REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202408241355
Vitor Ferreira Lino2
Maria Alice Nogueira3
Resumo
As famílias homoparentais vêm se configurando no contexto das mudanças vivenciadas pelas estruturas familiares no último século. Como em tantas famílias, seus filhos também frequentam a escola, o que leva ao desenvolvimento de relações específicas entre essas instâncias. Considerando as características desses arranjos familiares mediante o atual contexto sociopolítico brasileiro de fortalecimento do conservadorismo, que pode se refletir nas escolas, como têm se configurado as relações entre as famílias homoparentais e as escolas frequentadas por seus filhos? Tendo como mote essa questão, o objetivo deste artigo é apresentar a fundamentação teórico metodológica e o esboço geral da pesquisa de Doutorado, iniciada em 2021 na FaE/UFMG, que busca responder a tal problema, apresentando um dos casos investigados como amostra da metodologia desenvolvida para se compreender a questão de pesquisa. Agregam-se aqui algumas das falas de um dos casais homoafetivos, a de seus filhos e da equipe escolar, entrevistados ao longo da pesquisa de campo, com o objetivo de expor seus relatos e demonstrar suas compreensões sobre as interações que desenvolvem entre si, possibilitando a análise do problema de pesquisa.
Palavras-chave: Famílias homoparentais; Casais homoafetivos e educação dos filhos; Sociologia das relações família-escola
Abstract
Homoparental families have been taking shape in the context of changes experienced by family structures in the last century. As in so many families, their children also attend school, which leads to the development of specific relationships between these instances. Considering the characteristics of these family arrangements in the current Brazilian sociopolitical context of strengthening conservatism, which can be reflected in schools, how do they shape the relationships between homoparental families and the schools attended by their children? With this question as its motto, the objective of this article is to present a methodological theoretical foundation and the general outline of the Doctoral research, started in 2021 at FaE/UFMG, which seeks to respond to this problem, presenting one of the cases investigated as a sample of the methodology developed to understand the research question. Here are some statements from one of the same-sex couples, their children and the school team, interviewed throughout the field research, with the aim of exposing their reports and demonstrating their understanding of the interactions that develop between them, enabling analysis of the research problem.
Key-words: Homoparental families; Homoaffective couples and children’s education; Sociology of family-school relations
Introdução: A mudança na estrutura familiar ocidental
Há uma mudança visível nas composições familiares, assim como nos tipos de relações entre seus membros. Como uma expressão dos acordos culturais que os sujeitos realizam, os arranjos familiares foram cunhados ao longo do tempo, moldados pelos aspectos de cada cultura e, como qualquer invento, também estão sujeitos a mudanças correspondentes aos processos sócio-históricos. Durham (1983), Bruschini (1989), Goldani (1993), Roudinesco (2003), Nogueira (2005, 2006), Mello, Grossi e Uziel (2009) e Hernandes e Uziel (2014) analisam essas intensas mudanças vivenciadas nos arranjos familiares ocidentais nos séculos XX e XXI, evidenciando o dinamismo dessas organizações e a emergência de formatos diferentes do padrão nuclear (composto por pai, mãe e filhos) que se desenvolveu nos meios urbanos a partir do séc. XVIII. Tais autoras(es) discutem comportamentos familiares em mutação, situando diferentes estruturas como a monoparental, composta apenas pela mãe, ou o pai, e seus filhos; as famílias “recompostas”, formadas por casais que tiveram casamentos e filhos nessas relações anteriores, vivendo agora juntos; famílias formadas por avós, tios, pais/mães e filhos; e, entre outras, aquela composta por dois pais, ou duas mães, e seus filhos, biológicos e/ou adotados, chamada por alguns autores de “famílias homoparentais”. O termo “homoparentalidade” foi criado na França em 1996 pela APGL – Associação dos Pais e Futuros Pais Gays e Lébicos, não sendo nunca utilizado nos países anglófonos, sobretudo nos EUA, em função da recusa à sua origem psiquiátrica por parte dos homossexuais americanos que preferem termos menos formais como “lesbian and gay families” ou “lesbian and gay parent-hood” (ROUDINESCO, 2003, p. 182). Apesar da existência de críticas sobre o termo, nos utilizaremos dele, uma vez que remete à parentalidade, relação de cuidado, exercida por genitores de orientação homossexual, ou homoafetiva, sejam mulheres ou homens cisgêneros4, além de constar em referências bibliográficas como algumas citadas aqui.
Embora a paternidade e a maternidade exercida por homossexuais, bem como por travestis e transexuais, venha acontecendo no Brasil há várias décadas, em variados arranjos que não reproduzem, necessariamente, traços do formato familiar nuclear heterossexual, e carreguem, da mesma maneira, a dimensão do afeto, alguns marcos legais vêm oficializar a existência dessas famílias. Tais marcos parece ter encorajado mais casais homoafetivos5 a constituir família, em variados arranjos, nos quais diferem, classe, sexo, gênero, tipo de laço parental e diferentes posicionamentos políticos.
De acordo com o Conselho Federal de Psicologia (2017), a homossexualidade deixou de ser classificada como perversão ou distúrbio pela Associação Americana de Psiquiatria desde 1973. Dois anos depois, a Associação Americana de Psicologia aprovou uma resolução que apoiava essa decisão, retirando do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) a homossexualidade como transtorno psicológico. No Brasil, em 1985, o Conselho Federal de Medicina retirou da lista de transtornos a classificação “homossexualismo”. Já em 1991, a Organização Mundial de Saúde (OMS) excluiu a homossexualidade da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas relacionados com a Saúde (CID 10). Em 1999, o Conselho Federal de Psicologia considerando, entre outros aspectos, “que a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio, nem perversão” estabeleceu normas de atuação dos psicólogos, “profissionais da saúde”, quanto à Orientação Sexual, através da Resolução CPF Nº001/1999, determinando a não atuação, ou posicionamento público, desses profissionais segundo uma perspectiva patologizante da homossexualidade. Em 2006, ocorreram os três primeiros casos de adoção por casais homossexuais no Brasil (Melo; Grossi; Uziel, 2009). Já em 2011, conforme matéria do Sindicado dos Oficiais do Registro Civil de Minas Gerais, o IBGE identificou em sua amostra mais de 60 mil residências ocupadas por casais homossexuais. No mesmo ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) equiparou as uniões estáveis homossexuais às já existentes (heterossexuais), para fins sucessórios. Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) promulgou a Resolução nº 175 de 14/05, obrigando os cartórios a realizarem casamentos homoafetivos. A partir do mesmo ano o IBGE passou a contabilizar as uniões civis entre pessoas do mesmo sexo/gênero, de modo que o documento “Estatísticas do Registro Civil” (IBGE, 2014) relatou 3.700 casamentos entre pessoas do mesmo sexo nesse ano, e 4.854 no ano seguinte, estando 60,7% deles na Região Sudeste, conforme matéria da Agência IBGE Notícias (2015). Em 2015, consolidando aspectos do direito familiar, o STF, em julgamento presidido pela ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha, ratificou a adoção por casais homoafetivos, em documento por ela assinado no qual afirma que a Constituição não faz diferenciação entre famílias hetero ou homoafetivas, conforme notícia do site jusbrasil (2015). Assim, mudanças na interpretação sobre a diversidade afetivo-sexual, na Saúde e no Direito, como reflexo também da atuação dos movimentos LGBTI+, levaram o Estado a reconhecer as uniões além das heterossexuais, e assim, a possibilidade de pessoas com gênero e orientações diversas de adotarem e terem filhos biológicos como casal, ratificando estruturas familiares6 além das heterossexuais/parentais. Logicamente, as crianças e adolescentes vindos dessas famílias frequentam a escola, pública ou privada, trazendo à tona situações e indagações sobre a especificidade das relações entre seus/suas genitores(as) e a instituição escolar. Contudo, se, por um lado, há avanços que garantem direitos a essas famílias, por outro, o Brasil se apresenta como uma sociedade notavelmente homofóbica, sendo um dos países onde há mais casos de violência contra pessoas homossexuais, travestis e transexuais (TANNURI, 2017). Algo que ilustra esse contexto, foi a tentativa de definição de “família” como uma entidade constituída por homem, mulher e filhos, através do “Estatuto da Família” /Projeto de Lei 6583/2013, do deputado Anderson Ferreira (PR-PE). Já no período anterior à eleição presidencial de 2018, foram veiculadas nas redes sociais e na mídia notícias falsas sobre a existência de materiais de “doutrinação homossexual” para crianças nas escolas, chamados de “Kit gay”, o que foi reafirmado pelo presidente eleito (s./a., 2018). Ocorreram também discussões acerca de uma suposta propagação da chamada “ideologia de gênero” nas escolas, que teria por objetivo orientar as crianças a assumirem o gênero que desejassem. Soma-se a isso casos de perseguição, difamação, e até assassinato de políticos homossexuais de orientação progressista, ilustrando um processo de fortalecimento do conservadorismo. Nesse cenário conturbado, após avanços nos direitos das pessoas LGBTQIA+ seguidos por reações conservadoras – expressas na mobilização de grupos e discursos que se põe contra as diversidades e as políticas de garantia de direitos sociais – as crianças e jovens vindos das famílias homoparentais possivelmente vivenciam em seu cotidiano escolar e, consequentemente, nas relações entre suas famílias e a escola, as reverberações de tais processos sociais.
A inserção das famílias homoparentais no espaço escolar acontece num contexto em que, nos países ocidentais, conforme Nogueira (2005), as relações intrafamiliares vivem uma democratização, de modo que as posições hierárquicas baseadas no sexo e na idade dão lugar à consideração e à expressão de cada indivíduo, tornando as relações entre pais e filhos permeadas pela comunicação e pelo diálogo. Contiguamente, os pais assumem a responsabilidade pelo provimento do bem-estar psicológico dos filhos, e pelos seus êxitos e fracassos, escolares e profissionais (p. 572). Retomando autores como Perrenoud (2001), Montadon (2001), Terrail (1997) e Van Zanten (1988), a autora considera que as relações das escolas com as famílias se intensificaram em relação ao passado, havendo três processos nos quais: I) ocorre agora uma aproximação dessas duas instâncias com a imbricação de uma no âmbito da outra (TERRAIL, 1997), com a presença dos pais no território da escola e está se inserindo no cotidiano familiar por meio de atividades culturais, palestras, agendas, bilhetes; II) a individualização das relações (VAN ZANTEN, 1998), com a “acentuação das interações face a face entre pais e educadores”; III) a redefinição de papéis (MONTADON, 2001), de modo que, de um lado, a escola passa a se preocupar e agir “em relação aos aspectos corporais, morais, emocionais do processo de desenvolvimento” e, de outro, a família passa a reivindicar sua intervenção nos processos de aprendizagem, e questões de ordem pedagógica e disciplinar (NOGUEIRA, 2005, p. 575, itálicos da autora).
Analisando a relação entre as famílias e as escolas no contexto português, Silva (2001), considera que essas relações são multifacetadas, sendo também uma relação entre culturas escolares e culturas sociais, estando a cultura escolar “numa relação de continuidade cultural com os alunos oriundos de meios congêneres, ou de descontinuidade (maior ou menor) quando estes provêm de outro tipo de meios (meios populares, minorias étnicas, etc.). Quando a descontinuidade é total, pode-se falar em conflito ou em choque cultural” (SILVA, 1994b, apud SILVA, 2001, p. 356). No aspecto sociológico, afirma Silva, retomando Bourdieu e Passeron (1964, 1970), a escola valoriza a cultura socialmente dominante na respectiva sociedade. Contudo, embora todas as sociedades sejam pluriculturais, a escola não valoriza igualmente as diferentes culturas, nem os conteúdos culturais que são mais úteis (FORMOSINHO, 1991; STOER, 1993; ITURRA, 1990a, 1990b apud SILVA, 2001).
Nessa perspectiva, Silva considera a relação escola-família como uma relação “armadilhada”, justificando o uso desse termo com o intuito de “alertar para a variedade de potenciais efeitos perversos que ela encerra” (SILVA, 2001, p. 378). Entre as “armadilhas”, destacamos, segundo o autor: a possibilidade de a escola se constituir como uma reprodutora de desigualdades; a ilusão de que a presença física dos alunos na escola significa presença de suas culturas; a concepção do estreitamento das relações entre escola e família sem se alterar o que ocorre dentro daquela; a acentuação do exotismo e a folclorização das diferenças culturais dos grupos, sem integrá-las de fato numa relação igualitária; e a ilusão de que a escola e a família falam a mesma linguagem (SILVA, 2001, p. 378-385). Tais “armadilhas” se expressam também na perspectiva de Mello, Grossi e Uziel (2009) ao considerarem que os setores das escolas (corpo docente e setor administrativo) parecem não estar preparados para lidar com a diferença e a diversidade relativas à organização familiar e à sexualidade. Os estudantes vindos de famílias homoparentais são expostos a situações embaraçosas, seja pelos preconceitos vividos na escola, seja pela omissão da natureza de suas famílias perante a instituição, buscando evitar mais preconceitos. Tal situação gera um risco de “que a criança se veja esmagada entre a destruição identitária decorrente do segredo de suas origens e o assédio moral e psicológico derivado da homofobia dirigida a seus pais e mães” (p. 172). Os autores consideram também que, mesmo quando as famílias situam professores e diretores sobre suas peculiaridades, isso não lhes garante “acolhimento automático”. Sob a aparente aceitação, acrescentam, os educadores muitas vezes retificam preconceitos, excluindo as crianças e suas famílias de atividades coletivas7. Em contextos como esse, a criança, filha de pais e mães homoafetivos, pode viver então o conflito de expor seus laços de afeto parental ou seguir a prescrição dos discursos e práticas heteronormativas da escola, que silencia sua origem familiar, reprimindo-a para que não conte sobre suas histórias familiares ou mostre suas fotos, como constatado por Tannuri (2017) em uma entrevista com um pai homoafetivo.
Considerando-se que as escolas são espaços calçados, prioritariamente, em um ethos heteronormativo, que, corriqueiramente, ignora discussões e políticas sobre as sexualidades e afetividades “dissonantes”, e que recebe interferências dos processos sociais, torna-se urgente compreender empiricamente como têm sido as relações entre as famílias homoparentais e as escolas de seus(suas) filhos(as).
O que têm mostrado algumas pesquisas? O que precisamos ainda compreender?
Foi realizada em agosto de 2020 uma revisão da literatura sobre relações entre as famílias homoparentais e as escolas na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), por esta conter apenas esses tipos de trabalhos, sinalizadores daquelas pesquisas. Buscou-se pelos termos “famílias homoparentais e escola”, “famílias homoafetivas e escola”, considerando que a palavra “homoafetiva” poderia aparecer no lugar de “homoparentais”, e, por fim, o termo “família; escola; homossexuais”, sendo encontrados respectivamente, 4, 21 e 14 trabalhos, totalizando 39 títulos, excluindo-se os trabalhos que se repetiram nos diferentes termos de busca. Foram lidos os resumos de todos os trabalhos e identificados seus temas e áreas. Apenas 5 títulos são da Educação, especificamente do tema buscado, ou em diálogo com ele, sendo todos dissertações. 7 títulos são da Educação e têm alguma relação com o tema, abordando, por exemplo, aspectos sobre homossexualidade e processos educativos, sendo 1 tese e 6 dissertações. Os títulos restantes são do Direito (10), da Psicologia (9) e das Ciências Sociais (2). Além disso, 1 trabalho é das Ciências Sociais em interface com a Educação, diretamente ligado ao tema. Outros trabalhos estão distribuídos entre Saúde (2), Serviço Social (1) e Marketing e Propaganda (2). À medida que os textos integrais das pesquisas em Educação foram lidos, encontrou-se também algumas referências de artigos sobre a temática. O baixo número de pesquisas de mestrado e a inexistência de estudos de doutorado até aquele momento sobre as relações entre famílias homoparentais e as escolas foi também constatado por Kornatzki e Ribeiro (2015) e Tannuri (2017). Das pesquisas encontradas, apresentamos resumidamente, a seguir, aquelas que se voltaram mais para a relação família-escola.
Em sua pesquisa de mestrado, Magalhães (2009) entrevistou pais homossexuais (homens cis) no Estado da Bahia a respeito de suas relações de paternidade, seja pela adoção e também pela paternidade biológica, vinda de relacionamentos heterossexuais anteriores. Nas entrevistas, evidencia-se a influência de concepções heteronormativas sobre os papéis que cada um deve ter no relacionamento e sobre a própria orientação afetivo-sexual dos cônjuges. Também foram entrevistados educadores e pais heterossexuais, evidenciando uma divisão entre as opiniões sobre a legitimidade da paternidade de “homens gays”, bem como a educação das crianças oferecida por eles, enunciando tensões nas falas de alguns entrevistados. Embora traga referências da sociologia acerca da constituição das famílias ao longo do tempo e do padrão heterossexista perpetuado na escola e na sociedade como um todo, há no trabalho uma carência de análise mais profunda e exploração das perspectivas que emergem das falas dos pais homossexuais, como as concepções heteronormativas que às vezes aparecem. Já a pesquisa de mestrado de Mochi (2016), buscou compreender os discursos de professoras(es) e pedagogas(os) em 17 escolas paranaenses sobre famílias homoparentais compostas por casais de mulheres. As falas de 23 das 33 entrevistadas mostram uma lógica de separação entre escola e família no que se refere à noção da responsabilidade pela educação. Também 23 entrevistadas afirmam desconhecer as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos, que pauta os princípios de dignidade humana, igualdade de direitos, reconhecimento e valorização das diferenças e das diversidades, a laicidade do Estado e a democracia na educação. Para a autora, “desconhecer essa legislação é negar o efeito legal que ela propõe” (p. 88). Se, por um lado, a maioria (22) das entrevistadas afirmou que existem diferenças emocionais constatadas na escola em relação à aprendizagem de crianças filhas de mães lésbicas, por outro, (22) afirmaram que ser filho(a) de mães lésbicas não influencia o desenvolvimento educacional das crianças. Contudo, 27 afirmaram não ter observado situações de discriminação dessas crianças por outras por serem filhas de dois homens ou mulheres. A isso a autora chama de “antecipação do preconceito”, pois as educadoras afirmam que ter duas mães geraria problemas emocionais nas crianças, mas não elencaram tais situações. Além disso, 20 das entrevistadas consideram que a escola não está preparada para receber famílias compostas por duas mães. Embora 28 entrevistadas tenham afirmado que a homossexualidade deve ser aceita pela sociedade, seus discursos contradizem tal afirmação, expressando posturas conservadoras calcadas na religião. Apesar do tema rico em possibilidades e da exposição sobre as percepções das educadoras sobre as famílias homoafetivas femininas, também foi percebida certa carência de análise, ou adensamento, dos achados de pesquisa através das falas das entrevistadas. Tannuri (2017) analisa em sua dissertação as percepções das famílias homoparentais de alguns estados do Brasil sobre as relações estabelecidas com as escolas de seus filhos. O autor discute dados sobre violência contra homossexuais e aspectos legais sobre casamento homoafetivo e adoção. Nas entrevistas realizadas com os representantes de 10 famílias, 7 pais e 3 mães homossexuais, com ensino superior, cujos filhos estavam predominantemente matriculados em escolas privadas (7 escolas privadas e 3 públicas), encontram-se, tal como no trabalho de Magalhães (2009), perspectivas heteronormativas nas falas de alguns dos homens sobre papéis de gênero (aspectos comportamentais e/ou físicos acerca daquilo que é considerado masculino ou feminino) e a forma como devem se dar entre o casal. Embora não haja casos de violência física ou verbal explícita, algumas entrevistas evidenciam que, nas escolas, estruturadas sob a perspectiva patriarcalista heterocentrada, acontecem situações de preconceito velado e inabilidade para lidar com as famílias homoparentais por parte dos educadores. Tannuri conclui que há uma tensão entre a aceitação e a discriminação das famílias homoparentais na escola. Embora o autor traga mais elementos de compreensão sobre o tema do que os outros trabalhos citados, a principal carência nesse trabalho também seria uma análise mais profunda e comparada dos sentidos que emergem das falas dos sujeitos para além do aspecto descritivo, e, também a exploração de outros elementos, ou categorias, no eixo de estudos família escola.
Um ano depois, acrescentou-se à busca o termo “homoparentalidade”, sendo localizados 55 trabalhos sobre a temática, 41 dissertações e 14 teses, estando apenas 3 trabalhos na área da Educação, incluindo a pesquisa supracitada de Tannuri (2017), e sendo localizada uma tese cujo resumo diz pretender analisar a relação entre as escolas e as famílias homoparentais no contexto das escolas de ensino médio públicas na cidade de Ponta Grossa – Paraná (BARANOSKI, 2017). A autora faz um extenso levantamento de documentos que pautam a educação nacional, como a LDB, as Diretrizes Curriculares, os PCN e os Planos de Educação, focalizando nesses documentos questões referentes às diversidades. Discute a trajetória da instituição familiar no Brasil, incluindo as famílias homoparentais, e apresenta um estudo de caso no qual busca levantar dados junto a uma família composta por duas mães e sua filha adotiva, já cursando a graduação, apresentando de forma resumida informações extraídas de uma entrevista com as pesquisadas, expondo que a família sofreu constrangimentos em uma das escolas frequentadas pela filha, sendo isso atenuado em outra escola, cuja inclusão da família foi melhor. Baranoski também entrevista gestores escolares de cinco estabelecimentos, apresentando de forma “modesta” a conclusão de que a invisibilidade em relação a essas famílias se apresenta nos documentos analisados e também na forma com a qual os agentes escolares lidam com elas, e também num plano mais geral, ou social (BARANOSKI, 2017). Em agosto de 2021, uma busca na base da SCIELO (Scientific Electronic Library Online) também com o termo “homoparentalidade”, encontrando 25 títulos em contexto nacional, sendo 17 em publicações da Psicologia e o restante em revistas das Ciências Humanas, de cunho multidisciplinar. Os artigos versam principalmente sobre a constituição das famílias homoparentais, adoção, processos de construção da parentalidade, e revisão de trabalhos sobre a temática. Como exemplo, o artigo de Fonseca (2008) problematiza que os agrupamentos familiares contemporâneos como os compostos por gays e lésbicas têm a possibilidade de constituir famílias por meio da reprodução assistida e da adoção. Contudo, pensando em contextos de países neoliberais, a autora se questiona se a adoção não estaria próxima a uma lógica de consumo, visto que pode haver uma seleção de crianças dentro de parâmetros étnicos, numa relação de consumo/produto, destacando também as desigualdades sociais que há por trás da adoção, considerando-se as mães que põem as crianças para a adoção.
Já Costa, Pereira e Leal (2012), em um trabalho de revisão de artigos, analisam os 4 principais paradigmas de compreensão das famílias homoparentais, que vão desde uma equiparação delas às famílias compostas por casais do mesmo sexo, visando sua “normalização” num contexto de discriminação, até um paradigma no qual se considera que as famílias homoparentais são “diferentes” em consequência da opressão social e da homofobia das quais são alvo, sendo as crianças e adolescentes vítimas de homofobia e heterossexismo violentos em espaços como a escola. Concluem, interpretando os principais dados dispostos nos trabalhos levantados:
Se estudos comparativos e transversais apontam para a inexistência de diferenças assinaláveis entre famílias homoparentais e famílias heteroparentais, os estudos longitudinais como os primeiros não só reforçam as conclusões anteriores, como contribuem para a expansão do conhecimento sobre o desenvolvimento destas famílias, em especial no que diz respeito às consequências a médio e a longo prazo de crescer em famílias homoparentais. (COSTA; PEREIRA; LEAL, 2012, p.59)
As pesquisas citadas evidenciam valores heteronormativos presentes nos discursos e práticas da maioria dos entrevistados (pais e educadores) e a existência de uma inabilidade da escola, por meio de seus costumes e pelas práticas dos educadores, em administrar de modo igualitário às relações com as famílias homoparentais. Embora tenham seu enfoque bem recortado, sejam, em sua maioria, dissertações e não teses, e contribuam para a composição sobre o tema, não abordam nem explicam consistentemente importantes aspectos da relação entre as famílias homoparentais e a escola. Há também uma carência em entender como as crianças se veem, ou podem ser compreendidas nessas relações, uma vez que são o elo que põe em interação a escola e a família sendo, assim, figuras centrais dessas interações.
Perrenoud (2001b) considera que a criança é uma espécie de “mensageira” e de mensagem, posicionada entre a família e a escola, sendo um “agente de ligação”, ou, “agente duplo” que recebe e emite mensagem desses dois grupos, estando por vezes interposta no conflito entre a escola e a família, indo e vindo entre os dois mundos. É um “agente” que não é inerte e pode direcionar as mensagens escritas, como bilhetes de advertência, avisos, ou mensagens indiretas, como comentários, críticas, insatisfações de uma instância ou outra. Nesse sentido, a criança pode colocar em ação uma série de comportamentos omitindo, ressaltando, “esquecendo” fatos e sendo uma mediadora de contatos diretos entre professores e família. Pode alterar mensagens, influenciar a interpretação e participar da construção de uma certa narrativa, reforçando-a, por exemplo, mediante alguma justificativa dos pais. A criança também pode ser posta na condição de “escudo dos adultos”, sendo vista como um “mensageiro cômodo”, que não deixa expor por completo o adulto que emitiu certa mensagem, seja essa ação consciente ou não. Ela expressa também uma mensagem em si, pelos sentimentos, posturas, falas que traz de sua casa ou da escola. Assim, revela na escola coisas sobre sua vida em família e revela na família vivências escolares. Ainda para Perrenoud (2001a), a escola produz várias interferências e tensionamentos nas vidas das famílias, embora também lhes dê apoio em vários aspectos. Assim, direciona a organização do tempo, dos recursos financeiros, das escolhas, do trabalho profissional e doméstico dos pais, espera que estes controlem os filhos e os mantenham limpos e apresentáveis, além de que assumam o papel de “pais de aluno”. Entre muitas das coisas que, segundo o autor, a escola imprime à família, destacamos ainda sua interferência na vida privada e sua perspectiva de policiamento dos lares, algo também discutido por Hernandez e Uziel (2014) para as quais os atores escolares passam a vigiar o “bom funcionamento” das famílias homoparentais.
Isto posto, interessa-nos saber o que a escola faz às crianças e suas famílias. Porém, é preciso ter em perspectiva também o que essas famílias demandam, ou exercem sobre a escola em termos de readequação de seus discursos e procedimentos, sejam curriculares, didáticos, ou de atendimento pedagógico das equipes gestoras. Em suma, é preciso compreender as relações entre as escolas e famílias homoparentais, considerando os processos descritos por Nogueira (2005) acerca dessas “novas relações”, como as lógicas de aproximação entre a escola e a família e como uma se imiscuir na outra, a individualização de suas relações, ou como interagem face a face, e a redefinição de papéis que passam a assumir, ou como uma direciona os modos como a outra se organiza. Podemos considerar que uma abordagem que vise compreender aspectos das aproximações entre essas famílias e as escolas, buscando articular as três instâncias dessa relação – mães/pais homoafetivos, escola e estudantes – possivelmente colabora para uma compreensão mais situada sobre características, tensões e implicações dessas interações, complementando o quadro das pesquisas que vêm sendo realizadas dentro da temática.
Para compreender a questão multifacetada de como vêm ocorrendo as relações entre as famílias homoparentais e as escolas de seus filhos, entendemos que seja preciso investigar como pais/mães, filhos e equipe escolar se posicionam diante das dinâmicas que tal relação triangular encerra, considerando as seguintes questões principais:
No que concerne aos encarregados de educação (mães e pais): Como se compreendem em relação à sua orientação afetivo-sexual e sua composição familiar? Quais são as estratégias mobilizadas para a educação de seus filhos? O que dizem do relacionamento com os(as) professores(as), pedagogas(os), gestores(as)? Vivenciam situações de invisibilização, silenciamento de suas particularidades e/ou algum outro tipo de discriminação, ou, ao contrário, são bem inseridos e acolhidos pela escola? Em relação à escola: Como a equipe escolar compreende essas famílias e maneja sua presença na escola? Como descrevem suas relações pedagógicas com os estudantes vindos das referidas famílias? O que dizem sobre o diálogo com as famílias a respeito do cotidiano escolar de seus filhos e filhas, como seu aproveitamento, suas habilidades sociais, comportamento, interações com colegas, eventos e outras demandas escolares? Em relação aos estudantes: Como os(as) compreendem a si e à sua família, uma vez que são filhos de pessoas homoafetivas? Como percebem e caracterizam as relações com professores(as), pedagogos(as) e gestores(as)? Como é a relação com os colegas? O que dizem das relações entre seus encarregados de educação e seus(suas) professores(as) e pedagoga(o)? Tais questões são permeadas pelas categorias de cor/raça, gênero, classe social e práticas culturais, uma vez que estas interferem nas maneiras como os sujeitos foram socializados e como se posicionam na sociedade, bem como esta se configura frente a eles. Tais indagações são essenciais para a compreensão dessas relações, e servem não só a este estudo, como a outros que venham a se desenvolver dentro da temática, pois incluem o mais essencial que, quando respondido, indica como escola, genitores e filhos de uma família homoparental se relacionam.
A hipótese da pesquisa é que as relações entre as famílias homoparentais e a escola, sejam permeadas por situações de consenso/harmonia e/ou conflito, sendo estas influenciadas por alguns fatores, que podem se articular e interferir com pesos diferentes sobre essas relações: o tipo de escola (pública ou privada), orientadas na perspectiva de tratamento dos estudantes e suas famílias como “sujeitos de direitos” ou “clientes”, havendo as decorrências práticas de casa perspectiva; o projeto pedagógico destas, que por meio de suas práticas pedagógicas (atividades de ensino e atividades culturais), sua política de atendimento de estudantes e família, e a perspectiva de gestão da escola (variando nos graus de administração democrática) pode ser mais, ou menos, refratário, ou “sensível”, às configurações familiares estudadas; o NSE (Nível Socioeconômico – que reflete a renda e os gastos/investimentos dos sujeitos) e o capital cultural8 das famílias, que lhes coloca em maior ou menor condição para demandar e influenciar a escola conforme suas necessidades.
Metodologia: Possíveis percursos de compreensão
Para compreender as questões apontadas, no escopo da pesquisa de Doutorado em desenvolvimento, inicialmente foram elencadas as seguintes estratégias metodológicas: 1- Aplicação de questionários eletrônicos, com questões sobre a caracterização demográfica dessas famílias e sobre como classificam a relação com as escola dos filhos, através de divulgação nas redes sociais, instituições públicas e privadas de Educação e Secretarias (Saúde, Educação, Direitos Humanos), e junto a contatos do pesquisador, para levantar um número de famílias interessadas em participar, que, por conseguinte, indicariam as escolas a serem posteriormente constatadas. Os questionários também buscam uma quantificação das famílias homoparentais no país que se habilitam a participar do estudo. 2- Realização de entrevistas por videoconferência com casais homoafetivos nas macrorregiões do país, visando analisar suas perspectivas sobre a própria orientação afetivo-sexual, sua composição familiar e a relação com a escola dos filhos; 3- Entrevistas com as famílias (filhos e seus genitores) em Belo Horizonte e região metropolitana9, em suas casas, visando observar de perto alguns aspectos de seus traços culturais e organização domiciliar; 4- Entrevistas com a equipe escolar, almejando compreender suas perspectivas sobre a presença e demandas dessas famílias nas escolas.
Após um processo de análise das condições e implicações da aplicação dessas estratégias metodológicas, foram realizadas, sem adaptações, as fases 1 e 4. A fase 2 (entrevista com casais nas macrorregiões do país) foi feita parcialmente, pois, uma vez que a adesão à pesquisa é voluntária, e dependia do contato com as famílias em todas as regiões – o que não ocorreu, por condições variadas – foram colhidas entrevistas nas Regiões Sul e Sudeste, conforme a adesão dos participantes ao responderem os questionários. Depois, quando casais das regiões Centro-Oeste também responderam, pelas demandas da pesquisa, já em andamento, não foi possível colher entrevistas deles. A fase 3 (entrevistas com as famílias da Região Metropolitana de Belo Horizonte), foi readequada para entrevistas com os casais e seus filhos, separadamente, e por videochamada, considerando que seria algo menos “invasivo” para os(as) participantes e facilitaria a logística de realização das entrevistas. Durante as entrevistas com as crianças, muitas vezes os genitores estavam presentes, ou por perto, o que aumentou a desenvoltura e a confiança dos participantes nos métodos da pesquisa. Logo, foram entrevistadas duas famílias compostas por casais femininos, e duas compostas por casais masculinos. O critério principal de seleção foi terem filhos cursando o ensino fundamental, em escola pública ou privada, de forma que selecionamos 2 famílias, uma composta por pais e a outra por mães, com filhos na escola pública e 2 famílias, também com diferenciação de gênero dos genitores, agora com filhos em escola particular. Tal escolha teve por objetivo verificar possíveis mudanças de abordagem no tratamento escolar dado à família, conforme o tipo de escola e o gênero dos genitores. Assim, os arranjos familiares foram selecionados segundo a diversidade de composição dos casais em relação às categorias de sexo, gênero, cor/raça e classe social, uma vez que esses marcadores podem diferenciar e caracterizar os percursos, representações e compreensões dos sujeitos sobre si e sobre o outro. Foram realizadas com os (as) participantes entrevistas em profundidade, cujo roteiro foi desenvolvido a partir das questões centrais aqui elencadas. Esse tipo de instrumento de pesquisa trouxe potencialidade de coleta de dados qualitativos, pois possibilita observar como o(a) entrevistado(a) se relacionar subjetivamente com o que se está a discutir, é como se expressa, para além do que diz. Permite também que se estabeleça um laço de confiança mais amplo com o(a) entrevistado(a), o que possibilita que surjam outros dados, conferindo ao tema tratado maior profundidade de análise (GOLDENBERG, 2001). Para destrinchar as entrevistas, o método de análise de discurso, que pressupõe uma análise embasada na condição histórico-ideológica do sujeito enunciante, oferece aportes para lapidar e dar relevo e sentido ao que os(as) informantes dizem. Nessa perspectiva, o discurso, seu sentido, o próprio sujeito, assim como as condições de produção, forjam-se no processo de enunciação (MUSSALIM, 2006). Espera-se que tal pesquisa, ainda em fase de análise de dados acrescente ao conjunto de trabalhos sobre as relações entre as famílias homoparentais e as escolas, abordando aspectos que ainda não foram explorados, sendo também material para alimentar as lutas democráticas que precisam ser fortalecidas em contraponto às estratégias de invisibilização de sujeitos de direito com as quais nos deparamos nos últimos anos.
Experimentando a metodologia
A primeira ação para verificar a metodologia de investigação proposta foi a elaboração do questionário eletrônico para as famílias, com questões fechadas incluindo sexo, gênero, declaração étnico-racial, orientação afetivo-sexual, renda, tipo de moradia, caracterização do grupo familiar, tipo de união (legal ou não), tempo de relacionamento, número de filhos e tipo de laço (biológico ou adotivo), tipo de escola em que os filhos estão (pública ou privada), ocorrência ou não de algum constrangimento pela orientação afetivo-sexual de pais/mães na escola dos filhos, ocorrência ou não de algum tipo de constrangimento vivido pelos filhos por conta das características de suas famílias, a frequência dessas ocorrências e como as famílias caracterizam a relação entre elas e as escolas (excelente, boa, regular, ruim). A partir do questionário, foram identificados os sujeitos participantes e realizadas as entrevistas com os casais masculinos e femininos, seus filhos e as respectivas escolas, apresentamos aqui alguns dos dados extraídos de um dos casos, por meio de trechos das entrevistas, demonstrando a efetividade da triangulação que propôs ouvir genitores(as), seus filhos e a escola, para se compreender os aspectos da relação analisada. Trata-se de uma família composta por um casal de mulheres cis e seus dois filhos biológicos, estudantes de uma escola pública de Ensino Fundamental em Contagem/MG. Logo, serão apresentadas as perspectivas de cada uma das três instâncias (mães, filhos, agentes escolares) sobre aspectos dessas interações vivenciadas. As entrevistas com a família e a escola foram realizadas no primeiro semestre de 2023, sendo os encontros com o casal e os filhos realizados por videochamada, e com a equipe escolar, presencialmente.
Adélia, Marielle, Bernardo, Pierre & a Escola Pública: Um conflito por representatividade10
Adélia e Marielle são duas mulheres autodeclaradas cisgênero (gênero correspondente aos órgãos sexuais) e homossexuais. Adélia tem 41 anos e se declara branca; cursou o Ensino Médio e atua como profissional autônoma, não tendo descrito exatamente o trabalho que realiza em casa. Marielle também tem 41 anos e se declara preta; é graduada em Psicologia e sua profissão é de policial penal, no setor público. Estão juntas há 12 anos, sendo casadas legalmente desde 2013. Marielle e Adélia se conheceram no trabalho, em 2008, quando ambas estavam em outros relacionamentos, mas só se envolveram alguns anos depois, quando se encontraram no mesmo setor. Marielle relata em tom irreverente que, nas conversas sobre afinidades, deixou claro para Adélia que seu maior desejo era ser mãe, e o acolhimento desse projeto era um “pré-requisito” para um relacionamento. Adélia, apesar de intimada, topou o projeto, conta rindo. A família vive na cidade de Contagem/ MG, em residência própria, e tem renda familiar na faixa de R$ 4.401,00 a R$ 6.600,00.
A experiência e compreensão da própria orientação afetivo-sexual, para cada uma, demonstra a ambiguidade desses sentimentos e vivências em contextos familiares e sociais que acabam por interditar experiências socialmente reconhecidas e reconhecíveis, ou não marginalizadas, que se realizam, mas ainda de forma silenciosa, “tímida”, sem exposição. Marielle destaca o aspecto geracional e o pertencimento religioso evangélico pentecostal de sua família, cuja lógica ela considera excludente, como fatores que influenciaram, ou dificultam, seu processo de autocompreensão:
“Eu vim de um contexto muito religioso, então foi muito difícil, né? Nós duas temos 41 anos. Eu acredito que para quem tem essa faixa de idade, ainda não foi fácil, talvez, falar sobre isso na família, na sociedade, no círculo de amizade. Mas comigo também teve esse dificultador, né? Pelo fato da religião. Foi difícil, primeiro me entender, e, depois, me aceitar e ficar bem com isso. Foi um processo bem longo para essas etapas acontecerem de forma mais tranquila. (…) Já nasci num lugar onde já era excluída. Então, por isso que foi difícil para o meu próprio entendimento.
Nesse contexto, onde se vivencia a experiência da própria orientação como algo “semi-autorizado” (já que há uma experimentação do casal – que se autoriza a isso) não validada pelos padrões fixos de gênero e sexualidade, a cerimônia de oficialização da relação é o ritual que acaba por conferir existência, visibilidade e confirmação ao laço afetivo e à própria orientação dessas mulheres perante o social. Assim, o casal relata que, antes de se envolverem uma com a outra, viveram outros relacionamentos de forma escondida, pois não conseguiam lidar com isso, de modo que, para suas famílias, não haveria relacionamentos anteriores, sendo esse o primeiro. Logo, a “confirmação” vem como catalisadora de medos, coragens e enfrentamentos, tanto do casal como de suas famílias, conforme lemos no relato de Adélia:
“Como a Marielle disse, nessa faixa de idade, né(?), na época da gente se assumir, não é fácil. Como hoje é mais fácil. É… Mas assim, eu assumi pra minha mãe quando a gente estava com o casamento marcado. Eu contei pra eles com o convite de casamento; em mãos. Foi “nos 45 do segundo tempo”. Então, só choro, choro, choro, minha mãe só chorava, chorava, chorava, chorava. Mas graças a Deus passou. Hoje está tudo certo. Né(?), elas… Bem tranquilo, bem tranquilo.”
O casal teve dois filhos biológicos que são gêmeos, Bernardo e Pierre, com oito anos no momento da entrevista. Ambos cursam o segundo ano do Ensino Fundamental em uma escola pública municipal. Os dois meninos cis, são gêmeos bivitelinos, nascidos em 2015, a partir de uma fertilização in vitro, realizada com material de Adélia e de um doador anônimo, colhido em um banco de sêmen, sendo o embrião implantado em Marielle. A fertilização, realizada no ano de 2014, veio também como demonstração de uma mudança nos protocolos clínicos de atendimento de casais homoafetivos, agora mais igualitários, pois, segundo Marielle, alguns anos antes disso, durante suas pesquisas nas clínicas, alguns estabelecimentos informaram que não faziam esse tipo de procedimento em casais de mulheres, apenas em mulheres solteiras.
Os filhos do casal não se declararam quanto à cor/etnia, pois isso não lhes foi demandado, mas apresentam fenótipo de pele dita “parda” e cabelos lisos, tendo Bernardo um tom de pele mais escuro do que Pierre. Bernardo nasceu com comprometimentos de saúde, necessitando de muito suporte profissional para seu desenvolvimento, vindo a ter um laudo de autismo. Se expressa bem, com alguns comprometimentos leves na fala, e na velocidade de resposta; ao mesmo tempo, demonstra interesse e boa articulação lógica entre causa e consequência em suas explicações. Já Pierre, não apresentou qualquer comprometimento em seu desenvolvimento. Durante a entrevista, demonstrou agilidade em todos os momentos, inclusive auxiliando o irmão em algumas questões. Na introdução da entrevista, quando foram feitas explicações iniciais sobre seu objetivo, os dois foram questionados se sabiam o que era uma pesquisa, e explicaram o conceito, conforme sua posição de aprendizagem, trazendo em suas falas os sentidos de que pesquisa era “conhecer, procurar, descobrir, entender”. Foi explicado às crianças que o motivo da entrevista era entender como era ter duas mães (ou dois pais), e como as escolas estavam fazendo o atendimento de famílias como a deles. Quando perguntados se gostariam de participar, responderam afirmativamente. Diante do comentário deste pesquisador de que “quanto mais a gente entende uma coisa, mais podemos lidar bem com ela”, Pierre respondeu: “E mais a gente pode espalhar…”. As crianças se apresentam, falando um pouco do que gostam ou não:
“Meu nome é Pierre Silva Pereira, eu tenho 2 mães, eu tenho 8 anos, eu gosto muito de futebol. Eu não gosto muito de comer ervilha nem bife, e eu também gosto muito de abraçar minha família.” (Pierre)
“Eu sou o Bernardo Silva Pereira, tenho 8 anos, eu gosto muito de jogar futebol e jogar no celular e jogar videogame, e o que eu não gosto é escola [risos], e fazer nada, e é isso…” (Bernardo)
Em relação à sua formação familiar, o que pensam sobre ela, se a percebem como diferente de outras famílias, dizem os irmãos:
“Não… Acho que a minha [família] é normal… A única diferença é que a minha família tem duas mães. A única diferença que eu tô vendo aqui é que eu tenho duas mães. Só isso!” (Pierre)
“(…)Sim, eu concordo. Mas a diferença é que cada um tem uma cor… Tipo a minha mãe branca, minha outra mãe preta, eu preto, o Pierre branco… (Enquanto Bernardo fala, o irmão se aproxima dele e fica, cuidadosamente, ajeitando o cordão do crachá que ele traz em volta do pescoço)”. (Bernardo)
Pierre localiza a diferença constitutiva principal de sua família em relação a outras, mas não desenvolve muito essa perspectiva, simplificando tal diferença. Já Bernardo, concorda com o irmão, mas se volta mais para as diferenças fenotípicas dos membros da família. Para ele, diante de sua condição cognitiva, os impactos das diferenças intersubjetivas podem se localizar mais na comparação com o irmão, que além de apresentar um desenvolvimento mais visível, e reconhecido, apresenta um tom de pele mais claro, o que em nosso contexto social pode ser motivo de distinções valorativas.
Os dois meninos, à época da entrevista, cursam o 2º ano do Ensino Fundamental, cada um em uma sala, no turno vespertino, das 13h às 17h 20 min, sendo que Bernardo, diante de seu quadro cognitivo, tem abordagem pedagógica adaptada e direcionamento para acompanhar os pares de idade. O tempo das crianças é dividido entre as atividades regulares no horário de aula, para-casa acompanhado pelas mães após o horário da escola, antes do jantar, e atividades extraescolares durante todos os dias da semana. Bernardo faz acompanhamento fonoaudiológico, Terapia Ocupacional e Alfabetização paralela, além de demandar atenção médica constante, por ter certa sensibilidade imunológica. Pierre tem acompanhamento psicológico semanal e faz aulas de futebol. As mães relatam, em tom irreverente, que não há mais espaço para atividades extraescolares e que nem aguentam mais, embora pensem em encaixar na agenda semanal aulas de natação para Bernardo.
Sobre os critérios de escolha do estabelecimento de ensino, as mães relatam que, inicialmente, pensaram em matricular os filhos em uma escola particular, onde chegaram a participar de entrevistas de admissão, mas entenderam que não conseguiriam arcar com os respectivos custos. Assim, buscaram uma escola pública municipal, próxima a residência delas, que era conhecida por ter um alto IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), e que foi pesquisada por elas antes de se mudarem para o bairro atual, onde residem há um ano e meio. O casal relata que, antes de efetivar a matrícula, Marielle pesquisou sobre a escola na Internet, também a visitou e conversou com uma amiga cujos filhos estudavam no estabelecimento.
Assim, a escolha pelo estabelecimento escolar teve como primeiro fator as condições, ou restrições econômicas da família, que, inicialmente, cogitava um estabelecimento particular para seus filhos. Como fatores secundários, pesaram o fator geográfico (proximidade da nova residência) e a qualidade da oferta do serviço de ensino, expressão do Projeto Político Pedagógico da unidade escolar, demonstrando uma estratégia guiada pelas questões de ordem mais “estrutural”, como custo e deslocamento, bem como as aspirações formativas que as mães têm para os filhos e poderiam ser atendidas pela nova escola, na qual estavam matriculados desde o início do ano de 2022:
“A gente gosta muito dessa escola, é uma escola que tem animais soltos pela escola, né? Tem redes… É uma proposta não tão convencional de educação, que é uma coisa que a gente queria propor para eles. A gente não tinha dinheiro para isso. É uma educação não tão tradicional, menos tradicional, né? A gente sabe que escola pública segue um padrão, né? Mas essa escola em específico, eu acho que ela quebra um pouquinho esse tradicionalismo da educação, né(?), oferecendo uma rede de leitura, uma arena de contação de história, acho que foge um pouquinho e aí a gente gosta dessas propostas, então… (…)Eu estudei em escola pública, mas eu estudei em escola pública de periferia e hoje eu vejo essa diferença muito grande de uma escola pública de periferia, que eu estudei, e a escola deles, que não é de periferia. Escola de bairro, ela é pública, mas ela é de bairro. E é muito diferente. Atendimento da equipe, dos professores, da pedagoga, da estrutura da escola, é muito diferente. Então a gente tem sorte com essa escola, e a gente gosta dessa escola.”
A Escola Pública Municipal 1 se localiza em Contagem-MG, possuindo boas vias de acesso urbano. Atende, aproximadamente,780 alunos, nos turnos matutino e vespertino, ofertando Ensino Infantil e Fundamental, até o 9º ano, num total de 31 turmas, nos dois turnos. Em seu Projeto Político Pedagógico (PPP), apresenta uma proposta de inclusão, meio ambiente e diversidades. A escola conta com rampas de acessibilidade, biblioteca, laboratório de informática e sala de leitura, tendo uma área externa com animais (como coelhos e galinhas, etc.) e pontos de leitura.
As entrevistas com a equipe escolar foram realizadas na escola, durante o turno vespertino, no mês de agosto de 2023, na semana seguinte ao Dia dos Pais. A dinâmica acabou por se configurar de modo semelhante a um grupo focal, do qual participaram as duas vice-diretoras e a pedagoga que acompanha as turmas de Bernardo e Pierre, havendo breves momentos nos quais precisaram se ausentar, separadamente, para atender a demandas escolares urgentes. Posteriormente, a entrevista com o mesmo conteúdo foi realizada, individualmente, com a professora Bernardo, em função de sua disponibilidade de horário para a participação. A professora de Pierre estava ausente por questões de saúde, não sendo entrevistada.
As perspectivas dos sujeitos sobre suas interações: percepções em sintonia
Para as mães, a relação com a equipe de profissionais da escola é boa, mas a descrição de algumas situações nos leva a localizar a dimensão do conflito e do contraditório nessas interações. Neste caso, os conflitos salientados têm relação com práticas pedagógicas da escola, como a abordagem de conteúdos específicos em sala de aula, ou formas de celebração de datas comemorativas, como o Dia dos Pais, que colidem com a constituição familiar homoparental, neste caso composta por duas mães, trazendo vivências desconfortáveis para seus filhos e para elas. O contraditório está no fato da escola oferecer um atendimento que considera as necessidades pedagógicas dos filhos de Adélia e Marielle, compreendendo e acolhendo sua formação familiar, mas, por outro, ainda manter práticas didáticas que fazem referência à família nuclear “tradicional” de forma central. Seria uma inclusão que ainda tem traços excludentes, aparentemente não por uma intencionalidade discriminatória, mas por um projeto de escola que se pretende inclusivo e, ao mesmo tempo, ainda mantém registros de práticas pedagógicas embasadas em uma visão tradicionalista dos estudantes e de suas famílias por parte de alguns profissionais, conforme podemos extrair das palavras de Marielle:
“Perguntei à escola se eles comemoravam o Dia dos Pais, ou Dia das Mães, a escola falou que não, comemoram o “Dia da Família”. Falei: “OK, muito bom!”. E aí quando está chegando perto do Dia dos Pais, eu mandei mensagem. Ano passado a gente teve um pouquinho de resistência por parte de uma professora. A gente avisou para a pedagoga: “Olha, se for fazer alguma atividade dentro de sala de aula, porque está chegando o Dia dos Pais, com esse tema, avisa pra gente, que nesse dia eles não vão para a escola.” Por enquanto, ainda são muito pequenininhos para ter a compreensão de toda essa dinâmica e eu não quero sobrecarregar eles com toda essa informação em sala de aula. Então a gente pediu para avisar; ela falou assim: “Não, a escola não comemora nem nada, nada disso”. Aí eles chegaram em casa com uma atividade, que fizeram em sala de aula com a professora. E aí era uma atividade do Dia dos Pais, só que ela mudou a camisa com a gravata; ela escreveu: “mães”, onde estava “pai”! Mas tinha um “P” enorme, mas ela escreveu “mães”. E aí eu tinha avisado, aí eu voltei a conversar, e aí ela, a pedagoga, disse que tinha conversado com a professora, e que ela falou que não abria mão de fazer esse tipo de trabalho em sala de aula, e aí eu percebi, que foi um ponto de vista meu, que eu vi a diferença entre professores designados e professores efetivos, diante da organização da escola. Então assim, essa professora que é efetiva, ela queria fazer isso e ela fez isso na sala de aula, mesmo com a orientação contrária da pedagoga. Então foi uma coisa que ela decidiu fazer, e ela fez. Os professores designados, eles ouvem mais e ponderam mais. Que é o estresse que a gente teve do ano passado e desse ano. De perceber isso, sabe, que quando é designado, eles ouvem mas, pondera melhor e chegam em um acordo. Quando é o efetivo, ele fala: “assim que eu fizer, assim vai ser”. Às vezes tá lá na escola há 20 anos e quer continuar trabalhando do mesmo jeito. Percebi essa diferença, sabe(?) nos professores. Então, tanto é que essa atividade foi uma professora que quis fazer na sala de aula, mesmo com orientação contrária.”
Para além da afirmativa da entrevistada sobre a existência de diferenças procedimentais entre professores efetivos e contratados, o que se destaca em sua fala, quanto à prática profissional docente, é a aplicação (e as escolhas morais e didáticas que ela encerra) de uma atividade cuja relevância para o desenvolvimento cognitivo ou das habilidades socioemocionais é questionável, considerando-se que não apenas filhos de casais homoafetivos femininos podem sofrer constrangimentos com a tarefa, como também outros estudantes que não têm um pai em seu arranjo familiar, ou o têm, mas numa relação de conflito, omissão, abuso, etc.. Apesar disso, Adélia e Marielle, mesmo diante do descontentamento, expressam a capacidade de reflexão do casal diante do conflito e a disposição construída em torno do diálogo, respondendo sobre a percepção de impactos negativos da situação sobre os filhos:
“É … Não conseguimos mensurar. Acredito que tenha acontecido algo, que eles são muito pequenos ainda pra explicar muito bem, mas eles chegaram felizes em entregar pra gente. Olhe, fizemos uma atividade do Dia dos Pais. É para vocês! Então fica meio confuso porque são pequenos, não era o que eu queria ter ouvido… “Ah, obrigada…” [Diz em relação ao “presente” recebido dos filhos] mas fiquei “p da vida”, né? E aí voltei a falar com a pedagoga. No ano passado a gente foi muitas vezes lá conversar porque sempre que há uma questão dessa gente marca com a pedagoga e vamos lá conversar. Aí eu estava conversando da melhor maneira possível, mais assertiva possível, não é? Mesmo que eu fique “p da vida” em casa, quando chega lá a gente pondera pra gente conversar e construir algo. A gente tem um entendimento que não é na briga que a gente vai conseguir evoluir, mas no diálogo, né? E apresentando os pontos de vista, pra ver se chegamos a um denominador comum, sabe? Mas aí fica… Eu acho que, na verdade, fica, né? Eu consigo identificar se a gente fala assim: Ah isso aconteceu, mas fica, porque isso mais uma vez, demonstra o quanto que eles são diferentes de todos, né?! E essa diferença não precisa ser marcada de maneira negativa, porque nesse caso é negativo porque eles não têm algo que estava todo mundo fazendo, então demonstra o que eles não têm. Então eu acho que isso é um efeito negativo, com certeza, né? Mas aí ele é cumulativo com outros, né? É o que a gente não queria que acontecesse. Por isso que a gente avisou: “Se tiver alguma coisa, fala com a gente que a gente não manda eles na escola, e tá tudo bem, né? As outras crianças podem fazer, não tem problema, a gente só não vai mandar eles nesse dia. Para evitar esse estresse do dia, né? Mas ele aconteceu, né?”
Assim, nessa situação é evidenciada a estratégia das mães de proteger os estudantes, diante de possíveis sentimentos depreciativos vindos de uma comparação negativa com os colegas, em função de suas características familiares. Emergem também os conflitos escolares que perpassam o alinhamento interno de práticas didáticas com a proposta pedagógica escolar que se pretende inclusiva quanto à diversidade, além das estratégias de comunicação entre os profissionais da escola e desses com as famílias. Outra situação que ilustra a relação desenvolvida entre família e escola, sob o prisma do conflito entre o tipo de formação familiar e a cultura heteronormativa presente nos espaços escolares, é conforme já dito, a situação em torno da atividade de Língua Inglesa de nomeação dos membros da família, ocorrida no ano letivo anterior, conforme a fala de uma das mães:
“A gente tem o hábito de, todo dia, pegar o caderno, ver o que eles fizeram na escola, conversar antes do “para casa. Eu estava observando que, na matéria de Inglês, toda vez, eles estavam trabalhando o nome em Inglês dos integrantes de uma família: mãe, pai, irmão, irmã, tio. Estavam trabalhando os nomes dos familiares e aí eu estava observando: Estava sempre vindo aquela família nuclear. Mas aí eu tinha um certo desconforto meu quando eu via a atividade: Pai, mãe, irmão, irmã em inglês, aí um espaço vazio para se preencher ou ligar os pontos, tava me dando um mal-estar, mas eu busquei entender que era para saber o nome das pessoas em inglês, a referência. Quando um dia, depois de umas 5 atividades dessa, veio uma com um desenho escrito assim: “My Family”. Aí tinha um pai, uma mãe, uma filha e um filho. Aí, tava escrito assim, com os espaços para a criança escrever a família dela naquele desenho? Aí eu falei: “Não! Aí agora eu vou ter que conversar, porque já mudou muito. “My Family”. A família deles não é essa!” Se fosse uma família qualquer, eu poderia continuar deixando. Mas quando chegou “minha família” e com esse desenho específico, isso me incomodou profundamente. Marquei a reunião, aí foi a pedagoga e a professora de Inglês. E aí a gente apresentou, e aí eu mostrei para ela atividade: “Primeiro essa, essa segunda, essa terceira, nesta quarta. Mas essa daqui, foi demais!”. Aí, no dia, foi muito bem recebido, a gente foi muito bem recebido nessa crítica positiva. Eu percebi que essa matriz era uma matriz que estava pronta, há 1000 anos lá e só foi repetindo, que não teve um alguém para pegar isso e dizer: “Aqui: Não tá muito legal não. Vamos mudar isso aqui para os dias atuais?” Pelo próprio desenho… A gente percebe pelo próprio desenho como uma coisa tão antiga demais. E aí eu percebi, até falei com ela: “Eu acredito que essa matriz deve estar pronta há décadas, mas já é uma matriz que não atende mais às famílias.” Nem só pela minha família. Pela família de todos, porque nem todo mundo tem essa família. Está colocando como se todos tivessem essa família. Essa família, alguns vão ter ela, mas não todos. E inclusive a professora perguntou: “Por quê?” Aparentemente, ela realmente teve um espanto quando eu falei para ela. Tipo assim, parece que estava vendo aquilo pela primeira vez. Ela falou assim: “Nossa, eu nem tinha percebido desse jeito”. Aí eu falei: “Pois é! A hora que eu vi, eu percebi desse jeito.” Aí ela falou assim: “Como que você acha que deveria ser essa atividade?” Aí eu disse: “É minha família? Peça à criança para desenhar a família na composição que a dela é. Até pode ser só ela e a mãe. Ela, a mãe, a avó, quem mora na casa dela; A criança vai fazer isso e aí ela vai colocar o nome das pessoas na casa dela. Só coloca assim, ó: “Minha família”. A criança desenha e escreve [As mães verbalizam essa última frase simultaneamente] o que ela quer, a família. Aí, tipo assim, para mim é uma coisa tão óbvia, mas para ela foi de um espanto, tipo assim: “Olha…” Tipo: “Legal! Que bom essa opção.” E para mim, que nem sou da Educação, falei: “Nossa, isso pra mim é tão óbvio, meu Deus, mas vamos lá construir esse novo olhar para as famílias!” E aí eu tenho essa paciência de ajudar essa construção. Eu acho que a minha função também é essa, enquanto família: repassar para a escola essa dificuldade, essa necessidade, para que a escola se adeque. E aí a gente conversou, e a conversa foi bem produtiva”.
Ao mesmo tempo em que as situações descritas evidenciam a dimensão do conflito a partir das lógicas didático-pedagógicas de algumas das professoras da escola, a instituição conta profissionais com capacidade de reconhecer o aspecto negativo de tais práticas, assimilar a perspectiva da família e propor mudanças nos procedimentos docentes, conforme procede a pedagoga Judith. As mães relatam que, quanto à situação da atividade de Língua Inglesa, a pedagoga – vice-diretora no momento da entrevista – se posicionou de forma propositiva, informando que abarcar a sugestão de Marielle e Adélia, encaminhando-a também para o outro professor daquela disciplina, orientando-o para que as matrizes fossem revistas e que se modificasse a forma de discutir tal conteúdo. Essa profissional, com quem a família tem um contato direto, é referência quanto ao atendimento de suas demandas, sendo uma agente importante na mediação família-escola. Assim, as mães expressam que, apesar dos conflitos que emergiram em função das práticas pedagógicas que reforçam concepções nucleares de família (descrição da família do(a) estudante, conforme uma estrutura tradicional, na disciplina de Língua Inglesa, e confecção do cartão do Dia dos Pais, na aula de Arte) a escola desenvolve um bom trabalho, sendo a pedagoga Judith a profissional que ofertava mais suporte aos estudantes, quando atuava como pedagoga. Esse aspecto evoca, assim, a importância da coordenação pedagógica escolar como estrutura da escola capaz de realizar mediações entre família e a instituição, mobilizando conhecimentos técnicos da profissão, preceitos administrativos da respectiva Rede de Ensino (no caso de escolas públicas) e da escola onde atua, as legislações municipais e federais, conhecimentos teóricos e práticos (mais ligados à sua expertise quanto ao ambiente escolar e suas interações), além de sensibilidade para receber, acolher e analisar as demandas da família, atendendo às necessidades que interferem sobre a aprendizagem dos estudantes.
A equipe gestora da escola é composta por Pedro (diretor), que não pôde participar da entrevista, Judith e Magda (respectivamente, pedagoga e professora que estão na vice direção) e Nísia (pedagoga). No ano anterior, Judith estava no cargo de pedagoga e acompanhava Bernardo e Pierre diretamente, tendo se tornado uma referência para as mães das crianças. As três profissionais relatam que têm conhecimento de que Bernardo e Pierre têm duas mães, acrescentando que há na escola estudantes de duas outras famílias com composição homoparental, mas que apenas Adélia e Marielle se apresentaram como um casal perante a escola, sendo que essa publicização não ocorre com as outras famílias das quais se sabe sobre essas características de forma mais indireta e ocasional. Já a professora Júnia, que leciona para Bernardo, no segundo ano, disse que não tinha conhecimento que o seu aluno tinha duas mães, demonstrando certa surpresa com a informação no ato da entrevista. Explicou que já conversou com Marielle, em reunião solicitada por ela por ocasião da mudança de Bernardo para sua turma – iniciativa que a professora elogiou – mas sozinha, e que não se lembrava de ter conversado com Adélia em nenhuma outra situação.
No que concerne à compreensão, ou percepção sobre a presença das famílias homoparentais na escola, a equipe gestora a registrar mais a partir da questão das comemorações que lidam com a representação de figuras que fazem parte das configurações mais tradicionais da família nuclear: o “Dia do Pais” e o “Dia das Mães”. Os conflitos assinalados pela equipe gestora, e que partem dos professores em torno da manutenção da celebração dessas datas, a qual a escola pretende substituir pelo “Dia da Família”, indicam que há uma disputa entre a conservação e a abertura a uma realidade social familiar que ultrapassa a inclusão “apenas” das famílias homoparentais na escola. Para as profissionais entrevistadas, existe uma boa relação com a família de Adélia e Marielle, as quais elas identificam como excelentes mães, muito cuidadosas com os filhos, que são, conforme as palavras de uma das vice-diretoras, “mais bem cuidados do que os filhos de outros casais” [em comparação com filhos de casais heterossexuais]. Ao mesmo tempo, embora as quatro profissionais que participaram da entrevista afirmou ter pertencimentos religiosos cujo discurso determina, como se sabe, padrões de comportamento masculino e feminino, de relacionamento/casamento, reprodução, e, por fim, de família na sociedade, elas ressaltam que tal pertencimento não as coloca em condição de destratar seus alunos e as respectivas famílias por causa disso, expressando em si uma “incongruência” entre o pensar e o agir. Ou seja, mobilizam disposições11 “contraditórias” de seu esquema de ações, afirmando pensar conforme norteia seu pertencimento religioso, mas agem profissionalmente de modo a garantir os direitos constitucionais de alunos e famílias de estarem incluídos no interior da escola democrática, com suas características de cor, gênero, religião, etc., sendo essa perspectiva a norteadora de sua prática profissional, e não sua religião, embora a adesão completa aos preceitos religiosos não implique, necessariamente, uma postura de exclusão daqueles que não aderem ao mesmo modelo. Considerando as características da família em questão, segundo as entrevistadas, não há necessidade de realizar nenhuma abordagem pedagógica específica com os estudantes, nem atendimentos familiares diferentes daqueles prestados a crianças e famílias com agrupamentos não homoparentais. As vice-diretoras e a pedagoga consideram que essa necessidade/abordagem mais específica se restringiria às comemorações do Dia dos Pais e do Dia das mães, que vêm sendo substituídos pela comemoração do “Dia da Família”, perspectiva da qual também compartilha a professora Júnia, e é sintetizada por uma das vice-diretoras:
É mais sobre as comemorações que a gente realmente se preocupa; é representar todas as famílias, que aí é onde a gente se senta e tenta conversar para poder abraçar todo mundo mesmo. Mas, no mais, é o atendimento que a gente sempre faz, conversando, fazendo registros né(?), conversando com as crianças. Mas nas Datas a gente tem essa preocupação sim (Vice-diretora Magda).
Segundo a vice-diretora Judith, Bernardo e Pierre interagem bem com profissionais e colegas, inclusive sem ocorrência de situações de conflitos, atribuindo isso à boa preparação que recebem das mães em casa:
“Eu acho que eles vêm de casa tão bem-preparados pela família, que… sabe(?), eles agem super tranquilo. O Pierre é mais independente, igual eu te falei, autônomo, fala o que pensa, uma gracinha! O Bernardo é mais introspectivo, mais fechadinho, mas ele já está falando mais, igual hoje ele veio aqui na sala falar que não queria ficar na escola… Ele não era assim, sabe? (…)era muito fechadinho, muito timidozinho… (…) Então, assim, os dois estão muito bem preparados em casa. E é tão interessante que eles contam tudo que acontece aqui na escola quando eles chegam em casa, tudo mesmo… O ano passado aconteceu uma palestra lá embaixo que a mãe ficou sabendo tudo o que a pessoa falou na palestra porque o Pierre contou. E a mãe me mandou um áudio explicando… Eu falei: “Foi assim mesmo que aconteceu…” (Vice-diretora Judith)
Embora a equipe escolar relata que a maior adaptação que consideram ser necessária é a referente às comemorações do Dia das Mães e do Dia dos Pais, convertidos em “Dia da Família”, para celebrar a diversidade de composições familiares, a família homoparental também não figurava entre as representações de famílias expostas no painel escolar no dia da Festa da Família, conforme relatou Marielle. Segundo a mãe, havia um painel exposto na escola com representações de famílias nucleares, compostas por mãe, pai e filhos e famílias monoparentais, mas não havia a representação de uma família homoparental. Assim, as afirmações da equipe gestora acabam por se mostrar contraditórias, não só por essa ausência representativa, mas também quando a pedagoga Nísia menciona a necessidade de adaptações, ainda que simples, nas fichas de atendimento:
“Esse ano, por exemplo, para atender, a gente tem uma ficha, né(?), em que, sempre que tem um atendimento tem um registro. Então assim, também foi super tranquilo. Geralmente a gente coloca assim: “os pais”; assim [colocamos], “as mães”, né?
Já a vice-diretora Magda também expõe uma necessidade de adaptação, que consiste na mudança da estrutura da ficha de entrevista para estudantes e famílias, considerando a diversidade da comunidade que a escola atende.
As situações de diálogo com a família são várias, como aquela na qual houve consenso entre escola e família sobre a troca de Bernardo de turma, para que ele pudesse ter o suporte da monitora de inclusão, mas outras duas se evidenciam, ilustrando os conflitos na relação família-escola e a necessidade de comunicação, mediação e acordos, mas neste caso, pelas questões de como certas práticas escolares referentes às representações das famílias instauraram desacordos entre as duas instâncias. Uma das situações foi aquela referente ao Dia dos Pais, já descrita segundo a perspectiva das duas mães. Apesar da orientação da equipe gestora para que os professores não fizessem nenhuma atividade com essa referência, visto que a escola já comemora o Dia da Família, mais inclusivo em sua percepção, uma professora realizou a confecção de um cartão comemorativo da data com os estudantes, de modo que Bernardo e Pierre levaram a produção para casa no final de semana dessa data, provocando certo incômodo em Bernardo, que não queria entrar na escola na segunda feira posterior, conforme o diálogo que se segue:
[Vice-diretora Judith]: Uma professora de Arte fez um cartãozinho pro Dia dos Pais. E a Marielle já tinha falado com a gente, perguntando se alguém ia fazer, porque se fizesse ela não ia mandar os meninos pra escola… E acabou que a gente falou com a professora, achou que a professora não iria fazer, aí ela fez assim mesmo. Chegou em casa, a Marielle mandou a foto para a gente do cartão, com a letra P, entende? Então, assim, quando ela viu, ela deve ter ficado muito chateada, e eu acho que o Bernardo deve ter percebido isso, ela deve ter falado alguma coisa e hoje ele chegou tristinho, sabe?”
[Pedagoga Nísia]: Aí, a gente tentou conversar para ver se tinha alguma relação, mas…
[Vice-diretora Magda]: Mas mexeu, eu acho. Mas, graças a Deus… Tinha uma gravata também… Ele se recusou a fazer a gravata e fez um colar no cartão…
[Vice-diretora Judith]: Foi, e ela [Marielle] ficou bem chateada, e eu acho que ela não disfarçou na frente dele, porque na hora que a gente tá chateada a gente não disfarça. Ela mandou mensagem para a Nísia dizendo: “Ele não tem que fazer cartão se ele não tem pai. Ele tem duas mães!”. Então, às vezes na hora que ela tava fazendo a mensagem, às vezes eles perceberam que ela estava chateada…
A equipe escolar tem, portanto, compreensão dos fatores causadores do conflito, e revela que, quanto à confecção do cartão do Dia dos Pais, foi também um ponto de desacordo interno na instituição entre a equipe gestora e a professora que desenvolveu tal atividade, apesar das orientações contrárias da Coordenação. Entretanto, esses pontos de indisposição são entendidos como tal e busca-se dialogar sobre eles, pensando no desenvolvimento escolar das crianças. Já sobre a situação da atividade de Língua inglesa, a vice-diretora e pedagoga apresentam uma postura crítica de reconhecimento do equívoco pedagógico sinalizando também a importância do acolhimento das sugestões das mães:
No ano passado, a Sabrina, professora de Inglês, estava trabalhando com eles atividade de inglês falando sobre: Família! E lá na atividade pela, atividade da internet, que eles não têm livro didático, né(?), ela montou a matriz bonitinha e tal, chega em casa a Marielle vê o caderno dos meninos com uma família tradicional. Aí tinha lá a árvore genealógica lá… Aí tinha; quando chegava nos avós, chegava no pai e mãe, aí tinha a palavra em inglês “pai” e “mãe” em inglês, você entende? Aí lá vai a Marielle, me manda mensagem, me manda foto. Aí lá vai eu chamar a Sabrina. Conversamos, a Sabrina reconheceu, conversou. (…) A gente tem que ter esse olhar de que tem que ser pra todos mesmo, por que tava lá oh: “Avô, avó,” tal, tal, tal, “pai e mãe”, aí a hora que chegava aqui, não tinha “mãe e mãe”, tinha pai e mãe…Sim… Precisa do pai e da mãe, do homem e da mulher? Mas você tem outras maneiras, não é? Mas foi uma conversa muito boa. A Sabrina ouviu; e as duas vieram nesse dia, a Adélia e a Marielle, e a gente conversou bastante e a Sabrina reconheceu, sabe? E ela falou: “Nossa foi bom para mim, aprender agora como que eu tenho que fazer atividade”. Porque ela não precisava ter escrito a palavra, poderia ter deixado só um quadradinho. Foi sugestão da Marielle. “Você deixou o quadradinho, ele ia colocar quem ele quisesse ali”. (…)E a Marielle sempre tem ideias e sugestões…” (Vice-diretora Judith)
“Não, mas eu acho que isso é até um aprendizado pra gente, né(?), porque vai tão no automático, durante tantos anos fazendo isso, não é, e é agora que a gente está começando a pensar mais nessas diferenças” (Pedagoga Nísia)
Os meninos relatam que as mães acompanham sua vida escolar, destacando os momentos de preparação para a escola.
Na perspectiva das crianças, sobre o atendimento escolar oferecido a elas e à família, os meninos citam uma assistente escolar, responsável por acompanhar as crianças no recreio, que não seria “gente boa”, nas palavras deles. Dizem que ela fala que eles não estão com febre, quando eles estão. Mas, ao mesmo tempo, Pierre defende a funcionária diante da afirmação do irmão de que a funcionária é brava: “Não, é o jeito dela… Cada um não tem jeito? Então?!”( Pierre). Há um desacordo entre os irmãos, mas Bernardo explica que sempre que precisa, essa funcionária o atende bem, com o que Pierre acaba concordando, indicando assim uma percepção “mais particular” sobre a funcionária, mas sem indicar um comportamento dissonante de sua função. Os estudantes dizem ter uma boa relação com a equipe escolar, destacando que têm muito contato com a pedagoga que acompanhava suas turmas naquele momento (a atual vice-diretora Judith), e, explicando que ela sempre os atende bem, Pierre completa:
“Vou lá às vezes quando eu estou passando mal; quando a assistente escolar não está eu tenho que ir lá. É… Às vezes tem que entregar alguma coisa lá, às vezes também eu tenho que falar com a pedagoga que a minha mãe tem que falar alguma coisa com ela…” (Pierre).
Ele também explica que a escola tem um diretor e duas vice-diretoras, sendo que uma delas é a pedagoga que os atendia no ano passado. Bernardo e Pierre, quando perguntados, dizem que ninguém da equipe escolar, incluindo professores e demais funcionários, falou algo negativo com eles pelo fato de terem duas mães. Quanto à relação com os colegas, Bernardo diz ter apenas um amigo, que, segundo ele, às vezes bate nele. O irmão o corrige, dizendo que “deve ser de brincadeira” e conta que tem muitos amigos, citando o nome de 6 deles. Ambos contam que frequentam a casa dos colegas e vice-versa e que uma das atividades preferidas nesses momentos é jogar videogame. Pierre conta que, nessas situações, tem campeonato de videogame, mas Bernardo diz, e repete, que para ele não… Os meninos dizem que, no geral, a relação com os colegas é boa, que “eles são legais”. Pierre conta que não gosta muito de 4 colegas seus, todos meninos, dizendo que ficam fazendo graça na sala, e destaca um dos colegas de quem não gosta muito:
“Ah, ele fala: “Não professora, não deixa o Pierre ir no banheiro não que ele já foi”… Ele também responde a professora, e o Pedro também… E às vezes a professora pergunta: “Quem respondeu essa certo”? Aí o Carlos fala: Eu, professora! Aí o Rafael fala: “Ninguém pediu sua opinião não” e aí eu: “Ninguém te pediu também não…” Aí ele: “Tô nem aí pra você não”!
Apesar dos incômodos em algumas interações, quando questionados, os irmãos afirmam que nenhum colega os incomoda pelo fato deles terem duas mães. Ao serem questionados sobre se acham que a escola atende bem as mães deles quando elas precisam de algo, afirmam que sim, e Pierre dá o exemplo da mudança de sala de Bernardo, que foi solicitada pelas mães, dizendo que uma delas pediu a pedagoga para tirá-lo da sala onde ele estava anteriormente e que ela fez a troca, porque o irmão precisa de monitora. Neste momento, Bernardo acrescenta que “lá na escola é muito bom” e Pierre, espontaneamente diz que eles vão “adorar”, quando digo que vou na escola “bater um papo” com a equipe.
As crianças, pela quantidade e detalhamento de informações que lhe chegam, tanto dos genitores como da escola, e pelas suas próprias capacidades de percepção, ainda em maturação, não são capazes de relatar certos conflitos que se dão entre família e escola, dos quais temos conhecimento explícito, embora sejam capazes de perceber os desconfortos de cada uma e, às vezes até agir em função dessas indisposições. Uma vez que Bernardo apresenta algumas dificuldades cognitivas, apesar de ter conseguido participar bem da entrevista, foi difícil localizar conflitos vivenciados pelos estudantes em função de sua composição familiar, seja com colegas ou equipe escolar. Apesar de que, o silêncio, articulado ao que as mães e a equipe escolar relataram em termos de tensões entre família e escola, pode indicar certa dificuldade de simbolização dos meninos, sobretudo de Pierre, que já tem condições de se expressar, mas não o faz, e ainda vem demonstrando certa agressividade, como relataram as mães, que também identificam que ele teria menos espontaneidade em falar de sua família se comparado a Bernardo. Pierre começa a entrevista dizendo que não tem nada de diferente na família dele, que apenas as duas mães, que ele estava vendo como diferença. Não simbolizar essas características adequadamente nos espaços escolares pode levar a um estado de tensão pela não representação de si, ou não reconhecimento. Considerando que são meninos, recém-saídos da primeira infância, mas já inseridos em cenários onde estão se construindo os padrões da masculinidade, em interações como o futebol, seja na escola ou nas aulas particulares dessa modalidade, é “admirável” que não relatam nenhuma situação sequer de questionamento de colegas, que pela idade e socialização têm menos “filtros” ao indagar, sobre coisas que lhes são “incomuns”, como uma composição familiar homoparental. Logo, o não relato de ocorrências por esse motivo, da parte dos irmãos, levanta a hipótese do auto silenciamento; do diminuir-se para se encaixar, tal como apontaram Mello, Grossi e Uziel (2009) e Hernandes e Uziel (2014).
Conclusões prévias
A partir da reunião dos dados qualitativos apresentados nos dois casos, percebemos que a hipótese inicial vem se confirmando com a pesquisa. As relações observadas, a partir das entrevistas, demonstram que há a perspectiva do conflito entre família e escola destacando-se mais às questões ligadas à composição específica das famílias, do que as relacionadas à aprendizagem e ao cotidiano escolar no geral, mobilizadas da família para a escola, ou vice-versa. O conflito observado reside no fato da escola pesquisada apresenta ainda uma tímida ampliação de seus procedimentos pedagógicos para incluir famílias homoparentais no currículo e em seus desdobramentos cotidianos. Esse aspecto da baixa refratariedade não consiste em uma discriminação ostensiva sobre as genitoras ou seus filhos, mas na falta de aplicação de mecanismos que incluam de fato famílias como aquela, abarcando suas características nas atividades pedagógicas, pois, o que mais apareceu nas falas das mães foi o aspecto da falta de representatividade de famílias como a sua no espaço escolar (painéis, datas comemorativas, materiais didáticos), gerando conflitos de ordem comunicativa em torno de expectativas sobre a condução de atividades que reforçam um modelo que não é o de sua família, bem como a abordagem dessa temática por membros da equipe docente.
Observou-se um esforço de abertura da escola pública para escutar as mães, entender as características da família e realizar adaptações sugeridas por elas, para que os conflitos ligados a identidade dos estudantes, influenciada pelo seu pertencimento familiar, fossem ultrapassados com a readequação das práticas pedagógicas, sinalizando um projeto pedagógico que se abre para a diversidade e a escuta da comunidade escolar. Contudo, é importante pensar que a escola não adota ainda uma lógica propositiva que aborde essa questão como projeto e não apenas como ação corretiva diante de conflitos que surgem.
O capital cultural das mães teve grande relevância na configuração de sua relação com a escola e para a mediação dos conflitos, visto que demonstraram, sobretudo Marielle que é psicóloga de formação, conhecimento pedagógico para questionar os procedimentos didáticos da aula de Língua Inglesa, propondo outro tipo de abordagem que não suprimisse a identidade de seus filhos, cujo pertencimento familiar não era considerado na atividade que discutia a nomeação dos membros de uma família. Além disso, por serem mães participativas e que demonstram cuidado “exemplar” com os filhos, mobilizam um capital social junto à escola que as vê como figuras responsáveis, cuidadosas e dotadas de conhecimento. Não transcrevemos este trecho aqui, mas, em certo momento, a professora de Bernardo diz que Marielle “pesquisa tanto sobre as condições de saúde de seu filho, que parece ter até um doutorado na área médica”, percepção que indica como as agentes escolares veem as mães, sobretudo Marielle: dotadas desse capital simbólico que emana do conhecimento pedagógico, médico e do cuidado apurado com os filhos, que, também expressam no falar e no agir, aspectos reconhecidos e valorizados pela cultura escolar.
Embora não seja relatado aqui o caso da escola particular confessional, frequentada por uma menina de 10 anos, filha biológica de um casal de mulheres cis que também foram entrevistas, percebeu-se que, em comparação àquela instituição, a escola pública vem desenvolvendo algumas práticas mais inclusivas, como O Dia da Família, diferentemente da escola particular, que tem em vista tal ideia, mas ainda não a implantou. Na escola pública também houve maior abertura para a realização das entrevistas e reflexões de autocrítica sobre situações escolares que demandam a perspectiva de alcance mais coletivo da abordagem das diversidades, diferentemente da escola particular, onde, inclusive, uma das coordenadoras disse que o projeto pedagógico escolar aborda o respeito, de modo geral, não chegando a “levantar bandeiras”. Essa exposição breve nos leva a inferir que a escola particular talvez ainda não tenha se debruçado de modo direto sobre essas questões, talvez até mesmo pela homogeneidade de sua clientela que não apresenta a demanda sobre as diversidades, tal como ocorre na escola pública, indicando que tal aspecto pode se basear nas características da relação com alunos e famílias, matizada pela dimensão comercial de fornecimento de um produto conforme uma demanda, e de segurança dos direitos sociais na escola pública. Aqui não se questiona a qualidade e o trabalho realizado pela escola em questão. A reflexão caminha no sentido de apontar que a escola ainda não dispõe de alguns mecanismos pedagógicos que abordem diretamente a diversidade e a inclusão. Ou seja, a escola pública parece estar mais aberta à abordagem das diversidades em função de sua natureza de atendimento público, que pressupõe assegurar o cumprimento dos direitos de sujeitos com demandas variadas.
Em suma, ao se combinarem uma escola cujo projeto pedagógico e suas aplicações se abrem para a diversidade e para o diálogo no cotejamento de situações de conflito, com uma família na qual os filhos são bem acompanhados pelas duas mães que têm investimento em sua vida escolar e mobilizam um capital cultural, no sentido lato, que lhes possibilita analisar, criticar situações pedagógicas e propor ações para a vida escolar dos filhos, bem como um capital social reconhecido pela escola, a intensidade do conflito se abranda – não desaparece – como resultado da comunicação família-escola, havendo uma busca por sanar os problemas que originaram o desacordo. Tais dados indicam assim alguns aspectos que se supõem sobre as relações que vêm sendo desenvolvidas entre as famílias homoparentais e as escolas dos filhos. Espera-se que, tão logo mais dados em análise que não foram apresentados neste texto, como os referentes aos casais masculinos com filhos, sejam divulgados, tenhamos mais elementos para repensar as práticas escolares e as possibilidades de acompanhamento das famílias em questão.
4A pesquisa da qual se origina este artigo não analisou famílias compostas por casais transgêneros, dada a especificidade desses sujeitos e a necessidade de recorte de um grupo de investigados, para que a investigação fosse exequível no tempo disposto.
5A expressão “homoafetividade”, segundo Costa e Nardi (2015), é utilizada apenas no Brasil e foi cunhada pela jurista brasileira Maria Berenice Dias, em seu livro União homossexual: o preconceito e a justiça, no qual a autora considera o afeto como aspecto constituinte das relações homossexuais. Tal concepção vem embasando a legislação, como ocorreu no caso da equiparação das uniões entre pessoas do mesmo sexo às uniões heterossexuais em 2011 pelo STF. Porém, os autores chamam a atenção para os riscos de o uso do termo balizar o avanço de direitos apenas pelo discurso do afeto, negligenciando outros aspectos políticos.
6Voltando-se aos discursos que questionavam o casamento e as relações de parentesco gays em circulação no EUA, sob a justificativa de que a finalidade do casamento seria a reprodução e que ele é a forma de se validar legalmente a instituição da família, Butler (2006), considera que nesse país há vários tipos de relações de parentesco não baseadas na família nuclear, compostas por vínculos biológicos e não biológicos, que extrapolam concepções jurídicas atuais e que operam segundo regras que não se podem formalizar ( p. 149). Para Butler, se parentesco for entendido como uma série de práticas que instituem relações diversas, frente às quais se negociam dinâmicas de reprodução da vida e as demandas da morte, as formas de parentesco seriam aquelas que surjam para cuidar das formas fundamentais da dependência humana, como o nascimento, o cuidado dos filhos, relações de dependência emocional e de apoio, laços intergeracionais, a doença e a morte (p.150). Problematizando a normatividade do matrimônio, como um instrumento do Estado capitalista, e o fato de que o reconhecimento das existências humanas passa pelo reconhecimento do Estado, este orientado pelas dinâmicas de poder que configuram também o âmbito jurídico, Bulter questiona o porquê de a única maneira de garantir direitos de saúde e seguridade social seja pelo matrimônio, e se isso não significaria que até a manutenção da saúde dependeria do estado civil e cada pessoa (p. 159). Ao discutir o motivo de casais gays buscarem o reconhecimento de suas relações perante o Estado, a autora afirma que é lógico que recorram ao Estado, sendo o casamento uma “resposta”, à AIDS, ou uma maneira da comunidade gay repudiar sua suposta promiscuidade, ou afirmar que pode ser saudável, normal e capaz de manter relações monogâmicas duradouras (p.166).
7Segundo Perrenoud (2001a), a escola opera uma série de interferências e tensionamentos nas vidas das famílias, embora também lhes dê apoio em vários aspectos. Assim, direciona a organização de seus tempos, seus recursos financeiros, suas escolhas, a organização do trabalho profissional e doméstico dos pais, espera que os pais controlem os filhos e os mantenham limpos e apresentáveis, além de que assumam o papel de “pais de aluno”. Entre muitas das coisas que, segundo o autor, a escola imprime à família, destacamos sua interferência na vida privada e sua perspectiva de policiamento dos lares, algo também discutido por Hernandez e Uziel (2014) para as quais os atores escolares passam a vigiar o “bom funcionamento” das famílias homoparentais.
8Bourdieu (2015a, 2015b) partindo de contribuições de Marx e Webber, compreende as relações sociais entre os indivíduos das diferentes classes como mercados, de onde eles extraem ganhos diferentes, conforme são munidos dos capitais econômico (que lhes possibilita diferentes relações com a posse dos bens materiais), cultural (a forma como mobilizam seu conhecimento e suas experiências com os bens culturais – literatura, música, artes plásticas, etc.) e social (as relações sociais que estabelecem com outros indivíduos, possibilitando-lhes influências e acessos que retornam como determinados ganhos pessoais). A dinâmica de competição e necessidade de afirmação entre as classes e suas frações estimula o desenvolvimento de práticas distintivas entre os indivíduos das classes superiores, refletidas em suas relações com os aspectos estéticos (pintura, fotografia, moda, decoração, música, cinema), alimentares, esportivos, linguísticos e educativos (os investimentos em educação e a busca por certas profissões de maior prestígio) voltados a formas ditas “superiores” dos estilos de vida, que colocam certo grupo em posição de destaque em relação a outros grupos (BOURDIEU, 1983). Assim, ao pensar num estudo comparativo entre as classes, Bourdieu (2015c) considera que a categorização de um grupo numa classe não possa ser redutível à posse econômica, embora esta determine também os acessos a determinados bens de consumo e estilos de vida. Analisando as críticas sobre esse conceito, Nogueira (2021) sistematiza três perspectivas de interpretação do conceito de capital cultural, retomando Davies e Rizk (2018), que, ao analisarem a evolução do uso do conceito, identificam três gerações de pesquisadores e respectivas interpretações do conceito: a) Leitores de Os herdeiros e A reprodução, atuantes entre os anos de 1970 e início dos anos 80, exaltantes dessa ferramenta conceitual, compreendendo o capital cultural “como mecanismo responsável pela estratificação educacional, ou seja, pelas desigualdades de resultados entre os estudantes, colocando a questão no plano mais amplo da mobilidade social”. A Segunda geração seria a leitora de trabalhos mais recentes de Bourdieu, como A distinção, A nobreza de estado e Homo Academicus, atuante entre o final dos anos 1980 e início dos anos 2000, “entendendo as vantagens culturais como participação em atividades ditas da alta-cultura (frequência a museus, concertos, bibliotecas, galerias de arte, etc.) e como meio de acesso tanto ao êxito social quanto ao sucesso acadêmico”. Já a terceira geração, relata Nogueira, atuante a partir dos anos 2000, têm questionado o papel determinante atribuído à alta cultura nas avaliações escolares, argumentando sobre novas formas de produção cultural nas sociedades contemporâneas, associadas aos meios de comunicação de massa, ao multiculturalismo e novos modelos parentais de gerir a escolaridade dos filhos, relacionados ao senso de investimento e estratégias educacionais sofisticadas que vêm condicionando o êxito escolar, para além da posse de uma cultura legítima (DAVIES; RIZK, 2018 apud NOGUEIRA, 2021, p.4). Para esta pesquisa, estamos considerando mais a terceira perspectiva que permite compreender o fenômeno das famílias cujos(as) genitores (as) tem bom nível instrucional, conhecimentos sobre seus direitos, informações sobre educação e o sistema escolar, além de aspectos da cultura geral.
9Tal escolha se deve ao fato de que Belo Horizonte e Região Metropolitana estão localizadas na Região Sudeste do País, onde há maior concentração de casamentos homoafetivos, conforme dados do IBGE.
10Todos os nomes das pessoas entrevistadas que constam neste texto são fictícios, seguindo o preceito da confidencialidade, dentro das normas da ética em pesquisa com seres humanos.
11Para Bernard Lahire (1997, 2004), os sujeitos contemporâneos vivenciam diversos contextos sociais e experiências de socialização, muitas vezes contraditórias e não coerentes entre si, acumulando um patrimônio de disposições (esquemas orientadores de pensamento e ação) e competências que não se reduzem às origens sociais. Quanto mais variadas as trajetórias sociais, quanto maior o acesso a diferentes experiências sociais, mais autênticas serão as individualidades e mais notáveis as variações individuais dos patrimônios de disposições.
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1Este artigo provém da pesquisa de Doutorado, desenvolvida pelo pedagogo e pesquisador Vitor Lino, no âmbito do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, na Linha de Pesquisa em Sociologia da Educação, sob orientação da Profa. Dra. Maria Alice Nogueira.
2Pedagogo na Rede Municipal de Ensino de Contagem, Mestre e doutorando em Educação. Programa de Pós-graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão Social/FaE -UFMG, na Linha de Pesquisa: Sociologia da Educação. vitorlino.fae.ufmg@gmail.com
3Professora Emérita da Universidade Federal de Minas Gerais. malicen@terra.com.br