A FORMAÇÃO DOCENTE SOB O VIÉS LEGAL NORMATIVO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th10249111412


Nayara Tatianna Santos da Costa[1]
Kiara Tatianny Santos da Costa [2]
Edna Cordeiro de Souza [3]
Glageane da Silva Souza [4]


RESUMO

Considerando que o contexto de formulação e reformulação das políticas educacionais é atravessado por disputas em torno da hegemonia pela perspectiva ideológica que as orientam, sobretudo no que se refere à Formação Docente, é necessário estar atento às entrelinhas dos discursos que são produzidos e disseminados por meio dos documentos que estruturam essas políticas. Em especial, é preciso observar os documentos legais que traçam os contornos das políticas de Formação Docente, pois estes compõem um elemento indutor na materialização das práticas. Nesse sentido, o texto ora apresentado busca problematizar o conceito de Formação Docente a partir dos modelos formativos que concorrem por posições hegemônicas, no contexto de mundialização do capital, e, ainda, desenhar um quadro legal da Formação Docente mediante o olhar sobre o referencial normativo que fundamenta a política de Formação Docente no Brasil.  

Palavras-chave: Formação Docente, Política Educacional, Legislação Educacional.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Toda Política Educacional possui três características comuns, a saber: intencionalidade, textualidade/contextualidade e tridimensionalidade. (SANTOS, 2016). A primeira delas está relacionada com o projeto de poder que a fundamenta. A segunda, refere-se ao texto do documento em si, e às condições reais em que este foi produzido, uma vez que deve-se reconhecer que o dispositivo legal é produto de embates e representa o avanço ou recuo de diversos segmentos sociais, na disputa por suas agendas. Quanto ao caráter tridimensional, toda política depende necessariamente do aspecto administrativo, financeiro e pedagógico.

Dito isto, o texto e o contexto que envolvem a Política de Formação Docente, ainda que não dissociados das demais características, podem constituir um elemento importante na compreensão daquilo que se defende como pauta da Formação, sendo, portanto, os documentos legais fontes necessárias para se entender o desenho da política em si.

Pensar Formação Docente exige, como pressuposto, compreender que esta se subordina à uma concepção mais ampla de Educação. E tal como ela se configura vai determinar o modelo de formação, o seu propósito e modus operandi.

Nessa perspectiva, não há como pensar em alternativas de mudança no cenário das práticas educativas ou no papel imprescindível do professor no processo de emancipação e conscientização dos sujeitos da aprendizagem, sem antes se pensar de nos processos formativos que forjam estes profissionais, e como a dinâmica em que ocorre a formação também corrobora para a construção de identidades coletivas, do ser professor, de como se entende e vive a docência. 

Vale destacar ainda que a identidade docente é forjada nos processos formativos (sejam estes a Formação inicial ou continuada) e que todos os espaços e dinâmicas a priori são condicionadas pela política de formação, e pelos modelos formativos, que por sua vez vinculam-se ao contexto político e social de cada território. 

É por essa razão que não se pode entender Formação alijada dos seus condicionantes sociais, do contexto em que está inserida e do direcionamento dado pelas políticas educacionais sobre esta temática. 

Nessa direção, olhar mais atentamente como são delineadas as políticas de formação possibilita entender e questionar o papel da educação e dos seus atores, bem como dos modelos que têm sido priorizados na condução dos processos formativos docentes, indagando sobre as influências que atuam sobre o campo da Formação Docente.

Esse texto estrutura-se nesse sentido, em dois momentos. O primeiro, no qual busca problematizar o conceito de Formação Docente a partir dos modelos formativos que concorrem por posições hegemônicas, no contexto de mundialização do capital, e, num segundo momento, em que se faz o exercício de construir um quadro legal da Formação Docente, partindo da catalogação do referencial normativo que fundamenta a política de Formação Docente no Brasil.  

2. METODOLOGIA

A metodologia utilizada foi de natureza exploratória do tipo documental, com abordagem qualitativa de pesquisa. O caminho metodológico para produção deste trabalho foi constituído do levantamento inicial de dados nos sítios eletrônicos do Ministério da Educação, (MEC) e no Conselho Nacional de Educação (CNE). Em seguida, foram catalogados os documentos legais objetos desta análise. Para posterior leitura e abordagem.

A pesquisa documental envolve a análise de materiais e documentos de natureza diversa, e nesse caso, tratam-se de decretos, portarias e resoluções de âmbito nacional, no que se refere à formação de professores em âmbito nacional, com foco na formação continuada docente. 

Sobre este tipo de pesquisa, Silva et. al. (2009), aborda que ela se caracteriza por enfatizar “[…] não a quantificação ou descrição dos dados recolhidos, mas a importância das informações que podem ser geradas a partir de um olhar cuidadoso e crítico das fontes documentais”. 

O âmbito em que se deu a pesquisa é o contexto brasileiro no qual se situam os documentos objetos desta análise. 

A amostra foi composta pelos documentos editados e em vigor com recorte temporal pós LDB 9394/96, até o ano de 2022, no âmbito nacional.

Em especial foi objeto desta análise o Decreto 8.752/2016, que institui a Política Nacional de Formação dos profissionais de Educação Básica, as Leis 12.059/09 e 12.796/13, nos termos que alteram o disposto sobre formação na LDB, e as Portarias editadas pelo MEC e CNE, que tratam da formação continuada de professores. 

Em se tratando da análise dos dados, esta se deu a partir da análise de conteúdo categorial de Bardin (2010). Considerando que segundo o autor, essa técnica de análise desdobra-se em três etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento. Na primeira, são executadas as tarefas de pré-análise dos documentos selecionados e ocorre a retomada das hipóteses e dos objetivos da pesquisa. A segunda etapa, consiste na operação de codificação, pois “[…] corresponde a uma transformação […] dos dados brutos do texto, transformação esta que, por recorte, agregação e enumeração, permite atingir uma representação do conteúdo” (BARDIN, 2010, p. 103). Na terceira etapa, procede-se à inferência e interpretação em consonância com o quadro teórico orientador da investigação, a partir das categorias definidas a priori: Formação docente e Modelos formativos.

A pesquisa documental, por não ser realizada com seres humanos, dispensa a submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos. Contudo, foram respeitados os preceitos da ética em pesquisa relacionados à interpretação fidedigna dos dados e divulgação em veículos científicos. 

3. A FORMAÇÃO DOCENTE EM PAUTA: perspectiva e modelos formativos

O modo como se desenha a Formação Docente, está diretamente relacionado à conjuntura a qual este projeto faz parte, as concepções que o subjazem, e às interferências dos direcionamentos postulados pelos organismos multilaterais, que, sobretudo, pós anos 1990, vem intervindo e ditando os contornos das reformas educacionais que tem sido implementadas. 

A partir disso, a Educação Básica e a formação dos professores, tem se tornado cada vez mais peças centrais na formulação de políticas, sob o viés do desenvolvimento de competências alinhadas às necessidades de mundialização do capital, numa tendência fortemente utilitarista da formação e da solução dos problemas educacionais. 

Faz-se necessário problematizar o tipo de formação que tem sido priorizada nos contextos de formação de professores e os seus pressupostos ou interesses, se estas são reduzidas a uma perspectiva uniformizante, utilitarista e desconectada das demandas de professores, escolas e sujeitos do processo de ensino e aprendizagem. 

Mudar a rota que traduz a formação em um modelo de transmissão com predomínio de teorias descontextualizadas, orientadas pelo paradigma da racionalidade técnica é um desafio que se impõe na contemporaneidade, promovendo “[…] mais aprendizagem que ensino na formação”. (IMBERNÒN, 2009, p.39). 

Nos aproximamos assim de uma noção mais politizada de educação e de formação, que pressupõe alternativas baseadas na colaboração entrepares, no intercâmbio de experiências e reflexão coletiva, numa lógica de formação endógena e contextualizada, associada à profissionalização e valorização docente.

Abandonando um conceito de formação como “atualização” como nos indica Imbernón: 

Não se trata apenas de reduzir, mas de abandonar o conceito tradicional que estabelece que a formação permanente do professorado é a atualização científica, didática e psicopedagógica (que pode ser recebida escolarizando-se mediante licenças de estudo ou permanências em instituições superiores) de sujeitos ignorantes, em benefício da firme crença de que a formação permanente deverá gerar modalidades que ajudem o professorado a descobrir sua teoria, organizá-la, fundamentá-la, revê-la e destruí-la ou construí-la de novo. Isso abrange uma mudança radical da forma de pensar a formação […] privilegia o comprometimento com uma formação orientada para um sujeito que tem capacidades de processamento da informação, análise e reflexão crítica, decisão racional, avaliação de processos e reformulação de projetos, tanto trabalhistas como sociais e educativos em seu contexto e com seus colegas. (2009, p.48) 

Ainda na contramão de uma formação pela atualização, na ênfase das demandas nascidas de dentro do contexto da escola e de seus docentes, Nóvoa sinaliza que “a formação continuada não deve dispensar nenhum contributo que venha de fora, sobretudo o apoio dos universitários e dos grupos de pesquisa, mas é no lugar da escola que ela se define, enriquece-se e, assim, pode cumprir o seu papel no desenvolvimento profissional dos professores. (2019, p.11). 

Observa-se, portanto, que no atual contexto da formulação das políticas educacionais ganha-se destaque a discussão sobre formação continuada docente. Um enfoque que aparece com maior força a partir das reformas educacionais nos anos 1990. Mas essa tônica de debate nem sempre passa pela proposta de construção de uma perspectiva formativa politizada centralizando a escola enquanto lócus da formação; na verdade os discursos neoliberais a direcionam para o alinhamento das agendas internacionais e locais que se pautam na teoria do capital humano fundamentando suas propostas sob a ótica utilitarista. Este modelo tem como foco a pedagogia de competências, que se baseia em “tarefas prescritas, observáveis e objetáveis”. (CRUZ, MOURA E NASCIMENTO, 2022).

Imbernón (2009, 2010), afirma não ser possível dissociar a formação continuada do contexto em que ela é produzida, pois não faz sentido transpor modelos formativos de contextos diversos a uma determinada realidade. Este contexto desvela o campo da formação continuada enquanto parte de um projeto político de reestruturação produtiva fundado no pensamento político neoliberal. Alinha-se então o projeto educacional com os anseios do mercado de trabalho, sendo nesse cenário, a formação continuada, ferramenta para o desenvolvimento da escola e da qualidade do ensino. Destaque-se, portanto, a caraterística de uniformização das práticas formativas que reproduzem competências e habilidades previamente orientadas por sequências didáticas homogeneizadas.

Estudos mais recentes que abordam a temática da formação continuada de professores apontam que as práticas formativas não têm sido suficientes para sanar as problemáticas reais das instituições escolares e dos professores. A diversidade de estudos e pesquisas que durante os últimos anos tem se dedicado a pensar a formação docente, não tem conseguido impactar de forma significativa na formulação de propostas formativas que venham a contribuir com a resolução das demandas reais dos professores.

Tais pesquisas apontam a necessidade de repensar a formação docente a partir do lócus da escola, colocando-a como espaço central da formulação dessas políticas, valorizando o docente enquanto protagonista nesse processo.

Davis (2012) elenca que as pesquisas sobre formação continuada se encaminham a partir de duas linhas; uma mais voltada à formação continuada centrada no docente, que objetiva a aproximação da formação com o seu desenvolvimento individual, partindo da compreensão de que sua reflexão poderá influenciar na reformulação de práticas; e outra centrada na equipe pedagógica e nas escolas, o foco aqui está em criar uma comunidade de aprendizagem, construindo uma cultura escolar de cooperação e colaboração que valoriza a partilha de conhecimentos e o trabalho em equipe. 

O discurso da centralidade da escola enquanto espaço formativo vem sendo destacado para redimensionar as políticas de formação docente nos últimos anos. Estes discursos aparecem sendo apropriados de acordo com os propósitos dos grupos de interesse. Nesse sentido é importante observar o que Shiroma (2020) aponta sobre as redes de políticas e a atuação dos experts na conformação das agendas para efetivação da “policy transfer”.  O termo utilizado para enfatizar o processo de transferência de políticas que são trazidas de outros contextos. Este modelo de transferência se baseia em três dimensões: inspirada, induzida e adaptada; estas dimensões se propagam por difusão, forças menos visíveis ou imposição, indução externa.

Ainda nesta linha de debate podemos destacar a existência de três modelos formativos no que concerne à formação continuada docente. De acordo com (Amador, 2019) são eles: clássico, prático reflexivo e emancipatório político.

O modelo clássico apresenta-se enquanto transmissivo, que se alinha à concepção pedagógica tecnicista da educação pautada na corrente positivista. Está voltada mais especificamente a termos como reciclagem, renovação e o lócus principal desta formação é a universidade, compreendida enquanto local principal onde a formação acontece por meios dos cursos de especialização, aperfeiçoamento, sendo este presenciais ou a distância, de curta ou longa duração. 

O ponto principal que o caracteriza é a preponderância do modelo teórico acima dos conhecimentos adquiridos a partir dos saberes da prática. Estes conhecimentos teóricos não dialogam com a prática, e funciona como um retorno dos docentes ao espaço universitário para se qualificar em cursos pré-formatados sem o necessário diálogo com as escolas.

Figura 1: Modelos de formação continuada

Fonte: Produção das autoras com base em Amador, 2019.

No segundo modelo apontado por Amador (2019) aparece o outro polo de formação, agora com maior centralidade: a prática. Neste modelo o local preponderante da formação é a escola e pressupõe a relação colaborativa entre formador e participante. Para o autor este modelo tem uma limitação no que tange ao pragmatismo, pois há possibilidade de a prática vir dissociada da teoria em detrimento de pensar a prática isolada como mais relevante.                                                                                           

Já no modelo emancipatório político, a dialética aponta que a teoria e a prática só funcionam enquanto associadas. Por essa razão o termo práxis aparece para ilustrar uma formação que está fundada nos pressupostos não meramente técnicos, mas também éticos, políticos, pedagógicos. Neste modelo, formador e participante são pesquisadores que utilizam da ação reflexão ação como elementos que caracterizam sua dinâmica colaborativa, porém ancorada em uma sólida formação teórica que está em diálogo constante com a prática.

Há um consenso entre as pesquisas atuais de que a formação continuada deve romper com a visão tecnicista e pragmatista de treinamento que está posta nas atuais políticas formativas brasileiras (BNC Formação continuada) aprovadas com o parecer CNE 14/2020. Em oposição a esta concepção de formação, há uma valorização de diferentes aspectos que surgem como elementos caracterizadores de uma formação criadora e reflexiva que esteja associada às urgências do contexto atual de trabalho docente.

As características de formação englobam os seguintes aspectos:

  • A escola como centro e foco no protagonismo do professor,
  • valorização do desenvolvimento profissional docente,
  • Construção de uma cultura colaborativa na escola,
  • Criação de espaços de partilha e aproximação entre as escolas, professores e universidades;
  • Tomada de consciência e reflexão sobre/na/da prática;
  • Contribuição para a transformação das práticas docentes.

Os trabalhos de Tozetto e Domingues (2022) e também de Silva e Cericato (2022) apontam que a literatura sobre formação continuada docente já tem evidenciado que os modelos formativos baseados na racionalidade técnica que tem como foco práticas repetitivas e mecânicas não favorecem processos dialógicos e colaborativos e, portanto, não se adequa mais ao contexto atual. As práticas colaborativas na escola, são entendidas como possibilidade para o aperfeiçoamento do trabalho do professor e seu desenvolvimento profissional favorecendo as mudanças.

Algumas conclusões da revisão de literatura realizada por Silva e Cericato (2022) já indicavam que a formação continuada docente por meio de cursos, palestras e seminários se apresenta como insuficiente frente aos desafios atuais da profissão.      É preciso constituir uma nova cultura escolar para que se possa estabelecer a manutenção de novas práticas colaborativas que são estimuladas por pesquisas que propõem intervenção na realidade escolar. As escolas precisam oferecer condições para sustentar a mudança, recriando a cultura escolar a partir da substituição da dinâmica do isolamento docente (FULLAN E HARGREAVES, 2001) pela colaboração.

Essa necessidade apontada também por Imbernón (2009, 2010, 2011) e Nóvoa (1992,1999, 2009, 2013) que reconhecem a construção de uma cultura colaborativa nas escolas para romper com esse isolamento, transpondo assim o conceito obsoleto de formação enquanto atualização científica e reconhecendo o professor como produtor de conhecimento e não meramente executor/ aplicador de teorias por outros pensadas.

  Nada substitui um bom professor, afirma Nóvoa (2013). Qual a relevância que assume o profissional docente dentro do contexto da formação de professores? Ademais, a formulação das políticas de formação docente e em particular, de formação continuada de professores, e o contexto de influência que as políticas neoliberais e os organismos multilaterais exercem, acreditamos na autonomia (mesmo que limitada) do professor.

É preciso que ultrapassemos os discursos e possamos propor uma real revolução das práticas. As mudanças concretas só virão através de uma formação de professores que parta de dentro da escola, que valorize o conhecimento dos professores, que possibilite criar uma nova realidade organizacional e que proponha a recriação do espaço público das escolas.

Isto implica pensar que a operacionalização das políticas formativas pressupõe a aderência docente a este projeto. Dito isto, reconhece-se que os modelos formativos que sustentam uma política implementada, precisam ter aceitação por parte do professor como parte do seu projeto de trabalho, caso contrário nenhuma política de formação docente virá a ter vitalidade.

4. PINTANDO A TELA DE UM QUADRO LEGAL DA FORMAÇÃO DOCENTE

Construir um quadro legal da Formação Docente pressupõe uma reflexão a partir e sobre os dispositivos legais que compõem os elementos constitutivos dessa política, e para tanto, a organização inteligível destes, o que exigiu inicialmente um esforço no levantamento do referencial legal da Formação no Brasil, procedendo-se em seguida à leitura e análise mais acurada de cada um dos documentos em particular, no sentido de organizar e desenhar a tela de maneira mais coerente.

A Figura 01, que é fruto dessa primeira apreensão, aborda, em linhas gerais, o que é definido nesse âmbito, que tipos de documentos e atores compõem o campo das Políticas de Formação de Professores no Brasil sob o viés normativo.

Figura 01 – Tipos de Documentos

FONTE: Produção das autoras, 2024.

O levantamento inicial realizado por meio do acesso aos sítios eletrônicos do MEC e CNE, permitiu organizar em tipos os documentos listados: leis, resoluções e decretos. Sendo estes estruturados na Figura 01 por ordem de publicação.

Permitiu, além disso, estruturar o quadro legal da formação em torno de três categorias, tais como podem ser percebidas através da Figura 02 e através das quais pode-se voltar o olhar sobre os documentos legais, no sentido de ajudar na compreensão de como é desenhada essa Formação sob o aspecto normativo.

Figura 02 – Categorias do quadro legal da Formação Docente

FONTE: Produção das autoras, 2024.

Uma maior aproximação com os documentos mencionados na Figura 01 permitiu compreender que em geral a Formação Continuada – FC é tratada lado a lado da Formação inicial, os documentos abordam os dois tipos de formação (inicial e continuada) de modo simultâneo.

Vale notar que em apenas dois dos documentos mais recentes, a resolução CNE/CP 1/2020, da qual se origina a BNC-FC de 2021, a Formação Continuada recebe uma fragmentação na abordagem. E aqui cabe um esclarecimento a respeito das noções de Formação mencionadas.

A Formação inicial, (FI), abrange os processos formativos que ocorrem, a rigor, de modo preliminar ao ingresso na vida profissional e na carreira docente, constituindo como lócus principal de formação as instituições de educação superior. Já a Formação Continuada (FC), é aquela que se estabelece ao longo da jornada e desenvolvimento profissional do docente, sendo esta posterior ao ingresso na carreira docente, e entendida como a que se opera no local de trabalho, “[…] em instituições de educação básica e superior, incluindo cursos de educação profissional, cursos superiores de graduação plena ou tecnológicos e de pós graduação.” (BRASIL, 1997).

Quanto ao disposto nos artigos 61, 62 e 63 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que abordam os fundamentos, nível e lócus de formação, pode-se sinalizar algumas mudanças significativas. O artigo 61 discorre sobre quem são os profissionais da educação escolar básica, o art. 62 versa sobre a formação requerida para esses profissionais, e o art. 63 sobre os institutos superiores de educação. O art. 61, passa por alterações realizadas pelas leis de 2009, e mais recentemente em 2017, quando são incluídos no rol os profissionais com notório saber e os profissionais graduados com complementação pedagógica.

A lei que institui a reforma do ensino médio e inclui os perfis profissionais no art. 61 também altera o art. 62, para admitir como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental a oferecida em nível médio na modalidade normal. Pode-se admitir nesse aspecto, que as alterações flexibilizam e de certo modo precarizam a formação. A Figura 03 apresenta as leis que alteram a LDB quanto a primeira categoria aqui observada.

Figura 03 – Leis que alteram os art. 61,62,63 na LDB

FONTE: Produção das autoras, 2024.

Além dessas modificações, há que se notar que a lei de 2017 vinculou a Base Nacional Comum Curricular – BNCC aos currículos dos cursos de formação de professores. Essa modificação redefiniu parâmetros da Formação, provocando o debate sobre o propósito e natureza da Formação Docente, considerando que dentro do ambiente de formação o professor deve aprender bem mais do que técnicas para serem aplicadas em sala de aula.  Pois, “mais do que um lugar de aquisição de técnicas e de conhecimentos, a formação de professores é o momento-chave da socialização e da configuração profissional” (NÓVOA, 1992, p.3).

A lei 13.478/17, promove ainda mudanças nesses dispositivos legais da LDB, na medida em que estabelece direito de acesso diferenciado de profissionais do magistério à cursos de formação de professores, em particular aos das áreas de matemática, química, física, biologia e língua portuguesa. 

Definidos os fundamentos, lócus e níveis de formação, nesse desenho, há que se falar de um elemento de grande relevância: a garantia de recursos. Uma vez que essa garantia ganha contornos substanciais na definição de uma política de fundos no financiamento da educação brasileira.

Definida a partir da lei do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério -FUNDEF, criado em 1996, essa passa por críticas e é então que se substitui este pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização do Magistério – FUNDEB em 2007.

A mudança para FUNDEB, longe de ser a resolução de todos os problemas educacionais, corrige algumas falhas do seu predecessor e passa a abranger as etapas da Educação Infantil e Ensino Médio, que não estavam incluídas no primeiro fundo. Ainda que mantendo sua lógica de redistribuição de recursos, já que consiste num fundo de natureza contábil composto por recursos que provém de impostos e transferências estaduais, municipais e do distrito federal vinculadas à educação.

Em 2020, o FUNDEB torna-se o NOVO FUNDEB, apesar do contexto educacional encontrar-se fortemente marcado pelas políticas de austeridade fiscal, transformando-se num fundo permanente mediante a Emenda Constitucional – EC 108/2020, depois regulamentado pelas leis em 14.113/2020 e 14.276/2021.

É preciso lembrar, que, mesmo o FUNDEB se tornando um fundo permanente, o que representa uma conquista para o campo educacional no sentido da garantia de recursos, as disputas pela agenda em torno do financiamento da educação mantêm-se uma constante. Em função das inúmeras restrições orçamentárias impostas por um cenário que institui medidas como o Teto de gastos pela emenda constitucional 95/2016, ou em seguida o Novo arcabouço fiscal LC 200/2023. 

A definição de diretrizes no campo da Formação Docente não se dá de maneira desvinculada dessa conjuntura descrita anteriormente. Ela ocorre e é atravessada também pela configuração do contexto de formulação das políticas educacionais como um todo, revelando aí as duas primeiras características comuns às políticas mencionadas no início deste texto: intencionalidade e textualidade/contextualidade. Pode-se observar as leis de modo mais estruturado na Figura 04.

Figura 04 – Garantia de Recursos e Diretrizes

FONTE: Produção das autoras, 2024.

O detalhamento das diretrizes sobre formação, é então realizado a partir das resoluções do Conselho Nacional de Educação (CNE), conforme aparece na Figura 04, que mostra as resoluções mais recentes, em 2019 e 2020, respectivamente, que vinculam mais especificamente a base curricular às formações inicial e continuada, criando os documentos normativos da BNC Formação inicial e BNC Formação Continuada.

Essa propositura de alinhamento das diretrizes à BNCC e a fragmentação da Formação inicial e Continuada podem implicar transformações importantes no modelo de formação pretendido. Não esquecendo seu caráter intencional, essas definições e o conteúdo que elas comportam podem sinalizar a predominância de um paradigma de competências no sentido de uma racionalidade prática que tem a prática educativa e a noção de habilidade e competência como componentes fundamentais para a elaboração dos processos formativos de professores, em detrimento de uma racionalidade crítica, que tem a prática docente como objeto de estudo e reflexão.

No intuito de finalizar o quadro legal que aqui se buscou pintar, cabe preencher as lacunas do viés normativo sobre como se opera a política, mediante a análise da Política Nacional de Formação dos Profissionais da Educação Básica, estabelecida pelo Decreto 8.752/2016.

A Figura 05 pode contribuir com essa interpretação, pois traça o desenho que condensa as informações trazidas neste documento, apresentando o funcionamento dessa política, os personagens e como estes se materializam na composição dos espaços coletivos de representação que atuam na dinâmica dessa formulação.

Figura 05 – Desenho da Política Nacional de Formação na EB

FONTE: Produção das autoras, 2024.

O Ministério da Educação atua, segundo o documento, como coordenador da política, propondo um plano estratégico nacional, que é aprovado pelo Comitê Gestor Nacional, atuando em regime de colaboração com os demais entes, e relacionando-se com os fóruns estaduais permanentes de apoio à formação. Estes, por sua vez, têm suas normas definidas pelo Comitê Gestor e aglutina uma diversidade de representantes na formulação de planos estratégicos para cada unidade da federação, antes de efetivamente implementar as ações e programas integrados e complementares.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É preciso, nessa perspectiva, problematizar as políticas educacionais, particularmente as políticas de formação de professores, compreendendo que estas, por sua vez são desenhadas a partir de um contexto de influências macro e micro, e que, por vezes, assumem critérios instituídos pelas diversas agências multilaterais, trazendo consigo discursos de produtividade, de esvaziamento do público, traduzindo-se na mercantilização da educação e na disseminação da educação como uma mercadoria, com foco na responsabilização individual e na produção de clientes/consumidores.

Faz-se necessário analisar as políticas em curso e construir espaços outros em que a coletividade e a formação de redes de diálogo entre pares possam se tornar alternativas efetivas nas políticas de formação, pautando modelos de formação que se fundem em uma racionalidade crítica e não apenas em racionalidades técnicas e/ou práticas. 

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[1] Professora Adjunta da Universidade Federal de Campina Grande – PB, nayara.tatianna@professor.ufcg.edu.br;

[2]  Professora Adjunta da Universidade Federal de Campina Grande – PB, kiara.tatianny@professor.ufcg.edu.br;

[3]  Professora Adjunta da Universidade Federal de Campina Grande – PB, edna.cordeiro@professor.ufcg.edu.br;

[4]  Professora Adjunta da Universidade Federal de Campina Grande – PB, glageane.silva@professor.ufcg.edu.br;