A ANCESTRALIDADE E AS PRÁTICAS SUSTENTÁVEIS: A CONTRIBUIÇÃO DO POVO XERENTE PARA A CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th10249181617


Leonardo Sampaio Baleeiro Santana[1]
Neila Barbosa Osório[2]
Luiz Sinésio Silva Neto[3]
Adriana da Costa Pereira Aguiar[4]
Samuel Marques Borges[5]
Silvinia Pereira de Sousa Pires[6]
Rosy Franca Silva Oliveira[7]
Elias Braz Leite[8]
Wallace Carvalho Lopes[9]
Fabiana Fonseca Morais Dias dos Santos[10]
Maria do Socorro Saturno da Silva[11]
Genivaldo Rodrigues Trindade[12]
Fernando Kbasdimekwa Brito de Souza[13]
Eliana de Aquino Tarissio[14]
Jeniffer de Arruda Gomes[15]


RESUMO

Este artigo tem como objetivo explorar as práticas sustentáveis do povo Xerente e sua contribuição para a preservação da biodiversidade. Utilizando uma abordagem qualitativa e bibliográfica, a pesquisa analisa a roça de toco e o manejo do capim dourado, práticas agrícolas que exemplificam a integração do conhecimento tradicional com a conservação ambiental. A relevância deste estudo reside na necessidade de valorizar o conhecimento indígena nas políticas de conservação ambiental, reconhecendo a importância das populações tradicionais como guardiãs da biodiversidade. Os resultados indicam que as práticas dos Xerente promovem a regeneração dos ecossistemas e a sustentabilidade em longo prazo. A roça de toco permite a recuperação do solo, enquanto o manejo do capim dourado garante a continuidade da planta e a preservação de seu ecossistema. Essas práticas não apenas sustentam a subsistência da comunidade, mas também fortalecem sua identidade cultural e coesão social. A conclusão aponta para a importância de integrar o conhecimento tradicional dos Xerente nas estratégias globais de conservação, destacando que a sustentabilidade ambiental é alcançável quando se respeita e valoriza a cultura e os saberes das comunidades indígenas. A experiência dos Xerente oferece um modelo inspirador para políticas ambientais mais inclusivas e eficazes.

Palavras-chave: sustentabilidade, biodiversidade, conhecimento tradicional.

1. INTRODUÇÃO

A preservação da biodiversidade e a sustentabilidade ambiental são desafios críticos enfrentados pelo mundo contemporâneo. Em meio a esse cenário, as práticas tradicionais das populações indígenas emergem como importantes aliadas na busca por soluções eficazes e duradouras. O povo Xerente, localizado na Amazônia Legal, é um exemplo notável de como o conhecimento ancestral e as práticas sustentáveis podem contribuir significativamente para a conservação do meio ambiente. Este artigo explora as contribuições do povo Xerente, focando nas suas práticas de manejo sustentável e na coleta do capim dourado, demonstrando como essas atividades não apenas preservam a biodiversidade, mas também reforçam a identidade cultural e a coesão social da comunidade.

Os Xerente têm desenvolvido, ao longo de gerações (ver Cap. 3), técnicas de manejo da terra e dos recursos naturais que promovem a regeneração dos ecossistemas. A prática da roça de toco, por exemplo, permite que o solo descanse e recupere sua fertilidade, garantindo colheitas contínuas sem esgotar os recursos naturais. Este método contrasta com as práticas agrícolas intensivas modernas, que frequentemente resultam em degradação ambiental. A roça de toco exemplifica uma forma de agricultura sustentável que integra o conhecimento tradicional com uma abordagem consciente e respeitosa ao meio ambiente.

Durante a colheita, os Xerente retiram cuidadosamente as sementes, garantindo que a planta possa crescer novamente no mesmo local. Este ciclo de uso sustentável não apenas assegura a continuidade da matéria-prima para o artesanato, mas também contribui para a preservação da biodiversidade local. O manejo do capim dourado ilustra como práticas tradicionais de coleta podem ser harmoniosamente integradas à conservação ambiental.

A importância dessas práticas se torna ainda mais evidente quando consideramos o contexto global de degradação ambiental e perda de biodiversidade. As práticas dos Xerente não são apenas técnicas de sobrevivência; elas representam uma visão de mundo que vê a natureza como um parceiro vital. Esta perspectiva é essencial para a criação de políticas de conservação que sejam verdadeiramente sustentáveis e inclusivas. Ao reconhecer e valorizar o conhecimento ecológico tradicional dos Xerente, podemos desenvolver estratégias de conservação que respeitem e incorporem as práticas culturais e os direitos das populações indígenas.

Além disso, a transmissão de conhecimentos ecológicos por meio da intergeracionalidade é um aspecto fundamental da sustentabilidade. Os Xerente possuem um sistema robusto de educação tradicional que assegura a continuidade das práticas de manejo sustentável. Este sistema educacional não apenas preserva o conhecimento, mas também fortalece a identidade cultural e a coesão social da comunidade. Investigar e documentar esses processos de transmissão de conhecimento pode oferecer insights valiosos para programas de educação ambiental em outras regiões.

A estrutura social dos Xerente também desempenha um papel crucial na eficácia de suas práticas sustentáveis. A gestão coletiva dos recursos naturais, baseada em normas e tradições comunitárias, facilita a implementação de práticas sustentáveis e a resolução de conflitos de maneira colaborativa. Esta coesão social é uma característica vital que permite à comunidade adaptar-se a novos desafios ambientais e sociais, mantendo um equilíbrio sustentável com seu ambiente.

Este artigo busca não apenas documentar as práticas sustentáveis dos Xerente, mas também promover uma maior valorização e reconhecimento dessas contribuições no contexto das políticas ambientais globais. Ao integrar o conhecimento tradicional e as práticas culturais das populações indígenas nas estratégias de conservação, podemos criar abordagens mais holísticas e eficazes para enfrentar os desafios ambientais do século XXI. A experiência dos Xerente demonstra que a sustentabilidade é alcançável quando se respeita e se incorpora o conhecimento e a cultura das comunidades que vivem em harmonia com a natureza.

1.1. PROPOSIÇÃO

A conservação da biodiversidade e a implementação de práticas sustentáveis são imperativas para o futuro do planeta. No entanto, muitas abordagens modernas de conservação ainda negligenciam o papel vital das populações tradicionais, como o povo Xerente, cujas práticas agrícolas e de manejo de recursos naturais são modelos exemplares de sustentabilidade. Estudar e documentar essas práticas oferece uma compreensão mais holística e inclusiva das estratégias de conservação, reconhecendo que a integração dos conhecimentos tradicionais pode aumentar significativamente a eficácia das políticas ambientais (Almeida, 2010).

A roça de toco e o manejo do capim dourado, praticados pelos Xerente, são métodos que demonstram uma interação equilibrada e sustentável com o meio ambiente. A roça de toco permite a regeneração do solo, enquanto o manejo do capim dourado garante a perpetuação da planta através da replantação de suas sementes. Estas práticas são não apenas sustentáveis, mas também culturalmente significativas, reforçando a identidade e a coesão social da comunidade Xerente. Incorporar essas práticas em estratégias de conservação mais amplas poderia inspirar novos métodos de manejo sustentável (Diegues et al., 1999).

A relevância deste estudo reside na necessidade urgente de encontrar soluções eficazes para a crise ambiental global. As práticas sustentáveis dos Xerente oferecem um exemplo concreto de como a harmonização entre o uso de recursos naturais e a preservação ambiental é possível. Documentar e analisar essas práticas pode fornecer dados essenciais para a formulação de políticas públicas que sejam não apenas ambientalmente sustentáveis, mas também culturalmente sensíveis, valorizando e preservando os conhecimentos e tradições das comunidades indígenas (Bauman, 2003).

Além disso, a integração do conhecimento tradicional dos Xerente em políticas de conservação pode servir como um modelo para outras comunidades ao redor do mundo. As práticas de manejo sustentável dos Xerente mostram que é possível utilizar os recursos naturais de maneira que promove a regeneração e a biodiversidade. Estudar essas práticas em maior profundidade poderia revelar princípios aplicáveis a diversas regiões e ecossistemas, ajudando a criar um paradigma global de sustentabilidade que respeita e valoriza as tradições culturais (Cunha, 2009).

A transmissão intergeracional de conhecimentos ecológicos entre os Xerente é outra área de grande relevância. Entender como esses conhecimentos são passados de geração em geração pode oferecer insights valiosos para programas de educação ambiental. Esses programas podem ser desenvolvidos para fortalecer a conexão entre as comunidades e seu ambiente natural, garantindo que as práticas sustentáveis continuem a ser usadas e adaptadas para enfrentar novos desafios ambientais (Gonçalves-Maia, 2011).

Estudar a organização social dos Xerente e sua relação com a gestão sustentável dos recursos naturais também é crucial. A estrutura social coesa e colaborativa das aldeias Xerente facilita a elaboração de práticas sustentáveis e a transmissão de conhecimentos. Investigar como essas dinâmicas sociais influenciam a sustentabilidade pode fornecer orientações para o desenvolvimento de políticas comunitárias que promovam a conservação ambiental de maneira participativa e inclusiva (Farias, 1990).

A análise das práticas culturais dos Xerente, como a pintura corporal e outras manifestações simbólicas, pode revelar a profundidade de sua conexão com a natureza. Estas práticas culturais não são apenas expressões artísticas, mas também refletem uma visão de mundo onde a natureza é integral à identidade e ao bem-estar comunitário. Entender esta conexão pode ajudar a formular políticas de conservação que não apenas protegem o meio ambiente, mas também fortalecem as culturas tradicionais.

2. A Contribuição do Povo Xerente na Proteção da Natureza

Devido à demanda global a favor da proteção da natureza, juntamente com o crescimento de correntes ambientalistas detentoras de perspectivas diferentes da preservacionista, as populações tradicionais passaram a ser consideradas importantes como atores responsáveis pela proteção do ambiente natural no qual estão inseridas (Pereira e Diegues, p. 38).

Historicamente, muitas abordagens preservacionistas viam a natureza como algo que deveria ser protegido das influências humanas. No entanto, as correntes ambientalistas contemporâneas começaram a reconhecer que as populações tradicionais, que vivem em estreita relação com seus ambientes naturais, desempenham um papel crucial na proteção e manejo sustentável desses ecossistemas (Pereira e Diegues, p. 38).

Essa mudança de perspectiva é fundamental para a valorização dos saberes e práticas das comunidades indígenas e tradicionais. A ideia de que essas populações são intimamente ligadas à preservação do meio ambiente advém do seu profundo conhecimento ecológico e das suas práticas sustentáveis, que foram desenvolvidas e obtidas ao longo de gerações. Isso transforma essas comunidades em guardiãs naturais de seus territórios, promovendo a biodiversidade e a saúde dos ecossistemas em que vivem (Pereira e Diegues, p. 38).

As práticas de manejo sustentável e a transmissão de conhecimentos ancestrais desempenham um papel central na manutenção dos ecossistemas. Como observado por Gonçalves-Maia (2011), a tradição, inovação e renovação são componentes essenciais na interação entre as populações tradicionais e seu ambiente natural. No caso do povo Xerente, suas práticas de roça de toco e manejo do capim dourado exemplificam essa dinâmica. Ao cultivar a terra de forma sustentável e promover a regeneração das plantas, eles não apenas garantem sua subsistência, mas também contribuem significativamente para a conservação da biodiversidade local.

O conhecimento ecológico tradicional do povo Xerente, acumulado ao longo de gerações, está profundamente enraizado em sua cultura e modo de vida. A etnoconservação, destaca a importância desses saberes na promoção da sustentabilidade ambiental. A prática de colher o capim dourado, por exemplo, envolve uma técnica cuidadosa de retirada de sementes para garantir a regeneração da planta. Esse ciclo de uso e renovação exemplifica uma abordagem sustentável que tem sido utilizada por séculos, mostrando como os conhecimentos tradicionais podem ser aliados poderosos na proteção do meio ambiente (Pereira; Diegues, 2010).

Além disso, a relação simbiótica entre o povo Xerente e seu ambiente natural é uma expressão de sua identidade cultural. A pintura corporal e outras manifestações culturais, refletem uma profunda conexão com a terra e os recursos naturais. Essas práticas culturais não são apenas rituais simbólicos, mas também formas de transmitir conhecimentos ecológicos e fortalecer a coesão comunitária em torno da preservação ambiental (Lopes da Silva; Farias, 2000).

A integração de práticas tradicionais no manejo ambiental é essencial para enfrentar os desafios contemporâneos de conservação. Como Bauman (2003) argumenta a busca por segurança no mundo atual passa pelo reconhecimento e valorização das comunidades tradicionais e suas práticas. No contexto do povo Xerente, essa valorização não apenas fortalece sua cultura, mas também promove um modelo de sustentabilidade que pode servir de exemplo para outras comunidades e políticas de conservação.

Percebemos então, que a contribuição do povo Xerente na proteção da natureza ilustra como os conhecimentos e práticas tradicionais podem ser integrados em estratégias modernas de conservação. Reconhecer e valorizar essas contribuições é crucial para a criação de políticas ambientais que sejam inclusivas e eficazes. A experiência do povo Xerente mostra que a sustentabilidade ambiental é uma prática vivida e transmitida culturalmente, oferecendo lições valiosas para a conservação da biodiversidade em escala global (Diegues et al., 1999).

3. Tradição e Sustentabilidade na Agricultura Xerente

O povo Xerente, posicionado dentro da Amazônia Legal, mantém essa relação harmoniosa com seu ambiente natural. Só para entendermos de forma mais densa, esta interação se manifesta de maneira exemplar na prática da roça de toco, um método agrícola tradicional que preserva a fertilidade do solo e promove a regeneração natural da vegetação. Diferente das práticas agrícolas convencionais, que muitas vezes resultam na degradação do solo e na perda da biodiversidade, a roça de toco permite que o solo descanse e se recupere, garantindo uma produção sustentável para um longo tempo. Esta prática se baseia em um conhecimento profundo do ciclo natural das plantas e do solo, um saber tradicional que foi transmitido de geração em geração (Almeida, 2010).

Além da roça de toco, o povo Xerente é conhecido pelo manejo sustentável do capim dourado, uma planta nativa usada no artesanato local. Durante a colheita, os Xerente retiram cuidadosamente as sementes do capim dourado para garantir que ele possa crescer novamente no mesmo local. Esta prática não apenas sustenta a produção de artesanato, mas também contribui para a preservação da planta e do ecossistema em que ela cresce. Este ciclo de colheita e replantio reflete um profundo respeito pela natureza e um compromisso com a sustentabilidade, características que são centrais na cultura Xerente (Diegues et al., 1999).

Ademais, a sustentabilidade das práticas agrícolas dos Xerente também está intimamente ligada à sua organização social e dinâmica comunitária. Como observado por Farias, a estrutura social das aldeias Xerente facilita a cooperação e o compartilhamento de recursos, promovendo uma gestão coletiva do meio ambiente. Esta abordagem comunitária é essencial para a manutenção das práticas sustentáveis, pois permite que os conhecimentos e técnicas sejam compartilhados e aprimorados continuamente dentro da comunidade (Farias, 1990).

Outrossim, o manejo do capim dourado é um exemplo claro de como os Xerente combinam tradição e inovação. A prática de colher e replantar as sementes é uma inovação dentro de uma tradição antiga, que mostra como as populações indígenas podem adaptar suas práticas para responder às demandas contemporâneas sem comprometer a sustentabilidade. Esta capacidade de inovar dentro da tradição é uma característica vital que permite a continuidade e a relevância das práticas culturais em um mundo em constante mudança (Gonçalves-Maia, 2011).

Concomitantemente, essa relação dos Xerente com a natureza não é apenas prática, mas também profundamente simbólica. A pintura corporal e outras manifestações culturais refletem uma cosmovisão que vê a natureza como uma extensão da comunidade. Este entendimento simbólico reforça a importância de práticas sustentáveis, pois a degradação ambiental é vista como uma ameaça direta à identidade e à coesão social da comunidade (Lopes da Silva; Farias, 2000).

O conhecimento tradicional dos Xerente, conforme discutido por Pereira e Diegues, é um recurso valioso para a conservação da natureza. As práticas de etnoconservação, como a roça de toco e o manejo do capim dourado, exemplificam como os saberes ancestrais podem contribuir para a sustentabilidade ambiental. Reconhecer e valorizar esses conhecimentos é crucial para a criação de políticas ambientais eficazes que integrem as populações tradicionais como parceiros na conservação (Pereira; Diegues, 2010).

Antes de adentramos no tópico 4, é preciso dizer, que em um mundo onde a busca por sustentabilidade se torna cada vez mais urgente, as práticas agrícolas do povo Xerente oferecem boas lições. Sua abordagem sustentável não só garante a sobrevivência da comunidade, mas também contribui significativamente para a preservação da biodiversidade e a saúde dos ecossistemas. Este modelo de sustentabilidade, enraizado na tradição e adaptado às demandas modernas, pode servir de inspiração para outras comunidades e políticas de conservação ao redor do mundo (Cunha, 2009).

4. Coleta Sustentável e Preservação da Biodiversidade

O manejo sustentável dos recursos naturais é uma prática crucial para a preservação da biodiversidade, especialmente em comunidades tradicionais como o povo Xerente. A coleta sustentável é um elemento central dessas práticas, integrando conhecimento ecológico ancestral com métodos modernos de conservação. Este processo não só assegura a sobrevivência das espécies vegetais utilizadas, mas também mantém o equilíbrio dos ecossistemas locais, demonstrando como as práticas tradicionais podem ser uma poderosa ferramenta na luta global pela sustentabilidade (Almeida, 2010).

No caso do capim dourado, planta nativa usada amplamente no artesanato Xerente, a coleta sustentável é realizada de forma a garantir a regeneração contínua da planta. Durante a colheita, os Xerente retiram cuidadosamente as sementes, plantando-as novamente no mesmo local. Esta prática permite que a planta continue a crescer e a fornecer matéria-prima para o artesanato sem esgotar os recursos naturais. A abordagem dos Xerente mostra uma compreensão profunda dos ciclos de vida das plantas e uma capacidade de harmonizar a extração de recursos com a preservação ambiental (Diegues et al., 1999).

Além da coleta de capim dourado, outras práticas agrícolas dos Xerente, como a roça de toco, também refletem um compromisso com a sustentabilidade. Este método agrícola envolve o uso controlado da terra, permitindo períodos de descanso e recuperação do solo entre os ciclos de cultivo. Esta prática não apenas melhora a fertilidade do solo, mas também ajuda a manter a diversidade de espécies vegetais e animais na região. A roça de toco exemplifica como práticas agrícolas sustentáveis podem contribuir para a conservação da biodiversidade enquanto sustentam a subsistência da comunidade (Farias, 1990).

A importância das práticas sustentáveis dos Xerente é amplificada pela sua organização social e estrutura comunitária. A gestão coletiva dos recursos naturais, baseada em tradições e normas comunitárias, facilita a implementação de práticas sustentáveis e a transmissão de conhecimentos ecológicos entre gerações. Esta estrutura social coesa e colaborativa é essencial para a eficácia das práticas de manejo sustentável, pois promove a responsabilidade compartilhada pela preservação do ambiente (Bauman, 2003).

O conhecimento ecológico tradicional dos Xerente, conforme descrito por Pereira e Diegues, é fundamental para a etnoconservação. A prática de replantar sementes durante a colheita e o manejo cuidadoso do solo são exemplos de como esses conhecimentos podem ser aplicados para proteger e preservar a biodiversidade. Estas práticas não são apenas técnicas agrícolas, mas também elementos essenciais da cultura e identidade dos Xerente, reforçando a conexão entre comunidade e natureza (Pereira; Diegues, 2010).

A relação simbiótica entre os Xerente e seu ambiente natural também se manifesta nas suas práticas culturais, como a pintura corporal, que refletem uma visão de mundo onde a natureza é vista como parte integrante da vida comunitária. Esta perspectiva cultural fortalece o compromisso dos Xerente com a sustentabilidade, pois a degradação ambiental é percebida como uma ameaça direta à sua identidade cultural e coesão social. Este entendimento profundo da interdependência entre comunidade e ambiente é um dos pilares da abordagem sustentável dos Xerente (Lopes da Silva; Farias, 2000).

Em um contexto global onde a conservação da biodiversidade é cada vez mais urgente, as práticas sustentáveis dos Xerente oferecem um modelo valioso. Suas técnicas de manejo sustentável, enraizadas em conhecimentos ancestrais e adaptadas às condições contemporâneas, demonstram que é possível conciliar a extração de recursos naturais com a preservação ambiental. Este modelo não só garante a continuidade das tradições culturais dos Xerente, mas também contribui significativamente para os esforços globais de conservação, oferecendo lições importantes para outras comunidades e formuladores de políticas ambientais (Gonçalves-Maia, 2011).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A prática da coleta sustentável e a preservação da biodiversidade demonstradas pelo povo Xerente oferecem um modelo poderoso e inspirador para a conservação ambiental. Através de métodos como a roça de toco e o manejo do capim dourado, os Xerente conseguem harmonizar suas necessidades de subsistência com a proteção dos ecossistemas. Essas práticas não apenas garantem a regeneração contínua dos recursos naturais, mas também sustentam a rica biodiversidade de suas terras, mostrando que é possível utilizar os recursos naturais de maneira equilibrada e responsável.

A abordagem dos Xerente destaca a importância de integrar o conhecimento tradicional em estratégias modernas de conservação. O profundo entendimento dos ciclos naturais e o manejo cuidadoso dos recursos são evidências de que as populações tradicionais têm muito a contribuir para a sustentabilidade global. Suas práticas sustentáveis são baseadas em uma visão holística do mundo, onde a natureza é vista como um parceiro vital para a sobrevivência e bem-estar da comunidade. Esse respeito intrínseco pelo ambiente natural deve ser valorizado e incorporado em políticas ambientais mais amplas.

Em um mundo cada vez mais preocupado com a degradação ambiental e a perda de biodiversidade, as lições do povo Xerente são mais relevantes do que nunca. A preservação da natureza através de práticas sustentáveis não é apenas uma necessidade ambiental, mas também uma questão de justiça social e cultural. Ao reconhecer e apoiar as práticas sustentáveis das populações tradicionais, podemos promover um futuro onde a conservação ambiental e o desenvolvimento humano caminham juntos, garantindo um planeta saudável e sustentável para as gerações futuras.

5.1. APONTAMENTOS PARA FUTURAS PESQUISAS

Para pesquisas futuras, é fundamental aprofundar o estudo das práticas sustentáveis do povo Xerente e de outras populações tradicionais, analisando como seus conhecimentos ecológicos podem ser integrados em políticas públicas de conservação ambiental. Pesquisas poderiam focar em documentar e validar cientificamente os métodos de manejo sustentável utilizados por essas comunidades, explorando sua eficácia em diferentes contextos ecológicos e socioeconômicos. Além disso, investigar a transmissão intergeracional de conhecimento ecológico pode revelar estratégias importantes para a educação ambiental, mostrando como tradições culturais podem ser preservadas e adaptadas para enfrentar desafios ambientais contemporâneos.

Um outro aspecto promissor seria a análise comparativa entre as práticas sustentáveis dos Xerente e as de outras comunidades indígenas e tradicionais ao redor do mundo. Estudos comparativos poderiam identificar padrões comuns e diferenças significativas, oferecendo fundamentos sobre a diversidade e a adaptabilidade das estratégias de manejo sustentável. Além disso, a investigação sobre o impacto das mudanças climáticas nas práticas tradicionais de manejo e como essas comunidades estão se adaptando pode fornecer lições cruciais para a resiliência climática global. Essas pesquisas não apenas enriqueceriam o campo da conservação ambiental, mas também promoveriam uma maior valorização e reconhecimento dos conhecimentos tradicionais como parte integrante da solução para os desafios ambientais do século XXI.

REFERÊNCIAS

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[1] Mestre em Educação. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: leonardosbsantana@gmail.com

[2] Pós-Doutora em Educação. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: neilaosorio@uft.edu.br

[3] Pós-Doutor pela Universidade Federal do Tocantins. luizneto@uft.edu.br

[4] Mestre em Educação. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: adriana.cpa@hotmail.com

[5] Mestrando em Educação. Universidade Federal do Tocantins. E-mail:samuelbiologo11@gmail.com

[6] Mestranda em Governança e Transformação Digital. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: silvania.pires@gmail.com

[7] Mestranda em Educação. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: rosyfranca@uol.com.br

[8] Mestrando em Governança e Transformação Digital. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: eliasbraz@mail.uft.edu.br

[9] Especialista em História e Geografia. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: wallacecarvalho007@gmail.com

[10]Especialista em Gestão Municipal. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: luisfilipe190899@gmail.com

[11]Especialista em Educação, Pobreza e Desigualdade Social. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: socorro.saturno@gmail.com

[12] Especialista em Gestão Escolar. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: genivaldorcc@gmail.com

[13] Especialista em História e Cultura dos povos indígenas. Universidade do Tocantins. E-mail: fernandoxerente920@gmail.com

[14] Especialista em Neuropsicologia. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: li.tarissio@gmail.com

[15] Graduada em Enfermagem. Universidade Federal do Tocantins. E-mail: arruda.enfer.jeni@gmail.com