HISTÓRIA, DIAGNÓSTICO E DISCUSSÕES DE LEIS QUE ASSEGURAM OS DIREITOS DE PESSOAS COM O ESPECTRO DO AUTISMO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12679693


Maria Inês Ferreira da Silva1; José Carlos de Souza Lima2; Gracimone do Socorro dos Santos Braga3; Eliane do Socorro Ferreira da Silva4; Jorge Luiz Palmeirim Antunes Júnior5; Aylla Jamylly Santiago Nunes6; Regiane de Paula Ferreira da Silva7; Rone Leão Cruz8; Ana Cláudia Ferreira da Silva9; Érico dos Santos10


RESUMO

O presente artigo possui como temática o autismo e seus desdobramentos tanto na origem dos estudos científicos como na construção de documentos legais que embasam na garantia dos direitos constituídos. Tendo como objetivo Geral: Compreender a relevância da ampla divulgação das leis que asseguram os direitos das pessoas com TEA, e, como objetivos específicos: Apresentar um pouco da gênese do conceito do autismo e as implicações do transtorno a partir do conhecimento científico, e, mostrar as características, o diagnóstico e como deveria ser o acompanhamento das pessoas com TEA. A pesquisa foi de cunho bibliográfica com revisão de literatura e acesso à internet com o intuito de buscar mais informações relativas ao tema e ao debate teórico na sustentação da argumentação. Constatou-se que o avanço no conhecimento científico em relação ao TEA se traduz em uma evolução na busca por mais entendimento e aprimoramento do que já se tem. Percebeu-se, também, que quanto mais cedo for o diagnóstico da pessoa com autismo mais rápido será a compreensão da família para com as características do autismo, e, observou-se que existem muitos documentos legais que amparam as pessoas com deficiência, contudo, elas não conseguem chegar aos que deles precisam, sendo necessário a divulgação em larga escala a fim de que a sociedade saiba que as pessoas com TEA têm seus direitos garantidos e que devem fazer valer.

Palavras-chave: Autismo. Leis. Transtorno do Espectro Autista.

INTRODUÇÃO

O artigo com o tema: HISTÓRIA, DIAGNÓSTICO E DISCUSSÕES DE LEIS QUE ASSEGURAM OS DIREITOS DE PESSOAS COM O ESPECTRO DO AUTISMO possui grande relevância no contexto social, posto que a sociedade necessita de debates que fomentam discussões a respeito dos direitos constituídos às pessoas com o Transtorno do Espectro Autista-TEA. 

Se faz necessária a investigação do tema por sua justificativa a partir da seguinte questão-problema: As leis que amparam as pessoas com necessidades especiais, em especial, aquelas com Transtorno do Espectro Autista estão sendo amplamente divulgadas para chegar àqueles que mais necessitam desse conhecimento?

A pesquisa parte do pressuposto de que, apesar de haver vários documentos legais que asseguram os direitos de pessoas com necessidades especiais, incluindo os autistas, esses documentos não são amplamente divulgados para toda a comunidade brasileira, haja vista muitas famílias não saberem que seus filhos possuem direitos à várias situações, inclusive, a benefícios do governo, em alguns casos.

Como objetivo geral de pesquisa tem-se: Compreender a relevância da ampla divulgação das leis que asseguram os direitos das pessoas com TEA, e, como objetivos específicos: Apresentar um pouco da gênese do conceito do autismo e as implicações do transtorno a partir do conhecimento científico, e, mostrar as características, o diagnóstico e como deveria ser o acompanhamento das pessoas com TEA. 

Para tanto, a pesquisa delineou-se como bibliográfica, uma vez que foi realizada uma revisão de literatura sobre o assunto abordado que norteou o trabalho científico com busca em livros, periódicos, artigos e sites como fontes seguras de informações. Autores como BRASIL, MORAES, HOLANDA, SOUZA FREIRE entre outros, que trazem conhecimentos importantes para que as pessoas com TEA tenham seus direitos assegurados pelas leis que as subsidiam, a serem largamente divulgadas a todos.

Não se quer com esta abordagem findar os questionamentos a respeito do tema, mas suscitar nas pessoas a vontade de aprender mais sobre o TEA e todos os documentos legais que visam o asseguramento dos direitos dessas pessoas.

A organização estrutural do artigo está dividida da seguinte maneira: O primeiro tópico traz a história do autismo na concepção da própria palavra e os desdobramentos em família, na saúde, na educação e na sociedade. O segundo tópico apresenta as características do TEA, o diagnóstico e o tratamento disponibilizado a fim de melhorar a vida em sociedade dessas pessoas com o espectro. O terceiro e último tópico expõe as Leis que servem de amparo às pessoas com TEA a partir de documentos internacionais até os produzidos no Brasil e colocados como fontes de direito. 

1. A HISTORICIDADE DO AUTISMO E SUAS IMPLICAÇÕES MÉDICAS

A palavra ‘autismo’ vem do grego ‘autos’ a qual possui um significado de ‘por si só’ e manifesta certa noção de propriedade própria, considerando um transtorno de neurodesenvolvimento com características de persistente dificuldade na comunicação, no interagir socialmente e apresenta padrões repetitivos e restritos ao transtorno (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).

Observa-se que, segundo o conceito de autismo, não está atrelado a características físicas. Nesse sentido, alguns conceitos retrógrados caíram por terra quando estudos clínicos voltados para essa questão desmistificaram muitas informações do senso comum. 

Os primeiros estudos em relação ao autismo revelaram que os pacientes tinham sintomas de esquizofrenia, contudo apresentavam extraordinárias habilidades em áreas como música, matemática, arte, entre outras (DOWN, 1887). Alguns anos depois, o conceito do Transtorno do Espectro autista – TEA desenvolvido por Leo Kanner ganha relevância mundial, haja vista, dar substância à palavra ‘autismo’.

O psiquiatra austríaco define o distúrbio como sendo algo congênito com dificuldades de interação social, uma vez que, para ele “[…] as crianças vêm ao mundo com uma incapacidade inata em estabelecer o contato afetivo habitual para com as pessoas […]” (KANNER, 1997, p. 170).

Segundo Cavalcanti e Rocha (2010) esse conceito é rico na descrição clínica, posto que, abriu acepções e concepções diversificadas em relação à pessoa autista e seu transtorno. Isso repercutiu no meio das teorias psicanalísticas daquele contexto histórico, deixando profundas marcas na construção de estudos subsequentes.

Trazendo para o contexto brasileiro, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, pessoas com autismo representam quase dois milhões (IBGE, 2023). Essa constatação se dá porque o progresso científico inova suas conclusões dando ênfase ao empenho da medicina em estudar e compreender esse transtorno. Assim, não houve um aumento de pessoas com autismo, mas, famílias que têm oportunidade de ter acesso ao diagnóstico cada vez mais cedo.

Todas as transformações ocorridas no decorrer dos anos a respeito do conceito do autismo refletem nas avaliações médicas levando em consideração os padrões mais específicos e observáveis na comprovação do comportamento em questão. Praça (2021) ressalta que:

As causas para o autismo ainda são desconhecidas apesar de haver vários estudos e pesquisas na busca das mesmas, mas ele é identificado através dos sintomas e características que surgem ao longo do tempo. A maioria das crianças começa a mostrar sintomas de autismo entre 18 e 24 meses e os meninos são mais afetados pelo autismo do que as meninas. Numa proporção de uma menina para quatro meninos (PRAÇA, 2021, p. 26).

Verifica-se que o autor faz referência aos sintomas que podem ser identificados por pais e/ou responsáveis nos primeiros anos de vida da criança, sendo uma condição que pode afetar qualquer indivíduo. Praça (2021), ainda, reforça que por mais que a medicina tenha evoluído, não se tem conhecimento das causas que podem levar uma criança a nascer com o espectro. 

2. AUTISMO: CARACTERÍSTICAS, DIAGNÓSTICO E ACOMPANHAMENTO

Grandes são os avanços da ciência e da tecnologia em entender o TEA, no entanto, esse diagnóstico não possui de maneira factual um fator biológico para dar condições aos envolvidos nos estudos de apontar certeiramente o que causa o espectro. Somente de maneira observacional direta do comportamento bem como de coleta de informações de familiares, cuidadores e educadores. Por essa condição, muitas famílias têm resistência em buscar atendimento por entender, a partir do senso comum, que o comportamento da criança é de birra. Holanda (2018, p. 14) faz considerações a respeito do atraso no reconhecimento das características inerentes ao Transtorno e seu possível diagnóstico.

Como qualquer condição clínica, o diagnóstico precoce é fundamental no processo de tratamento. Crianças diagnosticadas precocemente têm uma chance maior de apresentarem melhorias, bastante significativas, nos sintomas ao longo da vida. As mães costumam ser as primeiras a perceber os sinais do transtorno nos filhos e, muito frequentemente, não são ouvidas nem pela família e nem pelo pediatra da criança (HOLANDA, 2018, p. 14).

Assim, nota-se que é extremamente relevante que se considere além das observações, todo o histórico médico da criança. Isso pode exigir avaliações somativas por outros profissionais da medicina treinados e qualificados, a fim de se traçar um planejamento para o tratamento.

O critério adotado no Brasil é o CID-10 (Classificação Internacional de Doenças), o qual é utilizado pelo Sistema Único de Saúde – SUS. Essa nomenclatura abarca todas as doenças mentais sendo desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde – OMS, o código 10 indica a versão, e faz a descrição dos Transtornos Globais do Desenvolvimento – TGDS como sendo:

[…] grupo de transtornos caracterizados por alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e modalidades de comunicação e por um repertório de interesse e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Estas anomalias qualitativas constituem uma característica global do funcionamento do sujeito, em todas as ocasiões (KAMP-BECKER, 2010, p. 15).

No que tange ao código para diagnóstico dos TGBS, o DATASUS – Departamento de Informática do SUS faz a descrição do CID F84 sendo “Um grupo de transtornos caracterizados por mudanças na forma como as pessoas interagem socialmente, se comunicam e apresentam interesses e atividades restritos, repetitivos e estereotipados”. 

Dessa forma, há subgrupos na identificação desses transtornos, tendo os seguintes sinais de identificação: “Dificuldades graves e invasivas na interação social; Dificuldades graves e invasivas na comunicação; Comportamentos, interesses e atividades repetitivas e estereotipadas”. Essas padronizações são necessárias para monitorar a prevalência das condições singulares e específicas, o que proporciona uma visão geral da saúde em escala mundial.

Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, há subtipos do CID F84 o qual vem acompanhado de um ponto e uma numeração de 0 a 9 identificando a subcategoria e sua especificidade: 

F84.0: Autismo infantil; 
F84.1: Autismo atípico;
F84.2: Transtorno de Rett;
F84.3:  Transtorno Desintegrativo da Infância;
F84.4: Transtorno com hipercinesia associada a retardo mental e movimentos estereotipados;
F84.5: Transtorno de Asperger (Síndrome de Asperger);
F84.8: Outros Transtornos Globais do Desenvolvimento;
F84.9: Transtorno Global do Desenvolvimento SOE (Sem outra especificação) (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, p. 21, 2014). 

O CID-10 por sua vez, possui uma categoria específica que passou a ser chamado de Transtorno do Espectro Autista –TEA. Assim, os diagnósticos possuem códigos específicos:

TEA sem Deficiência Intelectual- DI – e com leve ou nenhum prejuízo de linguagem funcional;
TEA com DI e com leve ou nenhum prejuízo de linguagem funcional;
TEA sem DI e com prejuízo de linguagem funcional;
TEA com DI e com prejuízo de linguagem funcional;
TEA sem DI e com ausência de linguagem funcional;
TEA com DI e com ausência de linguagem funcional;
Outro transtorno do espectro autista especificado;
Transtorno do espectro do autismo não especificado (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, p. 25, 2014).

Entretanto, na linguagem informal, os profissionais especializados que atendem esse público tornaram mais acessíveis às famílias com os termos ‘autismo leve, moderado e severo’ na referência aos níveis de suporte que são necessários a cada caso em específico.

Mesmo que cada criança tenha seu desenvolvimento próprio de aprendizado, é muito importante que elas sejam acompanhadas por profissionais das diversas áreas da educação e da saúde a fim de buscar alcançar o desenvolvimento que é adequado para cada uma das fases no decorrer de sua idade. Caso, haja comprovação de atrasos e/ou comprometimentos de aprendizado torna-se necessário replanejar e implementar protocolos de triagem e rastreamento das dificuldades que não estão sendo sanadas. 

Alguns sinais servem de alerta para que pais, cuidadores e professores possam identificar o mais cedo possível e ir em busca de tratamento, são eles: 

Dificuldade de manter contato visual;
Não apontar para objetos quando quer algo;
Não responder quando chamado pelo nome;
Movimentos repetitivos sem função aparente;
Não dá função correta aos brinquedos;
Falta de reação ao sorriso dos pais;
Dificuldade de combinar palavras que façam sentido;
Desinteresse por interações sociais;
Andar nas pontas dos pés por muito tempo ou agitar as mãos;
Hipersensibilidade de cheiros, sons, luzes, texturas e toque (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, p. 25, 2014).

Nesse sentido, é importante que todos os envolvidos na educação e/ou saúde da criança autista estejam atentos a fim de proporcionar um desenvolvimento integral buscando os direitos que a elas cabem.

Um dos quesitos nesse processo é a inclusão, que segundo Coelho (2018, p. 59) deve ser “compreendida como um complexo e continuado processo em que novas necessidades e mudanças são exigidas”. A família deve ser a primeira a fazer valer os direitos imputados em leis, entretanto, muitas são as pessoas que desconhecem esses direitos, o que pode dificultar tanto o diagnóstico quanto o uso da legalidade para obter laudos e atendimentos educacionais e clínicos adequados.

No que se refere à educação, bases teóricas como Maria Tereza Mantoan esclarece que as adaptações são necessárias, não somente no ambiente, mas também, no próprio currículo escolar, tornando possível o desenvolvimento da criança. Entretanto, políticas públicas precisam ser efetivadas na promoção de quebra de paradigmas enraizados na sociedade, assim como, promover uma formação inicial e continuada aos profissionais no atendimento seguro àqueles que dele necessitam (MANTOAN, 2016).

Na concepção de Carvalho (2015) a escola por ser um lugar de agregação das diversidades e dotada de bases teóricas na formação de cidadãos precisa criar medidas para efetivar a inclusão. Partindo do seu Projeto Político Pedagógico, a escola coloca em evidência a superação de preconceitos e desafios na constituição e construção do conhecimento a serem aplicados no processo de ensino.

Nessa direção, Souza Freire (2012) enfatiza a educação inclusiva que:

Reconhece e respeita todas as diferenças existentes, reconhece as limitações e conhece as necessidades específicas de cada aluno. Essa educação é pautada no atendimento às necessidades dos educandos, fazendo-se necessário que se rompa com velhos paradigmas, de maneira que seja efetivada uma revolução na inclusão que se propõe (SOUZA FREIRE, 2012, p. 54).

Essas atuações precisam estar em consonância com o poder público na aplicabilidade das leis, com os órgãos que efetivam os atendimentos, sejam na saúde ou na educação, e com os familiares que precisam estar a par de tudo o que envolve a criança autista.

Um símbolo foi usado para identificar a condição da pessoa autista: um quebra-cabeças. Adotado como meio de representar a diversidade e toda a complexidade das pessoas com TEA. Sendo o dia dois de abril o dia Mundial de Conscientização do Autismo. 

3. REFLEXÕES TEÓRICAS ACERCA DAS LEGISLAÇÕES E SUAS APLICABILIDADES EM RELAÇÃO À PESSOA AUTISTA

Inúmeros são os documentos legais que trazem amparo às pessoas com necessidades especiais. As discussões acerca desses documentos se debruçam pelo fato de que nossa sociedade ainda está aquém na garantia desses direitos constituídos. Dessa forma, muitas já foram as lutas travadas em prol da aplicabilidade dos direitos nas sociedades.

Um dos primeiros documentos legais foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (Resolução 217 A III) em 10 de dezembro de 1948. A qual considerou o reconhecimento da “dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis como fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo” (ONU, 1948, p. 1). A Declaração é considerado um marco histórico e político de demasiada relevância, pois todas as pessoas foram declaradas de maneira formal iguais e portadores de direitos incondicionais, trazendo um conceito mais concreto de ser humano.

A discussão para a aprovação desse documento representa um esforço grandioso para alcançar um rol de direitos com aspirações de representatividade nos diversos países que aderiram à esperança de um mundo melhor para todos. Em seu art. 1º tem um dos propósitos:

Realizar a cooperação internacional, resolvendo os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, promovendo e estimulando o respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião (ONU, 1948, p. 1).

A partir da Declaração, materializada, passou-se a mapear e identificar quais seriam esses direitos e liberdades inerentes ao homem. Esse esforço na divulgação dos Direitos Humanos se fez e se faz necessário uma vez que contribui para edificação e efetivação na concretude do cumprimento do que foi escrito e positivado.

O Brasil, consignatário dessa Declaração, tem escrito sua história voltada para garantir que pessoas com necessidades especiais tenham seus direitos assegurados. Na Constituição Federal em seu art. 1º, Inciso III, aborda “a dignidade da pessoa humana” (BRASIL, 1988, p. 1) como um dos Princípios Fundamentais. Assim como no em seu art. 3º, Inciso I “Construir uma sociedade livre, justa e solidária” e no Inciso IV – Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de discriminação”. A Lei majoritária está em consonância com a Declaração dos Direitos Humanos na busca por levar aos seus cidadãos a garantia de seus direitos.

Na garantia dos direitos constitucionais, Alexandre de Moraes ressalta o princípio da Igualdade adotado pela Constituição Federal de 1988 prezando pela configuração da igualdade como:

Uma eficácia transcendente, de modo que toda situação de desigualdade persistente à entrada em vigor da norma constitucional deve ser considerada não recepcionada, se não demonstrar compatibilidade com os valores que a Constituição, como norma suprema, proclama (MORAES, 2017, p. 36).

Dessa forma, esse princípio traz para ser colocado em evidência além da igualdade entre todos a equidade no tratamento dos desiguais, na medida que se desigualam. Portanto, ter acesso e compreender os direitos que assistem ao homem pode ser um dos primeiros passos na direção de uma efetiva igualdade de direitos.

No art. 205, a Carta Magna apresenta a educação como um direito de todos, na garantia de desenvolver plenamente a pessoa enquanto cidadão e ter qualificação para o mercado de trabalho. No seu art. 206, Inciso I, define a “igualdade de condições de acesso e permanência na escola”, garantindo o dever do Estado na oferta do Atendimento Educacional Especializado, de preferência na rede regular de ensino (BRASIL, 1988, p. 5).

Um ano após a homologação da Carga Magna, foi sancionada a Lei nº 7.853 de 24 de outubro de 1989 que dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiências e sua integração social. Em seu art. 1º, § 1º que dispõe sobre 

[…] os valores básicos da igualdade de tratamento e oportunidade, da justiça social, do respeito à dignidade da pessoa humana, do bem-estar, e outros, indicados na Constituição ou justificados pelos princípios gerais de direito. (BRASIL, 1989, p. 1).

O art. 2º enfatiza os direitos básicos. No Inciso I, alínea ‘c’ faz referência ao atendimento à educação visando a inclusão: “a oferta, obrigatória e gratuita, da Educação Especial em estabelecimento público de ensino” (BRASIL, 1989, p. 1).

Em 1990 é criado o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8. 069, que vem reforçar os dispositivos legais anteriores quando afirma e determina que “os pais ou responsáveis têm a obrigação de matricular seus filhos na rede regular de ensino” (BRASIL, 1990, p. 8). Ainda, na década de 1990, em Nova Iorque é realizada a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, fortalecendo as lutas e traçando um plano de ação para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem. Essa Declaração tem dentro do Objetivo o direcionamento de que “Cada pessoa – criança, jovem ou adulto – deve estar em condições de aproveitar as oportunidades educativas voltadas para satisfazer suas necessidades básicas de aprendizagem” (S/N,1990, p. 1). 

No ano de 1994 acontece em Salamanca, na Espanha, a Conferência Mundial de Educação Especial, reafirmando o compromisso com a Educação Para Todos e reconhecendo a necessidade de providenciar atendimento melhorado na educação àqueles que se encontram desprovidos de seus direitos. A Declaração de Salamanca traz a educação inclusiva como algo primordial e afirma que:

As escolas devem buscar formas de educar as crianças, incluindo aquelas que possuam desvantagens severas. Existe um consenso emergente de que crianças e jovens com necessidades educacionais especiais devam ser incluídas em arranjos educacionais feitos para a maioria das crianças. Isto levou ao conceito de escola inclusiva (UNESCO, 1994, p. 4).

No Brasil, no mesmo ano, coadunando com esse propósito, é publicada a Política Nacional de Educação Especial com orientação para integrar institucionalmente aqueles que “[…] possuem condições de acompanhar e desenvolver as atividades curriculares programadas do ensino comum, no mesmo ritmo que os alunos ditos normais” (BRASIL, 1994, p. 19).

Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB nº 9394, Darci Ribeiro, é promulgada trazendo em seu art. 1º 

A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais (BRASIL, 1996, p. 1).

A LDB reforça a Constituição Federal no asseguramento da educação a todos e em seu art. 2º ressalta o dever da educação sendo da família e do Estado. Em seu art. 3º, traz o ensino baseado em alguns princípios, incisos “I- igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; […] IV-respeito à liberdade e apreço à tolerância […]” (BRASIL, 1996, p. 1).

Nota-se que, os direitos à educação das pessoas com necessidades especiais estão cada vez mais latentes nas normas constitucionais, sempre levando em conta a educação como um ponto primordial para o desenvolvimento do ser humano, baseada na igualdade, no respeito e na tolerância.

Nessa direção, no ano de 2008, foi aprovada a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, a qual reconhece as grandes dificuldades em que os sistemas de ensino passam por lidarem com práticas discriminatórias em seu cotidiano. A Política aborda os direitos dos alunos com necessidades especiais fundamentada na visão de direitos humanos, que concebe a igualdade e a equidade na formação do ser humano (BRASIL, 2008, p. 15).

A partir desse ponto de vista, a educação inclusiva traz a educação especial como constituinte da proposta pedagógica de cada escola. A educação especial atuará, então, de maneira articulada ao ensino comum, sendo orientada para atender as necessidades especiais dos alunos que se encontram nessas condições. 

A Política traz as definições do público alvo para o atendimento educacional especializado ofertado pelas escolas da rede pública e privada. Contudo, menciona que “as pessoas se modificam continuamente transformando o contexto no qual se inserem” com esse dinamismo a atuação em todos os contextos é de alterar a situação de exclusão, com foco na relevância de ter ambientes heterogêneos na promoção da aprendizagem de todos os alunos (BRASIL, 2008, p. 15).

Nota-se um aparato de leis que servem de suporte para a garantia de direitos constituídos. A Lei Berenice Piana, Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, é mais uma delas. Essa Lei se torna materializada trazendo uma conquista para as pessoas com o Transtorno do Espectro Autista dentro das políticas voltadas à inclusão. As pessoas com autismo passam a gozar dos direitos que asseguram às pessoas com deficiência. Em seu parágrafo 2º, art. 1º a Lei estabelece que “a pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais” (BRASIL, 2012, p. 17).

Dessa forma, a Lei está de acordo com a descrição da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência – CDPD (ONU, 2006):

Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas (ONU, 2006).

Nesse sentido, inclui-se no rol de pessoas com deficiência o autista a fruir dos direitos inerentes a elas. A Lei Berenice Piana traz em seu Art. 1º, § 1º, Incisos I e II a descrição da pessoa com espectro autista:

I – Deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da interação sociais, manifestada por deficiência marcada de comunicação verbal e não verbal usada para interação social; ausência de reciprocidade social; falência em desenvolver e manter relações apropriadas ao seu nível de desenvolvimento;
II – Padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades, manifestados por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por comportamentos sensoriais incomuns, excessiva aderência a rotinas e padrões de comportamento ritualizados; interesses restritos e fixos (BRASIL, 2012).

A consolidação da Lei reforça que todos devem ter um olhar diferenciado às pessoas com autismo, seja no viés da inclusão seja no asseguramento dos direitos constituídos.

A Lei traz em seu corpo a legalidade assegurada com direitos ao acesso aos serviços de saúde, com vistas à atenção integral e às necessidades inerentes ao espectro, acesso à educação e ao ensino profissionalizante. Reconhecer as especificidades das pessoas com autismo é de grande relevância, uma vez que permite a essas pessoas acessarem políticas públicas e ações afirmativas na garantia da participação social em igualdade de condições em relação às demais pessoas.

O que concerne ao atendimento à saúde, a Lei assegura dentre outros direitos em seu Art. 2º, Inciso III: “A atenção integral às necessidades de saúde da pessoa com transtorno do espectro autista, objetivando o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional e o acesso a medicamentos e nutrientes” (BRASIL, 2012, p. 1).

No que se refere à educação, é necessário e urgente que os profissionais possam fazer adaptações do currículo a fim de que a inclusão seja efetiva. No Art. 2º, Incisos I, II VII e VIII orientam a inclusão na condição de proporcionar uma qualidade no aprendizado.

I – a intersetorialidade no desenvolvimento das ações e das políticas e no atendimento à pessoa com transtorno do espectro autista;
II – a participação da comunidade na formulação de políticas públicas voltadas para as pessoas com transtorno do espectro autista e o controle social da sua implantação, acompanhamento e avaliação;
VII – o incentivo à formação e à capacitação de profissionais especializados no atendimento à pessoas com transtorno do espectro autista, bem como pais e responsáveis;
VIII – o estímulo à pesquisa científica, com prioridade para estudos epidemiológicos tendentes a dimensionar a magnitude e as características do problema relativo ao transtorno do espectro autista no País.

Tal determinação que está contida na Lei é primordial para que o escopo principal a qual a lei se propõe seja alcançado: a inclusão. Para tanto, a comunidade brasileira precisa cumprir e assegurar os meios para que seja efetivada a lei em todos os âmbitos. Somente com conhecimento e aplicabilidade das leis de maneira eficaz, as pessoas com necessidades especiais terão o privilégio de sentirem-se valorizadas e respeitadas.  

Alexandre de Moraes enfatiza que os direitos constitucionais:

[…] se inserem no texto de uma constituição cuja eficácia e aplicabilidade dependem muito de seu próprio enunciado, uma vez que que a Constituição faz depender de legislação ulterior a aplicabilidade de algumas normas definidoras de direitos sociais, enquadrados entre os fundamentais (MORAES, 2017, p. 47). 

Assim, observa-se que a Carta Magna determina que as normas que definem os direitos e garantias fundamentais possuem aplicabilidade imediata. Entretanto, muitas vezes, esse imediatismo necessita de um mandado de injunção ou iniciativa popular. No que se refere a garantir o direito de pessoas com necessidades especiais a Lei esbarra em situações adversas: desde a estrutura física que não inclui, perpassando por profissionais sem muito preparo, famílias que desconhecem os direitos dos seus, até a própria sociedade que ainda não está preparada para lidar com esses indivíduos. Portanto, lutar por direitos e tê-los assegurados na prática é de fundamental importância para que todos tenham igualdade perante a Lei. Muito já se conquistou e muito ainda está por ser conquistado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a revisão de literatura dos autores que embasaram este artigo averiguou-se que há leis que asseguram o direito das pessoas com autismo: à educação, à saúde, às políticas públicas, entre outras situações. Muitos foram os avanços a respeito dessas garantias, a partir da holística apresentada. No Brasil existem inúmeros documentos legais que reforçam a luta e a conquista desses direitos, contudo, observou-se pelas discussões apresentadas que essas leis não estão sendo amplamente divulgadas na sociedade. Dessa forma, a hipótese foi confirmada, posto que, mediante os autores de base, nota-se que muitas famílias não conseguem ter acesso a um diagnóstico precoce, a tratamento e acompanhamento, bem como aos direitos que seus filhos possam ter.

A falta de acesso ao conhecimento pode levar a um diagnóstico tardio de uma pessoa com TEA. Segundo especialistas, o acesso às informações sobre as características do autista, o diagnóstico precoce e o tratamento são elementos primordial para que essas pessoas tenham qualidade de vida com respeito que todas merecem.

Os objetivos foram alcançados, visto que foi apresentada a historicidade do autismo e sua evolução clínica no decorrer dos anos. Debateu-se a respeito do diagnóstico precoce e sua relevância para a pessoa com TEA, com vistas a saber do tratamento e acompanhamento na vida escolar, saúde, familiar e social. Assim como, foi observado que os dispositivos legais estão cada vez mais reforçando os direitos das pessoas com necessidades especiais dentro de uma abordagem inclusiva.

A questão problema que norteou o desenvolvimento, a construção e argumentação do tema foi respondida, haja vista, os teóricos que deram suporte abordarem a necessidade de uma divulgação maior desses dispositivos legais a fim de que a sociedade, como um todo, tenha acesso às informações e se beneficie daquilo que lhe é de direito.

Este tema de grande relevância social requer estudos mais aprofundados abordando pontos aqui não discutidos. Assim, se faz necessário que as Instituições de Ensino Superior possam fomentar em seus acadêmicos o desenvolvimento de pesquisas que levem à população informações da área do Direito com intuito de divulgar os resultados e contribuir para o conhecimento de todos. 

REFERÊNCIAS

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