ESTUDOS PÓS COLONIAIS

POST COLONIAL STUDIES

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202408181458


Glycia Ruthênia Tomaz Pontes1
Julianne do Nascimento Rocha2
Lucas Fernandes De Moura3
Thiago Chellappa4


RESUMO

No presente ensaio, iremos abordar aspectos relacionados aos estudos pós-coloniais analisando as consequências duradouras da colonização, enfatizando como as estruturas de poder coloniais continuam a influenciar as sociedades contemporâneas. Este campo interdisciplinar desafia a hegemonia cultural e intelectual ocidental, propondo uma reavaliação crítica das relações históricas e atuais de dominação e resistência. A metodologia utilizada é por meio de pesquisas bibliográficas, trazendo em torno do mesmo, levantamento de informações através de livros e artigos, assim como uma grande contribuição do autor: Boaventura de Souza Santos. Diante disso, propõem-se reflexões sobre a importância de compreender as experiências e perspectivas dos povos colonizados para promover uma justiça cognitiva e social.

Palavras-chave: Pós-coloniais; Hegemonia Cultural; Relações históricas; Poder; Boaventura.

ABSTRACT

In this essay, we will address aspects related to postcolonial studies by analyzing the lasting consequences of colonization, emphasizing how colonial power structures continue to influence contemporary societies. This interdisciplinary field challenges Western cultural and intellectual hegemony, proposing a critical reassessment of historical and current relations of domination and resistance. The methodology used is through bibliographical research, bringing together information gathered through books and articles, as well as a major contribution from the author: Boaventura de Souza Santos. In view of this, reflections are proposed on the importance of understanding the experiences and perspectives of colonized peoples in order to promote cognitive and social justice.

Keywords: Post-colonial; Cultural Hegemony; Historical Relations; Power; Boaventura.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Boaventura de Sousa Santos é um sociólogo, professor e intelectual português conhecido por suas contribuições significativas para os campos da sociologia do direito, sociologia política, sociologia da ciência e epistemologia. Uma de suas principais abordagens teóricas é a teoria das Epistemologias do Sul, que representa uma crítica e uma alternativa às formas tradicionais de produção de conhecimento. Santos, Araújo, Baumgarten, (2016, p.15) afirmam que:

As Epistemologias do Sul são uma proposta de expansão da imaginação política para lá da exaustão intelectual e política do Norte global, traduzida na incapacidade de enfrentar os desafios deste século, que ampliam as possibilidades de repensar o mundo a partir de saberes e práticas do Sul Global e desenham novos mapas onde cabe o que foi excluído por uma história de epistemicídio.

Boaventura é uma figura central nos estudos pós-coloniais, especialmente por seu trabalho em sociologia e teoria crítica, contribui para a compreensão das relações de poder globais e a colonialidade do saber, destacando como o conhecimento ocidental muitas vezes marginaliza outras formas de conhecimento: “a sociologia das ausências e a sociologia das emergências são exercícios fundamentais de superação do pensamento abissal […]” (Santos; Araújo; Baumgarten, 2016, p.16).

As Epistemologias do Sul, proposta pelo autor, emergem como uma resposta crítica às limitações das epistemologias dominantes, que historicamente foram baseadas nas experiências e perspectivas do Norte Global, especialmente da Europa e dos Estados Unidos. Essas epistemologias dominantes frequentemente desconsideram, marginalizam ou subestimam os conhecimentos, as experiências e as realidades dos povos do Sul Global – países periféricos, povos indígenas, minorias étnicas, entre outros.

Boaventura argumenta que as Epistemologias do Sul reconhecem a existência de múltiplos saberes e conhecimentos que são produzidos fora dos espaços tradicionais de legitimação acadêmica, desafiando assim a ideia de que apenas um tipo de conhecimento é válido ou legítimo. Ele propõe um pluralismo epistemológico que valoriza diferentes formas de conhecimento, incluindo conhecimentos locais, ancestrais, indígenas, populares e experienciais: “a pluralidade externa, ou seja, a construção de outros saberes, diz respeito a abertura a uma diversidade de modos de conhecimento e as novas formas de relacionamento entre estes e a ciência” (Santos; Meneses, 2010, p.420).

Além disso, as Epistemologias do Sul estão profundamente ligadas à luta por justiça social, direitos humanos e emancipação. Boaventura argumenta que a produção de conhecimento não é neutra, mas está intrinsecamente relacionada ao poder e à dominação. Portanto, descolonizar o conhecimento e reconhecer a diversidade epistemológica são passos fundamentais para alcançar uma sociedade mais justa e inclusiva, assim como Santos; Araújo; Baumgarten (2016, p.18) ressaltam:

Na sua fundação, encontra-se a ideia-chave de que não há justiça global sem justiça cognitiva global, isto é, as hierarquias do mundo só serão desafiadas quando conhecimentos e experiências do Sul e do Norte puderem ser discutidos a partir de relações horizontais e sem que as narrativas do Sul sejam sempre sujeitas à extenuante posição de reação (a periferia que reage ao centro, o tradicional que reage ao moderno, a alternativa que reage ao cânone).

Boaventura propõe uma reconfiguração do conhecimento científico e acadêmico, buscando a inclusão de saberes e perspectivas historicamente marginalizados. Ele defende a necessidade de diálogo intercultural, interdisciplinar e inter epistêmico para superar as hierarquias de conhecimento e promover uma compreensão mais abrangente e igualitária do mundo.

O conceito de “Epistemologias do Sul” não se refere apenas a uma geografia física, mas sim a um espaço social, político e cultural onde diferentes formas de conhecimento emergem e são sustentadas. Este conceito busca ir além das fronteiras convencionais do conhecimento acadêmico e científico, incorporando outras fontes de sabedoria e entendimento. Boaventura argumenta que o conhecimento tem sido historicamente dominado pelas epistemologias provenientes do Norte Global, especialmente da Europa e dos Estados Unidos, o que levou à marginalização e desvalorização dos conhecimentos locais, indígenas e populares: “as Epistemologias do Sul existem porque existem Epistemologias do Norte que se arrogam universais” (Santos; Araújo; Baumgarten, 2016, p.18). Isso resultou em uma hierarquia de saberes na qual certos tipos de conhecimento são considerados superiores, enquanto outros são desconsiderados ou desqualificados.

Nas Epistemologias do Sul, Boaventura defende a ideia de pluriversalidade, que reconhece a existência de múltiplos universos culturais, epistêmicos e ontológicos. Ele busca estabelecer uma plataforma na qual os conhecimentos sejam vistos como complementares e não como hierarquizados, incentivando o diálogo entre diferentes perspectivas e saberes.

Além disso, Boaventura propõe uma epistemologia do “ecossistema de saberes”, na qual os conhecimentos são entendidos como interconectados e interdependentes: “possibilitar que os grupos sociais oprimidos representem o mundo como próprio e em seus próprios termos, porque só assim poderão transformá-lo segundo as suas próprias aspirações” (Santos, 2018. p. 301 apud Rosa, 2020, p. 25).

Isso implica reconhecer a interação dinâmica entre os diversos saberes, enfatizando a importância de um diálogo intercultural e interdisciplinar para compreender as complexidades do mundo contemporâneo.

As Epistemologias do Sul têm implicações práticas significativas, não apenas no campo acadêmico, mas também nas esferas políticas, sociais e legais. Boaventura advoga por uma epistemologia crítica que questiona as estruturas de poder, promovendo a justiça cognitiva e a emancipação social. Ele argumenta que a democratização do conhecimento é essencial para promover uma sociedade mais justa e inclusiva: “a socialização do poder também iria implicar a formação de instituições globais para lá das fronteiras nacionais ou estatais, de modo a garantir a igualdade e na produção, reprodução e distribuição dos recursos mundiais” (Santos; Meneses, 2009, p. 411).

Boaventura é conhecido por suas críticas contundentes às estruturas do conhecimento e poder predominantes no Ocidente. Sua abordagem desafia a supremacia epistêmica e política do Ocidente, questionando as formas tradicionais de produção de conhecimento que historicamente dominaram o mundo acadêmico, científico e político.

Uma das críticas fundamentais de Boaventura ao Ocidente está relacionada à imposição e difusão global de um modelo único de conhecimento, que muitas vezes é eurocêntrico, colonial e universalizante. Ele argumenta que o conhecimento produzido no Ocidente tende a ser considerado como o padrão pelo qual outros saberes são medidos e, consequentemente, os conhecimentos não ocidentais são frequentemente desvalorizados, desconsiderados ou marginalizados.

Para Boaventura, a hegemonia do conhecimento ocidental está ligada a processos históricos de colonialismo, imperialismo e exploração, nos quais os países ocidentais impuseram seus valores, sistemas políticos e formas de conhecimento a outras culturas, muitas vezes desconsiderando as visões de mundo e os saberes locais.

Ele destaca que essa imposição de uma única visão de mundo e de conhecimento acarretou perda e marginalização de outros saberes valiosos, como os conhecimentos indígenas, populares e tradicionais de diferentes culturas ao redor do mundo, assim como declara Rosa (2020, p. 26):

[…] as ecologias dos saberes se opõem à lógica das monoculturas, identificando outros conhecimentos e critérios de validez que operam em práticas sociais, mas que são invisibilizadas pela ciência moderna, por ‘metodologias extrativistas’, pela comunicação hegemônica e pela educação tradicional.

Essa dominação epistêmica do Ocidente é vista por Boaventura como uma forma de opressão intelectual que perpetua desigualdades e injustiças.

Boaventura é um autor proeminente no campo dos estudos pós-coloniais e da teoria da descolonialidade. Sua obra aborda criticamente as estruturas coloniais persistentes no mundo contemporâneo e propõe caminhos para desafiar e superar essas formas de dominação.

Boaventura está profundamente comprometido com a descolonização do conhecimento e da prática social. Ele argumenta que as estruturas coloniais não apenas moldaram as relações entre os países do Norte Global e do Sul Global historicamente, mas também continuam a influenciar significativamente várias esferas da vida contemporânea, incluindo economia, política, cultura e conhecimento.

A descolonialidade, para Boaventura, não se limita apenas à libertação política dos países colonizados, mas também envolve a descolonização das mentes, dos sistemas de conhecimento e das estruturas sociais que perpetuam relações de poder coloniais. Ele propõe uma crítica profunda às narrativas dominantes que têm legitimado e perpetuado o colonialismo, tanto no passado quanto no presente.

Uma das contribuições importantes de Boaventura para a teoria da descolonialidade é a noção de “ecologia de saberes”. Ele defende a ideia de que diferentes tradições de conhecimento devem coexistir e interagir de maneira igualitária, respeitando e valorizando os saberes tradicionais, indígenas e populares, além dos saberes científicos ocidentais

Ao enfatizar a diversidade epistêmica, Boaventura desafia a suposição de que o conhecimento ocidental é superior ou universalmente aplicável, e argumenta que a interação entre diferentes sistemas de conhecimento pode enriquecer nossas compreensões e práticas sociais.

Boaventura também está envolvido na promoção de uma justiça cognitiva e epistêmica, argumentando que a inclusão de múltiplos saberes é essencial para alcançar uma sociedade mais equitativa e inclusiva.

Em suma, Boaventura tem desempenhado um papel fundamental ao destacar a importância da descolonização do conhecimento e das estruturas sociais como parte essencial da luta por justiça social, oferecendo alternativas críticas e emancipatórias para superar a herança colonial que continua a afetar profundamente o mundo contemporâneo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Boaventura propõe a necessidade de uma epistemologia plural e diversificada que reconheça e valorize a multiplicidade de saberes existentes no mundo, um movimento que ele nomeia como as “Epistemologias do Sul”. Ele defende a necessidade de diálogo entre diferentes culturas, saberes e perspectivas, buscando criar uma plataforma onde múltiplos conhecimentos possam coexistir e se complementar, sem hierarquias e dominações: “não se propõe uma substituição de um processo construído de cima para baixo por um processo que funciona de baixo para cima, mas uma meta de criação de relações não hierárquicas entre saberes” (Santos; Araújo; Baumgarten, 2016, p.16) . Essa crítica ao Ocidente não se trata de uma rejeição completa do conhecimento ocidental, mas sim de uma chamada à reflexão sobre a necessidade de reconhecer a diversidade epistêmica e de abrir espaço para a coexistência e interação entre diferentes formas de conhecimento.

Portanto, sua proposta não visa substituir completamente o conhecimento ocidental, mas sim enriquecê-lo por meio da inclusão e do diálogo com os saberes e conhecimentos que foram historicamente marginalizados ou subalternizados pelo paradigma dominante do Ocidente.

Em síntese, Santos defende a pluralidade epistêmica, o diálogo entre diferentes saberes e culturas, e a necessidade de descolonizar o conhecimento e as estruturas sociais para alcançar uma sociedade mais justa, inclusiva e equitativa. Suas contribuições têm sido fundamentais para repensar e diversificar os paradigmas tradicionais de conhecimento e poder.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ROSA, Rosane. Epistemologias do Sul: desafios teórico-metodológicos da educomunicação. Comunicação & Educação, São Paulo, Brasil, v. 25, n. 2, p. 20–30, 2020.

SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES. Maria Paula [orgs.]. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010.

SANTOS, Boaventura de Sousa; ARAÚJO, Sara; BAUMGARTEN, Maíra. As Epistemologias do Sul num mundo fora do mapa. Sociologias, v. 18, p. 14-23, 2016.

DE SOUZA SANTOS, Boaventura. Descolonizar. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2022.


1Graduanda em Humanidades
glyciaruthenia15@gmail.com
Universidade Do Rio Grande Do Norte / Instituto Humanitas de Estudos Integrados
2Graduanda em Humanidades
juliannenrocha@gmail.com
Universidade Do Rio Grande Do Norte / Instituto Humanitas de Estudos Integrados
3Graduando em Humanidades
lucasfernandes1981@hotmail.com
Universidade Do Rio Grande Do Norte / Instituto Humanitas de Estudos Integrados
4Doutor em Ciência e Engenharia de Materiais
chellappathiago@gmail.com
Universidade Do Rio Grande Do Norte / Instituto Humanitas de Estudos Integrados