais e de saúde em todo o mundo são mulheres. Ao ritmo atual, estima-se que serão necessários 300 anos para acabar com o casamento infantil, 286 anos para colmatar lacunas na proteção legal e eliminar leis discriminatórias, 140 anos para que as mulheres sejam representadas de maneira igual em posições de poder e liderança no local de trabalho, e 47 anos para alcançar representação igual nos parlamentos nacionais (UNESCO, 2023).

Liderança política, investimentos e reformas políticas abrangentes são necessários para desmantelar as barreiras sistêmicas à consecução do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável – ODS – 5. A igualdade de gênero é um objetivo transversal e deve ser o foco principal das políticas, orçamentos e instituições nacionais. Os compromissos internacionais para promover a igualdade de gênero carrearam melhorias em algumas áreas: o casamento infantil e a Mutilação Genital Feminina (MGF) diminuíram nos últimos anos e a representação das mulheres na arena política é mais elevada do que nunca. A promessa de um mundo, entretanto, em que todas as mulheres e meninas desfrutem de plena igualdade de gênero e a totalidade das barreiras legais, sociais e econômicas ao seu empoderamento tenham sido removidas, continua por cumprir. Na verdade, esse objetivo está, decerto, ainda mais distante do que antes, uma vez que as mulheres e as meninas estão a ser duramente atingidas pela pandemia da COVID-19 (UNESCO, 2023).

METODOLOGIA

Metodologicamente, o estudo será realizado como uma revisão da literatura do estado da arte da relação Educação Superior e Gênero, tendências das matrículas femininas no ensino superior, com procedência em uma visão global de indicadores até a realidade do Brasil (mundo do trabalho). A revisão está baseada em trabalhos científicos clássicos, estudo ex-post-fact “a partir do fato passado” de Sinopses Estatísticas e Censos da Educação Superior, e edições especiais sobre o tema das Nações Unidas, UNESCO e Fórum Econômico Mundial, tendo como data-limite o ano de 2023. 

O estudo do estado da arte ora proposto intenta: (1) criar um resumo crítico do pensamento contemporâneo sobre um tópico; 2) descrever progressões e padrões históricos na literatura; 3) discutir como tais perspectivas modernas evoluíram à extensão do tempo; e 4) propor uma direção que o campo seria capaz de seguir no futuro. Ademais, este tipo de revisão expressa um argumento sobre como a literatura é suscetível de ser interpretada; não é uma afirmação definitiva sobre como a literatura deve ser entendida. 

Assim, o objetivo é realizar este resumo crítico em um momento específico. Destaca os pontos cruciais que moldam o desenvolvimento histórico de um tópico, os fatores que informaram essas mudanças na compreensão e as modalidades de pensar e estudar o tópico que informariam a geração de novas percepções. Em última análise, o propósito das revisões da literatura é criar um argumento de três partes: é aqui que estamos agora na nossa compreensão deste tópico; foi assim que chegamos aqui; é aqui que poderíamos ir em seguida.

Esses estudos baseiam-se na premissa de que a literatura está aberta à interpretação e que o contexto em que a revisão é conduzida moldará a síntese desenvolvida. As revisões da literatura estão impregnadas de uma ontologia relativista: a natureza da realidade é informada e estabelecida social e sob o prisma experimental. Consequentemente, as revisões do estado da arte não exigem que a literatura incluída utilize metodologia idêntica para apoiar metanálises, a fim de produzir uma resposta correta; ou seja, nem todas as conclusões sintetizadas na revisão precisam ser realizadas da mesma maneira para permitir fusões de dados de estudos cruzados. Em vez disso, assumem que estão disponíveis múltiplas compreensões diferentes de um fenómeno – esta síntese não exclui a investigação que utiliza metodologias diferentes. 

Em termos de epistemologia (origens, natureza e limites do conhecimento sobre a realidade), abraçam o subjetivismo, a premissa de que o conhecimento gerado com amparo na revisão é uma elaboração, não um fato objetivo. O conhecimento ensejado por meio da revisão depende do valor; surge das interpretações subjetivas dos pesquisadores que realizaram a síntese. As revisões do estado da arte dão azo a uma interpretação da literatura baseada nos conhecimentos, experiências e contexto social da equipe de revisão. Demais disso, o conhecimento desenvolvido é informado pelo momento em que a revisão foi realizada. Uma revista de 2000 reflete o conhecimento contemporâneo do ano 2000; uma revisação de 2022 relataria conhecimentos diferentes, refletindo as perspectivas daquele ano (UNESCO, 2023).

TENDÊNCIAS GLOBAIS NAS MATRÍCULAS FEMININAS

Nas últimas décadas, houve um rápido aumento no nível de escolaridade superior em todo o mundo. A inversão da disparidade de gênero na educação acompanhou o aumento do nível de escolaridade. Grande parte deste crescimento decorre do aumento do nível de escolaridade das mulheres. Com o tempo, algumas alcançaram os planos de educação dos homens e atingiram, progressivamente, níveis de escolaridade mais elevados do que os dos deles. Enquanto, há décadas, havia mais homens do que mulheres matriculadas e concluindo o ensino superior, maior aumento no nível de escolaridade das mulheres nas últimas décadas identificou a convergência dos padrões de desempenho feminino e masculino, primeiramente, na maioria dos países industrializados e, depois, num crescente número de Estados em desenvolvimento (Health; Jayachandran, 2016). 

Os dados, desagregados por gênero, mostram que o nível de escolaridade nos países industrializados não só convergiu para níveis relativamente iguais entre os gêneros, mas, também, que o plano de escolaridade das mulheres continuou a aumentar mais rapidamente do que o dos homens. Este crescimento ensejou que as mulheres superassem os homens no ensino superior e levou a uma crescente disparidade de gênero entre ambos os sexos no ensino superior (Plötz, 2017).

Todas as regiões do mundo registaram um aumento considerável nas matrículas femininas no ensino superior, que triplicaram na contextura mundial de 1995 a 2018, crescendo a uma taxa mais elevada do que as matrículas masculinas durante o período (UNESCO, 2020a). Isto explica por que o índice médio ajustado de paridade de gênero1 subiu de 0,95 para 1,14. As mulheres estão representadas nas matrículas no ensino superior em 74% dos países com dados disponíveis, bem como em todas as regiões, exceto na Ásia Central e Meridional, onde há paridade, e na África Subsaariana, onde os homens estão representados, com 73 estudantes do sexo feminino inscritos para cada 100 homens em 2018 (UNESCO, 2021a).  

No geral, o número de estudantes de graduação do sexo feminino em todo o mundo excedeu o quantitativo de homens desde 2002. Dados do Instituto de Estatística da UNESCO (UIS) mostram que, de 2000 a 2018, a Taxa Bruta de Matrícula (TBM) no ensino superior para homens aumentou de 19% para 36%, enquanto a das mulheres passou de 19% para 41%. As mulheres, são, portanto, as principais beneficiárias dos rápidos aumentos nas matrículas no ensino superior, constituindo a maioria dos estudantes de licenciatura em todas as regiões, exceto na África Subsaariana (UNESCO-ESALC, 2020a). Não só as mulheres constituem a maioria dos estudantes de graduação, mas ainda têm maior probabilidade de concluir o ensino superior do que os seus homólogos masculinos (OECD, 2020; UNESCO, 2017a).

Em suma, as desigualdades de gênero no ensino superior em todo o mundo inverteram-se nas últimas décadas. As mulheres fizeram progressos sistemáticos no nível de escolaridade, sendo mais propensas do que os homens a continuar a sua educação e a obter uma licenciatura e pós-graduação (Callister, Newell, Perry & Scott, 2006). As mulheres superam os homens em praticamente todos os indicadores educacionais no ensino superior, com estatísticas recentes mostrando, por exemplo, que quase dois em cada três diplomas de bacharel concedidos nos Estados Unidos o são a mulheres (Departamento de Educação dos EUA, 2018). Estudos na Europa (Smyth, 2005) também mostram que o nível de escolaridade das mulheres excede o dos homens. 

Desta feita, utilizando séries cronológicas sobre taxas de matrícula e conclusão por gênero, vários artigos mostram que a inversão ocorreu em quase todos os países de rendimento elevado, bem como numa proporção crescente de países de rendimento mais baixo em todas as regiões do mundo, desde a África Subsaariana aos Estados Árabes do Golfo (DiPrete & Buchmann, 2013). Numerosos estudos internacionais sobre a influência do ensino superior relataram padrões semelhantes nas vantagens femininas e persistentes disparidades de gênero nos resultados do mercado de trabalho (Machin & Puhani, 2003) (García-Aracil, 2008) (Williams & Wolniak, 2021).

Este fenômeno é recorrentemente definido como a “vantagem feminina” no ensino superior (Buchmann & DiPrete, 2006; Niemi, 2017). Desde o final da década de 1970, a vantagem masculina se evaporou e se transformou numa desvantagem. O sucesso global das mulheres na aquisição de capital humano é passível de uma das principais mudanças sociais da história recente (Williams & Wolniak, 2021). Esta inversão da disparidade de gênero, também conhecida como ascensão das mulheres, não deverá desaparecer em breve e sugere-se que cresça ainda mais nos próximos anos (DiPrete & Buchmann, 2013).

Independentemente destas estatísticas, existe algo encorajador sobre a participação feminina no ensino superior. As preocupações sobre a igualdade de gênero no sistema de ensino superior aumentaram no decurso da última década. Uma suposição válida é que as mulheres, depois de se formarem, também são capazes de prosseguir e estudar para obter graus superiores que lhes permitiriam ocupar a maioria dos cargos acadêmicos nas universidades, envolver-se em investigação relevante, assumir papéis de liderança e até obter ganhos competitivos e comparáveis de remunerações. Consoante foi demonstrado mais à frente, este não foi o caso. O fracasso das universidades, por exemplo, em recrutar, reter e promover mulheres acadêmicas desperta cada vez mais a atenção.

Concedendo a pesquisa e retendo a observação na área da investigação e do ensino superior, os homens publicam, em média, mais artigos do que as mulheres, fato demonstrativo de que existe uma lacuna de edição em termos de gênero. As diferenças nas editorações acadêmicas entre homens e mulheres persistem e são mais pronunciadas nas divulgações em revistas de topo. As áreas de estudo (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) mostram intensiva sub-representação de estudantes do sexo feminino na maioria dos países, intimamente ligada à sub-representação de investigadoras nessas áreas. Globalmente, a percentagem de mulheres que estudam engenharia, produção e construção ou TIC (tecnologias de informação e comunicação) é inferior a 25% em mais de dois terços dos países. Durante a primeira onda da pandemia da COVID-19, embora a submissão de trabalhos acadêmicos para publicação tenha aumentado em todos os meses durante o período de confinamento, a taxa de crescimento nas submissões de investigadores do sexo feminino foi significativamente menor do que a dos investigadores do sexo masculino. Este défice também foi especialmente pronunciado entre os grupos mais jovens de acadêmicas (UNESCO, 2021).

Dados da OCDE e da UNESCO mostram que, embora um número crescente de mulheres se matricule na universidade, muitas são forçadas a abandonar os níveis mais elevados exigidos para uma carreira de investigação. Por exemplo, na maioria dos países da OCDE, há mais estudantes do sexo masculino do que do sexo feminino a frequentar cursos de mestrado e doutoramento, o que, por si, enseja uma preocupação de equidade e de política mundiais. Isto é passível de explicar, em parte, por que poucas mulheres chegam ao cargo de professora e publicam menos artigos, sendo que ambas as áreas exigem graus mais elevados.

Em 2018, as mulheres representavam 43% das professoras no ensino superior, em comparação com 66% e 54% no ensino primário e secundário, respectivamente (UNESCO, 2020a). A África Subsaariana continua a ser a região com a percentagem mais baixa de professoras no ensino superior, com uma tendência ligeiramente decrescente de 1995 a 2018, enquanto todas as outras regiões registaram um aumento (UNESCO, 2020a).

A REALIDADE DO BRASIL

Olhando para o Brasil, a profissão docente é predominantemente feminina em todos os níveis de ensino, exceto no ensino superior (UNESCO, 2020c). Em 2019, as proporções de professoras por nível de ensino eram de 96% (educação infantil); 88% (ensino fundamental); 67% (ensino médio); e 46% (educação superior). Embora a proporção de professoras no nível superior do ensino tenha aumentado desde 1999 (41%), a paridade de gênero ainda não foi alcançada, uma vez que constituíam apenas 46% em 2019 (UNESCO, 2020c).

Censo da Educação Superior, realizado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), constitui-se como importante instrumento de obtenção de dados para a geração de informações que subsidiam a formulação, o monitoramento e a avaliação das políticas públicas, além de ser elemento importante para a elaboração de estudos, pesquisas e políticas públicas para o setor. O Censo coleta informações sobre as Instituições de Educação Superior (IES), os cursos de graduação e sequenciais de formação específica e a respeito dos discentes e docentes vinculados a esses cursos.

 As instituições de educação superior, por organização acadêmica e categoria administrativa, em 2022, totalizaram 2.595 unidades, sendo 115 universidades públicas e 90 particulares; dez centros universitários públicos e 371 privados; 146 faculdades públicas e 1.822 particulares; e 41 IF/Cefet públicos. Na atualidade, um percentual de 88% das instituições de educação superior e de privados, perfazendo 2.283 unidades e 312 IES públicas. Em relação às IES públicas, 42,6% são estaduais (133 IES), 38,5% federais (120); e 18,9% municipais (59). Em sua maioria, as universidades são públicas (56,1%), e entre as IES privadas, predominam as faculdades (79,8%). Quase 3/5 das IES federais são universidades e 34,2% institutos federais de educação, ciência e tecnologia (IFs) e centros federais de educação tecnológica (Cefets).

As 205 universidades do Brasil equivalem a 7,9% do total de IES. De outra vertente, 54,4% das matrículas de graduação estão concentradas nas universidades. Apesar do alto número de faculdades, nelas estão matriculados apenas 12,0% dos estudantes de graduação; 3,4% das instituições de educação superior (IES) oferecem 100 ou mais cursos de graduação, 27,8% das IES ofertam até dois cursos de graduação, em média, as IES expõem a matrícula 17,4 cursos de graduação. Assim, 81,8% dos cursos de graduação nas universidades são na modalidade presencial e o grau acadêmico predominante dos cursos de graduação é o bacharelado (59,8%). 

O perfil do docente de instituição de educação superior possui escolaridade no nível doutorado na rede pública, sendo a escolaridade mestrado o grau de formação mais frequente na rede privada. Tanto no sistema particular quanto na rede pública, os docentes mais frequentes são homens. 41 anos é a idade mais constante dos professores em instituições públicas, as passo que nas particulares é de 42 anos. Em relação ao regime de trabalho, enquanto a modalidade dos docentes da rede pública é o regime em tempo integral, na rede privada, a maior parte possui tempo parcial, conforme o Quadro sequente. 

Quadro 1Perfil do docente de instituição de educação superior, por categoria administrativa (pública e privada) – 2022. 

Fonte: Microdados do Censo da Educação Superior (Brasil. Inep, 2023a).

Em relação ao número de estudantes, o sexo feminino predomina em ambas as modalidades de ensino. O turno noturno é o que possui mais estudantes nos cursos de graduação presencial, quando comparado ao diurno. Os alunos matriculados em cursos de bacharelado são a maior parte nas modalidades presencial e educação a distância (EaD). Em 2022, foram oferecidas mais de 22,8 milhões de vagas em cursos de graduação, sendo 75,5% vagas novas e 24,4% vagas remanescentes, conforme Tabela 1. 

Tabela 1 – Número de vagas de cursos de graduação, por tipo de vaga e categoria administrativa – 2022. 

Fonte: Microdados do Censo da Educação Superior (Brasil. Inep, 2023a).

A rede privada ofertou 96,2% do total de vagas em cursos de graduação em 2022. A rede pública correspondeu a 3,8% das vagas ofertadas pelas IES. Das vagas remanescentes, 96,6% foram ofertadas por IES da rede privada. Das novas vagas oferecidas em 2022, 23,6% foram preenchidas, enquanto apenas 12,3% das vagas remanescentes foram ocupadas no mesmo período. Com exceção da modalidade de ingresso em programas especiais, a ocupação na condição presencial foi maior que na modalidade a distância. Em 2022, 4,7 milhões de alunos ingressaram em cursos de graduação, de cujo total, 89% em instituições privadas. Licenciatura foi o grau acadêmico com maior aumento no número de ingressos em 2022 em relação a 2021. Os cursos de bacharelado continuam concentrando a maioria dos admitidos à educação superior (54,0%), seguidos pelos cursos tecnológicos (29,3%) e pelos cursos de licenciatura (16,7%). Em 2021 e 2022, houve um aumento no número de admitidos ao grau de bacharelado (18,6%), superando a variação positiva verificada no grau tecnológico (18,4%) em 2022. Já o grau de licenciatura registrou o maior crescimento nesse mesmo período (30,1%). De 2012 a 2022, o grau tecnológico registrou o maior crescimento em termos percentuais (155,5%).

O ciclo de 2012-2020 registrou uma diminuição considerável nas matrículas femininas no ensino superior. Na realidade, foi uma diminuição geral do quantum de inscritos, passando de 5.923.838 em 2012 para 5.112.663 em 2020, totalizando – 811 175 ou 13,7%.  As mulheres tiveram uma redução de 347.958 matrículas (10,6%) e os homens 463.217 (17,6%). Isto explica por que o índice médio ajustado de paridade de gênero subiu de 1,25 para 1,35. Para o quantitativo de concluintes, também, foi observada igual situação, diminuindo o total de 878.091 em 2012 para 803.622 em 2020, redução de 72.469 (83,3%), sendo maior entre os homens (9,97%) do que entre as mulheres (7,12%), que representa um aumento do índice de paridade feminino de 1,47 para 1,52, conforme Tabela 2.

Tabela 2 – Proporção de mulheres entre os estudantes matriculados e entre os estudantes concluintes em cursos de graduação presencial – Brasil – 2012-2022.

Fonte: Microdados do Censo da Educação Superior (Brasil. Inep, 2023a).

Uma análise complementar deste tema trata da proporção de mulheres matriculadas nos diversos cursos de graduação e sua variação no período estudado. Para discutir as taxas, optamos pela identificação dos três cursos mais procurados e três menos demandados pelas mulheres. No ano de 2022, o conjunto de cursos identificado no MEC com maior número de matrículas foi o de Saúde (exceto Medicina), com 758.231 estudantes matriculadas e proporção de mulheres de 74,5%; Educação, com 384.480 matriculadas e taxa de proporção de 64,8%; e Ciências Sociais e Comportamentais, com 287.722 matriculadas e proporção de mulheres de 71,6%. Comparando com o ano de 2022, o total de matrículas nos três cursos mostrou uma situação diferenciada, pois o curso de Educação denotou drástica redução, da ordem de 38%, perdendo 236.891 matrículas, em detrimento de Ciências Sociais e Comportamentais, que aumentou 66%, totalizando 114.044 matrículas, enquanto o de Saúde (exceto Medicina) exprimiu um aumento de 38%, perfazendo 211.214 matrículas. 

O abandono escolar foi um dos efeitos mais perversos da pandemia na Educação, pois criou a perturbação mais grave nos sistemas educacionais do mundo na história e é ameaçadora uma perda de aprendizagem passível de se estender além de uma geração de estudantes. O encerramento de escolas também deverá apagar décadas de progresso. De acordo com a UNESCO (2020), é provável que o ensino superior registe a taxa de abandono mais elevada e um declínio previsto de 3,5% nas matrículas, afetando 7,9 milhões de estudantes. A educação pré-escolar é o segundo nível mais afetado, com um declínio previsto de 2,8% nas matrículas, ou seja, menos cinco milhões de crianças a frequentar. De acordo com estas projeções, 0,27% dos alunos do ensino primário e 1,48% dos alunos do ensino secundário, correspondendo a 5,2 milhões de meninas e 5,7 milhões de rapazes em ambos os níveis, correm o risco de abandonar a escola.

O relatório das Estatísticas da Educação Superior referente a Graduação, elaborado pelo INEP (2023), mostra que, durante a pandemia do coronavírus SARS-CoV-2 houve redução significativa do número de matrículas nos cursos de graduação presenciais. Comparando os quantitativos de 2019 e 2020, na contextura do Brasil, houve uma redução das matrículas, em relação ao ano anterior, de 579.009 (10,4%), na Região Nordeste de 150.111 (11,9%) e, no Estado do Ceará, de 20.070, que representa 8,4%. Considerando as categorias administrativas, as universidades perderam 6.215 alunos, com uma redução de 6,8%, as faculdades 14.012 (33,9%), os centros universitários ganharam 172 alunos, aumento de (0,2%), e o IF-CEFET perderam somente 15 alunos (0,08%). Dentro da nossa área de Educação, as IES públicas perderam em todo o País 111.817 matrículas (14,25%), sendo 25.877 (8,7%) na área federal, 19.729 (10,3%) na estadual e 2.864 (22%) na municipal. Considerando somente as universidades federais, a redução de matrículas foi de 24.848, o que corresponde a 10,3%, ou seja, perdemos um a cada dez alunos. 

 O estudo Cenário da Exclusão Escolar no Brasil, realizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Educação e Ações Comunitárias (Cenpec), em 2019, mostra que havia 1,1 milhão de crianças e adolescentes fora da escola – com predominância de pessoas pobres, pretas(os), pardas(os) e indígenas, nas faixas etárias de quatro a cinco a cinco anos e de 15 a 17 anos. Com a chegada da covid-19, o Brasil registrou, em novembro de 2020, 1,5 milhão de crianças e adolescentes de seis a 17 anos estavam fora da escola – número que, em 2019, era de cerca de 500 mil. Somaram-se a esse grupo outros 3,7 milhões que, embora matriculados, não tiveram acesso a atividades pedagógicas durante o fechamento das escolas.

No outro extremo, com menor percentual de mulheres em 2022 são: Computação e Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) com 15,7%, Engenharia e profissões correlatas com 22,7%, e programas interdisciplinares, abrangendo Ciências Naturais, Matemática e Estatística, com 32,7% de proporção de mulheres. Em 2012, os mesmos cursos indicavam o menor índice de mulheres, com pequenas variações no percentual:  Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) – 15,4%, Engenharia e profissões correlatas – 22,3%, e programas interdisciplinares, abrangendo Ciências Naturais, Matemática e Estatística, com 33,5%, reafirmando a preferência masculina por estas áreas do conhecimento.

A sub-representação global das mulheres em CTEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) é algo preocupante. De acordo com o Relatório Global sobre a Disparidade de Gênero (2023), as mulheres representam apenas 29,2% da força de trabalho CTEM em 146 países avaliados, em comparação com quase 50% das profissões não CTEM. Apesar de um aumento de 1,58% no número de trabalhadoras CTEM de 2015 a 2023, permanece um preocupante desequilíbrio de gênero. As mulheres enfrentam desafios ao exercerem funções de liderança CTEM. Por exemplo, elas representam 29,9% dos trabalhadores seniores, mas apenas 12,4% em cargos de chefia. As organizações, os governos, as instituições educativas e a comunidade científica e tecnológica, em geral, devem trabalhar em conjunto para remover as barreiras que impedem as mulheres de avançar nas carreiras CTEM (WORLD ECONOMIC FORUM, 2023.

O número de docentes em cursos de graduação da categoria pública soma, em 2022, 173.637 pessoas, e os da categoria privada perfazem 152.549. Na categoria pública, para os distintos graus de formação, observa-se predominância masculina (54,7% dos doutores, 55,7% dos mestres e 57,8% dos até especialistas). Diferentemente, na categoria privada, o percentual de mulheres supera o de homens entre os doutores (51,3%) e mestres (50,6%), e os homens são predominantes entre os até especialistas (53,4%). Nas IES públicas, os docentes têm, em média, idade mais avançada do que nas IES privadas (médias, respectivamente, iguais a 47 anos e 45 anos). A mediana também é maior nas IES públicas (46 anos) do que nas particulares (43 anos). Verifica-se a mesma moda nas IES públicas e particulares (41 anos). A variabilidade de idade também se mostra discretamente superior nas instituições de ensino superior privadas (desvio-padrão igual a 10,6 anos, nas IES públicas, e 11,0 anos, nas IES particulares). Nas IES, as mulheres estão sub-representadas no Índice de Paridade de Gênero (IPG) na categoria pública com valores de 0,82 na escolaridade de doutores, 0,79 entre os mestres e 0,73 nos especialistas. Na categoria particular, o percentual de mulheres supera o de homens entre os doutores (IPG 1,05) e mestres (IPG 1,02), e os homens são predominantes entre os especialistas (IPG 0,87,4%).

Ao analisar dados sobre a liderança feminina nas universidades em todo o mundo, o quadro geral que emerge é o de uma escassez de mulheres no topo. Elas estão representadas entre o pessoal docente nos níveis de ensino mais baixos, enquanto a sua presença é marcadamente menor no ensino secundário e superior (segregação vertical). O mesmo se aplica à gestão escolar e à formulação de políticas educativas e aos cargos de tomada de decisão (UNESCO, 2020a).

Ao visualizar a América Latina, de acordo com dados de uma pesquisa realizada pela UNESCO-IESALC em 2020, apenas 18% das universidades públicas da região têm reitoras. O resultado foi obtido com suporte numa amostra de nove países latino-americanos: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, México, Panamá, Peru e Venezuela (UNESCO-IESALC, 2020b). Embora, no entanto, este número pareça baixo, como mostrado a seguir, a situação é melhor em comparação com a da Europa. O relatório UNESCO-IESALC (2020b) observa, ainda, que, malgrado as matrículas universitárias na região mostrarem maior comparência de mulheres, na ordem dos 55%, a liderança nas universidades públicas continua a estar nas mãos dos homens.

O relatório Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, mostra, pela primeira vez, a produção de grande parte destes indicadores para o Brasil, contribuindo, com isso, para o preenchimento de importante lacuna na produção de estatísticas de gênero. Com amparo nas temáticas Estruturas econômicas, participação em atividades produtivas e acesso a recursos, como: Educação; Saúde e serviços relacionados; Vida pública e tomada de decisão; e Direitos humanos das mulheres e meninas – foi possível traçar um panorama, ainda que sucinto, das desigualdades de gênero no País, oferecendo, de igual modo, um conjunto de informações para estudiosos e formuladores de políticas públicas. 

A razão de rendimentos, por sexo, foi calculada com suporte nos indicativos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD, que monitora a situação do trabalho no Brasil. As informações referem-se ao rendimento médio real habitual de todos os trabalhos das pessoas ocupadas, na semana de referência, por sexo. Define-se rendimento médio real habitual das pessoas de 14 anos ou mais ocupadas em todos os trabalhos como o rendimento bruto real médio habitualmente recebido em todos os trabalhos que as pessoas ocupadas com rendimento tinham na semana-referência, a preços médios do ano mais recente, conforme Tabela 3. 

Considerando todas as faixas de idades e grupos ocupacionais, o salário médio das mulheres é de R$ 2.303,00 reais, que corresponde a uma razão de 79% do salário do homem trabalhador. Nos anos iniciais (14 a 29 anos), os salários das mulheres denotam a maior razão, taxa de 88% para um salário médio de R$ 1.642,00 e, à medida que aumenta o grupo de idades, apesar de o valor médio do salário dos homens aumentar sistematicamente, o importe das mulheres diminui gradativamente, passando de uma razão inicial de 88%, para uma razão ao final da carreira de 66% na faixa de idade superior a 60 anos.

As ocupações se referem a função ou cargo que as pessoas exercem nos seus trabalhos. Aquelas com baixa escolaridade, geralmente, estão alocadas em funções mais simples, enquanto as mais educadas estão em cargos que exigem mais conhecimento e remuneram melhor. O nível educacional desenvolve função indescartável nas oportunidades ocupacionais disponíveis para os trabalhadores. A associação positiva entre educação, ocupação e salário já está bem consolidada na literatura. Assim chamam à atenção os salários de três grupos principais: Diretores e Gerentes, Membros das Forças Armada e Profissionais das Ciências e Intelectuais, no qual os professores estão incluídos.  

Tabela 3 – Rendimento habitual de todos os trabalhos e razão de rendimentos das pessoas ocupadas de 14 anos ou mais de idade, por sexo, segundo Grupos de Idade e Grandes Grupos Ocupacionais – Brasil – 2022.

Fonte: IBGE – Estatísticas de Gênero – Indicadores sociais das mulheres no Brasil (2022). 

Apesar de terem, em média, maior escolaridade do que os homens, o rendimento das mulheres continua inferior. Em 2022, o rendimento delas foi equivalente a 78,9% do recebido por eles. Em 2012, início da série histórica, essa razão era estimada em 75,4%, significando que essa distância diminuiu. Em 2022, a maior diferença estava no grupo de profissionais das ciências e intelectuais, nos quais as mulheres receberam 63,5% da média dos homens. No grupo dos diretores e gerentes, que denota os maiores rendimentos médios do País, elas receberam 73,9% do recebido pelos homens. Já entre os membros das Forças Armadas, policiais e bombeiros, elas recebiam, em média, mais do que eles (109,0%). Isso se explica por estarem mais presentes em postos de comando e carreiras especializadas, como médicas e arquitetas.

Em 2022, mulheres eram 39,3% das ocupações em cargos gerenciais (variando entre as atividades econômicas), segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE. No conjunto de atividades em que há mais cargos gerenciais (indústrias extrativas; indústrias de transformação; eletricidade e gás), 31,0% dos cargos eram ocupados por mulheres. A menor proporção foi encontrada na Agricultura, Pecuária, Produção Florestal, Pesca e Aquicultura (15,8%) e a maior proporção nas atividades de Saúde Humana e Serviços Sociais e Educação (~70,0%). Malgrado os avanços acerca do trabalho profissional feminino, a desigualdade na distribuição de cargos de autoridade em relação aos homens se mantém. Uma razão de grande relevância para tanto, explicada pela teoria do papel social de Eagly (1987), são as crenças e expectativas amplamente disseminadas na sociedade sobre como homens e mulheres são – os estereótipos de gênero – e sobre como deveriam ser, que, em conjunto, constituem os denominados papeis de gênero (gender roles). De acordo com eles, aos homens são associados atributos de agência, como comando, agressividade, ambição e firmeza. Por sua vez, as mulheres são relacionados traços comunais orientados para o cuidado com o próximo, a exemplo de valores coletivos e atenção aos relacionamentos interpessoais.

Em 2023, a paridade de gênero do Brasil, de 72,6%, é a 57ª na escala mundial, estando no seu nível mais elevado, desde 2006. O Brasil nomeou mulheres para 36,7% dos cargos ministeriais, o mais elevado da sua história. Além disso, houve também um aumento de 2,9 pontos percentuais no quantitativo de parlamentares (quota, 17,7%). Combinados, quase duplicaram o nível de paridade em Empoderamento Político (26,3%) desde a edição anterior. Houve, também, uma melhoria marginal na dimensão Participação Econômica e Oportunidades. Embora a paridade nos cargos técnicos se mantenha, a paridade nos rendimentos estimados é de 62,8%, apesar de registar alguma melhoria em relação à edição de 2022. Existe paridade total nos resultados de Saúde e Sobrevivência, com base na proporção entre os sexos à nascença e na esperança de vida saudável. No subíndice de nível de escolaridade (99,2%), além da matrícula no ensino primário, há plena paridade de gênero na taxa de alfabetização, no ensino secundário e no ensino superior (WEF, 2023).

Em meio à atual realidade política do Brasil – que, desde 2014, é marcada pela criminalização da política, pelo impeachment da primeira Mulher presidente da história do País, pelas crises econômicas e pelo aumento do desemprego – foi criado um clima de frustração coletiva com os políticos e com o governo, abrindo caminho para uma retórica anti política hegemônica. Certos grupos organizaram-se contra a recente modificação das hierarquias de gênero, maior visibilidade e o reconhecimento da diversidade sexual. A “ideologia de gênero” foi inicialmente utilizada pelos religiosos em 2011, mas foi somente em 2014 que essa unidade de ideia auferiu destaque, ao aparecer nos protestos para a exclusão das expressões gênero e orientação sexual dos planos de educação. Vem sendo considerada uma questão de ordem por grupos conservadores (grupamentos de direita e o Movimento Brasil Livre (MBL)) materializado por ataques sistemáticos aos nossos intelectuais, educadores e artistas que marcaram os últimos anos, elegendo equivocadamente inimigos, tais como Paulo Freire (Pedagogia do oprimido), Judith Butler (Caminhos de Separação: Judaísmo e a Crítica do Sionismo – edição brasileira de seu livro 2017), Chico Buarque e outros. Quem questiona o gênero deveria explicar por que ele é negativo e por que homens e mulheres não deveriam ter os mesmos direitos. Isso não é nem um pouco explicado com a expressão “ideologia de gênero”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se as mulheres constituem a maioria dos estudantes de graduação, então, por que ainda são uma minoria cada vez menor entre docentes, docentes seniores e professores? Por que há poucas mulheres pesquisadoras e autoras publicadas? Se mulheres e homens recebem o mesmo tipo de educação universitária necessária para alcançar o cargo de professor, e se espera que desempenhem as mesmas tarefas, então por que recebem salários diferentes? Havendo mais mulheres do que homens estudando e se formando, o que impede mulheres altamente capazes de ocupar metade dos assentos na mesa principal? 

Nos tempos modernos e contemporâneos, quando essas relações se estabeleceram no mundo do trabalho após a inserção feminina nesse espaço, por sua vez, produziram mecanismos sutis e explícitos de dominação inseridos nos locis hierárquicos de poder. Esses, muitas vezes, são fragmentados quando se deslocam para profissões feminizadas e parece haver uma concordância implícita sobre quais trabalhos são “para mulheres”. Dentre estes, o magistério de crianças e jovens se destaca como trabalho feminino por natureza e, dessa maneira, é social e culturalmente aceito. Quando, porém, se trata do Ensino Superior, alguns paradoxos acontecem, pois geram conflitos com esse imaginário e locais de poder de gênero. Isso porque, desde os tempos idos, os homens eram os doutores, os lentes, os conhecedores, os livres; e as mulheres mal conseguiam aprender a ler e a escrever, submergidas nas funções domésticas e maternas. Até que ponto essa mentalidade impregna o mundo social, sendo que a cada momento emerge no discurso de cada sujeito, sejam homens, sejam mulheres quando, por força das mentalidades, perpetuam um jeito de pensar impregnado de continuidade? (ALMEIDA; SOARES, 2012).

Globalmente, é veraz concluir que as mulheres ainda enfrentam um problema profissional fundamental no meio acadêmico: ainda falta a sua plena participação no sistema de ensino superior, seja no papel de líderes sêniores, professores ou investigadores. Os números recentes demonstram o quanto ainda precisa ser feito para alcançar verdadeiramente a plena participação das mulheres no ensino superior. À luz disto, as IES devem fazer um balanço desta situação e servir como plataforma ideal para encorajar as mulheres a tornarem-se líderes, tirando, em última análise, partido do aumento da liderança feminina.

Consequentemente, há uma necessidade urgente de considerar a vasta gama de elaborações de gênero não abordadas quando a conversa se centra apenas nas mulheres no ensino superior e nas crises associadas à sub-representação e ao progresso. A matéria vai muito além da agência individual das mulheres e precisa considerar as estruturas ou o discurso que vinculam as mulheres nos ambientes de ensino superior. A carreira e os resultados econômicos das mulheres no ensino superior precisam ser analisados de maneira que não considere apenas os benefícios e os custos do investimento no ensino superior, os mecanismos sociais pelos quais as desigualdades são perpetuadas e as atitudes e expectativas que influenciam a carreira e os resultados econômicos, mas, também, a natureza complexa do gênero na sociedade. Embora reconhecendo os desafios de trabalhar com distintos quadros, dadas as suas incompatibilidades inerentes, argumentamos que um exame cuidadoso das complexidades, pontos fortes e limitações de cada um vai conduzir a uma base mais perto da precisão para examinar e compreender a relação entre gênero e resultados do ensino superior, contribuindo, em última análise, para cumprir algumas metas dos ODS 4 e 5.


1O Índice de Paridade de Gênero (IPG) é o número de mulheres dividido pelo de homens (seja como total de matrículas por gênero ou quando se comparam as respectivas taxas de matrícula). A paridade é representada pelo valor 1, enquanto um número entre zero e um indica sobre representação de homens e um valor acima de um indica sobre representação de mulheres.


REFERÊNCIAS 

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(FACED/UFC)