DESARMAMENTO E CRIMINALIDADE NO BRASIL

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202409081412


Raul Truffi Hellmeister1


RESUMO

Este trabalho acadêmico debruçar-se-á nas questões envolvendo o desarmamento e a criminalidade no Brasil. Para tanto, o método indutivo e dedutivo, além da própria referência histórica e estatística, serão fundamentais para a concretização dos argumentos e dados que servirão de norte para a sadia discussão acerca do desarmamento e seus resultados no Brasil. Assim, abordará e discutirá os efeitos resultantes das políticas do desarmamento, em termos práticos e lógicos, para população. Em suma, este estudo tem como principais objetivos a serem desenvolvidos ao longo de seus capítulos, primeiramente, a análise crítica dos frutos gerados a partir da instauração do Estatuto do desarmamento no Brasil e as suas próprias mudanças jurídicas consequentes; segundamente, as estatísticas e dados a respeito da posse e porte de armas; e, finalmente, os métodos de controle social implícitos na restrição do acesso às armas de fogo.

PALAVRAS-CHAVE: Desarmamento; Estatuto do Desarmamento no Brasil; Legítima defesa; Posse e porte de armas; Criminalidade.

SUMÁRIO: Introdução; 1 O Estatuto do Desarmamento e seus impactos sociais e jurídicos; 2 Estudos e estatísticas acerca de utilização da armas de fogo; 3 A justificativa desarmamentista e os métodos de controle social implícitos; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

No decorrer dos séculos, desde a própria criação da pólvora na China antiga, as armas de fogo possibilitaram aos humanos a sua utilização para diversos fins. Os acontecimentos históricos, a partir de então, fizeram com que esse importante instrumento sofresse uma série de mudanças e adições tecnológicas. Pode-se citar, por exemplo, a inclusão do tambor rotativo, idealizado por Samuel Colt, que significou um avanço gigantesco para os revólveres até então mais simples e que desfrutavam de uma lentidão no carregamento.

Dessa maneira, tendo em vista uma perspectiva mais ampla, é notório que, sabendo do enorme potencial bélico que a arma criou, levantes revolucionários e insurreições se depararam com uma poderosa ferramenta de resistência em oposição a governos autoritários/totalitários. Não à toa, o controle de tal instrumento comumente se fez presente em diversos períodos da história, uma vez que, alicerçado no monopólio das armas, o Estado criou, em teoria, uma barreira dificultosa para a sua obtenção. Ou seja, inviabilizou a formação de grupos de resistência e, consequentemente, potencializou a capacidade de controle social.

Ao longo da revolução russa, mais especificamente no ano de 1918, além da obrigação do registro de armas pelos proprietários, o órgão legislativo da época, o Conselho Popular dos Comunistas, impôs, após um atentado contra Lênin, que pistolas, rifles e até espadas fossem entregues ao governo. Caso contrário, o desobediente seria penalizado com 6 meses de prisão. De volta a China, as primeiras leis restritivas são datadas desde o final do século XIX, ao longo da Dinastia Qing, na tentativa de enfraquecer os grupos republicanos opostos ao monarca. Entretanto, foi no século seguinte que Mao Tse-Tung ampliou definitivamente as restrições às armas de fogo. A permissão valia unicamente as tropas de jovens durante a Revolução Cultural na década de 60. E no Brasil, a história não foi tão oposta.

Apenas trinta anos após o nosso descobrimento, há a primeira notícia de uma política de desarmamento: qualquer fabricante de armas na então Terra de Santa Cruz poderia ser condenado à pena de morte. E tal restrição perdurou durante todo o período colonial, e, inclusive, no regencial.

No entanto, foi durante o Estado Novo que se iniciou um extenso desarmamento aos moldes daquilo que experimentamos nas últimas décadas no Brasil. Getúlio Vargas obteve proveito de dois movimentos presentes no Nordeste naquele momento, o coronelismo e o cangaço. Afirmava que os armamentos que estavam nas mãos dos cangaceiros partiam necessariamente das mãos dos coronéis. Assim, no intuito de engrandecer e fortificar o poder central de seu governo, Vargas convenceu uma série de coronéis a entregarem suas armas. Semelhante ao que acontece ultimamente, porém, os cangaceiros foram os que herdaram uma grandiosa benesse a partir do desarme dos coronéis, haja vista que estes representavam até aquele momento uma frente de combate aos atos de banditismo liderados por Lampião.

Todavia, o que realmente nos importa para que possamos fundamentar este trabalho acadêmico reside na discussão e no processo de desarmamento que o nosso país percorreu desde a década de 90. Originou-se, através do aumento substancial de crimes e homicídios praticados com arma de fogo, o debate a respeito da causalidade entre as armas e criminalidade, argumentando que estas eram o principal fator para o agigantamento dos homicídios que percorríamos. Nada mais superficial e refutável.

Ainda assim, tal narrativa, atestando a veracidade da frase de Joseph Goebbels, ministro da propaganda nazista, de que “uma mentira dita mil vezes torna-se verdade”, saiu vitoriosa de toda essa discussão. Desde então, podemos sustentar que o período desarmamentista passou a valer em todas a regiões do Brasil. Sobretudo os anos que se seguiram de 2003, quando se instalou oficialmente o Estatuto do Desarmamento, houve um salto de homicídios, colocando o Brasil nos maiores índices de criminalidade entre todos os países.

Portanto, a problemática gira em torno da catástrofe social, governamental e jurídica que se inaugurou no nosso país após longos anos de uma intensa e desumana criminalidade, frutificada de uma errônea e ineficaz política de segurança pública.

1  O Estatuto do Desarmamento e seus impactos sociais e jurídicos

O Estatuto do Desarmamento, editado e criado em 22 de dezembro de 2003, é comumente traduzido como a lei n.10.826 daquele mesmo ano. Almejava, em tese, a redução da circulação de armas pelo país e o estabelecimento de penas mais rígidas para crimes relacionados ao porte ilegal e ao contrabando. Todavia, sua efetiva regulamentação se realizou apenas no ano seguinte, em 1º de julho de 2004, por meio do decreto 5.123 do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em termos gerais, o estatuto instituiu novas regras, desta vez mais restritivas, para a compra e uso das armas de fogo.

No que tange a comercialização, a regulamentação determinou uma gama de requisitos para serem preenchidos. Seria necessário, a partir de então, a obrigatoriedade de cursos técnicos para o manejo das armas, ter, ao menos, 25 anos de idade, possuir ocupação lícita e residência fixa, não responder a nenhum inquérito policial ou processo criminal, além de um passado criminal limpo. Por fim, o mais subjetivo e polêmico critério para se possuir uma arma residia na obrigação de uma “efetiva necessidade”.

O porte de armas, por sua vez, tornou-se estritamente proibido. Sua utilização passou a ser exclusiva de um pequeno e seleto grupo de cidadãos e que também fossem aprovados pelo teste. São eles: integrantes das forças armadas, policiais militares e civis, guardas municipais em capitais ou cidades com mais de 500 mil habitantes, guardas municipais em serviço de cidades entre 50 e 500 mil habitantes, promotores e juízes, agentes penitenciários e funcionários de empresas de segurança privada e de transporte de valores.

As penas relacionadas a nova regulamentação percorriam desde detenção de três anos, mais multa, em casos de manutenção de armas de fogo e acessórios sem o cumprimento das exigências do estatuto, até pena de dois a quatro anos de prisão, mais multa, em situações de porte ilegal de armas. Além disso, o Estatuto do Desarmamento definiu crimes relacionados ao comércio ilegal, ao tráfico internacional e a posse e porte de armas de fogo de uso restrito.

Faz-nos necessário a partir de agora, então, analisarmos os principais e indispensáveis artigos de sua regulamentação.

1.1  Dilemas relacionados à Lei n. 10.826/2003 e ao Decreto n. 5.123/2004

Se interpretarmos o artigo 4º da lei de 2003, observa-se, já à primeira vista, o seu caráter discricionário, isto é, que possibilita, à administração pública, decidir livremente sobre determinada questão. Neste caso, dá autonomia para que o Estado, por meio de uma justificativa absolutamente subjetiva, impeça um cidadão de possuir uma arma de fogo. Vejamos:

Art. 4o Para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá, além de declarar a efetiva necessidade, atender aos seguintes requisitos:

  1. – comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal;
  2. – apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa;

O erro claro e perceptível do artigo reside justamente no fato de que, sendo a posse de arma um direito do cidadão, não se deveria obrigá-lo a apresentar às autoridades uma “efetiva necessidade”, haja vista que tal caso seria análogo a indispensabilidade de uma justificativa para que tivéssemos uma carteira de habilitação. Além disso, os problemas prático e lógico do artigo continuam em seus incisos I e II. No que concerne o primeiro item, pode-se argumentar pela desnecessária burocratização do processo para se possuir uma arma de fogo. Ou seja, de acordo com a lei, caberá ao cidadão o ônus da prova de idoneidade, uma vez que as certidões obtidas por cartórios, com óbvia demanda de tempo e dinheiro, serão de sua responsabilidade. Por outro lado, nos EUA, sendo aqui nosso exemplo, a verificação da idoneidade é realizada pelo próprio órgão responsável do governo, garantindo, assim, uma maior agilidade para o cidadão.

O inciso II, por sua vez, é um tanto quanto ilógico, tendo em vista que qualquer criminoso jamais buscaria o registro formal de armas, tampouco declararia a ilicitude de sua ocupação. Em outras palavras, o prejuízo assimétrico continua pertencendo ao cidadão que não pretende o cometimento de crime.

Em relação ao então decreto editado no ano de 2004 (já revogado), que concretizou a regulamentação das armas de fogo, analisaremos o seu artigo 12º. Nele, além de estender todo o aparato burocrático, reforçava-se o seu caráter discricionário. Observemos, por exemplo, seu incisos IV e V, os quais nos debruçaremos:

Art. 12. Para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá:

  1. – comprovar, em seu pedido de aquisição e em cada renovação do Certificado de Registro de Arma de Fogo, idoneidade e inexistência de inquérito policial ou processo criminal, por meio de certidões de antecedentes criminais da Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral, que poderão ser fornecidas por meio eletrônico;
  2. – apresentar documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa;

Aqui, novamente, percebemos o caráter superficial e absolutamente impotente através dos quais o decreto almejava impedir a utilização das armas de fogo por criminosos. Em outras palavras, a comprovação da idoneidade e a apresentação de documentos de ocupação lícita e de residência fixa são, na prática, inúteis. Isto ocorre uma vez que os transgressores da lei não se sujeitarão a um processo legal e burocrático. Em suma, apenas o respeitador da lei estará imerso na burocracia.

1.2  Impactos práticos do estatuto na criminalidade

O desarmamento no Brasil, formalmente instaurado no ano de 2004, com o objetivo de diminuir a violência galopante, suprimiu a circulação de armas através de um profunda e irracional burocratização. No entanto, podemos concluir desde já que o Estatuto do Desarmamento foi totalmente ineficaz para com a criminalidade e radicalmente voraz contra os legais possuidores de armas de fogo. Estava montado, portanto, o cenário para que alcançássemos os mais altos índices de criminalidade em todo o mundo.

É essencial, primeiramente, o exame acerca dos dados obtidos pelo Mapa da Violência no ano de 2006: dez anos antes da instituição do estatuto, de 1994 a 2003, o Brasil vivenciou uma série de aumentos drásticos relacionados ao número de homicídios. A taxa passou de 32.603 para 51.043, sendo assim, um acréscimo de 56%, valor três vezes maior do que o próprio aumento populacional na época (18,4%). Em síntese, a taxa de homicídios, que já se encontrava em um patamar muito elevado, já nos advertia sobre aquilo que percorreríamos até os últimos anos.

Ainda assim, as estatísticas presentes no Mapa da Violência devem ser analisadas cuidadosamente, haja vista que é habitual a narrativa de que a instauração do estatuto no ano 2004 foi a responsável pela queda de homicídios coincidente àquele ano. Todavia, se analisarmos minuciosamente as páginas 25 e 155 do documento, perceberemos que a queda não está correlacionada ao Estatuto do Desarmamento. Ou seja, trata-se, unicamente, de uma eventualidade sem valor para o engrandecimento do estatuto. Eis aqui (WAISELFISZ, Julio Jacobo, 2006, p. 25, p. 155):

O número de homicídios sofreu um crescimento assustadoramente regular até o ano de 2003 , com incrementos bem elevados, em torno de 5,1% ao ano. Já em 2004 a tendência histórica reverte-se de forma significativa. O número de homicídios cai 5,2% em relação a 2003, fato que, como veremos mais adiante, pode ser atribuído às políticas de desarmamento desenvolvidas nesse ano. […]

No primeiro ano de vigência do Estatuto do Desarmamento, e já implantada a campanha de recolhimento das armas de fogo em mãos da população, vemos os índices de homicídio caírem de forma significativa. Comparando com o ano anterior à vigência do estatuto – 2003 – o número de homicídios em 2004 caiu acima de 5%. [grifos meus].

Dessa forma, tendo em vista o seguinte trecho, podemos dizer que, de fato, houve uma redução dos homicídios nos anos de 2003 e 2004. Porém, o autor do documento não nos apresenta fundamentação estatística mínima para creditarmos a redução desses crimes ao estatuto. De outro modo, caso a diminuição fosse justificada pela campanha do desarmamento, a redução logicamente precisaria permanecer nos anos em que se seguiram. O que não se realizou. Por exemplo, até o ano de 2012, segundo o próprio Mapa da Violência, além de 2004 e 2005, a última queda que tivemos foi em 2007. Na prática, portanto, a violência homicida disparou, saindo de 48.374 homicídios anuais e encostando, no ano de 2012, nos 60.000.

Vale destacar ainda a imprecisão lógica acerca da aplicação do desarmamento e sua correlação com a queda da criminalidade. Por exemplo, entre 1998 e 2008, nos estados de Sergipe e Ceará, foram entregues 16.560 e 24.543 armas respectivamente. Ainda assim, houve um aumento da criminalidade de 226,1% e 115,8%. Podemos, ainda por cima, comparar as regiões Nordeste e Sul do Brasil. Enquanto a primeira região possui a menor taxa de armas legais, ela é a que possui, historicamente, a maior taxa de criminalidade e homicídios no Brasil. A região Sul, por sua vez, apresenta a situação integralmente oposta.

1.3  Mudanças jurídicas no estatuto no ano de 2019 e seus impactos

Desde que tomou a posse, no dia 1º de janeiro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro, após 7 decretos, modificou determinados trechos da lei do desarmamento a fim de flexibilizar o estatuto e estender o uso de armas para outras categorias. Em suma, haja vista o vai e vêm de decretos e decisões políticas a esse respeito, podemos dizer que as principais mudanças nas regulações dizem respeito às seguintes questões: possibilidade anual de compra de até 5 armas de fogo, 5 mil munições para armas de uso não restrito e de 1 mil para armas restritas; ausência da obrigatoriedade de declarar “efetiva necessidade”; ampliação da potência de armas que poderão ser adquiridas pelo cidadão comum, podendo incluir armas de uso restrito definidas pelo exército; viabilidade de aulas técnicas de tiro para menores de idade (14-18), desde que com autorização dos responsáveis; manutenção do prazo para se informar a compra; e a comprovação de local seguro na residência para o armazenamento da arma de fogo.

Apontaremos, então, alguns dados práticos consequentes da flexibilização no ano de 2019. Inicialmente, a importação de armas bateu seu recorde histórico, enquanto a compra de munições por civis se igualou às das forças de segurança. Já o registro de armas disparou, alcançando a taxa de 5 registros por hora. Por isso, diante de tantas flexibilizações, poder-se-ia argumentar que tais medidas resultariam em aumentos inesperados na taxa de homicídio e criminalidade. Porém, a realidade se mostrou precisamente contrária. No mesmo ano de 2019, a taxa de assassinatos despencou 19% e se tornou a menor da série histórica. Ainda assim, se estudarmos alguns estados em particular, como o Espírito Santo, que experimentou um acréscimo de 265% nas compras e registros de armas de fogo e, contrariando a narrativa até então dominante, obteve uma redução recorde de homicídios em 31 anos. Conclui-se, assim, que o armamentismo não é sinônimo de aumento de homicídios. Muito pelo contrário.

2 Estudos e estatísticas acerca de utilização da armas de fogo

Ao contrário da ideia dominante entre as classes informativas de nosso país, as armas de fogo possuem como principal função a autodefesa. Elas possibilitam, em ocasiões de iminente perigo à vida ou a qualquer bem jurídico, resguardadas as devidas proporções, que o cidadão ameaçado encontre uma linha de fuga. Tal princípio é explicitamente declarado no próprio código penal brasileiro. Em seu artigo 25º, lê-se:

Art. 25 – Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Em outras palavras, as armas de fogo propiciam a igualdade de combate entre os homens. Por exemplo, imaginemos a seguinte situação: uma mulher, voltando para sua casa tarde da noite se depara com um marginal disposto a estuprá-la. O criminoso, dotado de um revólver, apresenta-se como uma ameaça. Nessa situação, a única possível escapatória para a vítima é somente uma outra arma de fogo, que seja capaz de igualar o combate entre ambos. Ou seja, parafraseando o slogan das armas Colt: “Abraham Lincoln tornou todos os homens livres, mas Samuel Colt os tornou iguais”.

Tendo em vista tal prerrogativa, partiremos à análise de estudos a esse respeito.

2.1 Reação com o uso das armas de fogo e as vítimas mulheres

O primeiro estudo imprescindível para termos real noção da utilização das armas de fogo foi realizado nos Estados Unidos pelo Instituto Nacional de Justiça com a participação de criminosos condenados. Foi constatado que 74% dos infratores possuem medo de serem baleados pela vítima. Assim sendo, desistem quando percebem que estão confrontando um cidadão armado. Outro ensaio, desta vez exposto por Don B. Kates Jr, sustenta que uma vítima armada que reage possui o dobro de chances de sobrevivência frente àquela vítima que se mostra submissa ao transgressor da lei. Além disso, poder-se-ia argumentar que, quando as pessoas têm a permissão para usar armas, elas cometeriam mais crimes com tais instrumentos. Porém, segundo o Texas Department of Corrections data, no respectivo estado, os cidadãos que possuem porte de armas permitido cometem 7,6 vezes menos crimes violentos se comparados com o restante da população.

De volta ao Brasil, um levantamento fundamentado nos registros das reações armadas noticiadas na imprensa descobriu que, em 215 ataques criminosos onde houve reação da vítima com a utilização da arma de fogo, apenas em 15 casos as vítimas terminaram mortas e, em 25, feridas. Nos outros 191 casos, os criminosos acabaram presos e 177 morreram.

Vale ressaltar, no entanto, como já exemplificado anteriormente, o benefício revelado pelas armas de fogo quando a vítima é uma mulher. Elas são capazes de prevenir diversos casos de estupros. Por exemplo, comparemos a Suécia e a Suíça. Enquanto no país nórdico, onde vigora o desarmamento, as chances de uma mulher ser violentada sexualmente é de uma a cada quatro, na Suíça, as chances são infinitamente menores.

Na Austrália, país que também adotou leis restritivas ao uso de armas, vivenciou “coincidentemente” um aumento de 19% nos homicídios e de 69% nos assaltos. O destaque, porém, vai para a taxa de estupros: uma a cada seis mulheres são violentadas. O dado positivo para as mulheres vem, porém, do país mais armado do mundo, os Estados Unidos: apenas 3% dos estupros são consumados quando as vítimas estão armadas. Na Flórida, mais precisamente no ano de 1996, a prefeitura de Orlando resolveu oferecer às mulheres cursos de treinamento para o uso de armas. No ano seguinte, a taxa de estupros caiu cerca de 90%.

2.2  Estudo comparativo entre países armamentistas e desarmamentistas

Para a fiel comparação entre países com diferentes políticas em relação à posse e porte de armas, é essencial que utilizemos, como exemplos opostos, nações culturalmente próximas e com níveis de desenvolvimento humano e educacional similares. Assim sendo, é inviável relacionarmos, por exemplo, a Suíça com o Brasil, haja vista índices educacionais, culturais e socioeconômicos colossalmente divergentes e distantes. Por assim dizer, ao colocarmos os Estados Unidos da América e a Inglaterra lado a lado, faremos um estudo comparativo honesto.

Por assim dizer, a Inglaterra, que no final do século XIX, apresentava-se como um dos locais mais seguros da Europa, perdeu tal posição. No começo do século XXI, após a adoção de uma política de combate à circulação de armas, a monarquia mais famosa do mundo atingiu índices de criminalidade muito mais altos, ultrapassando, inclusive os americanos, apesar de dispor de uma população comparativamente inferior (um sexto) e um território semelhante ao de um estado norte-americano. Segundo estatísticas do ano de 2013, a taxa de crimes violentos per capita na Inglaterra era 80% maior do que a de sua antiga maior colônia.

Trazendo a discussão novamente ao Brasil, nossa posição é semelhante à inglesa se nos compararmos com o Paraguai, país semelhante ao Brasil em termos sociais e educacionais. O nosso vizinho fronteiriço possui uma legislação extremamente mais flexível se comparada com a nossa. Basta a apresentação de uma cópia de identidade, a ausência de antecedentes criminais e a realização do teste técnico, demorando em torno de 10 a 15 dias, no máximo. Além disso, não há limite de calibre, tampouco sobre a quantidade de armas e munição por cidadão, sendo apenas o porte limitado a duas armas. E os resultados práticos dessa política flexibilizada é muito melhor se colocados paralelamente ao Brasil. Nos últimos anos, o Paraguai chegou a representar o 3º país com menor taxa de homicídios (7,98) da América do Sul, enquanto o Uruguai (país mais armado do continente sul-americano) ocupava a 1ª posição e o Chile, a 2ª.

2.3  Tiroteios e armas de fogo: há relação?

A discussão envolvendo armas de fogo e tiroteios em massa é cara para o debate acerca da desarmamento. Ele ganhou ainda maior projeção nos últimos anos devido ao suposto crescimento envolvendo a utilização das armas para cruéis ataques em massa, principalmente em escolas, colocando dezenas de estudantes em situações absolutamente trágicas. No entanto, é preciso, para uma verdadeira e clara análise, que nos abstenhamos do fator sentimental. Em outras palavras, segundo o advogado e comentarista político norte-americano, Ben Shapiro: “Facts don’t care about your feelings”.

Antes de tudo, é primordial que examinemos os verdadeiros números relacionados aos tiroteios em massa nos Estados Unidos. Ao assistirmos a um programa jornalístico ou lermos um determinado jornal, nos faz necessário o livramento do mundo paralelo e hipnótico que é criado midiaticamente através de manchetes desproporcionais e/ou irreais. Assim, precisamos fazer entender a frase de Goethe quando diz: “Assim como em Roma, além dos romanos, há uma outra população de estátuas, assim também existe ao lado do mundo real, um outro mundo feito de alucinações, quase mais poderoso, no qual está vivendo a maioria das pessoas”.

Por exemplo, tomemos a comum manchete há alguns anos: “Só este ano já ocorreram mais de 270 tiroteios em massa nos Estados Unidos”. O que não nos é dito, porém, está naquilo que se considera como “tiroteio”. Segundo a ONG Gun Violence Archive, uma das responsáveis por determinar, mesmo que muito imprecisamente, os dados relacionados aos mass shootings, as meras trocas de tiro, que, para nós, no Brasil, é habitual, são rotuladas como tiroteios em massa. Ou seja, de maneira totalmente maliciosa, trágicos incidentes, tal como aqueles que ocorrem com muito mais raridade em escolas dos EUA, são igualados a trocas de tiro entre policiais e criminosos. Em suma, a realidade é completamente oposta ao que nos aparece em manchetes espalhafatosas da imprensa.

Ademais, destaca-se a fundamental pontuação que se faz notar: a maioria quase absoluta dos mass shootings são cometidos em locais onde o porte e a posse de armas são proibidos. São as áreas denominadas de gun-free zones. Ou seja, cinemas, escolas, shoppings, entre outros, que possuem como regramento a restrição a entrada de armas de fogo. Cria-se, portanto, o contexto ideal para um criminoso e/ou, muitas vezes, um terrorista. Ele não se sentirá intimidado com a possibilidade de haver uma vítima armada e, em contrapartida, terá ao seu dispor dezenas delas em total submissão.

Por fim, ainda, numa pesquisa realizada em janeiro de 2014 pelo FBI sobre eventos nos quais há, pelo menos, duas vítimas que são feridas, foi reportado que, de 104 ocorrências deste tipo, 49% delas foram interrompidas por vítimas armadas antes da chegada da polícia. Desses 51 casos, 29 foram indicados pelo suicídio do criminoso, enquanto nos outros 22 casos ele foi forçadamente parado. Estima-se, além disso, que um terço dessas situações, em caso de não haver civis armados, poderiam ter evoluído para um mass shootings.

3. A justificativa desarmamentista e os métodos de controle social implícitos

Em seu livro, “Gunfight: The Battle Over the Right to Bear Arms in America”, o professor de direito constitucional (UCLA), Adam Winkler, ilumina-nos acerca do preconceito racista intrínseco ao controle de armas nos EUA. Explica-se, por exemplo, que, após a guerra civil, os estados sulistas, que estavam sob a administração dos democratas, instituíram os denominados

Códigos Negros. Diversos foram os direitos civis negados à população negra, inclusive o direito de possuir armas. Foi nesse contexto que organizações racistas, tal como Ku Klux Klan, foram originadas a fim de, entre outras coisas, confiscar as armas recém-adquiridas pelo o que eles julgavam repugnantemente ser uma “raça inferior”.

Nos anos 20, os exemplos racistas sobre os quais o controle de armas se justificava permaneceram. A NRA – que, na atualidade, luta para findar com qualquer possibilidade de se restringir o acesso às armas – auxiliou a criação de leis discricionárias, semelhantes a nossa lei do desarmamento, que julgavam a posse de armas apenas às “pessoas adequadas” e por “razões adequadas”. Em outras palavras, os italianos e migrantes que chegavam do Leste Europeu, acusados de fomentarem a criminalidade, foram proibidos de seu direito à legítima defesa. Já na Década de 60, podemos ainda citar o caso de Martin Luther King, o qual também teve seu direito consagrado na Segunda Emenda covardemente negado.

Os exemplos, porém, não param por aí. Diversos outros países, no decorrer de sua história, tiveram restrições semelhantes. Podemos citar o Japão, a Alemanha, a URSS, a China e até a própria Venezuela, que, no ano de 2014, enquanto fornecia 400 mil armas para suas milícias de apoio, lançou seu plano nacional de desarmamento civil. Ou seja, a questão, em todos os países exemplificados, traduz-se na tentativa de impedir qualquer forma de resistência. Nas palavras de Mao Tse-Tung, responsável diretamente pelo genocídio de 60 a 70 milhões de pessoas de seu próprio país: “todo o poder político vem do cano de uma arma. O partido comunista precisa comandar todas as armas; desta maneira, nenhuma arma jamais poderá ser usada para comandar o partido”.

Contemporaneamente, porém, as justificativas do desarmamento adotaram outro discurso para o próprio engrandecimento. Argumenta-se que a diminuição e a restrição do acesso às armas impediriam ou dificultariam que criminosos as utilizassem. Todavia, na prática, o que se mostrou foi precisamente o contrário. Thomas Sowell, escritor, economista e cientista político americano, sintetiza toda a falha inerente nesse discurso em poucas linhas: “será que existe alguém que realmente acredita que indivíduos que estão preparados para desobedecer às leis contra o homicídio irão obedecer às leis do desarmamento?”. Mais claro e evidente, impossível.

CONCLUSÃO

Diante de todos os fatos analisados e estudados ao longo deste trabalho a respeito do Estatuto do Desarmamento e a criminalidade no Brasil, pode-se alcançar o resultado esperado acerca da profunda relação entre ambos, isto é, da correlação presente entre a restrição do acesso às armas de fogo e o encorajamento de ações criminosas.

Constatou-se, a partir da investigação de estudos renomados e estatísticas nacionais e internacionais, que a posse e a porte de armas possuem benefícios incalculáveis, haja vista seu propósito digno de defesa a vida frente àqueles que almejam suprimi-la. Pôde-se, ainda, comparar diferentes políticas de desarmamento, por exemplo, entre Inglaterra e Estados Unidos, Paraguai e Brasil, e Suíça e Suécia. Por fim, também se fez presente o vasculhamento das mudanças e das entranhas jurídicas existentes entre os decretos e leis analisados. Em suma, provou-se as ilusões e malícias inerentes ao controle de armas e o quanto de vidas poderiam ter sido salvas em caso de um não tardio esclarecimento a esse respeito.

REFERÊNCIAS

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1Estudante de Direito (2º semestre) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).