EDUCAÇÃO INFANTIL DO/NO CAMPO: O ATENDIMENTO EM CRECHES E PRÉ-ESCOLAS DO CAMPO NA CIDADE DE PORTO FELIZ – SP.

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202408261047


Luciene Sandes Mota1


RESUMO

Este artigo, é uma pesquisa de cunho qualitativo, que tem como objetivo principal traçar um panorama geral sobre o atendimento da Educação Infantil no campo, especialmente o atendimento de creches na zona rural, na cidade de Porto Feliz, localizada no interior de São Paulo, configurando-se assim como um estudo de caso. Metodologicamente traçou-se o seguinte percurso:  para a coleta de dados foram utilizadas plataformas on-line gratuitas e públicas, principalmente as plataformas oficiais dos governos municipal e estadual. Outra fonte importante de dados foram os PPP”s das unidades escolares, cedidos pelas respectivas diretoras. A análise dos dados se fez de acordo com o confronto entre os resultados e a literatura existente sobre a temática. Inicialmente, a escrita traz um breve histórico sobre a origem e consolidação da educação infantil no Brasil, assim como fatos relevantes sobre a condição atual e passada, de forma suscita, da educação do campo no Brasil, suas lutas e conquistas. Nas considerações finais, o texto traz os apontamentos e sugestões para que haja uma política de Educação Infantil do campo eficiente pedagogicamente e comprometida em assegurar e efetivar os direitos das crianças em sua primeira infância. 

Palavras-chave: educação infantil; educação do/no campo; creches: pré-escola.

Summary

This article is a qualitative research, whose main objective is to provide a general overview of the provision of Early Childhood Education in the countryside, especially the provision of daycare centers in rural areas, in the city of Porto Feliz, located in the interior of São Paulo, thus configuring itself as a case study. Methodologically, the following path was followed: free and public online platforms were used to collect data, mainly the official platforms of the municipal and state governments. Another important source of data were the PPPs of school units, provided by the respective directors. Data analysis was carried out in accordance with the comparison between the results and the existing literature on the subject. Initially, the writing provides a brief history about the origin and consolidation of early childhood education in Brazil, as well as relevant facts about the current and past condition, in a provocative way, of rural education in Brazil, its struggles and achievements. In the final considerations, the text provides notes and suggestions so that there is a pedagogically efficient Early Childhood Education policy committed to ensuring and implementing the rights of children in their early childhood.

Keywords: child education; education of/in the countryside; daycare centers: preschool.

1. Introdução  

Historicamente, a criação da educação infantil no Brasil, está intrinsecamente atrelada à necessidade de desenvolvimento urbano e industrialização. Assim como em outras partes do mundo, no Brasil, as mães necessitavam deixar suas crianças sob os cuidados das creches, para compor o quadro de funcionários das emergentes indústrias do século XIX. Portanto, “podemos compreender que a Educação Infantil se constituiu como uma resposta às necessidades da expansão do processo de industrialização, da urbanização e da construção da Nação brasileira” (BARBOSA, 2012).

Hoje, sabemos que a educação infantil tem uma grande responsabilidade no que diz respeito ao desenvolvimento cognitivo e socioemocional das crianças, no entanto, essa percepção se dá após décadas do seu surgimento, principalmente para as camadas mais pobres da população. Segundo Barbosa 2012, um outro fator relevante para o surgimento da educação infantil no Brasil foi o processo de higienização e moralização da população brasileira, o que levou a criação de creches para atender crianças pobres das cidades, que necessitavam de acolhimento e cuidados. Nesta perspectiva, trata-se de uma educação infantil em seu estado originário, imbuída de um caráter essencialmente assistencialista, onde o aspecto predominante é a preocupação com os cuidados básicos, sendo assim, geralmente a creche está vinculada a um órgão da saúde. Em posição oposta, neste momento histórico, tínhamos como parte integrante da educação infantil, os jardins de infância destinados a atender às crianças das classes mais abastadas da sociedade, diferentemente das creches, os jardins de infância apresentavam preocupações pedagógicas e buscavam trazer aprendizagens para as crianças. Esse formato de educação infantil perpassa várias décadas.

Indubitavelmente, formou-se a ideia de separação entre campo e cidade, sendo a cidade o lugar do desenvolvimento e o campo o lugar do atraso. Essa oposição campo/cidade determina parcialmente, os motivos pelos quais os habitantes do campo vêm sendo excluídos, ao longo da história do acesso aos direitos sociais mais básicos, dentre eles a educação. A educação infantil, por sua vez, como dito anteriormente, originária de uma demanda tipicamente urbana, vem sendo posta numa posição desnecessária para os povos do campo, vistos como atrasados.  

Com o passar do tempo, principalmente nas duas últimas décadas, as novas e crescentes demandas sociais suscitam a necessidade de mudanças na organização estrutural da educação infantil, apontando principalmente para a necessidade de práticas voltadas para o desenvolvimento integral das crianças. Nesse sentido, as legislações vão reformulando seus textos e incluindo as principais mudanças que deveriam ocorrer na educação infantil. Nota-se, portanto, um grande avanço para o atendimento das crianças, revestindo-se em direito social e evoluindo no sentido de superar o caráter meramente assistencialista que predominava desde sua origem, especialmente nas creches.  

Uma importante conquista do movimento político e social no que se refere à infância e à educação foi a definição da Educação Infantil (de 0 a 6 anos) como dever do Estado e direito de todos através da Constituição Nacional de 1988. Em 1996, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Educação Infantil tornou-se a primeira etapa da educação básica, ofertada através do atendimento em creches (0 a 3 anos) e pré-escolas (4 a 6 anos) a ser realizada em escolas e centros de educação infantil. 

Se, inicialmente, o direito à Educação Infantil emergiu atrelado ao direito da família trabalhadora, posteriormente foi constituindo, no contexto social brasileiro, um novo significado e hoje é também reivindicado como um direito social de todas as crianças. (Barbosa, 2012 p.73)

Nesse sentido, o objetivo principal deste texto é compreender como está sendo ofertada a educação infantil na cidade de Porto Feliz, interior de São Paulo, especialmente no que se refere a oferta de creches nas áreas rurais. Nesse sentido, entenderemos os alunos de creche (bebês) como:

  […]  para  além  de  sua  condição  de  sujeito  de  direito,  mas  como  um  sujeito  de ação e não só de reação. Como um protagonista ativo, desde  o início aberto ao mundo  e  ao  entorno  social  do  qual  depende.  Sujeito  pleno  de  emoções,  de sensações,  de  afetos,  de  movimentos,  de  interesses,  de  medos,  de  ansiedades, capaz  de  iniciativas,  de  pensamentos  lógicos –com  uma  lógica  própria  de  seu nível  maturativo –,  competente  para  comunicar  e  para  estabelecer  vínculos, vividos intensamente em seu corpo e com seu corpo (CHOKLER, 2017, p.35).

Trata-se de um trabalho de cunho qualitativo, pois se fundamenta na literatura existente sobre o tema. Trazendo também, dados coletados em plataformas onlines e públicas, assim como o suporte das informações ofertadas polos Projetos Políticos Pedagógicos das unidades escolares citadas, disponibilizados pelas respectivas diretoras das unidades de creche e pré-escolas. 

2. O atendimento da educação Infantil na cidade de Porto Feliz

Localizada no interior de São Paulo, na porção sudoeste, a cidade de Porto Feliz pertence à Região Metropolitana de Sorocaba e fica 100 km distante da capital.  Conta com uma população de 56.497 pessoas, distribuídas em um total de 556.706 km² de território, sendo, deste total, 22,06 km² de área urbanizada. Segundo o IBGE, a taxa de escolarização do município é 98,2% das pessoas entre 06 e 14 anos. A rede de ensino pertence à Diretoria de Ensino de Itú, é formada por um total de 36 escolas públicas, atendendo 7.577 estudantes matriculados2. A responsabilidade pela Educação Infantil – creche e pré-escola –  fica a cargo de 20 unidades escolares municipais (tabela 1).

A rede de atendimento para as crianças de 0 a 3 anos e 11 meses de idade, é constituída de um total de 11 creches. As creches são chamadas de Centros de Educação Infantil Municipal – CEIM”s, e atendem um total de 1.175 crianças, em tempo integral. O acolhimento diário das crianças é feito a partir das 6:30, e elas permanecem na creche até às 17:30. 

Todas as creches do município estão localizadas na zona urbana, não há registro de creches na zona rural. 

Na Educação Infantil obrigatória3, denominada Pré-escola, que atende crianças de 04 e 05 anos de idade, o município conta com um total de 08 Escolas Municipais de Educação Infantil – EMEI”s. São escolas com atendimento parcial, nos turnos matutino e vespertino. Essas unidades de ensino atendem um total de 1.173 crianças. Das 8 unidades, 6 encontram-se localizadas na zona urbana e 02 na zona rural, como podemos visualizar na tabela 1¹.

Tabela 1

Nome tipoLocalização Regime 
1BENEDITA DE ALMEIDA LEAL PROFA EMEIPré-escolaurbanaParcial
2CEIM ILDA SOUZA LEITEcrecheurbanaIntegral
3CENTRO DE EDUCACAO INFANTIL MUNICIPAL GIOVANNA DE OLIVEIRA LEITEcrecheUrbanaIntegral
4CENTRO DE EDUCACAO INFANTIL MUNICIPAL PROFESSORA LENITA HABICE PRADOcrecheUrbanaIntegral
5CHAPEUZINHO VERMELHO CENTRO DE EDUC INFANTIL MUNICIPALPré-escolaUrbanaParcial
6EVANILDE APARECIDA DE CAMARGO MACEIÓ PROFA CEIMcrecheUrbanaIntegral
7FRANCISCO DE PADUA NAHUM CRECHE MUNICIPALcrecheUrbanaIntegral
8IRACEMA PORTELA SACRAMENTO PROFA EMEIPré-escolaUrbanaParcial
9JANDIRA DIEZ ALCALA CENTRO ED INFANTIL MUNICIPALPré-escolaUrbanaParcial
10JULIA DE ARRUDA AMARAL PROFESSORA CENTRO ED INF MUNICIPALcrecheUrbanaIntegral
11JUVENAL DE CAMPOS PROF EMEIPré-escolaUrbanaParcial
12MARIA APARECIDA FERNANDES LEITE PROFESSORA EMEIPré-escolaRuralParcial
13MARIA ODETE COAN DE CAMARGO PROFA EMEIPré-escolaUrbanaParcial
14NADYR MARCHI DOS SANTOS PROFESSORA EMEFEREnsino Fundamental e Pré-escolaRuralParcial
15NAIR ANTUNES DE ALMEIDA PROFA EMEIUrbanaParial
16NAIR COLI DE MORAES PROFA CECIMcrecheUrbanaIntegral
17PEDRO JOSE MOREAU PROF CRECHE MUNICIPALcrecheUrbanaIntegral
18VERA CORTEZ DE CAMARGO SOTILO PROFA CEIMcrecheUrbanaIntegral
19VIOLETA DE ARRUDA MELO BRUSCO PROFA EMEIcrecheUrbanaIntegral
20ZELIA CHATEL STETNER PROFESSORA CEIMcrecheUrbanaIntegral

Fonte: Elaboração própria.

Encontramos duas escolas localizadas no campo que atende educação infantil: Emei Maria Aparecida Fernandes Leite e a EMERFER Professora Nadyr Marchi dos Santos. 

No mês de fevereiro de 1988, foi fundada a EEPG “AGRUPADA BAIRRO BOM RETIRO” na zona rural, ocupando inicialmente um edifício cedido localizado na estrada municipal de Porto Feliz à Sorocaba. No ano subsequente, em 1989, a escola teve seu nome alterado para EEPG Professora Maria Aparecida Fernandes Leite, em homenagem à notável educadora da cidade que havia falecido em 1988. Em um marco significativo em 10 de março de 1991, foi inaugurada uma nova instalação para a escola, construída pelo governo do Estado de São Paulo, sendo viabilizada por meio da doação de um terreno pelo município de Porto Feliz, situado na Estrada Velha de Porto Feliz à Sorocaba, no Bairro Bom Retiro.

Em 10 de janeiro de 2007, estabeleceu-se uma colaboração entre a Prefeitura de Porto Feliz e o Governo do Estado de São Paulo. Nessa parceria, o Município assumiu a responsabilidade pela educação no Ensino Fundamental, abrangendo os anos iniciais e finais, enquanto o Governo do Estado ficou encarregado da gestão educacional no Ensino Médio.

Em 30 de abril de 2019, foi formalizado o pedido de integração entre a EMEI e a EMEF, sob a supervisão do então diretor José Roberto.

A EMEI Maria Aparecida Fernandes Leite, oferta Ensino Médio em parceria com o Estado de São Paulo4, Ensino Fundamental, e, Ensino Infantil – Pré-escola, de responsabilidade do município, atendendo um total de 693 alunos.  Destes, 117 estão matriculados na Pré-escola e distribuídos em três salas de aula. Periodo da manhã na etapa 1 – 21 alunos, etapa 2 – 36 alunos; na parte vespertina, etapa 1 – 41 alunos, e, etapa 2 – 19 alunos. 

Bairros rurais predominantemente atendidos pela Escola Municipal Professora Maria Aparecida Fernandes Leite incluem Bom Retiro, Avecuia do Alto, Carvalho (Farm), Tabarro (Gloria), Colônia Rodrigo e Silva, Porungal (Portela), Gramadinho, Indaiatuba, Itaquí, Engenho Velho e Gramado.

A Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental Nadyr de Marchi dos Santos, recebeu seu nome em homenagem à Professora Nadyr Marchi dos Santos, filha de um respeitado comerciante da cidade. A professora Nadyr, durante seu percurso profissional trabalhou em diversas unidades escolares do campo.  Exerceu suas atividades educacionais na a Escola Mista da Fazenda Vila Nova, a Escola Mista do Horto Florestal, a Escola Mista da Fazenda Chapadão, a Escola Mista da Fazenda Sobradinho, a Escola Mista da Fazenda Gramadinho, a EEPG Coronel Esmédio, o Grupo Escolar da Vila Jussara, a Escola Mista do bairro Indaiatuba, a Escola Mista do Bairro Jupira, a EEPG Roque Plínio de Carvalho, e, por fim, na EEPG Coronel Esmédio, onde encerrou sua carreira ao se aposentar. A escola Nadyr está localizada no Município de Porto Feliz, na zona rural, à Rua Três, s/n. Agrovila.

É constituída, inicialmente, para atender a educação fundamental, sendo neste momento de construção de EMEFER – Escola Municipal de Ensino Fundamental Emergencial.

A partir de 2017, a escola passa a atender alunos da Pré-escola, etapas 1 e 2, além do ensino fundamental, anos iniciais. Essa transição incluiu uma modificação na nomenclatura para EMEIEF – Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental.

Principais bairros atendidos pela escola: Faxinal, Indaiatuba, Itaqui, Caguaçú, Gramadinho, Parque dos Martins, Fazenda Boa Vista e Cerâmica Giatex.

A Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental Professora “Nadyr Marchi dos Santos” opera de segunda a sexta-feira, com atendimento no período da manhã a partir das 6h30 para os alunos que utilizam o transporte rural e às 6h50 para a comunidade local. Esses horários são ajustados de acordo com a demanda de alunos e a disponibilidade de funcionários.

No período da tarde, o acolhimento inicia ao meio-dia para os alunos da Educação Infantil e Ensino Fundamental que fazem uso do transporte rural. Às 12h20, é realizado o acolhimento dos alunos da comunidade local do Ensino Fundamental, seguido, às 12h45, pelo acolhimento dos alunos da Educação Infantil da comunidade local. A escola permanece aberta das 6h30 até as 17h. atualmente matriculados 124 alunos.

Essas duas unidades escolares não atendem a demanda das crianças campesinas, levando os pais a matricularem seus filhos em unidades escolares urbanas, o que os obriga a deslocar-se do campo em direção a cidade, todos os dias, fazendo uso de ônibus escolares, transportes públicos coletivos, ou, conduções próprias.

O atendimento das crianças campesinas em escolas urbanas no município é realizado, principalmente, pelas escolas EMEI Maria Odete Coan de Camargo e EMEI Juvenal de Campos.  

A Emei Maria Odete5 atende um contingente de 138 alunos, destes, 30 crianças são da zona rural e frequentam a unidade escolar no período matutino. Em pesquisa realizada pela unidade escolar para a construção do Projeto Político Pedagógico, evidenciou que 24,1% das crianças utilizam o transporte coletivo rural fornecido pela prefeitura, porcentagem também correspondente às crianças com residência fixada na zona rural.

Para responder às expectativas desta demanda a escola conta com 25 funcionários distribuídos nas funções administrativas, operacionais, pedagógicas e de apoio pedagógico (auxiliares de educação). Vale ressaltar aqui que,  escolas de educação infantil, tanto as creches quanto as pré-escolas não possuem em seu quadro de funcionários a figura do coordenador pedagógico – reivindicação constante dos gestores junto a Secretaria de Educação – a falta do mesmo, acarreta prejuízos ao processo de ensino aprendizagem, além de sobrecarregar os diretores que assumem a responsabilidade de lidar tanto com as demandas administrativas quanto as pedagógicas,  acumulando  , portanto,  funções que não fazem parte do seu cargo. 

Na Emei Juvenal de Campos, frequentam 11 crianças da rural, que também utilizam o transporte coletivo rural fornecido pela prefeitura. Esses alunos residem em duas comunidades rurais denominadas Capoava e Xiririca.

Encontram-se matriculados 2 alunos da zona rural na EMEI Professora Nair Antunes de Almeida, advindas do bairro Xirirca. Foi encontrado o registro de 5 bebês residentes da zona rural matriculados na creche Professora Zélia Chatel Steiner, que faz uso de transporte próprio para chegar até a creche. 

Considerações finais 

Na área urbana, constata-se que o atendimento ao ensino Infantil da pré-escola é satisfatório, como não poderia deixar de ser, levando em consideração que se trata de ensino obrigatório e que sua negligência na oferta, geraria, indubitavelmente, sanções aos responsáveis. No quesito creche, ainda existem longas listas de espera. As CEIMs funcionam com salas frequentemente superlotadas, especialmente nas turmas de berçário, onde mandados judiciais de matrícula são frequentes e têm o efeito de aumentar ainda mais esse contingente. 

Já na área rural, em relação ao ensino obrigatório – pré-escola – a realidade muda, haja vista que a quantidade de escolas para atender a demanda da educação infantil é insuficiente. É nítido não haver sanções ou punições. Este contexto, como dito anteriormente, origina a necessidade de deslocamento das crianças em direção à cidade. Na maior parte, os municípios não asseguram adequadamente o direito à creche para as crianças do campo, ou o fazem de maneira extremamente limitada, perpetuando o cenário de escassez e discriminação que caracteriza a provisão de Educação Infantil em regiões rurais do país (ROSEMBERG; ARTES, 2012).

Outrossim, esse deslocamento fere o direito da criança de ter o seu ensino ministrado em unidades escolares perto da sua residência, direto preconizado tanto pela LDB – Artigo 4, Inciso  X – vaga na escola pública de educação infantil ou de ensino fundamental mais próxima de sua residência a toda criança a partir do dia em que completar 4 (quatro) anos de idade – .quanto pelo ECA – “Artigo 53 – A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:”, no Inciso,  V – acesso à escola pública e gratuita, próxima de sua residência, garantindo-se vagas no mesmo estabelecimento a irmãos que frequentem a mesma etapa ou ciclo de ensino da educação básica. A lei preconiza o direito, no entanto, o que se percebe, é que na realidade esse direito não se materializa para as populações do campo.

[…] a visibilidade da positivação do direito, realizada por meio de lutas e reivindicações, esbarra em um Estado que não consegue cumprir o que está na lei, fato que viabiliza o surgimento da violação ao direito à educação. (VIEIRA; SILVA; TELES; 2023, p. 115)

O deslocamento de uma criança da zona rural para a cidade para frequentar a escola pode apresentar alguns desafios e potenciais perigos, dependendo das circunstâncias específicas. Alguns dos perigos possíveis incluem:

Trânsito e transporte: Crianças que se deslocam da zona rural para a cidade podem estar expostas a riscos relacionados ao tráfego intenso, uso de transporte público e caminhadas em áreas urbanas.

Segurança pessoal: Ambientes urbanos podem apresentar desafios de segurança, como crime e outros incidentes. Crianças podem não estar acostumadas a lidar com situações urbanas e precisam aprender a navegar nesses ambientes de maneira segura.

Adaptação social e cultural: Mudar-se para um ambiente urbano pode significar uma transição social e cultural significativa. A criança pode enfrentar desafios ao se adaptar a novas interações sociais, costumes e práticas culturais.

Estresse e ansiedade: A mudança para um ambiente diferente pode causar estresse e ansiedade na criança, especialmente se ela estiver deixando para trás uma comunidade rural familiar.

Distância e tempo de deslocamento: O tempo e a distância para chegar à escola na cidade podem ser significativos. Isso pode resultar em longos períodos de deslocamento diário, afetando a rotina e o tempo disponível para outras atividades.

Ambiente escolar: A escola em ambiente urbano é  diferente daquela na zona rural em termos de tamanho, estrutura e dinâmica. A criança pode precisar se adaptar a novas expectativas e métodos de ensino. Além disso, a escola na zona urbana desconsidera todo o contexto histórico, cultural, social e político que deve alicerçar a escola do campo, que valoriza e prioriza as peculiaridades locais para oferecer aos povos do campo uma aprendizagem significativa.

Quando o poder público, responsável pela oferta da educação próxima a residência da criança, não o faz, conduzindo a criança ao deslocamento, é importante que os pais, professores e a comunidade estejam cientes desses desafios e trabalhem em conjunto para garantir uma transição suave e segura para a criança, proporcionando apoio emocional e educacional durante esse processo.

O atendimento em creches na zona rural do município de Porto Feliz é inexistente. Uma grande falha nas políticas públicas municipais, pois os bebês também são sujeitos de direitos, conceito que está a frente das novas pesquisas e inquietações, como resposta aos questionamentos impostos pelas novas demandas sociais.  Neyrand (2023, p. 148), afirma que de acordo com essas demandas sociais e questionamentos, surgirá uma nova moral social da infância que “colocará a criança como um indivíduo pleno, um sujeito”, e o que resulta de importante desse contexto são os direitos da criança.

Nos dias atuais, o fato de não haver, uma preocupação com as crianças do campo, e consequentemente políticas públicas para a oferta de educação infantil do campo adequada, vai de encontro às ideias de desenvolvimento apresentado pela zona rural nas duas últimas décadas.

Nesta perspectiva,  a educação infantil no campo, ficou por muito tempo no esquecimento, […] “O silenciamento, esquecimento e até o desinteresse sobre o rural, nas pesquisas sociais e educacionais, é um dado histórico que se tornava preocupante. Por que a educação da população do campo foi esquecida?” (ARROYO, 2004, p. 08). e, na maioria dos municípios brasileiros, permanece esquecida.

No entanto, devemos lembrar que a importância da educação no meio rural, realizada no campo, é substancial por várias razões: 1 Relevância Cultural e Contextual: A educação no campo reconhece e valoriza a cultura, tradições e modos de vida específicos das comunidades rurais. Ela é adaptada ao contexto local, tornando a aprendizagem mais significativa para os alunos. 2 Desenvolvimento Sustentável: Uma educação voltada para o meio rural pode promover práticas agrícolas sustentáveis, gestão ambiental e o uso responsável dos recursos naturais, contribuindo para o desenvolvimento sustentável das comunidades rurais. 3 Empoderamento Comunitário: A educação no campo pode capacitar as comunidades rurais, fornecendo conhecimento e habilidades que são diretamente aplicáveis às suas necessidades específicas. Isso fortalece a autonomia e a capacidade de tomar decisões informadas. 4 Desenvolvimento Econômico Local: Ao fornecer uma educação que se alinha com as demandas econômicas locais, a formação de habilidades e o empreendedorismo podem ser incentivados, contribuindo para o desenvolvimento econômico sustentável nas áreas rurais. 5 Redução das Disparidades Regionais: Investir na educação rural ajuda a diminuir as disparidades entre áreas urbanas e rurais, proporcionando oportunidades educacionais e sociais mais equitativas. 6 Preservação do Conhecimento Tradicional: A educação no campo desempenha um papel crucial na preservação e transmissão do conhecimento tradicional sobre agricultura, técnicas agrícolas e práticas culturais, garantindo que esses elementos não se percam ao longo do tempo. 7 Segurança Alimentar: Uma educação focada na agricultura e nas práticas agrícolas contribui para a segurança alimentar, capacitando as comunidades rurais a cultivar alimentos de forma eficiente e sustentável. 8 Fortalecimento da Identidade Local: A educação no meio rural fortalece a identidade local e o senso de comunidade. Ela promove um entendimento mais profundo das relações entre as pessoas e o ambiente ao seu redor. 9 Combate ao Êxodo Rural: Oferecer educação de qualidade no campo pode ajudar a reter talentos e evitar o êxodo rural, incentivando jovens a permanecerem em suas comunidades e contribuírem para o desenvolvimento local. 10 Inclusão Social: A educação rural é fundamental para garantir a inclusão social, proporcionando a todas as crianças, independentemente de sua localização geográfica, o acesso a oportunidades educacionais.

Em resumo, a educação no meio rural não apenas atende às necessidades específicas dessas comunidades, mas também desempenha um papel vital no desenvolvimento sustentável, preservação cultural e promoção de uma sociedade mais equitativa. Ressaltando aqui o fato de que todos esses anseios, expectativas e perspectivas são oriundas de uma educação de qualidade, e que fique mais claro ainda, que a educação começa na creche. Aponta-se aqui a necessidade de investimentos na educação infantil do município nas áreas urbanas, e construção de creches e pré-escolas nas áreas rurais.

Referências Bibliográficas 

ARRUDA, Élcia Esnarriaga; BRITO, Silvia Helena A. de. Análise de uma proposta de escola específica para o campo. In: ALVES, Gilberto Luis (org.) Educação no campo: recortes no tempo e no espaço. Campinas, SP: Autores associados, 2009. Cap. 2, p. 23- 62.

BARBOSA, Maria Carmem Silveira. Oferta e demanda de educação infantil no campo [et al.] organizadoras. – Porto Alegre : Evangraf, 2012. 336 p. : il. ; 23 cm.

BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. LDB – Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Brasília.

BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília. 

CHOKLER, M. H. La aventura dialógica de lainfancia. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Cinco, 2017.

ROSEMBERG, Fúlvia; ARTES, Amélia. O rural e o urbano na oferta de educação para crianças de até 6 anos. In: BARBOSA, Maria Carmem s. et al (coord.) Oferta e demanda de educação infantil no campo. Porto Alegre: Evangraf/MEC/UFRGS, 2012. 

SÃO PAULO. Governo do Estado de São Paulo. Disponível em: http://www.educacao.sp.gov.br/central-de-atendimento/Relat_Escola.asp?ID_DIR=045&ID_MUN=554&ID_DIST=&NM_MUN=PORTO%20FELIZ&NM_DIST=&CD_ADM=2&Nova=1 acessado em 29 de novembro de 2023.

VIEIRA, Emília Peixoto; COUTINHO,  Angela Scalabrin; LEAL, Fernanda de Lourdes Almeida; SANTOS, Maria Walburga dos. Crianças, Infâncias e educação do campo no Brasil: Diversidades e conexões Brasil e França. São Carlos. Pedro & João Editores, 2023, 215 p.


1Mestranda em Educação pela Universidade Federal de São Carlos – Campus Sorocaba, na Linha de Pesquisa Formação de Professores e Práticas Educativas.
lucienemota@estudante.ufscar.br