EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA NO CENÁRIO DA ESCOLA PÚBLICA

DEMOCRATIC EDUCATION IN THE PUBLIC SCHOOL SCENARIO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th10248310827


Sandra Helena Loureiro Hoyler[1]
Simon Skarabone Rodrigues Chiacchio[2]
Shirley Oliveira Maia[3]


Neste artigo será apresentado a necessidade de uma educação democrática no cenário da escola pública, visto que existem paradigmas a serem superados e sua contribuição no processo educativo. Verificar-se-á que neste cenário se faz necessário uma gestão que busca organizar direta ou indiretamente o trabalho pedagógico junto com todos os envolvidos garantindo a legalidade das ações ressaltando o desenvolvimento dos processos que otimizam o ensino-aprendizagem de todos os alunos. Nesta direção, no primeiro momento exibir-se-á o histórico da educação democrática e seguirá analisando as necessidades dos envolvidos para o seu alcance. Finalizará exibindo uma pesquisa bibliográfica em cinco escolas públicas dentro e fora do Brasil mostrando os progressos desenvolvidos, explicitando o que é respeitado nesta nova construção, seus princípios e desafios encontrados.

Palavras-chave: Educação; Democratização; Autonomia; Gestão; Comunidade escolar.

This article will present the need for a democratic education in the public school scenario, as there are paradigms to be overcome and their contribution to the educational process. In this scenario, it will be necessary that a management that seeks to organize directly or indirectly the pedagogical work together with all involved ensuring the legality of the actions emphasizing the development of processes that optimize the teaching and learning of all students. In this direction, at the first moment the history of democratic education will be shown and will continue analyzing the needs of those involved for its reach. It will end by displaying a bibliographic research in five public schools inside and outside Brazil showing the progress made, explaining what is respected in this new construction, its principles and challenges encountered.

Keywords: Education; Democratization; Autonomy; Management; School Community.

Introdução

               O presente artigo tem por intuito analisar as escolas que trabalham com uma educação democrática, tendo em comum os princípios norteadores que priorizam o coletivo respeitando e valorizando as diferenças, construindo um espaço escolar de relações horizontais, inclusivas e com aprendizado de qualidade, significativo, interdisciplinar e transversal.

               A educação democrática enaltece a transformação da mente e dos processos, bem como, estabelece novas práticas de formas participativas e semelhantes, a partir de um novo prisma aberto e sistêmico. Ou seja, se dirige para o progresso do funcionamento do sistema de ensino e suas instituições escolares, produzindo efeitos positivos na construção de uma educação efetiva e de qualidade para os alunos.

               Para que haja uma educação democrática faz-se necessário que a gestão tenha um olhar diferenciado propondo ações conjuntas, onde todos sejam responsáveis pelos resultados e para que isso aconteça, os envolvidos precisam ter conhecimentos do seu papel e que as metas estejam claras, o compromisso e as decisões sejam tomados em consenso. Também deve haver abertura para novas ideias e todos possam fazer a auto avaliação periódica do seu envolvimento, visto que só assim, com novas práticas, seja possível construir uma educação democrática.

               Este artigo se justifica pela convivência e experiência profissional na escola pública onde os professores e alunos apresentavam inquietações do contexto escolar. Enquanto os educandos se queixavam da falta de inovação na escola, sendo um ambiente sem atrativos, que não consideram suas experiências prévias como ser histórico e produtivo. Por outro lado, os professores lamentavam a falta de respeito, desinteresse por parte deles, causando um distanciamento. Destarte, faz-se necessário uma reflexão profunda e empática sobre suas causas, não focando somente no problema, mas investigando novas possibilidades inclusivas, eficientes, qualitativa, democrática e humana. Em algumas escolas, essas novas práticas estão sendo aplicadas, porém, na escola pública nota-se certa resistência para que essa prática seja ampliada e implementada.

               A problematização deste artigo buscará compreender quais são os desafios que uma escola precisará superar para alcançar uma postura democrática. Para tanto, de maneira hipotética é sugerido que os gestores estejam abertos as novas mudanças e que busquem reconhecer as necessidades, dificuldades e pontos positivos do entorno, a partir disso, mobilizando todos os envolvidos: equipe administrativa, docentes, discentes, APM – Associação de Pais e Mestres e os responsáveis pelos educandos. Na mesma direção deste processo, a verificação da prática do PPP- Projeto Político Pedagógico, como um projeto ativo, participativo, significativo e inclusivo, ou seja, a construção de uma educação democrática.

               O objetivo geral será refletir sobre a necessidade de transformação da escola pública na atualidade, por meio de uma educação democrática que visa o educando como agente principal para essa transformação. Os objetivos específicos serão identificar as necessidades do discente, docente e de todos os envolvidos para o alcance da educação democrática e realizar uma análise bibliográfica de cinco escolas públicas dentro e fora do Brasil que construíram uma prática democrática.

               Foi utilizado como metodologia para o desenvolvimento do artigo a pesquisa exploratória para conhecer melhor o objeto proposto. Também a pesquisa descritiva para o aprofundamento da educação democrática e a pesquisa explicativa buscando conectar as ideias dos autores investigados em livros, artigos e documentos para compreender os desafios encontrados no contexto escolar, bem como, a relevância da educação democrática para a construção de relações saudáveis e empáticas na sociedade.

               Este artigo está organizado em três momentos, a saber: o primeiro apresentará a educação democrática: concepção e trajetória. O segundo momento mostrará quais são as necessidades dos docentes e discentes por uma educação democrática e no último momento será exibido uma pesquisa bibliográfica em cinco escolas públicas dentro e fora do Brasil mostrando os progressos desenvolvidos com uma educação democrática, explicitando o que é respeitado nesta nova construção, seus princípios e desafios encontrados. Todos os momentos contribuirão para elucidar e alcançar os objetivos propostos nesta pesquisa.

               Como referencial teórico para este artigo serão investigados autores que fundamentam a educação democrática, são eles: Apple (2001), Freire (2016), Hecht (2016), Singer (2015), Romão & Gadotti (2012), entre outros, oportunizando a construção de um novo saber.

1. Concepção e Trajetória da Educação Democrática

Quando falamos em democracia, logo pensamos em nossa construção política denominada como democrática, mas cheia de lacunas e ainda tão excludente. Isso nos faz desconfiar de uma educação intitulada como democrática. Porém é preciso entender que tal estranheza se dá pela falta de conhecimento sobre sua importância na participação de decisões e transformações de nossa sociedade.

Entendemos também que a dificuldade de participação popular nos processos decisórios das diversas instâncias políticas decorre não de seu absenteísmo, ataráxica ou apatia em relação aos negócios públicos, mas de obstáculos construídos e colocados à sua frente pelos que querem ter o monopólio da decisão. (GADOTTI & ROMÃO, 2012, p. 29).

Essa falta de interesse e participação da sociedade em envolver-se com as questões ligadas a educação prejudica a todos, pois mesmo dentro do ambiente escolar existem divergências de opiniões causando entraves nas mudanças pedagógicas, por isso, a educação democrática tem um papel significativo para romper com antigos paradigmas trazendo um novo prisma com novas práticas de democratização na contribuição na formação dos estudantes e envolvidos neste processo.

A democratização concebida como uma prática pedagógica visa a formação de personalidades democráticas por meio do cultivo da “liberdade do educando”. Nesse caso, a ênfase recai sobre um certo tipo de relação pedagógica: aquela capaz de suprimir – ou pelo menos reduzir drasticamente – as hierarquias que historicamente marcam as relações pedagógicas entre professores e alunos, tidas como invariavelmente autoritárias. (CARVALHO, 2004, p.330).

Neste sentido, o professor deve ser um facilitador, valorizando as experiências anteriores, possibilitando ao educando a conexão dos conteúdos com a sua realidade e assim ampliando seus conhecimentos com finalidade de transformar, cooperar e solucionar problemas, servindo as demandas da sociedade. Assim,

As sociedades democráticas assentam, por um lado, na possibilidade de libertação das capacidades individuais e, por outro, na diversidade de inquietações comuns partilhadas. O ideal democrático alimenta-se, simultaneamente, da importância do desenvolvimento das capacidades individuais aliada ao desenvolvimento da consciência de que estas devem ser colocadas a serviço de projetos comuns. (DEWEY, 2005, apud, BRANCO, 2010, p.608).[2]

Por isso a construção coletiva da identidade do espaço escolar é tão importante e se faz necessária que todas as vozes sejam ouvidas nas tomadas de decisões, seja para decidir sobre um evento, seja para sugestões, mediações de conflito, ou seja, em todo ato curricular e suas transversalidades.  

Se pensarmos na democracia somente a partir do ponto de vista da igualdade, acabamos por destruir a liberdade. Se todos forem concebidos como iguais, onde ficará o direito democrático da diferença, a possibilidade de pensar de maneira adversa? Para que o modelo de democracia seja justo e almeje a liberdade individual e coletiva, é necessário que a igualdade e a equidade sejam compreendidas como complementares. (ARAÚJO, 2015, p.10).

Outro ponto importante é deixar claro que uma educação com base democrática, precisa erguer sua construção com respeito e responsabilidade, tendo o cuidado e sensatez para analisar quando estamos sendo ou apoiando atitudes antidemocráticas. O ideal é que aprendamos a construir essa relação democrática, refletindo sobre nossas atitudes e influências delas na sociedade.

Nossa tarefa é, portanto, não rejeitar as políticas do currículo e ensino, mas reconhecer como as políticas públicas operam, para utilizá-las. É identificar o que está em jogo, para que professores e administradores, crianças e pais/mães que trabalham tão arduamente e em condições tão incertas agora criem uma educação que mereça este nome, se a restauração conservadora vier a ocorrer. (APPLE, 1997, p.65).

Dessa forma, compreendemos que educar para uma relação democrática torna-se imprescindível em nossa sociedade e considerando os estudos realizados acerca do tema, conclui-se que educação democrática é uma construção social que parte do debate entre envolvidos sobre as necessidades expostas no cotidiano escolar para a transformação e/ou resolução das mesmas, não se limitando a um padrão, mas refletindo sobre os meios que beneficiem o coletivo.O ideal de educação democrática, era praticado desde o século XIX. Uma das primeiras escolas reconhecidas pela prática de uma educação inovadora foi criada por Alexander S. Neill, em 1921, na Inglaterra, chamada de Summerhill School.Em 1993 há a I Conferência Internacional de Escolas Democráticas, em Israel.

Essa foi a reunião que inicialmente criou o vínculo entre escolas que pensavam de forma diferente e procuravam modos mais livres de educar como uma alternativa ao conservadorismo educacional existente. Mais tarde, o uso de termos como “escola democrática” e “educação democrática” ganhou uso corrente fora de Israel também, e a conferência se tornou um catalisador para o Movimento Internacional de Educação Democrática. (HECHT, 2016, p. 228).

O nome da Conferência mudou para Conferência Internacional de Educação Democrática (IDEC) em 1997, sendo a quinta conferência. A conferência hoje se encontra na 26ª edição e foi realizada na Índia, demonstrando assim como é uma rede crescente e imprescindível para a fomentação de novas escolas com essa compreensão de educação.

A IDEC é atualmente uma das principais conferências no mundo sobre educação alternativa. Ela é realizada todos os anos nas escolas democráticas ou em outras organizações democráticas em todo o mundo (nós nos revezamos de forma igualitária entre todos os continentes), o que também determina o caráter de cada conferência. Até hoje, tivemos conferências realizadas em Israel, Reino Unido, Áustria, Ucrânia, Japão, Nova Zelândia, EUA, Índia, Alemanha, Austrália, Brasil e Canadá. (IBID, 2016, p. 230).

Isso revela uma preocupação global sobre o desenvolvimento integral e contínuo de cada cidadão que percorre o ambiente escolar na educação básica por uma década e que ao sair desse ambiente, é esperado que tenha uma atuação ética e saudável em sociedade.

O Brasil sediou a IDEC em 2007 no Estado de São Paulo, no Fórum Mundial de Educação. Essas ações, fóruns e conferências realizadas no Brasil é parte de uma construção que começa a ser potencializada a partir de nosso contexto histórico e político em 1988. Depois de promulgada a nova Constituição Federal com participação popular e com o final da ditadura militar no país, no que se refere a Educação, a constituição garante:

Artigo 206, inciso II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei; (BRASIL, 1988, TIT. VIII, CAP. III, SEC. I).

Tentando acompanhar nossa constituição e para deixar mais explicito os objetivos e fundamentos da educação brasileira, é constituída uma nova versão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, com n. 9.394 em dezembro de 1996, e no artigo 14, falando mais especificamente sobre a gestão democrática:

Os sistemas de ensino definirão as normas de gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: I – participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; II – participação das comunidades escolar e local em Conselhos de Escola ou equivalentes. (BRASIL, 1996, TIT. IV, Art.14).

Pautados nesses e em outros documentos oficiais, temos o Instituto Lumiar, fundado em 2002, como um dos principais representantes no Brasil na luta por uma educação autônoma, emancipadora e democrática. “O instituto Lumiar ajuda a fundar escolas democráticas em todo o estado, além de liderar processos de democratização em escolas comuns.” (HECHT, 2016, p. 241). Essas ações dentro de escolas comuns tornam-se possíveis por meio de uma gestão que acredite nessa transformação.

[…] quando a escolha se dá através da eleição direta, o diretor passa a ter um compromisso explícito com aqueles que o elegeram. Este compromisso tem-se revelado fator determinante na democratização da gestão e na melhoria da qualidade do ensino da escola pública. […] (GADOTTI & ROMÃO, 2012, p. 22).

Considerando tais levantamentos, por meio dos históricos de práticas realizadas em diversos países, contribui para esclarecer sobre o que é educação democrática de fato, além de tornar o processo de transição mais orgânico. Explicita também que cada construção é incomparável, pois vai de encontro as necessidades locais daquela comunidade escolar, seja onde for.

2.Necessidade do Docente e Discente por uma Educação Democrática

2.1 O docente na educação contemporânea

O professor considerado por tantos o educador, que ensina diferentes conteúdos, valores, o detentor do saber. Por outros considerado doutrinador, instrumentos do Estado. Essa relação vertical cria uma visão ilusória de que o professor é um ser completo de conhecimento, que detém a verdade absoluta, é um ser perfeito, porém não podemos esquecer que é um ser humano como qualquer outro que sente, tem necessidades, sonhos e expectativas sobre a vida.

[…] inúmeras formas de desrespeito foram dispensadas ao professor, visto que o seu papel menosprezado perante a noção mercadológica de se fazer educação. Esse profissional passa a ser desrespeitado pelos próprios colegas de trabalho, pelos gestores das escolas, pelos políticos, pelos pais, pelos alunos e até por eles mesmos no que tange à união da categoria em reivindicar seus direitos. (VIEIRA, 2017, p.19).

Somando isso aos conflitos diários que esses profissionais precisam mediar, competir a atenção com alunos que atrapalham a aula, fazer registros no sistema, fazer chamada, participar de reunião pedagógica, formações. Planejar aulas também pode fazer emergir sentimento de impotência, pois nem sempre atingem o resultado esperado, por vezes porque a sala não está aquém, por outras estando além ou por simplesmente não ser suficientemente atrativa para o educando, levando esse professor a exaustão emocional e influenciando diretamente na eficiência de seu trabalho, comprometendo até mesmo outras áreas de sua vida.

Na atualidade, o papel do professor extrapolou a mediação do processo de conhecimento do aluno, o que era comumente esperado. Ampliou-se a missão do profissional para além da sala de aula, a fim de garantir uma articulação entre a escola e a comunidade. O professor, além de ensinar, deve participar da gestão e do planejamento escolar, o que significa uma dedicação mais ampla, a qual se estende às famílias e a comunidade. (GASPARINI, 2005, p. 191).

Em uma escola democrática, suas atribuições serão as mesmas. O que irá diferir do modelo de educação atual, será uma melhor distribuição dessas obrigações e o fato de trabalhar em coletivo, fazendo com que a carga de trabalho e até emocional seja partilhada, tornando-se menos árdua e solitária.

Quando um novo professor é aceito numa escola democrática, ele pode passar por um “choque de liberdade” parecido com o das crianças. Os professores vêm de lugares diferentes, mas a maioria deles se formou em sistemas escolares conservadores tradicionais. Como resultado, esse choque de liberdade que sentem parte da demolição das crenças e dos conceitos que mantinham acerca de muitas coisas. (HECHT, 2016, p.158).

Levando em consideração esses aspectos, é preciso construir um ambiente que fomente relações saudáveis, acolhedoras, com debates pertinentes as necessidades do contexto escolar daquela comunidade. É fundamental que percebamos a necessidade de sair da zona de conforto, que não deixa de ser desgastante, e apoiar uma reforma educacional que vise a construção de uma educação, onde o professor seja respeitado como ser em contínua formação, que tem o direito a qualidade de vida humanizada, onde o ensino e aprendizagem sejam mútuos para professor e aluno e que o professor perceba o educando como potência de acordo com suas experiências e não como limitado por suas deficiências.

2.2 O educando

O educando no século passado era considerado um ser passível, onde obtinha o conhecimento dentro da sala de aula pelo possuidor do saber: o professor. E isso era inerente a ele, gerando essa falta de questionamento, de criticidade e participação.

[…] é tão natural ser aluno e vê-lo em nossa experiência cotidiana (tem sido em nossa própria vida), que não questionamos o que significa ter essa condição social que é contingente e transitória. Damos por certo que, em uma etapa de suas vidas, o papel das pessoas que vemos é ir as instituições escolares todos os dias. (SACRISTÁN, 2005, apud, ALMEIDA, 2010, p. 30).[3]

Isso torna a aprendizagem apática e mecânica, onde o aluno é visto como uma tábula rasa precisando ser alimentado de conteúdos para a manutenção do status quo e reproduzindo mais do mesmo, dando a utopia como impossível, enquanto uns podem sonhar e outros só mantém os sonhos de quem detém capital econômico.

[…] os homens, nesta visão, ao receberem o mundo que neles entra, já são seres passivos, cabe a educação apassivá-los mais ainda e adaptá-los ao mundo. Quanto mais adaptados, para a concepção bancária, tanto mais educados, porque adequados ao mundo. (FREIRE, 2016, p.112).

O aluno do século XXI necessita ser ouvido, se expressar e por estar em uma fase de muitas contradições, confusões com a construção de sua identidade, de seu lugar no mundo e muitas vezes sem nenhuma orientação, vive sua experiência única, porém por vezes de forma equivocada, irresponsável pelo simples fato de fazer valer, ser notado, seja como for. É preciso que esse educando seja respeitado como ser integral, que tenha possiblidade de produzir novos conhecimentos a partir de suas próprias escolhas. Essa construção e superação é possível quando percebem que estão sendo de fato consultados em decisões e não considerados como meros robôs que devem obedecer a comandos de seus superiores.

A motivação no contexto escolar tem sido avaliada como um determinante crítico do nível e da qualidade da aprendizagem e do desempenho. Um estudante motivado mostra-se ativamente envolvido no processo de aprendizagem, engajando-se e persistindo em tarefas desafiadoras, despendendo esforços, usando estratégias adequadas, buscando desenvolver novas habilidades de compreensão e de domínio. Apresenta entusiasmo na execução das tarefas e orgulho acerca dos resultados de seus desempenhos, podendo superar previsões baseadas em suas habilidades ou conhecimentos prévios. (GUIMARÃES, 2004, p.143).

Partindo desse pressuposto, a educação democrática tem como propósito a construção de um saber mais significativo e menos desigual, onde há valorização da bagagem e da singularidade do educando. Para que ele conheça suas potencialidades é preciso que seja incentivado num ambiente que seja propicio para esse desenvolvimento. Quanto mais prazeroso for a busca de novos aprendizados, mais pesquisador e crítico ele será. Quanto mais souber respeitar-se como ser único e ao outro, melhor será sua atuação em sociedade.

3. Prática  de  Educação  Democrática  Realizada  em  Cinco  Escolas  Públicas – Uma Pesquisa  Bibliográfica

No primeiro momento foi possível conhecer a concepção do que é uma construção da educação para a democracia e como foi seu desenvolvimento em nossa sociedade em diversos países. Relevante mapearmos as principais escolas no mundo em distância cronológica e territorial que constituíram suas estruturas baseadas em uma educação libertária e não repressiva. São elas: Summerhill, Escola de Hadera, Central Park East Secondary School, Escola da Ponte e uma escola situada no Município de São Paulo.

A escola de Summerhill, situada na Inglaterra, foi fundada em 1921 por Alexander Sutherland Neill.  Acreditava em uma educação pautada na autonomia, liberdade e felicidade das crianças.

Meu ponto de vista é que a criança, de maneira inata, é sensata e realista. Se for entregue a si própria, sem sugestão adulta alguma, ela se desenvolverá tanto quanto for capaz de se desenvolver. Logicamente, Summerhill é um lugar onde as pessoas que têm habilidade inata e desejo de se fazerem eruditas, serão eruditas, enquanto as que apenas sejam capazes de varrer ruas, varrerão ruas. Mas, até agora, não produzimos nenhum varredor de ruas. Não escrevo isso para me dar ares, pois preferiria antes ver a escola produzir um varredor de ruas feliz do que um erudito neurótico. (NEILL, 1967, p. 4).

               Apesar dessa escola ser um internato de baixo custo, é relevante apresentá-lo, uma vez que seu fundador é um pioneiro quando falamos da prática de uma educação democrática, trabalhando com princípios considerados inovadores se comparados com nossa educação conservadora e padronizada na disciplina repressiva e autoritária.

               Baseado nos princípios de Neill (1883-1973), em 1987, Yaacov Hecht, fundou a primeira escola democrática em Hadera – Israel.  

Nos primeiros anos da escola, os pais davam valor a liberdade no processo de aprendizado, mas diziam que é tudo muito bom, contanto que as crianças tenham algumas matérias obrigatórias […]. Para uma escola como essas ser forte o suficiente para realizar essas mudanças, decidimos operar sob um sistema que tomasse decisões de uma forma democrática. Na nossa primeira etapa, montamos um Parlamento – uma assembleia geral de toda a comunidade da escola: estudantes, funcionários e pais. (HECHT, 2016, p. 44). 

               As assembleias são muito utilizadas nas escolas democráticas, pois auxiliam no processo de decisões onde todos possuem o direito de apresentar seus argumentos e eleger representantes dentro do ambiente escolar. Faz-se necessário uma atenção para a realização das assembleias escolares respeitando a liberdade e igualdade entre os envolvidos no processo.

Na perspectiva de simetria, os direitos de liberdade e igualdade, por exemplo, devem ser extensivos a todas as pessoas nas instituições democráticas e nas escolas, independentemente de sua idade. Já a ideia de assimetria natural dos papéis de estudantes e docentes nas relações escolares, assim como nas relações nos âmbitos familiar e médico, por exemplo – calcada na diferenciação de conhecimentos e de experiência – aponta problemas na compreensão de como são concebidas, abrem-se possibilidades para justificar o autoritarismo e o absolutismo. (ARAÚJO, 2015, p. 10).

               Em 1985, foi fundada a CPESS (Central Park East Secondary) em Nova Iorque. É uma escola com educação alternativa, portanto, democrática, sendo um projeto coletivo construído com dois conselhos educacionais e uma rede de escolas fundamentais. É pautada nos princípios dessa rede. Sendo elas: Menos é mais, personalização, estabelecimento de metas e o estudante como trabalhador.

O objetivo fundamental da CPESS é ensinar os alunos a usar bem sua inteligência, prepará-los para uma vida bem vivida, isto é, produtiva, útil socialmente e satisfatória em termos pessoais. O programa de estudos da escola enfatiza a capacidade intelectual e salienta o domínio de um número limitado de matérias de importância crucial. […] dá muita importância a aprender a aprender, a raciocinar e a investigar temas complexos que requerem colaboração e responsabilidade pessoal. (APPLE, 2001, p. 46).

               Outra escola que possui princípios pautados para a construção de uma educação democrática, é a conhecida Escola da Ponte, fundada em 1976 por José Pacheco, em Portugal. Com um projeto chamado “Fazer a Ponte” construído com decisões coletivas, eles criaram um regimento interno e a escola tem seus princípios evidenciados com o objetivo que todos reconheçam e estejam cientes da importância deles no projeto da escola para a construção de valores que vão além dos muros da escola. São eles:

O desenvolvimento de uma organização de escola que tem por referências uma política de direitos humanos que garanta as mesmas oportunidades educacionais e de realização pessoal a todos os cidadãos e a promoção, nos diversos contextos em que decorrem os processos formativos, de uma solidariedade ativa e participativa responsável; O desenvolvimento de relações estabelecidas entre a escola e a comunidade de contexto através da libertação e criação de redes  de comunicação. (PACHECO, 2015, p. 11).

               No Brasil, especificamente no Município de São Paulo, é possível encontrar escolas inovadoras que refletiram sobre a necessidade de ressignificar a construção da educação escolar. Umas dessas escolas é a Escola Municipal de Ensino Fundamental Presidente Campos Sales, fundada em 1957, como Escolas mistas de São João Clímaco. Em 1995, a escola muda de direção e é quando começam algumas mudanças nas relações de escola e comunidade, uma comunidade conhecida pela violência. Mais tarde, a escola começa um processo de implementação de uma metodologia de ensino baseada nos princípios da escola da ponte. Com isso, é repensado os valores e começa uma nova fase evolutiva dessa comunidade.

Os três princípios: Autonomia, responsabilidade e solidariedade serão vivenciadas nas atividades desenvolvidas no cotidiano escolar por todos os alunos, mas também, pelos profissionais que trabalham na escola. Todos serão aprendizes nesse processo. Com o passar do tempo estes princípios perpassarão toda a comunidade de Heliópolis através dos alunos, dos seus pais, da ação dos profissionais da escola e das lideranças que já estão envolvidas com o projeto. Estes três princípios só farão sentido se articulados. Uma pessoa autônoma é uma pessoa livre, mas uma pessoa livre só pode fazer aquilo pelo qual possa responsabilizar-se e o que ela faz não pode prejudicar o outro. […] Autonomia, responsabilidade e solidariedade exigem por parte do adulto que trabalha com a criança, uma nova mentalidade, que a perceba como um ser integral, completo, capaz de tomar decisões, portador de saberes e capaz de organizar-se para aprender. Isso exige dos adultos uma nova postura […] ou seja, ajudá-los a se constituir como sujeitos autônomos, responsáveis e solidários e não se tornarem cópias dos adultos. (NOGUEIRA, 2005, p. 41-42).

               Junto a esses princípios estão: a escola como centro de liderança; tudo passa pela educação. As mudanças e os muros quebrados nessa escola, só foi possível pela resistência de pessoas da própria comunidade dentro e fora da escola.

As lideranças de Heliópolis sempre tentam interagir, levar projetos para as outras escolas estaduais e municipais, mas há uma dificuldade na entrada de atividades extracurriculares, e esse problema muitas vezes está ligado à gestão que a escola tem, pois as vezes há diretores que não querem compactuar com atividades que possam ocorrer fora da escola, com propostas que extrapolem os muros da escola, onde o poder não fica centralizado somente nas suas mãos, onde as responsabilidades também são compartilhadas. (SINGER, 2015, v.2, p. 146).

               A relação humanizada, onde o ser humano pode ser respeitado independente de sua idade, experiência, religião, gênero, raça e classe. Porém, a construção social atual ainda valoriza a repressão, a hierarquização e acreditam nisso como a única forma de poder que faça a diferença, mas não percebe os danos a curto e longo prazo que esse tipo de relação cerceia. “Muitas vezes essa discussão ganha contornos morais, como se a escola fosse uma forma de compensar deficiências culturais, comportamentos intelectuais, vistas como características da população por ela atendida”. (IBID, 2015, v.1, p. 12).

               É preciso viabilizar o diálogo, explorar novas propostas de educação como inspiração para refletir como enxergamos as potencialidades da comunidade escolar que estamos inseridos, acreditar que é possível construir algo novo e coletivo. Uma educação democrática, não é uma solução prática para os problemas já perpetuados, mas se permitir aprender com todos os envolvidos, dividir responsabilidades, promover a autonomia valorizando todos os processos de desenvolvimento dos envolvidos.

Conclusão

               Como forma de responder a problemática de quais os desafios que uma escola e seus personagens precisam superar para o alcance de uma escola democrática, o presente artigo buscou evidenciar como foi construída a história da educação democrática no mundo, trazendo a relevância de melhorar a qualidade das relações no ambiente escolar por meio da horizontalidade e como essas escolas construíram valores em comum.

               Foi possível compreender que educação democrática não é método que padroniza qual a melhor forma de educar os alunos e sim, como a possibilidade de todos os envolvidos construírem juntos um meio mais saudável de relação, empatia e representatividade real na comunidade escolar. Fica em evidência que esse tipo de educação só é possível quando o gestor acreditar nesses ideais, abrindo espaço para o diálogo, troca de ideias, valorizar o trabalho coletivo buscando a construção de uma educação democrática de qualidade abrindo novas práticas e espaço para os pares em todos os níveis dentro e fora da escola e principalmente, quando se constrói uma relação com agentes ativos da comunidade.

               Conclui-se compreendendo que a maior das barreiras a serem superadas para o alcance da educação democrática, são as paredes invisíveis do individualismo, do preconceito, do autoritarismo que impedem conviver com as diferenças e ter empatia e respeito com o outro. A educação democrática se constrói pelo cultivo do afeto, do diálogo, da solidariedade e da justiça, ou seja, faz-se urgente um trabalho coletivo com dedicação e afinco, para que se construa uma sociedade mais igualitária criando laços de aproximação entre o aluno, o corpo diretivo, administrativo, os professores, a comunidade e a efetivação dos direitos e aprendizagem como responsabilidade de todos.

Referências

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[2] DEWEY, J. A concepção democrática de educação. Viseu: Pretexto, 2005, n.p.

[3] SACRISTÁN, José Gimeno. O aluno como invenção. Porto Alegre: Artmed, 2005, p.13.


[1] HOYLER, H.L. Hoyler. Mestrado em Educação. Pós em Psicologia Organizacional. Pós em Administração de Recursos Humanos. Pesquisadora do GRUPEIFORP – Formação de Professores e Educação Infantil: Contextos, Epistemologias e Metodologias.

[2] CHIACCHIO, Simon Skarabone R. Professor Dr. Centro Universitário Senac-SP.

[3] MAIA, O. Shirley. Pedagogia. Professora. Licenciatura em Pedagogia. Centro Universitário Estácio de São Paulo – São Paulo – Brasil.