AS PRÉVIAS PARTIDÁRIAS E O DEVIDO PROCESSO LEGAL SUBSTANCIAL

PARTY CAUCUSES AND THE SUBSTANTIVE DUE PROCESS OF LAW

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12802902


Flávio Melo Assunção1


RESUMO. Este artigo tem por objetivo elucidar a incidência do devido processo legal substancial nos partidos políticos, notadamente por meio de prévias partidárias para escolha do representante da agremiação que irá concorrer a mandato eletivo. Para isso, discorrer-se-á sobre o conflito entre a autonomia partidária e o dever de proteção estatal em favor dos filiados, à luz da eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Desse modo, o escopo do trabalho é fazer uma análise crítica das agremiações partidárias, mormente a consonância com os preceitos democráticos e os direitos políticos dos cidadãos. Para consecução do artigo, recorrer-se-á à doutrina especializada sobre o tema, bem como ao Projeto de Lei 1735/2022, o qual condiciona a utilização do Fundo Partidário à realização de prévias internas. A abordagem será racionalista com método dedutivo e indutivo.

Palavras-chave: Autonomia partidária, eficácia horizontal dos direitos fundamentais e devido processo legal substancial. 

ABSTRACT. This article aims to elucidate the incidence of horizontal effectiveness of fundamental rights in political parties, notably through party caucuses to choose the representative of the group that will run for elective office. To this end, the conflict between party autonomy and the duty of state protection in favor of members will be discussed, in light of the horizontal effectiveness of fundamental rights. Therefore, the scope of the work is to carry out a critical analysis of party groups, especially their consonance with the democratic precepts and the political rights of citizens. To achieve the article, specialized doctrine on the subject will be used, as well as Bill 1735/2022, which conditions the use of the Party Fund to the carrying out of internal previews. The approach will be rationalist with a deductive and inductive method.

Keywords: Party autonomy, horizontal effectiveness of fundamental rights and substantive due process of law.

INTRODUÇÃO

Os partidos políticos são instituições essenciais ao funcionamento das democracias hodiernas. O exercício de mandato eletivo depende de prévia filiação partidária, porquanto a soberania popular é instrumentalizada por meio da cidadania, em especial o direito de sufrágio. Por conseguinte, em sua parte inaugural, a Constituição Federal consagra a soberania e a cidadania como princípios fundamentais da República.

Deveras, consoante o ordenamento jurídico pátrio, qualquer outra forma de conquista do poder político que prescinde de filiação partidária se caracteriza um verdadeiro golpe de estado, não raro através de violência.

Assim, torna-se imprescindível o estudo da natureza jurídica dos partidos políticos, bem como a evolução das agremiações partidárias, conhecidas como meras facções em seu nascedouro. Além disso, pretende-se analisar acerca da observância dos preceitos democráticos no interior das legendas, notadamente a existência de prévias partidárias à luz do devido processo legal, em sua concepção substancial.

Pois bem. Se, por um lado, a Carta Magna de 1988 concedeu ampla autonomia partidária às agremiações, principalmente como forma de superação do regime militar de outrora. Por outro, indaga-se quais são os limites dessa liberdade. Questiona-se o fundamento da autonomia da partidária que, por exemplo, dispensa as prévias no respectivo estatuto. Com efeito, a autonomia da sigla merece ser investigada em consonância com a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, especialmente o direito de sufrágio negativo por meio de um devido processo legal para a escolha dos candidatos da sigla.

Tudo isso visa demonstrar a necessidade de aperfeiçoamento do regime democrático, que não se restringe à observância das regras do jogo, tendo em vista a necessidade de uma verdadeira democracia qualitativa nas instituições democráticas. Por conseguinte, a problemática da oligarquia intrapartidária acarreta a proteção deficiente dos direitos fundamentais dos filiados.

Destarte, o presente artigo visa a elucidar a tutela dos direitos políticos negativos, mormente o direito de ser votado. Em outras palavras, a querela entre a autonomia privada e a intervenção do Estado para a plena eficácia dos direitos fundamentais. Pretende-se esmiuçar sobre esse conflito à luz do devido processo legal substancial, razão pela qual discorrer-se-á também sobre o conteúdo do Projeto de Lei 1735/2022, o qual condiciona a utilização do Fundo Partidário à realização de prévias internas.

1. PARTIDOS POLÍTICOS: CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA.

Inicialmente, no tocante ao conceito do partido político, José Afonso da Silva ensina que “é uma forma de agremiação de um grupo social que se propõe organizar, coordenar e instrumentar a vontade popular com o fim de assumir o poder para realizar seu programa de governo”2. De forma semelhante, Paulo Bonavides assevera que o partido político é “uma organização de pessoas que inspiradas por idéias ou movidas por interesses, buscam tomar o poder, normalmente pelo emprego de meios legais, e nele conservar-se para realização dos fins propugnados”3.

Por sua vez, André Ramos Tavares entende que os partidos políticos são “corpos formados a partir do tecido social que desempenham a função de canalizar as aspirações e projetos políticos de determinada gama de indivíduos, organizando-os para o fim de alcançar o exercício direto do poder”4, enquanto Celso Ribeiro Bastos conceitua a legenda como “uma organização de pessoas reunidas em torno de um mesmo programa político com a finalidade assumir o poder de mantê-lo ou, ao menos, de influenciar na gestão da coisa pública através de crítica e oposição”5.

Hodiernamente, a existência das democracias é inconcebível sem a participação das agremiações partidárias. Antes, porém, os partidos eram confundidos com facções e, não raro, viviam na clandestinidade.6 Maurice Duverger já advertia que, com exceção dos Estados Unidos da América, a atual concepção de Partido Político remonta a meados de 18507, porquanto havia apenas “tendências de opiniões, clubes populares, associações de pensamento, grupos parlamentares, mas nenhum partido propriamente dito”8.

Reconhece-se uma característica relevante dos partidos políticos é que eles consolidaram a ideia de oposição política com um direito fundamental na democracia. Dalmo Dallari ensina que foi no contexto pré-revolução gloriosa inglesa, especialmente após 1680 que surgiu a “noção de oposição política, isto é, a doutrina, básica na democracia, de que os adversários do governo não são inimigos do Estado e de que os opositores não são traidores ou subversivos”9. Paulo Bonavides por sua vez, ressalta que a oposição se encontra institucionalizada, inclusive por meio do “Minister´s of the Crown Act” de 1937, de modo a gozar de prerrogativas que não são encontradas mundo afora10.

No tocante à natureza jurídica dos partidos políticos, tanto a Constituição Federal quanto a Lei dos Partidos Políticos mencionam expressamente que são pessoas jurídicas de direito privado. Contudo, Dalmo de Abreu Dallari ensina que são poucos os autores corroboram o caráter privado das agremiações11, porquanto: 

Inúmeros autores italianos, entre eles Santi Romano e Biscaretti di Ruffia, atribuíram aos partidos a natureza de entes auxiliares do Estado, tendo este último concluído, com mais precisão, que são entidades sociais tendentes a transformaram-se em instituições”12.

Ainda na senda da doutrina Italiana, José Afonso da Silva explica a natureza jurídica dos partidos políticos no direito alienígena, conforme consta no seguinte trecho:

Os italianos divergem quanto à sua fixação. Virga considera-os sob dois aspectos do ponto de vista jurídico: como associação, união de pessoas estavelmente organizadas e juridicamente vinculadas para a consecução de fins políticos comuns, e como órgão do Estado, no que tange à sua característica de grupo eleitoral e de grupo parlamentar. Biscaretti di Ruffia repele essa concepção no direito italiano, pois entende serem associações não reconhecidas, não assumindo a natureza de órgãos do Estado nem de ente público controlado pelo mesmo. Concebe-os como entidades auxiliares do Estado, reconhecendo em sua atividade um exercício privado de funções públicas.13

Em um primeiro momento, Manoel Gonçalves Ferreira Filho ressaltou que as legendas possuíam natureza de pessoas jurídicas de direito público interno, uma vez que “tal posição ajusta-se ao papel dos partidos, como demonstramos várias vezes. É, aliás, a única que não entra em conflito com a realidade sociológica subjacente”14. O referido posicionamento se justifica, à luz do ordenamento jurídico que lhe era contemporâneo na elaboração da obra.

Isso porque, o artigo 2º, da Lei 5.682/71, era expresso no sentido de que o Partido Político era uma pessoa jurídica de direito público interno15. Todavia, com o advento da Constituição Federal de 1988, a referida lei não foi recepcionada pela nova ordem constitucional, razão pela qual foi revogada em 1995 pela atual lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096/1995), que é categórica no sentido de que as legendas são pessoas jurídicas de direito privado logo em seu primeiro artigo. Por fim, o próprio Código Civil de 2002 ratificou o que já estava consolidado no ordenamento jurídico pátrio.

Hodiernamente, o próprio Manoel Gonçalves Ferreira Filho ensina que a própria Constituição de 1988 assegurou aos partidos políticos plena liberdade, tendo em vista que “quanto à sua criação, que é livre, dispõe que o partido principia como uma mera associação, adquirindo personalidade de direito privado nos termos da lei comum (civil)”16. Em outras palavras, ao criticar o texto da Constituição, pode-se dizer que o autor supra consentiu tacitamente com a atual natureza jurídica de pessoa jurídica de direito privado.

Embora seja aceito o caráter privado dos partidos políticos, reconhece-se que as legendas possuem certas peculiaridades que dificultam a sua configuração apenas como ente privado. Com efeito, Ingo Sarlet leciona que

Cumpre agregar, ainda nessa quadra, que, pelo fato de se constituírem a partir da mobilização e organização da sociedade na forma de associações, a natureza jurídica dos partidos, em regra, é a de associações regidas pelo Direito Privado, mesmo consideradas as suas funções e peculiaridades, fortemente submetidas ao marco normativo constitucional. Além disso – e nisso reside outra particularidade determinante para o seu status jurídico-constitucional, os partidos, em virtude de sua função mediadora já referida, ocupam uma posição sistemática intermediária entre a vida social assegurada e impregnada pelas liberdades fundamentais e as funções e atuação estatal, muito embora não se trate de uma relação do tipo dicotômica, visto que os partidos, por meio dos seus integrantes indicados e eleitos, ocupam os cargos políticos parlamentares e as chefias do Poder Executivo, ali formando maiorias ou minorias, participando dos processos decisórios etc.17

Portanto, em que pese a natureza privada, as agremiações ocupam posição destoante de uma associação que desempenha papel econômico empresarial (fins lucrativos), razão pela qual não se pode concluir para a plena equiparação dos partidos às pessoas jurídicas de direito privado.

2. A AUTONOMIA PARTIDÁRIA E PROBLEMÁTICA DA TENDÊNCIA OLIGÁRQUICA

Pois bem, reconhece-se a problemática do conflito entre a autonomia partidária e a realização das primárias, cuja obrigação, sem dúvida, acarretará uma mitigação na autonomia das legendas. Ressalta-se que o pluralismo político assentado na Carta de 1988 foi uma resposta ao regime ditatorial imposto pelo golpe de 1964.

Segundo André Ramos Tavares, há duas concepções da liberdade partidária, a saber: objetiva e subjetiva.

Liberdade partidária objetiva diz respeito ao órgão partidário propria­mente dito, e não a seus integrantes. Desdobra-se o conceito de liberdade partidária objetiva em: 1º) liberdade de criar os partidos; 2º) liberdade de transformar os partidos pela fusão e pela incorporação; 3º) liberdade de extinguir os partidos; 4º) autonomia interna. Essa autonomia interna envolve os seguintes elementos: 1º) definição da estrutura partidária; 2º) organização partidária; 3º) funcionamento do partido. […] Liberdade partidária subjetiva diz respeito aos sujeitos que compõem o partido político, implicando: 1º) liberdade de inscrever-se em algum partido político; 2º) liberdade de retirar-se de determinado partido político18.

Constata-se da passagem supra que os partidos políticos gozam de ampla liberdade, notadamente a autonomia para definir sua estrutura, organização e funcionamento, enquanto a liberdade do cidadão cinge-se à filiação e desfiliação. Assim, pode-se dizer que a existência das primárias fica ao alvedrio da agremiação partidária.

José Afonso da Silva, por sua vez, ressalta que a autonomia partidária não é absoluta, haja vista a necessidade do compromisso das legendas com o regime democrático19. Defende-se o condicionamento dos partidos ao regime democrático ao asseverar que “é isso que significa sua obrigação de resguardar a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo e os direitos fundamentais da pessoa humana”20.

Paradoxalmente, José Afonso acentua que o estatuto do partido não é obrigado a estabelecer prévias partidárias para a escolha de seus candidatos. Prevalece, pois, o princípio da autonomia partidária, o qual:

É uma conquista sem precedente, de tal sorte que a lei tem muito pouco a fazer em matéria de estrutura interna, organização e funcionamento dos partidos. Estes podem estabelecer os órgãos internos que lhe aprouverem. Podem estabelecer as regras que quiserem sobre seu funcionamento. Podem escolher o sistema que melhor lhes parecer para a designação de seus candidatos: convenções mediante delegados eleitos apenas para o ato, ou com mandatos, escolha de candidatos mediante votação da militância21.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho ressalta a importância da estrutura interna dos partidos, pois:

Para a ordem constitucional, para a Democracia, a ordem interna de um partido importa mais do que seu programa. Sua organização, funcionamento e financiamento são problemas cuja resolução conduz ao estabelecimento de uma Democracia real, em que o povo faça ouvir a sua voz, ou de uma Democracia mais ou menos de fachada, em que a voz dos burocratas ou dos coletores de fundos do partido substitui-se à do povo22.

Com exceção da lei eleitoral alemã, Ferreira Filho lembra que o sistema das primárias, “o mais democrático dos regimes”23, não foi encontrado nas constituições brasileira, italiana e francesa24, tendo em vista que:

Na realidade, os candidatos são escolhidos pelos dirigentes a seu talante, ainda que a maioria dos estatutos partidistas estipule sejam escolhidos pelas “convenções”. Ora, estas são dominadas inteiramente pelos dirigentes e sua camarilha, na ausência de uma participação real da massa na vida dos partidos brasileiros, que são todos partidos de “cadres”. Assim, as convenções servem apenas para aprovar em massa, por unanimidade, as candidaturas25.

Nos Estados Unidos, as prévias partidárias que são conhecidas atualmente remontam aos anos 1970. Antes, já havia o sistema das primárias. Todavia, predominava a decisão da convenção partidária, ainda que em dissonância com o candidato escolhido nas primárias. Em outras palavras, a vitória nas prévias, por si só, não asseguram ao candidato vencedor o direito de representar o partido nas eleições presidenciais, uma vez que a cúpula do partido tinha poder discricionário para homologar a decisão dos filiados. Foi o exatamente o que aconteceu nas convenções democratas do início dos anos 1950 e no final da década de 196026.

Trata-se, pois, do fenômeno conhecido como tendência oligárquica dos partidos, estudado pelo próprio Manoel Gonçalves Ferreira Filho e Maurice Duverger, ambos inspirados no ensinamento de Robert Michels, o qual constatou pela primeira vez essa tendência à aristocracia, não somente nos partidos, como também nas variadas instituições, porquanto:

Quem fala em organização fala em tendência oligárquica. Em cada organização, seja um partido ou uma união de profissões, etc., a inclinação aristocrática manifesta-se de uma maneira muito acentuada. O mecanismo da organização, ao mesmo tempo que lhe dá uma estrutura sólida, provoca na massa organizada graves modificações. Ela altera completamente as respectivas composições de chefes e massas. A organização tem o efeito de dividir todo o partido ou sindicato profissional em uma minoria dirigente e uma maioria dirigida27.

Diante dessa carência democrática no interior das agremiações, Ferreira Filho se mostra cético em relação às primárias, notadamente no que concerne ao combate à tendência oligárquica, pois:

A instituição das “primárias” não parece ser capaz de suprimir a cooptação pelos “bosses”. Estes podem sempre escolher os nomes entre os aspirantes à candidatura e impô-los, graças à falta de interesse do grande número pela política28.

Maurice Duverger introduz o conceito de “círculo interior”, porquanto:

O regime eleitoral do Estado parece ter certa influência sobre o caráter oligárquico das direções partidárias e da formação dos “círculos interiores”. Na medida em que nenhum candidato tem possibilidade de ser eleito sem a concordância dos comitês do partido, seus dirigentes desempenham papel essencial na seleção de futuros deputados, que são designados pelo “círculo interior”29.

Pode-se dizer que a tendência oligárquica permaneceu nos Estados Unidos até os anos 1960, conforme mencionado. Atualmente, prevalece o que foi decidido nas primárias partidárias, de modo que a cúpula do partido não pode decidir em sentido contrário na convenção partidária30. De fato, tanto o Partido Democrata quanto o Republicano respeitam a tradição das prévias. Donald Trump, por exemplo, não possuía apoio da cúpula do Partido Republicano nas primárias de 2016.

No Brasil, a grande maioria das agremiações não contém previsão expressa sobre a existência de prévias partidárias para a escolha dos candidatos, exceto o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB)31

Não obstante, vale lembrar que a crise das primárias do PSDB ganhou destaque na imprensa, tendo em vista a inobservância ao resultado do pleito interno da sigla, que conferiu a João Dória a condição de candidato do partido que iria concorrer à Presidência da República em 2022. A recalcitrância da cúpula partidária (favorável à nomeação de Eduardo Leite, derrotado nas primárias) resultou no agravamento da crise interna do PSDB e na renúncia de João Dória à candidatura ao cargo de Presidente, mesmo após a obtenção da vitória nas prévias partidárias.

Também em 2022, o Deputado Federal Luiz Phillippe de Orleans e Bragança protocolou Projeto de Lei 1735/2022, que, entre outras coisas, visa a condicionar a utilização de recursos do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral à realização de prévias para escolha de candidatos a cargos majoritários32.

Não obstante, ainda que seja aprovado em sua integralidade, o referido projeto não altera a autonomia partidária, tampouco seu Estatuto, a despeito da óbvia limitação aos recursos financeiros públicos. Também não há óbice em reconhecer a obrigatoriedade das primárias como direito fundamental decorrente da interpretação direta da Constituição, notadamente os princípios fundamentais da soberania e da cidadania.

Isso porque, o sufrágio universal é instrumento da cidadania, porquanto “o núcleo fundamental dos direitos políticos consubstancia-se no direito eleitoral de votar e ser votado”33. Cidadão, na senda de José Afonso da Silva “é o indivíduo que seja titular dos direitos políticos de votar e ser votado e suas consequências”34.

Por conseguinte, a cidadania é direito político fundamental que visa a concretizar soberania popular. O pluralismo político também restaria protegido com a consolidação das prévias internas das siglas. Vale ressaltar que tanto a cidadania quanto à soberania são catalogadas como princípios fundamentais da república.

Nesse contexto, não se afigura razoável que a autonomia partidária possa obstar o direito político fundamental de ser votado. Ressalta-se que a autonomia das siglas partidárias se justifica contra arbitrariedades do Estado. Por outro lado, os partidos não podem restringir direitos fundamentais para preservar a oligarquia interna, sob pena de desvirtuar o próprio regime democrático, que é a origem e fundamento dos partidos.

3. A EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Historicamente, os direitos fundamentais afirmaram-se como instrumento de limitação do poder do Estado em favor do ser-humano, que passou a ocupar lugar de destaque na luta contra o absolutismo monárquico. É dessa forma que a burguesia alcançou o poder e rompeu com o antigo regime feudal com bases estamentais. Fábio Comparato leciona que “a liberdade, para os homens de 1789, limitava-se praticamente à supressão de todas as peias sociais ligadas à existência de estamentos ou corporações de ofícios”35.

Assim, é forçoso reconhecer que a afirmação dos direitos fundamentais se baseou, em sua origem, sob a ótica vertical, isto é, o Estado em face do indivíduo, este em posição inferior perante àquele. Em outras palavras, somente o vínculo entre o Estado e o cidadão justificava a proteção aos direitos fundamentais. Este período ficou conhecido como constitucionalismo, que consiste na limitação do poder do Estado em favor do cidadão.

Por outro lado, a despeito de sua positivação nas constituições contemporâneas, a proteção aos direitos fundamentais constitui o grande óbice da sociedade moderna, notadamente a sua plena efetivação. 

Nesse contexto, Norberto Bobbio adverte que “o problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político”36.

Sem embargo da enorme relevância do constitucionalismo, atualmente muito se argumenta sobre o neoconstitucionalismo, que se trata de um passo adiante à mera limitação do poder estatal. 

Nesse sentido, Flávio Martins ensina que 

O neoconstitucionalismo é um movimento social, político e jurídico surgido após a Segunda Guerra Mundial, tendo origem nas constituições italiana (1947) e alemã (1949), fruto do pós-positivismo, tendo como marco teórico o princípio da “força normativa da Constituição” e como principal objetivo garantir a eficácia das normas constitucionais, principalmente dos direitos fundamentais37.

Pois bem, pode-se afirmar que a eficácia vertical dos direitos fundamentais cinge-se à proteção do cidadão em face da conduta arbitrária do Estado. Por outro lado, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais incidem na relação entre particulares, isto é, sem qualquer participação do Estado.

Após dissertar sobre as dimensões subjetiva e objetiva dos direitos fundamentais, Gilmar Mendes pontua que:

O aspecto objetivo dos direitos fundamentais comunica­-lhes, também, uma eficácia irradiante, o que os converte em diretriz para a interpretação e aplicação das normas dos demais ramos do Direito. A dimensão objetiva enseja, ainda, a discussão sobre a eficácia horizontal dos direitos fundamentais – a eficácia desses direitos na esfera privada, no âmbito das relações entre particulares38.

Deveras, o ponto inflexão da contemporaneidade consiste em indagar sobre a incidência da eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. É que a efetivação da incidência dos direitos fundamentais entre particulares obsta a plena eficácia do princípio da autonomia privada, que é o epicentro do direito civil, mormente em uma sociedade individualista, patrimonialista e pautada em valores capitalistas.

Ingo Sarlet lembra que o principal desenvolvimento da eficácia horizontal dos direitos fundamentais remonta à Alemanha ocidental pós-segunda guerra mundial, especificamente com o advento da Lei Fundamental de Bonn, mormente a perspectiva objetiva dos direitos fundamentais, a qual visa a vincular os particulares, não somente o Estado39

Na verdade, o Tribunal Constitucional Alemão foi que inaugurou a perspectiva do instituto em um caso paradigmático. No emblemático ocorrido nos anos 1950, Eric Lüth, Presidente do Clube de Imprensa Alemão, tomou conhecimento de que Veit Harlan iria lançar um novo filme e resolveu promover um boicote à nova produção artística de Harlan. Este era um cineasta que contribuiu ao nazismo por meio da produção de diversos filmes antissemita. Inconformado, Harlan conseguiu interromper o boicote por meio de uma ordem judicial oriunda do Tribunal de Hamburgo, porquanto o novo filme não possuía qualquer conteúdo racista. Lüth recorreu ao Tribunal Constitucional Alemão, o qual assegurou o direito à liberdade de expressão de e, por conseguinte, a continuação do boicote40. Nina Ranieri resume a decisão do Tribunal Constitucional na seguinte passagem:

Três foram os temas centrais que  permearam a decisão do Tribunal Federal: 1) os direitos fundamentais não representam simplesmente uma garantia do cidadão contra o Estado, mas expressam uma ordem objetiva de valores que devem ser observados por todos os órgãos jurisdicionais em suas decisões – trata-se da onipresença dos direitos fundamentais; 2) dessa aplicabilidade ampla dos  direitos fundamentais decorre a eficácia horizontal de tais direitos, sendo aplicáveis também  nas relações entre particulares; 3) a necessidade de ponderação de valores e princípios, nas  hipóteses em que haja colisão de dois ou mais princípios41.

Por outro lado, os Estados Unidos simbolizaram a negação aos direitos fundamentais nas relações privadas. É que por lá prevalece a teoria “a teoria da “State Action”, cujo desenvolvimento sustenta que limitações constitucionais aos direitos fundamentais são impostas apenas aos Poderes Públicos, excluindo-se, por conseguinte, os particulares42. Luís Roberto Barroso ressalta que paulatinamente “essa orientação se flexibilizou em alguma medida, para alcançar situações em que se considerou que atores privados desempenhavam papéis equiparáveis aos de agentes públicos”43.

Em um julgado emblemático sobre a liberdade religiosa, a Suprema Corte dos Estados Unidos entendeu que uma grande empresa, possuidora de uma “cidade privada” para abrigar seus funcionários, não poderia obstar o direito de culto aos seus colaboradores (testemunhas de Jeová) no interior da propriedade, porquanto tal conduta violaria a primeira emenda da Constituição americana, notadamente a liberdade religiosa44.

De todo modo, há mais duas teorias sobre a eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Em uma posição intermediária, há a teoria da eficácia indireta ou mediata, esta teoria consiste em delegar ao legislador infraconstitucional a tarefa de regular a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, mitigando a autonomia da vontade no âmbito infraconstitucional. Por seu turno, a outra teoria entende que a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas é direta ou imediata, independentemente de regulamentação do legislador infraconstitucional, uma vez que a própria Constituição tem eficácia irradiante para os demais ramos do direito.

No direito comparado, Gilmar Mendes elucida que a Constituição de Portugal contém dispositivo expresso sobre a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, enquanto o projeto de revisão da Constituição da Suíça caminha no mesmo sentido45.

Sobre a aplicação do instituto no Brasil, Gilmar Mendes assevera que no âmbito do Recurso Extraordinário 158.215/RS, o Supremo Tribunal Federal, por meio da:

A Segunda Turma preconizou a incidência direta dos direitos fundamentais sobre relações entre particulares. Tratava-se da hipótese de um membro expulso de cooperativa sem o atendimento da garantia do contraditório e da ampla defesa no âmago do devido processo legal46.

Em suma, em uma perspectiva histórica, negou-se, em um primeiro momento, a aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas, mormente nos Estados Unidos. No entanto, outrora de natureza eminentemente subjetiva, a eficácia dos direitos fundamentais passou a não se limitar somente à titularidade do indivíduo (direito subjetivo) vis a vis do Estado, mas também a dimensão objetiva, que consiste na esfera social dos direitos fundamentais ao vincular toda sociedade na concretização das metas estabelecidas pelo Constituinte. Por fim, evoluiu-se da aplicação mediata (dependente da regulamentação do parlamento) para a incidência imediata e direta da Constituição.

Destarte, resta compreender se a eficácia horizontal dos direitos fundamentais se aplica às agremiações partidárias. A problemática consiste em avaliar o grau da autonomia partidária, notadamente se o Estado pode exigir a realização de prévias por meio do sufrágio dos filiados. Além disso, na hipótese de prevalência da exigência das primárias, questiona-se qual teoria deverá incidir, isto é, necessita-se de lei infraconstitucional (eficácia mediata ou indireta) ou a imposição das prévias pode ser feita por meio de uma interpretação direta da Constituição (eficácia imediata ou direta).

Portanto, é forçoso reconhecer que os direitos políticos devem ter eficácia irradiante nas agremiações partidárias, porquanto a eficácia horizontal dos direitos fundamentais se sobrepõe à autonomia privada das legendas. Prescinde-se também de regulamentação do parlamento (teoria mediata ou indireta), uma vez que a interpretação do texto constitucional permite concluir no sentido da eficácia direta ou imediata dos direitos políticos nas siglas, notadamente as normas principiológicas da cidadania, soberania e do pluralismo político.

4. O DEVIDO PROCESSO LEGAL SUBSTANCIAL

O princípio do devido processo legal tem origem na Magna Carta de 1215. Advém, pois, do direito anglo-saxão da família common law e a máxima de que as garantias criam os direitos (remedies precede rights)47, mas a recíproca não é verdadeira. É um dos princípios basilares das sociedades modernas, mormente em um Estado Democrático de Direito. 

A garantia do devido processo legal tem duas acepções, a saber: formal ou procedimental e substancial. A primeira consiste na observância das regras formais de um processo judicial, isto é, na observância do contraditório, da ampla e das regras procedimentais48. A segunda concepção se refere ao aspecto substancial, o qual, nas palavras de Luís Roberto Barroso, está “relacionado à ideia de razoabilidade e à justiça material, que devem nortear a interpretação das normas e que podem ensejar a declaração da sua inconstitucionalidade”49. A perspectiva material será analisada mais amiúde neste artigo.

Pois bem. Segundo André Ramos Tavares, a perspectiva material “diz respeito à necessidade de observar o critério da proporcionalidade, resguardando a vida, a liberdade e a propriedade”50. Barroso também compartilha da mesma visão, que está de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, ao lecionar que:

Em sentido substantivo, do devido processo legal se identifica com o princípio da razoabilidade, pelo qual se exige que os atos legislativos e administrativos não sejam arbitrários ou caprichosos, mas que estejam sempre informados pela ideia de justiça. De acordo com decisão do STF, ele funciona como instrumento de limitação do poder do Estado, sob o prisma da necessidade, razoabilidade e justificação das restrições à liberdade individual51.

Assim, a concepção material do devido processo legal tem por destinatário o próprio Estado, notadamente os atos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário. Marcelo Negri Soares e Thais Andressa Carabelli corroboram essa afirmativa, pois a perspectiva substancial “representa uma limitação ao mérito das ações estatais, sobretudo aos Poderes Legislativo e Executivo, devendo as leis e os atos manifestar a razoabilidade e a justiça desde sua elaboração”52. De todo modo, a doutrina e a jurisprudência associam o devido processo legal substancial ao princípio da proporcionalidade ou razoabilidade.

Por outro lado, Luís Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero criticam a expressão “devido processo legal”, em sua dupla acepção. Ambos ensinam que:

Em primeiro lugar, porque remete ao contexto cultural do Estado de Direito (Rechtsstaat, État Légal), em que o processo era concebido unicamente como um anteparo ao arbítrio estatal, ao passo que hoje o Estado Constitucional (Verfassungsstaat, État de Droit) tem por missão colaborar na realização da tutela efetiva dos direitos mediante a organização de um processo justo.
Em segundo lugar, porque dá azo a que se procure, por conta da tradição estadunidense em que colhida, uma dimensão substancial à previsão (substantive due process of law), quando inexiste necessidade de pensá-la para além de sua dimensão processual no direito brasileiro. De um lado, é preciso perceber que os deveres de proporcionalidade e de razoabilidade não decorrem de uma suposta dimensão substancial do devido processo, como parece a parcela da doutrina entende53

Em que pese a crítica de Luís Guilherme e Daniel Mitidiero, o restante da doutrina postula pela correlação do devido processo legal substancial aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade54

Ao analisar sob a perspectiva do direito constitucional alemão, Gilmar Ferreira Mendes elucida que o critério da proporcionalidade é uma norma constitucional não escrita que visa, entre outras coisas, à proibição do excesso. Gilmar Mendes é categórico ao equiparar o princípio da proporcionalidade à proibição do excesso e à proteção deficiente55. Ressalta-se que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão, há três fases para aferição do princípio da proporcionalidade, quais sejam: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, consoante os ensinamentos de André Ramos Tavares56.

Especificamente sobre a relação do princípio da proporcionalidade, Gilmar Mendes diferença a perspectiva da proibição do excesso e da vedação à proteção deficiente, pois:

No primeiro caso, o princípio da proporcionalidade funciona como parâmetro de aferição da constitucionalidade das intervenções nos direitos fundamentais, como proibições de intervenção. No segundo, a consideração dos direitos fundamentais, como imperativos de tutela (Canaris), imprime ao princípio da proporcionalidade uma estrutura diferenciada. O ato não será adequado quando não proteja o direito fundamental de maneira ótima; não será necessário na hipótese de existirem medidas alternativas que favoreçam ainda mais a realização do direito fundamental; e violará o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito se o grau de satisfação do fim legislativo é inferior ao grau em que não se realiza o direito fundamental de proteção57.

Destarte, o critério da proporcionalidade58 não incide somente na proibição do excesso, mas também incide para obstar a proteção deficiente do Estado na tutela dos direitos fundamentais.

No direito americano, Tavares ensina que o princípio da proporcionalidade passou por três fases através de uma perspectiva histórica. A primeira, fase adjetiva do devido processo legal, limitava-se apenas às garantias ao réu. Em seguida, com o crescente protagonismo da Suprema Corte, passa-se aos limites aos Poderes Executivo e Legislativo, mormente com o controle de constitucionalidade das leis estaduais. Por fim, a terceira fase da proporcionalidade consubstancia a etapa substantiva do devido processo legal por meio da intervenção estatal no período da grande depressão – New Deal – ao concretizar os ideais de justiça material do Estado Social59.

Marcelo Negri Soares e Thais Andressa Carabelli também ressaltam que, nos Estados Unidos, o devido processo legal substancial é instrumento de controle dos atos do Legislativo e do Executivo, porquanto decorreu de julgados oriundos do Estado da Lousiana, notadamente a exigência de procedimentos para os atos legislativos e executivos. Lecionam, ainda, que no Brasil, a aplicação da “cláusula do devido processo legal substancial se manifesta, com maior força, no controle de constitucionalidade das leis pelo Poder Judiciário”60.

Pode-se dizer que o devido processo legal, em sua concepção substancial, também tem campo de incidência nos Partidos Políticos, a despeito de não serem entes estatais, porquanto são instituições que monopolizam o acesso aos cargos eletivos. Outrossim, as agremiações partidárias devem realizar o procedimento das prévias ou primárias com a finalidade de concretizar o princípio da proporcionalidade, na vertente que obsta a proteção deficiente do Estado. É que os direitos políticos dos cidadãos, isto é, o direito de ser votado – sufrágio negativo – restaria comprometido com a perpetuação das oligarquias partidárias.

CONCLUSÃO

No início do artigo, buscou-se conceituar os partidos políticos, resgatar a origem histórica, mormente o período em que não desfrutavam de reconhecimento e organização adequada, porquanto eram conhecidos como meras facções. Posteriormente, já no século XX, surgem os partidos de massa em decorrência da expansão do direito de sufrágio universal e consolidação das democracias ocidentais.

Desse modo, estudou-se a natureza jurídica dos partidos políticos, outrora como pessoa jurídica de direito público, ostenta natureza de direito privado. Contudo, denota-se que as agremiações ocupam posição que destoam, por exemplo, de um mero grupo econômico empresarial, razão pela qual não se pode concluir para a plena equiparação dos partidos às pessoas jurídicas de direito privado, tendo em vista o maior compromisso das siglas com os valores democráticos e, principalmente, os direitos políticos dos cidadãos, notadamente o de votar e ser votado.

Por conseguinte, a pesquisa passou a cuidar da eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Em uma perspectiva histórica, negou-se, em um primeiro momento, a aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas, porquanto a violação ao direito fundamental somente poderia ocorrer por meio do Estado em uma relação vertical. No entanto, a dimensão objetiva dos direitos fundamentais vincula toda sociedade na concretização das metas estabelecidas pelo Constituinte, inclusive as agremiações partidárias. 

Nesse contexto, estudou-se sobre a autonomia partidária e a obrigatoriedade das primárias. Em seguida, avaliou-se o grau da autonomia partidária, notadamente se o Estado pode exigir a realização de prévias por meio de sufrágio dos filiados. É que, após o estudo da evolução dos partidos, constatou-se uma inequívoca tendência oligárquica, atualmente em posse dos chamados caciques.

Assim, postula-se pela incidência do devido processo legal substancial para a efetiva realização das primárias, porquanto o critério da proporcionalidade, corolário do devido processo legal substancial, visa não somente à proibição do excesso, como também obsta à proteção deficiente. Pode-se dizer, pois, que não se afigura razoável que a autonomia partidária possa obstar o direito político fundamental do cidadão de participação em primárias. 

Em outras palavras, os princípios fundamentais da república – soberania, cidadania e do pluralismo político – são o fundamento de validade para a existência das prévias partidárias. Prescinde-se, pois, de lei infraconstitucional, de modo que o Projeto de Lei 1735/2022 configura apenas uma ameaça à fonte de recursos das legendas, tendo em vista que a obrigatoriedade das primárias decorre do próprio texto constitucional.

Portanto, é forçoso reconhecer que os direitos políticos devem ter eficácia irradiante nas agremiações partidárias, uma vez que a eficácia horizontal dos direitos fundamentais se sobrepõe à autonomia privada das legendas, consoante a interpretação do texto constitucional. Tudo isso visa a combater a tendência oligárquica das agremiações, que acarretam uma proteção estatal deficiente em relação aos direitos políticos, de modo que se impõe às primárias partidárias para concretizar o devido processo legal substancial.


2SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 395.
3BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 372.
4TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2024, p. 301. 
5BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editora, 2002, p. 461.
6DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 33ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 162.
7Não obstante o ensinamento de Duverger no sentido que a concepção atual de Partido Político se inicia em 1850, na presente pesquisa abordar-se-á de forma indiferente a nomenclatura facção ou partido, ainda que anterior ao ano de 1850. 
8DUVERGER, Maurice. Os Partidos Políticos. Trad. Cristiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1970, p. 19.
9DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 33ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 162.
10BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 390.
11DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 33ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 163.
12Ibidem, p. 163-164.
13SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 404. 
14Op. cit., p. 71.
15BRASIL. Lei 5.682, de 21 de julho de 1971. Lei Orgânica dos Partidos Políticos. Brasília, DF.
16FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 42ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 109.
17MITIDIERO, Daniel F.; MARINONI, Luiz Guilherme B.; SARLET, Ingo W. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2023, p. 378. E-book. ISBN 9786553624771.Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553624771/. Acesso em: 21 mai. 2024.
18TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2024, p. 302.
19SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 406.
20Ibidem.
21Op. cit., p. 406-407.
22FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Os Partidos Políticos nas Constituições Democráticas. Belo Horizonte: Revista Brasileira de Estudos Políticos, 1966, p. 124.
23Ibidem, p. 129.
24Ibidem.
25Ibidem.
26Disponível em https://constitutioncenter.org/blog/a-brief-history-of-presidential-primaries. Acesso em 17 de julho de 2024.
27MICHELS, Robert. Sociologia dos Partidos Políticos. Trad. Arthur Chaudon. Brasília (Coleção Pensamentos Políticos): Universidade de Brasília, 1982, p. 21.
28Op. cit., p. 129-130.
29DUVERGER, Maurice. Os Partidos Políticos. Trad. Cristiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1970, p. 188.
30Tanto é verdade que após o fraco desempenho de Joe Biden no debate eleitoral de junho de 2024, surgiu um grande movimento no interior do Partido Democrata para que o atual Presidente desista da candidatura à reeleição. Entretanto, caso não haja desistência do próprio Biden, a cúpula partidária não poderá nomear outro candidato ao Partido, porquanto Joe Biden se sagrou vencedor das primárias, que merecem ser respeitadas. 
31FREITAS JÚNIOR, Antônio Carlos de. Democracia Partidária e o Estatuto Jurídico dos Filiados. Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). 2021, p. 95.
32A íntegra do Projeto de Lei está disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2329950. Acesso em 25/05/2024.
33SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 347.
34Ibidem.
35COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 146. 
36BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho, apresentação de Celso Lafer. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 23.
37NUNES JÚNIOR, Flávio Martins. Curso de Direito Constitucional.7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2023, p. 32.
38BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 19ª ed. São Paulo: SaraivaJur (Série IDP), 2024, p. 86.
39SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, pp. 338-339.
40RANIERI, Nina Beatriz Stocco. Teoria do Estado: do Estado de Direito ao Estado Democrático de Direito. Barueri: Manole, 2013, p. 303.
41Op. cit., p. 303
42BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 12ª ed. São Paulo: Saraivajur, 2024, p. 210.
43Ibidem.
44A decisão da Suprema Corte foi categórica ao vedar que “Any municipal ordinance that prohibited distributing religious literature in a public street clearly would violate the First Amendment. A company town does not have the same rights a private homeowner in preventing unwanted religious expression on his property. While the town is owned by a private company, it is open for use by the public and thus becomes limited by the constitutional rights of the people there, who are entitled to the freedoms of speech and religion. Conflicts between property rights and constitutional rights generally must be resolved in favor of the latter” (Marsh v. Alabama, 326 U.S. 501 – 1946). A íntegra do julgado está disponível em: https://supreme.justia.com/cases/federal/us/326/501/#annotation.  Acesso em 24/05/2024.
45MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade – Estudos de Direito Constitucional. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 125.
46Op. cit., p. 133.
47RANIERI, Nina. Teoria do Estado: Do Estado de Direito ao Estado Democrático de Direito. 3ª ed. São Paulo: Almedina, 2023, p. 288.
48 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2024, p. 266.
49BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2024, p. 320.
50Op. Cit., p. 266.
51Op. Cit., p. 275.
52SOARES, Marcelo Negri; CARABELLI, Thaís Andressa. Constituição, devido processo legal e coisa julgada no processo civil. 2ª ed. São Paulo: Blucher, 2019, p. 45.
53MITIDIERO, Daniel F.; MARINONI, Luiz Guilherme B.; SARLET, Ingo W. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2023, p. 390. E-book. ISBN 9786553624771. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553624771/. Acesso em: 21de maio de 2024.
54Para fins deste artigo, os princípios da proporcionalidade e razoabilidade serão abordados como sinônimos, a despeito da divergência doutrinária sobre eventual diferenciação da nomenclatura. Também não é objetivo esclarecer se a proporcionalidade é uma regra ou princípio, de acordo com os ensinamentos de Dworkin (regra é tudo ou nada – princípio é um grau de abstração), aperfeiçoado por Robert Alexy.
55BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 19ª ed. São Paulo: SaraivaJur (Série IDP), 2024, p. 112.
56Op. Cit., p. 281.
57MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade – Estudos de Direito Constitucional. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 326.
58Além da questão da proibição do excesso e da proteção deficiente, salienta-se os subprincípios da proporcionalidade, a saber: adequação, isto é, a pertinência do meio para atingir sua finalidade; a necessidade  – se o meio não pode ser substituído por outro menos gravoso; e da proporcionalidade em sentido estrito, notadamente a impossibilidade de permitir que um bem da vida venha a prejudicar outro bem de valor superior (SOARES, Marcelo Negri; CARABELLI, Thaís Andressa. Constituição, devido processo legal e coisa julgada no processo civil. 2ª ed. São Paulo: Blucher, 2019, p. 49).
59Op. Cit., p. 282.
60Op. Cit., p. 46.

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1Mestrando em direito pelo Centro Universitário FIEO. Especialista em Direito Constitucional e Processo Constitucional pelo Instituto de Direito Público de São Paulo – IDP-SP (2018). Graduado em Direito pela ESAMC Santos/SP (2014). E-mail: flavio_juris@hotmail.com.