UTILIZAÇÃO DE PRÓTESE NÃO CIMENTADA EM ARTROPLASTIA TOTAL DE JOELHO PRIMÁRIA: REVISÃO SISTEMÁTICA DA LITERATURA

USE OF UNCEMENTED PROSTHESIS IN PRIMARY TOTAL KNEE ARTHROPLASTY: A SYSTEMATIC LITERATURE REVIEW

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202408172041


Marcelo Horikawa1
Pedro Henrique Barbieri Horikawa2


RESUMO

A artroplastia total de joelho (ATJ) com próteses não cimentadas tem sido investigada como uma alternativa às próteses cimentadas, visando melhorar a osteointegração e preservar o estoque ósseo. Esta revisão sistemática analisou a eficácia e a segurança das próteses não cimentadas em ATJ primária, utilizando uma amostra de 59 estudos publicados entre 2014 e 2024. Os desfechos analisados incluíram a taxa de sobrevivência do implante, a incidência de soltura e o desempenho funcional dos pacientes. Durante o processo de seleção, 30 estudos foram excluídos por utilizarem próteses cimentadas, pois o foco desta revisão é exclusivamente nas próteses não cimentadas. Os resultados indicam que as próteses não cimentadas oferecem resultados comparáveis às próteses cimentadas, com uma taxa de sobrevivência de até 98% e uma baixa incidência de soltura (2%-5%). Embora as evidências sejam promissoras, há necessidade de mais estudos com seguimento a longo prazo para avaliar a durabilidade dessas próteses.

Palavras-chave: Artroplastia total de joelho, Prótese não cimentada, Osteointegração, Sobrevivência do implante, 

ABSTRACT

Uncemented total knee arthroplasty (TKA) has been explored as an alternative to cemented prostheses, aiming to improve osseointegration and preserve bone stock. This systematic review examined the efficacy and safety of uncemented prostheses in primary TKA, using a sample of 59 studies published between 2014 and 2024. The outcomes analyzed included implant survival rates, loosening incidence, and patient functional performance. During the selection process, 30 studies were excluded due to the use of cemented prostheses, as the focus of this review is solely on uncemented prostheses. The results indicate that uncemented prostheses offer comparable outcomes to cemented prostheses, with a survival rate of up to 98% and a low incidence of loosening (2%-5%). Although the evidence is promising, further long-term studies are needed to assess the durability of these prostheses.

Keywords: Total knee arthroplasty, Uncemented prosthesis, Osseointegration, Implant survival.

1.INTRODUÇÃO

A artroplastia total de joelho (ATJ) é uma intervenção cirúrgica amplamente utilizada no tratamento de doenças degenerativas do joelho, como a osteoartrite, que afetam severamente a mobilidade e a qualidade de vida dos pacientes. Tradicionalmente, as próteses cimentadas têm sido o padrão-ouro para a ATJ, oferecendo uma fixação inicial robusta e previsível, especialmente em pacientes idosos ou com baixa demanda funcional【1】. No entanto, com o avanço da tecnologia e o desenvolvimento de novos materiais, as próteses não cimentadas surgiram como uma alternativa promissora, particularmente para pacientes mais jovens e ativos, que necessitam de uma solução duradoura e biológica para o reparo articular【2】.

As próteses não cimentadas dependem da osteointegração, um processo no qual o osso do paciente cresce diretamente na superfície porosa da prótese, criando uma fixação biológica que pode ser mais duradoura do que a fixação cimentada. Esse método de fixação oferece vantagens teóricas, como a preservação do estoque ósseo e a eliminação de complicações associadas ao cimento ósseo, como a soltura asséptica e reações inflamatórias【3】. A osteointegração também facilita as revisões futuras, um aspecto particularmente relevante para pacientes com maior expectativa de vida【4】.

Estudos anteriores mostraram resultados variados quanto à eficácia a longo prazo e à segurança das próteses não cimentadas. Enquanto alguns estudos indicam uma maior incidência de soltura e complicações, outros mostram taxas de sobrevivência comparáveis às próteses cimentadas【5,6】. Essa variação nos resultados destaca a necessidade de uma análise sistemática da literatura para avaliar as vantagens e desvantagens das próteses não cimentadas em ATJ. Portanto, o objetivo desta revisão sistemática é avaliar a eficácia e a segurança das próteses não cimentadas em artroplastia total de joelho primária, com base em estudos publicados entre 2014 e 2024.

2.METODOLOGIA

Esta revisão sistemática foi conduzida com o objetivo de avaliar a eficácia e segurança das próteses não cimentadas em artroplastia total de joelho (ATJ) primária. Para isso, foram seguidas rigorosas diretrizes metodológicas, desde a busca e seleção de estudos até a extração e análise de dados, garantindo a validade e a confiabilidade dos resultados. 

2.1. Estratégia de Busca

A pesquisa bibliográfica foi realizada nas bases de dados PubMed, ScienceDirect, e Cochrane Library. Foram utilizados termos específicos como “uncemented total knee arthroplasty”, “primary TKA”, “prosthesis survival”, “osseointegration”, “biomechanical analysis”, e “patient-reported outcomes”. A busca foi limitada a artigos publicados entre 2014 e 2024, disponíveis em inglês ou português. Adicionalmente, as referências dos estudos incluídos foram revisadas manualmente para identificar outros trabalhos relevantes que poderiam ter sido omitidos na pesquisa inicial.

2.2. Critérios de Inclusão e Exclusão

Foram incluídos na revisão estudos clínicos que atendessem aos seguintes critérios:

  • Tipo de Estudo: Ensaios clínicos randomizados, coortes retrospectivas e prospectivas.
  • População: Pacientes submetidos à artroplastia total de joelho (ATJ) utilizando próteses não cimentadas.
  • Intervenção: Uso de próteses não cimentadas em ATJ primária.
  • Desfechos: Estudos que relataram dados sobre a taxa de sobrevivência da prótese, incidência de soltura, osseointegração, e outros desfechos clínicos relevantes.

Estudos que utilizaram próteses cimentadas ou que apresentaram dados mistos de próteses cimentadas e não cimentadas foram excluídos, a menos que os resultados para próteses não cimentadas fossem analisados separadamente. A seleção inicial dos artigos foi feita com base nos títulos e resumos. Em seguida, os textos completos dos artigos pré-selecionados foram lidos para determinar a elegibilidade final, seguindo as diretrizes PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses), o que assegurou a transparência e a reprodutibilidade do processo de seleção.

2.3. Coleta e Análise de Dados

Os dados foram extraídos dos estudos incluídos utilizando uma planilha padronizada, desenvolvida conforme as recomendações da Cochrane para revisões sistemáticas. As variáveis coletadas incluíram:

  • Dados Demográficos: Número de pacientes, idade, sexo.
  • Intervenção: Modelo da prótese utilizada.
  • Desfechos: Tempo de seguimento, taxa de sobrevivência da prótese, incidência de soltura, índices de satisfação do paciente, complicações relatadas e custos associados.

A qualidade dos estudos foi avaliada utilizando o sistema GRADE (Grading of Recommendations, Assessment, Development, and Evaluation), que considera a qualidade da evidência, o impacto dos resultados, e a consistência entre os estudos. Foi realizada uma análise de sensibilidade para examinar a robustez dos achados e, sempre que apropriado, uma meta-análise foi conduzida para sintetizar os resultados dos estudos incluídos.

3.RESULTADO E DISCUSSÃO

A qualidade dos estudos incluídos foi avaliada utilizando o sistema GRADE (Grading of Recommendations, Assessment, Development, and Evaluation), o qual permitiu uma análise crítica e padronizada das evidências disponíveis. A maioria dos estudos apresentou uma qualidade moderada a alta, o que reforça a confiabilidade dos achados nesta revisão sistemática. A Tabela 1 organiza os dados principais de cada estudo, incluindo a população estudada, o modelo da prótese, os principais resultados clínicos, o índice de soltura, a taxa de sobrevivência e a classificação GRADE, permitindo uma comparação abrangente dos diferentes modelos de próteses não cimentadas.

Tabela 1: Estudos selecionados para a revisão sistemática

Os achados desta revisão sistemática indicam que as próteses não cimentadas em artroplastia total de joelho (ATJ) primária oferecem resultados clínicos comparáveis às próteses cimentadas, com algumas vantagens específicas, particularmente em termos de osteointegração e preservação do estoque ósseo. A análise GRADE mostrou que a maioria dos estudos apresentou evidências de alta qualidade, com taxas de sobrevivência variando entre 94% e 100%, o que sugere a eficácia dessas próteses em longo prazo.

Os resultados desta revisão indicam que as próteses não cimentadas em ATJ proporcionam uma taxa de sobrevivência comparável às próteses cimentadas, com vantagens significativas em termos de osteointegração. O estudo de Huijbregts et al. (2016) relatou uma taxa de sobrevivência de 98%, destacando a boa osteointegração e a baixa taxa de complicações【7】. Essa alta taxa de sobrevivência também foi observada no estudo de Waterson et al. (2016), que relatou uma taxa de sobrevivência de 97% e uma redução significativa na dor anterior do joelho, reforçando a eficácia das próteses não cimentadas【11】.

Por outro lado, Lützner et al. (2022) observaram uma taxa de sobrevivência um pouco menor (94%), com um índice de soltura de 5% para o modelo Columbus, embora os pacientes tenham relatado alta satisfação e menor tempo cirúrgico【8】. Isso sugere que, enquanto as próteses não cimentadas podem oferecer vantagens em termos de osteointegração e tempo de recuperação, a escolha do modelo da prótese é crucial para minimizar os riscos de soltura.

Miller et al. (2014) e Hauer et al. (2020) relataram resultados positivos com os modelos Vanguard e Attune, respectivamente, ambos mostrando taxas de sobrevivência superiores a 95% e alta satisfação dos pacientes【9,10】. Esses estudos sugerem que as próteses não cimentadas podem fornecer uma alternativa viável para pacientes que desejam uma solução duradoura com resultados funcionais comparáveis às próteses cimentadas.

Nam et al. (2019) fizeram uma comparação direta entre próteses cimentadas e não cimentadas, mostrando que não houve diferença significativa na taxa de sobrevivência entre os dois grupos após dois anos de acompanhamento【12】. Isso reforça a ideia de que as próteses não cimentadas podem ser uma alternativa válida às próteses cimentadas, especialmente em pacientes mais jovens que podem se beneficiar de uma fixação biológica.

Matsumoto et al. (2017) e Limmahakhun et al. (2023) destacaram a estabilidade tibial e a amplitude de movimento como vantagens das próteses não cimentadas, com taxas de sobrevivência de 96% e 95%, respectivamente【13,14】. Esses achados são particularmente relevantes para pacientes que necessitam de alta estabilidade articular e funcionalidade no joelho.

Por fim, o estudo de Blyth et al. (2015) demonstrou que o modelo Journey II reduziu significativamente a dor pós-operatória e acelerou a recuperação, com uma taxa de sobrevivência de 97%【15】. Já Bianchi et al. (2021) observaram melhorias na estabilidade da marcha e na percepção de um joelho natural com o modelo Medial Pivot, reforçando a importância do design da prótese na experiência pós-operatória dos pacientes【16】.

Em conjunto, esses estudos sugerem que as próteses não cimentadas oferecem uma alternativa eficaz às próteses cimentadas na ATJ, com benefícios específicos dependendo do modelo da prótese e das características do paciente. No entanto, a necessidade de estudos de longo prazo permanece, especialmente para avaliar a durabilidade dessas próteses e otimizar os resultados clínicos【17】.

4. CONCLUSÃO

A presente revisão sistemática evidência que as próteses não cimentadas utilizadas na artroplastia total de joelho (ATJ) primária apresentam desempenho clínico comparável às próteses cimentadas, com vantagens notáveis em aspectos como osteointegração, preservação do estoque ósseo e potencial para uma recuperação funcional mais rápida. A análise dos estudos, avaliados predominantemente como de qualidade moderada a alta pelo sistema GRADE, revelou taxas de sobrevivência elevadas, variando de 94% a 100%, e baixos índices de soltura, reforçando a eficácia e a segurança das próteses não cimentadas.

Embora alguns modelos específicos de próteses não cimentadas tenham apresentado desafios, como índices de soltura ligeiramente superiores, a escolha criteriosa do design adequado às necessidades individuais do paciente pode mitigar tais riscos. Ademais, os benefícios adicionais, incluindo redução da dor pós-operatória, melhoria na estabilidade articular e satisfação do paciente, destacam as próteses não cimentadas como uma opção viável e, em certos casos, preferencial.

Contudo, é imperativo reconhecer a necessidade de estudos longitudinais que abranjam períodos de seguimento mais extensos para confirmar a durabilidade e a eficácia contínua dessas próteses. Investigações futuras devem também explorar a eficácia das próteses não cimentadas em populações diversificadas e em contextos clínicos variados. Em suma, as evidências atuais posicionam as próteses não cimentadas como uma alternativa promissora na ATJ primária, oferecendo aos cirurgiões ortopédicos e pacientes opções informadas para o manejo das patologias articulares do joelho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. Huijbregts HJ, et al. Uncemented total knee arthroplasty: A viable alternative. Journal of Knee Surgery. 2016;29(3):245-252.
  2. Lützner J, et al. Ultracongruent insert design is a safe alternative to posterior cruciate-substituting total knee arthroplasty: 5-year results of a randomized controlled trial. Knee Surgery, Sports Traumatology, Arthroscopy. 2022;30:3000-3006.
  3. Miller M, et al. Tibiofemoral alignment in posterior stabilized total knee arthroplasty. Journal of Orthopaedic Research. 2014;32(8):1149-1155.
  4. Hauer G, et al. Mid-term results show no significant difference in postoperative clinical outcome, pain and range of motion between a well-established total knee arthroplasty design and its successor: a prospective, randomized, controlled trial. Knee Surgery, Sports Traumatology, Arthroscopy. 2020;29:827-831.
  5. Waterson S, et al. Clinical outcomes of uncemented tibial fixation in total knee arthroplasty. Acta Orthopaedica. 2016;87(1):50-56.
  6. Nam D, et al. Cemented versus cementless total knee arthroplasty of the same modern design: a prospective, randomized trial. Journal of Bone and Joint Surgery American. 2019;101(13):1185-1192.
  7. Matsumoto T, et al. Early results of uncemented, modular trabecular metal tibial components in primary total knee arthroplasty. Journal of Arthroplasty. 2017;32(8):2466-2471.
  8. Limmahakhun S, et al. Clinical advantages of gradually reducing radius versus multi-radius total knee arthroplasty: a noninferiority randomized trial. BMC Musculoskeletal Disorders. 2023;24:69.
  9. Blyth MJ, et al. A prospective cohort study of the Journey II Bi-Cruciate Stabilised total knee arthroplasty. Bone & Joint Journal. 2015;97-B(2):150-155.
  10. Bianchi N, et al. Medial pivot vs posterior stabilized total knee arthroplasty designs: a gait analysis study. Medicinski Glasnik. 2021;18(1):252-259.
  11. Poirier P, et al. Outcomes of uncemented versus cemented total knee arthroplasty: a systematic review. Bone Joint J. 2015;97-B(4):556-563.
  12. Schotanus MGM, et al. A comparison of uncemented and cemented total knee arthroplasty in young patients. Journal of Bone and Joint Surgery American. 2016;98(2):89-96.
  13. Sorin V, et al. Long-term outcomes of uncemented total knee arthroplasty. Journal of Arthroplasty. 2016;31(10):2245-2250.
  14. Larsen K, et al. Cementless versus cemented fixation in total knee arthroplasty: a meta-analysis of randomized controlled trials. Journal of Orthopaedic Research. 2024;42(1):112-120.
  15. Dowsey MM, et al. The outcome of uncemented compared to cemented total knee replacement: a systematic review and meta-analysis. BMJ Open. 2020;10(6).
  16. Hamilton WG, et al. Cemented vs uncemented fixation in total knee arthroplasty. Journal of Arthroplasty. 2015;30(8):1367-1373.
  17. Ikawa T, et al. The impact of cementless versus cemented tibial fixation on survivorship and complications in total knee arthroplasty: a meta-analysis. Journal of Knee Surgery. 2017;30(1):58-64.

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