VEIAS ABERTAS DO MUNICÍPIO DE ARATACA: A NECESSIDADE DE ROMPER COM O COLONIALISMO, CORONELISMO E O CLIENTELISMO

REGISTRO DOI:10.69849/revistaft/th10248171336


Jonata S. Rosa¹


Resumo: O presente artigo aborda a influência do colonialismo, coronelismo e clientelismo no município de Arataca, localizado na região Cacaueira da Bahia. Analisando a história do Brasil desde o período colonial, o estudo destaca como as práticas políticas e administrativas herdadas desse período moldaram a sociedade local. A administração colonial portuguesa, marcada pela centralização e dependência econômica da metrópole, criou uma estrutura que favorecia a exploração de recursos naturais e o controle pelas elites locais. Com a criação do cargo de juiz de paz em 1827, iniciou-se o coronelismo, onde grandes proprietários de terras e escravos consolidaram seu poder local. No século XX, a produção de cacau intensificou essas práticas, consolidando a influência dos coronéis na política regional. Mesmo após a crise da lavoura cacaueira, os resquícios do coronelismo e clientelismo persistem, moldando a dinâmica política e econômica atual. O artigo enfatiza que Arataca, apesar de suas belezas naturais e potencial para o ecoturismo, permanece presa a essas práticas, impedindo seu desenvolvimento comparado aos municípios vizinhos. A análise do legado colonialista e coronelista revela a necessidade urgente de romper com essas estruturas para promover o desenvolvimento local.

Palavras-chave: colonialismo, coronelismo, clientelismo, Arataca, desenvolvimento local.

Abstract: This article addresses the influence of colonialism, coronelismo, and clientelism in the municipality of Arataca, located in the Cocoa region of Bahia. Analyzing Brazil’s history since the colonial period, the study highlights how the political and administrative practices inherited from that time shaped local society. The Portuguese colonial administration, marked by centralization and economic dependence on the metropolis, created a structure that favored the exploitation of natural resources and control by local elites. With the creation of the position of justice of the peace in 1827, coronelismo began, where large land and slave owners consolidated their local power. In the 20th century, cocoa production intensified these practices, consolidating the influence of coronels in regional politics. Even after the cocoa farming crisis, the remnants of coronelismo and clientelism persist, shaping the current political and economic dynamics. The article emphasizes that Arataca, despite its natural beauty and potential for ecotourism, remains trapped by these practices, hindering its development compared to neighboring municipalities. The analysis of the colonial and coronelist legacy reveals the urgent need to break free from these structures to promote local development.

Keywords: colonialism, coronelismo, clientelism, Arataca, local development.

Introdução

Todos os aspectos do Brasil contemporâneo sofreram influência do nosso período colonialista. Em transcorrência deste regime incipiente, nossa construção como país foi moldada. Mais precisamente no que tange a política e administração neste período, alguns autores argumentam que a administração do Brasil colonial foi marcada por características distintas que refletiam o espírito da época e os interesses econômicos da metrópole. Segundo Caio Prado Júnior, “a administração portuguesa no Brasil colonial era marcada pela centralização do poder nas mãos do rei e pela delegação de funções administrativas a governadores e capitães-mores” (1997, p. 52). Esse sistema burocrático, embora desorganizado e ineficiente, tentava regular as relações entre colonos e a metrópole, assegurando o fluxo constante de riquezas para Portugal, como observa Gilberto Freyre em “Casa-Grande & Senzala” (1933, p. 89).

A dependência econômica da metrópole influenciava profundamente a

administração pública, com governadores-gerais e capitães donatários exercendo funções administrativas e judiciais para garantir a exploração eficiente dos recursos naturais, conforme destaca Sérgio Buarque de Holanda em “Raízes do Brasil” (1936, p. 114). Celso Furtado, em “História Econômica do Brasil”, complementa que “a estrutura administrativa do Brasil no período colonial era fragmentada e altamente dependente da metrópole, com instituições como as Câmaras Municipais desempenhando um papel crucial na administração local, mas sempre sob a vigilância das autoridades portuguesas” (1959, p. 63). Luís Felipe de Alencastro, em “O Brasil Colonial”, ressalta que “a administração colonial portuguesa no Brasil era caracterizada por um sistema de capitanias hereditárias, onde donatários recebiam terras e direitos administrativos em troca de desenvolver e defender a colônia, embora muitas vezes com sucesso limitado” (2000, p. 45). Essas diferentes perspectivas revelam uma administração centralizada, fragmentada e orientada pela exploração econômica, moldando a sociedade colonial brasileira desde seus primórdios. 

Importante destacar que neste período embrionário da administração e política colonial, os jesuítas desempenharam um papel crucial até sua expulsão em 1759. Segundo Raymundo Faoro, “os jesuítas desempenharam um papel crucial na colonização do Brasil, atuando não apenas na evangelização dos indígenas, mas também na administração de vastas áreas de terras e na formação de um sistema educacional que influenciou profundamente a política e a sociedade colonial” (2001, p. 217). Boris Fausto complementa que “a Companhia de Jesus assumiu um papel central na administração colonial, gerenciando aldeamentos e missões que funcionavam como centros de poder autônomos e frequentemente em conflito com os interesses da Coroa e dos colonos” (1994, p. 45). Eduardo Bueno destaca que “a influência dos jesuítas na política colonial era tão grande que seus aldeamentos eram vistos como estados dentro do Estado, exercendo uma autoridade que frequentemente rivalizava com a dos governadores e capitães-mores” (2003, p. 78). João Francisco Lisboa observa que “os jesuítas, através de suas missões e do controle sobre a educação, se tornaram uma força política relevante, sendo muitas vezes consultados em decisões administrativas e políticas importantes, até serem expulsos em 1759” (1970, p. 123). Caio Prado Júnior acrescenta que “a Companhia de Jesus detinha grande poder econômico e político, controlando extensas propriedades rurais e atuando como mediadora entre os interesses da metrópole e dos colonos, até que sua crescente influência levou à expulsão decretada pelo Marquês de Pombal” (1970, p. 102).

Após a expulsão dos jesuítas em 1759, a administração e a política do Brasil colonial passaram por significativas mudanças. Segundo Caio Prado Júnior, “a expulsão dos jesuítas marcou o início de uma reorganização administrativa na colônia, com a Coroa portuguesa assumindo o controle direto das terras e missões anteriormente administradas pelos jesuítas” (1942, p. 133). Luiz Felipe de Alencastro destaca que “a administração colonial passou a ser reestruturada com a criação de novas instituições e cargos administrativos que buscavam substituir a influência dos religiosos” (2000, p. 198). Boris Fausto complementa que “a saída dos jesuítas, abriu caminho para uma nova dinâmica política na colônia, com a elite colonial assumindo papéis mais proeminentes na administração local” (1994, p. 89). João José Reis observa que “a expulsão dos jesuítas, trouxe uma mudança significativa no controle educacional e religioso da colônia, com a Coroa portuguesa tentando substituir o sistema educacional jesuítico por escolas régias e seculares” (1991, p. 145). Maria Yedda Linhares acrescenta que “a administração colonial se tornou mais burocrática e centralizada, refletindo a política reformista pombalina” (1990, p. 210).

Todo o cenário mudou com a chegada de Dom João VI e sua corte ao Brasil em 1808. Esse evento histórico teve um impacto profundo na administração e política da colônia. Laurentino Gomes observa que “a chegada da corte portuguesa ao Brasil em 1808 transformou a colônia em sede do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, centralizando a administração e

promovendo reformas que modernizaram a economia e a infraestrutura” (2007, p. 45). Boris Fausto complementa que “a instalação da corte no Rio de Janeiro alterou profundamente a administração colonial, com a criação de novos órgãos administrativos e a reorganização do aparato estatal” (1994, p. 122). Sérgio Buarque de Holanda destaca que “a vinda da família real trouxe um novo dinamismo político ao Brasil, com a criação de tribunais, ministérios e outras instituições que até então só existiam na metrópole” (1936, p. 189). Kenneth Maxwell afirma que “Dom João VI transformou o Brasil em um reino autônomo, promovendo reformas administrativas que incluíram a criação de um sistema de ensino superior e a modernização do sistema judiciário” (1995, p. 88). Boris

Fausto, em outra obra, reforça que “a presença da corte no Brasil estimulou o desenvolvimento urbano e econômico, preparando o país para sua emancipação política” (2002, p. 203).

No ano de 1827, Dom Pedro I, antes de deixar o país rumo a Portugal, criou o cargo de juiz de paz. A criação deste cargo implicou na ampliação do poder local dos proprietários de escravos e terras. Deste modo, evidenciou-se um impacto significativo na política local do Brasil, marcando o início do coronelismo. Segundo Caio Prado Júnior, “a criação do cargo de juiz de paz por Dom Pedro I em 1827 foi uma medida que visava descentralizar a administração local, mas acabou por fortalecer o poder dos grandes proprietários de terras e escravos” (1942, p. 78). José Murilo de Carvalho acrescenta que “o cargo de juiz de paz, criado por Dom Pedro I, foi um dos primeiros passos para o fortalecimento do poder local nas mãos dos grandes proprietários rurais, contribuindo para o desenvolvimento do coronelismo” (2001, p. 102). Boris Fausto observa que “a nomeação dos juízes de paz por Dom Pedro I criou uma estrutura de poder local que facilitou a atuação dos grandes proprietários de terras, um fenômeno que se consolidaria como o coronelismo” (1994, p. 89). Fernando Salla reforça que “o cargo de juiz de paz foi fundamental para o desenvolvimento do coronelismo no Brasil, ao conceder poderes administrativos significativos aos grandes proprietários de terras” (2005, p. 142). A nova estrutura administrativa permitiu que grandes proprietários de terras e escravos consolidassem seu poder local. Segundo José Murilo de Carvalho, “o cargo de juiz de paz, criado por Dom Pedro I, foi um dos primeiros passos para o fortalecimento do poder local nas mãos dos grandes proprietários rurais” (2001,p. 102). Esses coronéis passaram a controlar não apenas a política local, mas também a economia, particularmente a produção de cacau.

A influência dos coronéis na administração regional moldou a estrutura política da região, criando um sistema em que as decisões eram fortemente influenciadas por interesses locais em vez de uma administração centralizada. Como destaca Boris Fausto, “a nomeação dos juízes de paz por Dom Pedro I criou uma estrutura de poder local que facilitou a atuação dos grandes proprietários de terras” (1994, p. 89). Esse controle também gerou tensões e conflitos, refletindo as dificuldades em equilibrar o poder local com a necessidade de uma administração mais justa e eficiente. Apesar do crescimento econômico impulsionado pela produção de cacau, a estrutura social e política permaneceram desiguais, com o poder concentrado nas mãos de poucos. 

O coronelismo na Região Cacaueira da Bahia, embora tenha evoluído ao longo dos anos, continua a influenciar profundamente a política e a administração local. Ana Luiza de Souza aponta que “o coronelismo, que se consolidou com a posse das grandes plantações de cacau, ainda persiste na Região Cacaueira” (2012, p. 89). A evolução geográfica da região a partir das sesmarias, que foram concessões de terras feitas pela Coroa Portuguesa, desempenhou um papel crucial na formação do coronelismo. As sesmarias permitiram que grandes áreas de terra fossem atribuídas a proprietários, os quais, com o tempo, se tornaram os coronéis locais. João Pedro Azevedo destaca que “as práticas clientelistas e a concentração de poder nas mãos de grandes proprietários ainda são visíveis na política da Região Cacaueira” (2018, p. 112). As sesmarias facilitaram a acumulação de terras e recursos, consolidando o poder desses proprietários e permitindo-lhes moldar a política regional conforme seus interesses. Beatriz Lima complementa que “o coronelismo evoluiu para formas mais sutis de controle político, mas seu legado persiste” (2020, p. 67). O controle territorial exercido pelos grandes proprietários se refletiu na forma como os recursos eram distribuídos e na influência desses líderes locais na administração pública. O artigo do “O Estado da Bahia” também ressalta que “em muitos municípios da região, líderes locais ainda desempenham papéis significativos na política” (2021, p. 23), evidenciando como o controle das terras, que começou com as sesmarias, ainda influencia a administração e a política local.

A distribuição territorial histórica, iniciada com as sesmarias, criou uma estrutura de poder onde poucos proprietários controlavam vastas áreas de terra e, por conseguinte, a política local. Essa estrutura foi crucial para o estabelecimento do coronelismo e continua a afetar a dinâmica política e econômica da Região Cacaueira até os dias atuais.

Todo este exposto trouxe consequências históricas para a política no Brasil. Mais especificamente na região geográfica imediata de Camacan que é uma das 4 regiões que compõem a região geográfica imediata de Ilhéus-Itabuna.

Ela é composta por 8 municípios e tem uma população total de 136.397 mil habitantes. Dentro desta região está inserido o município de Arataca que tem uma população estimatimada de 10.191 (CENSO IBGE/2022).

Metodologia

 Para realizar este estudo, adotou-se a metodologia de revisão bibliográfica, essencial para entender os impactos históricos e contemporâneos das práticas coloniais e coronelistas em Arataca. Segundo Gil (2002), a revisão bibliográfica permite “a compreensão do estado da arte em determinado campo de estudo” e possibilita a identificação de lacunas no conhecimento. Foram analisadas fontes históricas, acadêmicas e literárias, incluindo obras de historiadores, sociólogos e cientistas políticos, bem como documentos oficiais e relatórios governamentais.

 A análise documental foi uma ferramenta crucial para identificar características e impactos das práticas coloniais e coronelistas na economia, política, sociedade e cultura de Arataca. Conforme Cellard (2008), a análise documental permite “a compreensão das práticas e representações sociais a partir dos documentos produzidos em um contexto específico”. Foi realizada uma contextualização histórica detalhada, destacando eventos e transformações significativas, como a era colonial, a introdução da justiça de paz e o ciclo do cacau.

 Além disso, realizou-se uma análise qualitativa a partir da visão do autor sobre a cidade, complementando as informações bibliográficas com observações e interpretações pessoais. Segundo Minayo (2001), a análise qualitativa “privilegia a profundidade interpretativa e a compreensão dos fenômenos sociais a partir das perspectivas dos sujeitos envolvidos”. Essa abordagem permitiu um entendimento mais subjetivo e aprofundado dos impactos do colonialismo e coronelismo na vida cotidiana de Arataca.

 A interpretação crítica dos dados foi guiada por metodologias sugeridas por Bardin (2011), que destaca a importância da “análise de conteúdo” para interpretar textos e documentos de forma profunda e significativa. Essa abordagem permitiu relacionar as práticas históricas com a situação atual do município, compreendendo como os legados do colonialismo e do coronelismo ainda influenciam a política e a economia locais.

Para uma compreensão mais ampla, comparou-se Arataca com municípios vizinhos, identificando diferenças e similaridades nos processos de desenvolvimento. Este método comparativo, conforme sugerido por Sartori (1994), “permite a identificação de padrões e variáveis significativas” entre diferentes contextos. A discussão dos resultados refletiu sobre possíveis soluções e caminhos para romper com as estruturas coloniais e coronelistas, visando promover o desenvolvimento sustentável e inclusivo de Arataca.

Resultados e Discussões

Pelo Decreto Estadual nº 8.045 de 23 de Abril de 1932, foi criado o distrito de Xapuri, subordinado ao município de Una. Somente a partir do Decreto-Lei Estadual nº 141 de Dezembro de 1943, retificado pelo Decreto Estadual nº 12.978 de 1944, o distrito tomou denominação de Arataca. Porém apenas foi elevado a categoria de município pela Lei Estadual nº 4.442 de 1985, no qual foi finalmente desmembrado de Una. O município é constituído por dois distritos: Anurí e Itatinguí. 

Localização do Município de Arataca[1]

Avançando a partir dessas formalidades geográficas, cria-se importância em salientar que todos os municípios da região carregam traços da herança coronelista que dominou a política regional desde o desbravamento dessas terras que eram de outrora pertencentes por séculos aos indígenas.

Nos primeiros anos do século XVIII, iniciou-se a colonização do território do futuro município de Canavieiras, que àquela época, pertencia a Capitania de São Jorge dos Ilhéus. Um grupo de aventureiros brasileiros e portugueses, não se sabe se a procura de ouro, de terras melhores para a expansão de suas lavouras ou simplesmente fugindo dos índios Pataxós, chegou a um local próximo à Costa, ao sul da Capitania, onde se fixou.(Secretaria de Educação de Canavieiras).

Vale salientar que o município de Una, que outrora tinha Arataca anexado a seus domínios, também tem histórico semelhante de ex-distrito. Durante muito tempo constituía-se território de Canavieiras.

Os primeiros desbravadores do território que atualmente integra o município de Una foram D. Maria Clementina Henriqueta e seus familiares que ocuparam as terras no ano de 1770, requerendo a sesmaria a D. Rodrigues José de Menezes, então governador e Capitão Geral da Província da Bahia. Em 26 de julho de 1787, a sesmaria foi-lhes concedida pela rainha de Portugal, com três léguas de frente e uma de fundo, situada na confluência dos rios Una e Cachoeira. (Prefeitura Municipal de Una).

 Deste modo, enfatizamos mais uma vez, que os demais municípios da região descendem de antigas sesmarias e a partir delas várias emancipações de municípios foram se constituindo, principalmente após a década de 60. Já que muitas dessas regiões se tornaram grandes produtoras de cacau e constituíram cultura própria. Destaco que as Sesmarias eram lotes de terras concedido por Portugal para cultivo de terras virgens. Começou no final da Idade Média em Portugal e foi amplamente usado no Brasil colonial, desde a criação das capitanias hereditárias em 1534 até a independência em 1822. Foram nestas Sesmarias que começou a produção de cacau na região sul da Bahia. Iniciou-se no final do século XIX, aproveitando as condições climáticas favoráveis e o solo fértil da região. O cultivo começou em 1880, quando fazendeiros locais começaram a plantar cacau em larga escala devido à crescente demanda internacional por chocolate e cacau (Silva, 2001). A imigração de trabalhadores africanos e nordestinos foi crucial para o desenvolvimento da cultura do cacau, fornecendo a mão de obra necessária para o cultivo e a colheita (Oliveira, 2005). A expansão da produção durante o século XX foi acompanhada pela introdução de técnicas mais modernas, o que ajudou a consolidar a Bahia como um dos principais polos de cacau no Brasil e no mundo (Sousa, 2010).

A partir da década de 1960, a modernização dos métodos de cultivo e processamento permitiu que a região se destacasse pela qualidade do cacau produzido, o que teve um impacto significativo na economia local e nacional (Pereira, 2018). Atualmente, a região sul da Bahia é reconhecida pela excelência de seu cacau, contribuindo de forma relevante para a indústria do chocolate global. Este cenário foi polo fecundo para a constituição do Coronelismo e Clientelismo na região. A produção de cacau na região sul da Bahia, que começou no final do século XIX, teve um impacto profundo na economia local e na configuração política da área. O cultivo de cacau, iniciado em 1880, aproveitou as condições climáticas e o solo fértil da região, impulsionado pela demanda internacional por chocolate (Silva, 2001). Esse crescimento rápido gerou riqueza e concentração de poder, criando um ambiente propício para o surgimento e consolidação dessas práticas de consolidação de poder estamental.

Durante o auge da produção cacaueira, no início do século XX, grandes produtores de cacau, conhecidos como “coronéis”, dominaram a política local. Esses líderes utilizavam sua influência econômica para garantir apoio político e controle sobre a população. O sistema clientelista se estabeleceu com a troca de favores e benefícios por lealdade política, perpetuando a dependência econômica e social da população em relação aos poderosos produtores (Fernandes, 1997). A estrutura econômica da região, marcada pela concentração de terras e a dependência da força de trabalho, alimentou um sistema de reciprocidade que sustentava o poder local através de redes de clientela (Andrade, 2006). Mesmo após a crise da lavoura cacaueira e a diversificação econômica nas últimas décadas, os traços de coronelismo e clientelismo persistem na cultura e política local. A dependência de líderes regionais e a prática de favores em troca de apoio ainda influenciam a dinâmica política, refletindo um legado que resiste às mudanças (Souza, 2013; Silva, 2019).

Coronéis do Cacau[2]

Hoje, embora o contexto tenha mudado com a modernização e as novas demandas econômicas, o clientelismo e o coronelismo continuam a se manifestar na política local, evidenciando a persistência das estruturas tradicionais moldadas pelo auge da produção de cacau.

Município de Arataca

 Atualmente o município de Arataca se encontra ainda preso as raízes do CCC (colonialismo, coronelismo e clientelismo) o que impede o município de progredir como seus vizinhos. Alguns deles se encontram em situação que, mesmo que o CCC ainda seja evidente, esboçam algum tipo desprendimento gradual a essas práticas. Determinados municípios tem comércio forte e desenvolvido, saúde, esporte, educação se entrelaçando. Até de certo modo, tentam desenvolver o turismo que é tão pouco explorado na região de tantas ricas belezas naturais. Destaco que de todos os municípios, Arataca é o mais belo naturalmente, conta até mesmo com um Parque Nacional chamado ‘Serra das Lontras’, criado em 2010 e com uma área de 11.336 ha, abrange partes dos municípios de Arataca, São José da Vitória e Una. O parque é conhecido por suas formações de florestas de altitude e pela descoberta recente de novas espécies. É uma área prioritária para a conservação pela SAVE Brasil e tem potencial para ecoturismo devido à sua beleza cênica e proximidade com a BR101. O parque também é crucial para o abastecimento de água das cidades vizinhas. De todo modo, essa beleza inestimável não é explorada pelo município que ignora a sua existência. Desse modo, não há a promoção de políticas para que o turismo seja explorado na região, inviabilizando a geração de novos empregos e o aquecimento do comércio da cidade. 

Mapa do Parque Nacional Serra das Lontras[3]

 Partindo dessa premissa norteadora iremos analisar a veias abertas do município de Arataca sob o prisma do CCC (colonialismo, coronelismo e clientelismo). Para termos uma abordagem mais individual de como ainda há a persistência destes regimes na cidade e como eles estão atrasando o desenvolvimento de seu povo. 

Colonialismo Arataquense

 O colonialismo deixou um legado profundo na sociedade brasileira como um todo, moldando suas estruturas políticas e sociais de maneiras que ainda podem ser sentidas hoje. Este impacto pode ser observado particularmente na cidade de Arataca que, mesmo após sua emancipação, continua a enfrentar desafios associados a práticas políticas e administrativas herdadas da era colonial.

 Na era colonial, as estruturas de governança eram frequentemente centralizadas e autoritárias, com o poder concentrado nas mãos de poucos. Esse modelo é facilmente observável no município em questão, manifestando-se em práticas políticas que, de modo mais disfarçado, sempre querem atender a seus interesses em detrimento do sofrimento do povo. Povo este qual foi culturalmente aliciado a ser conivente a este estilo político no qual adotaram como mantra para suas escolhas políticas o termo “Rouba mas faz”, justificando o seu voto no “menos pior”.

 A influência colonial nas estruturas políticas pode ter impactos diretos e significativos no desenvolvimento urbano. Em Arataca, a distribuição de recursos e investimentos em infraestrutura é desigual, beneficiando principalmente as áreas dominadas por elites locais e deixando outras áreas mais carentes no ostracismo. Essa falta de equidade atrasa a modernização e a melhoria da qualidade de vida de grande parte da população desabastada. Além disso, a baixa participação cidadã e a corrupção persistente prejudica a governança eficiente. Práticas de clientelismo e nepotismo dominam a política local, a transparência fica comprometida e resulta em um ambiente onde o progresso é frequentemente bloqueado por interesses pessoais e falta de vontade política para implementar reformas necessárias. 

 A influência colonial também se reflete na cultura e identidade local. As tradições e normas estabelecidas durante o período colonial permanecem arraigadas, moldando a forma como a política e a sociedade funcionam. Isso resulta em uma cultura política que valoriza a continuidade das práticas coloniais em vez de promover a diversidade e a inclusão. A resistência à mudança cultural e política dificulta a integração de novos grupos e ideias, impedindo o desenvolvimento de uma identidade mais inclusiva e moderna.

Coronelismo Arataquense

O coronelismo, uma consequência direta do colonialismo, persiste de forma latente no município de Arataca. O domínio político exercido pelos líderes locais poderosos, que utilizam sua influência econômica para garantir controle sobre a população e o apoio político necessário para manter sua posição por mais um quadriênio. Deste modo, eles não medem esforços para que a todo custo não percam seus privilégios e possam manter sua influência local. Logo eles se assemelham com os “coronéis”, só que por debaixo dos panos, contando com o apoio de seu eleitorado munido por promessas de empregos, cestas básicas, contas de água e luz pagas, areia, bloco, folhas de eternit e outros “remédios” para aliviar a dor momentânea de um povo carente que, muitas vezes por falta de escolha, vota naquele que “pelo menos me ajudou”. 

 A transcorrência do processo político local, historicamente, é munida por ofertas de favores e benefícios, como empregos públicos e suporte financeiro, em troca de lealdade política e apoio eleitoral. Criando uma rede de dependência que reforça seu poder. São chamados alianças ou grupos políticos que geralmente estão ali em troca de favores se o seu candidato obeter êxito eleitoral. A maioria deles são de famílias bem estruturadas, a burguesia municipal, que não pode perder o seu poder e sua influência com o novo gestor.

 O sistema político da cidade tem característica alicerçada de resistir às mudanças que podem ameaçar seu controle, como reformas políticas e sociais que promovem maior equidade e participação cidadã, refletindo a continuidade de práticas autoritárias e centralizadoras. O coronelismo molda a política local de maneira a manter as elites no poder e perpetuar uma estrutura de controle que dificulta a democratização e a modernização da esfera pública que é quase inteiramente focada em apenas um “comodity”, o emprego nas repartições públicas municipais. 

Clientelismo Arataquense

 O coronelismo se entrelaça com o clientelismo. No município é um sistema onde os líderes políticos oferecem favores e recursos em troca de apoio e lealdade. Como relatado outrora, o principal “insumo” de barganha é um emprego na repartição pública municipal. É a famosa troca de favores, para garantir apoio político e eleitoral. Criando assim uma rede de patronagem onde o poder é mantido através da troca de benefícios, reforçando a desigualdade e a corrupção. A principal consequência desse ato cultural da cidade é a dependência econômica. A população se torna dependente dos favores oferecidos pelos “coronéis”, o que limita sua capacidade de exigir mudanças ou melhorias. Fato esse que tornou-se laço cultural herdado a cada geração, perpetuando assim o status quo do sistema político corrupto e nefasto que a cada eleição apenas atrasa seu povo, gerando mais quatro anos de lamentações por melhoras nas condições de emprego, saúde, educação, esporte, cultura e lazer. O clientelismo desincentiva a participação cidadã e a transparência, uma vez que o apoio político é obtido através de uma rede de favores e não por meio de um processo democrático aberto.

 Além disso, a persistência do clientelismo na cidade compromete a governança eficiente. A falta de transparência e responsabilidade governamental resultante dessas práticas cria um ambiente onde o progresso é bloqueado por interesses pessoais e corrupção. A baixa participação cidadã e a corrupção endêmica são características comuns, dificultando a implementação de mudanças e reformas necessárias para o progresso que muitas vezes é confundido com uma praça nova, uma recapeamento, uma reforma, uma quadra aqui, um posto ali, uma reforma na escola acolá. Praticas essas que apenas duram o tempo necessário para possibilitar uma reeleição ou continuidade do governo de um político do mesmo partido e em quase nada desenvolvem a cidade.

Conclusões

 O colonialismo deixou um legado profundo e duradouro que ainda molda as estruturas políticas e sociais de muitas cidades, particularmente através do coronelismo e do clientelismo. Sua administração centralizadora e autoritária, criou as bases para o coronelismo, um sistema em que líderes locais acumulam poder e controle por meio de práticas autoritárias e redes de patronagem. Sua consequência direta, o clientelismo, reforça esse ciclo de dependência e controle, ao trocar favores e recursos por apoio político. Esse sistema não apenas compromete a transparência e a responsabilidade governamental, mas também limita a participação cidadã e impede a implementação de reformas necessárias para um desenvolvimento mais equitativo e sustentável.

 Os impactos combinados do coronelismo e do clientelismo são evidentes no desenvolvimento urbano do município de Arataca. A distribuição desigual de recursos e investimentos favorece as áreas dominadas por elites, enquanto outras regiões permanecem negligenciadas. Esse desequilíbrio resulta em um atraso na modernização e na melhoria da qualidade de vida para a população em geral. Além disso, a persistência dessas práticas prejudica a governança, mantendo um ambiente onde a corrupção e a falta de transparência predominam.

 Portanto, cria-se de forma urgencialista, a necessidade de reformas que promovam a equidade, a transparência e a participação cidadã. Para superar os desafios impostos por legados coloniais como o coronelismo e o clientelismo. Deste modo é essencial que quebremos com esse ciclo vicioso e venenoso para o município. Buscando um representante que realmente tenha um plano de governo para mudar o estado das coisas. A cidade grita por geração de novos empregos para se desvincular da dependência da prefeitura municipal. Pois os cargos provenientes de alianças políticas, colocam pessoas mal capacitadas para prestar serviços públicos. Prejudicando assim toda a população e afetando todas as gerações futuras que não irão adquirir um nível de criticidade política para serem os novos gestores de sua cidade, dependendo de forasteiros para guiar as rédeas do futuro da cidade. Vamos repensar em uma política que valorize o turismo da cidade. Arataca é uma cidade belíssima por natureza, além de ter em seu território o Parque Nacional da Serra das Lontras, berço de preciosidades da fauna e da flora. Apenas um pouco mais de boa vontade e organização já geraria muitos empregos e aqueceria de forma não sazonal a economia local. Vamos parar para refletir um pouco as escolhas durante o período de eleitoral, buscar um perfil que quebre o cordão umbilical do município com as práticas do CCC. 

 As práticas perpetuadas pelos coronéis criam uma cultura política que valoriza a continuidade das tradições antigas, resistindo à inclusão de novas ideias e grupos. Essa resistência à mudança impede o desenvolvimento de uma identidade política mais moderna e democrática, mantendo a população em um estado de dependência e passividade que nunca estancará as veias abertas do município.

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[1] Figura 1: Mapa do estado da Bahia mostrando a mesorregião e microrregiões. Disponível em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/e3/Bahia_MesoMicroMunicip.svg. Acesso em: 31 jul. 2024.

[2] Figura 2: Coronéis do Cacau. Disponível em: https://www.orlandocruz.com.br/coroneis_cacau2.html. Acesso em: 31 jul. 2024.

[3] Figura 3: INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE. Prática 2014-1: Ações de manejo integrado e participativo no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Disponível em: https://www.icmbio.gov.br/praticasinovadoras/todas-as-praticas/189-pratica-2014-1.html. Acesso em: 31 jul. 2024.


¹Bacharel em LEA-NI (UESC), Administração de Empresas (UNOPAR) e graduando em História (UNOPAR). Especialista em Marketing Digital. Docente na área de Educação Profissional e Tecnológica. jsrosa.lea@uesc.br