A COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DE GOIÁS (CODEGO), A ÉTICA E A RESPONSABILIDADE EMPRESARIAL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12568644


César Laurentino Rodrigues Peixoto1


Resumo

O artigo discute a importância do Compliance nas organizações, tomando como referência a experiência da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Goiás (Codego). O texto inicia com a apresentação da conceituação, origem e importância da moral (regras, normas e leis) e da ética. Depois trata da importância da observância do ordenamento jurídico, do Programa do Compliance em Goiás, da Codego e da ética e o compliance.

Summary

The article discusses the importance of compliance in organizations, taking as a reference the experience of the Companhia de Desenvolvimento Econômico de Goiás (Codego). The text begins with the presentation of the conceptualization, origin and importance of morals (rules, norms and laws) and ethics. It then discusses the importance of observing the legal system, the Compliance Program in Goiás, Codego, ethics and compliance.

Introdução

Discutir a ética e a responsabilidade nas organizações é um exercício de pensar a importância da ética, da responsabilidade e da legislação para a sociedade e, no caso específico, para as organizações. Na verdade, trata-se de discutir a importância da ética e do Estado de Direito para toda a sociedade. Toda vida, seja ela empresarial, pessoal, comunitária ou institucional, se refere à ética e às normas, já que a vida pessoal não é isolada, assim como as vidas empresarial, governamental e institucional também não são.  

Apesar de a ética e a lei não serem recentes, a preocupação com a aplicabilidade delas no âmbito das organizações públicas ou privadas é nova. Para a pesquisadora portuguesa Maria Olívia Dias, o debate ético em torno das e nas organizações em geral e nas profissões em particular é pouco abordado, bem como a importância da observância da legislação. Foi apenas recentemente que a “ética se tornou centro do debate na sociedade e em particular nas organizações” (DIAS, 2004, p. 83).

A pesquisadora ressalta a importância tanto da ética quanto das normas. Na ética profissional, por exemplo, ela diz que “a discussão feita em torno do tema sobre a ética, nos mais diversos tipos de profissão, tem-se orientado, quer queiramos quer não, para a qualidade de vida enquanto pessoas, mas também, enquanto profissionais” (DIAS, 2004, p. 82).

Para Henrique Cláudio de Lima Vaz, o que fez com que surgisse a preocupação com a ética, a política e o direito na Grécia foi “buscar na razão ou num sistema de razões a therapeia, como dirá Platão, ou a cura para as enfermidades sociais. Ora, para essa therapeia do corpo social a filosofia se ofereceu como o instrumento privilegiado e foi ela que permitiu transpor em saber organizado as tradições éticas dos gregos” (VAZ, 1996, p. 23). Portanto, a ética, o direito (leis, normas, regras) e a política (especialmente a democracia), quando observados, respeitados e praticados, constituem a therapeia para as enfermidades, os problemas tanto da sociedade quanto das organizações, que são o que nos interessa aqui. Vaz (1996) ressalta que:

a ética, a política e o direito constituem justamente os corpos fundamentais de razões que as civilizações vêm elaborando para atender à necessidade de prescrever à práxis uma racionalidade teleológica que, operando consensualmente, possa alcançar no seio das comunidades uma validez universalmente reconhecida” (VAZ, 1996, p. 22).

Vaz (1996) ainda pontua que, sendo essencialmente teleológica, que visa fins,

a práxis humana tende inevitavelmente a dar razão dos seus próprios  fins,e são justamente essas razões, mais vividas do que pensadas, que se consubstanciam historicamente nos costumes que formam o  ethos das diversas culturas. No momento em que esses fins se obscurecem ou que a dúvida ou o ceticismo envolvem as razões que   os justificam, a práxis perde-se no amoralismo ou na anomia (VAZ, 1996, p. 22).         

Daí a importância da contribuição do Compliance para orientar, solicitar e acompanhar as atividades dos diversos setores da organização, para que estas sejam desenvolvidas conforme o ordenamento jurídico (leis, normas, regras) e as atitudes éticas. Foi com esse objetivo que foi criado o Programa do Compliance, o de contribuir para que a organização atinja um nível de excelência.

1. Problemas éticos e problemas morais: fundamento do agir humano e empresarial

Nas relações cotidianas, nos deparamos cotidianamente com problemas éticos e morais, ou seja, problemas que exigem assumir uma atitude justa (ética), esta ou aquela regra, norma ou lei (moral). A cada instante há a necessidade de assumirmos atitudes éticas e morais: devo ser justo, correto? Devo cumprir esta regra, esta lei, esta norma? Devo dizer a verdade? Devo agir de modo justo, correto? Posso ignorar as normas, as regras, as leis da sociedade e ou da empresa em que trabalho ou dirigo?  Para Adolfo Sánchez Vázquez,

trata-se de problemas práticos, isto é, de problemas que se apresentam nas relações efetivas, reais, entre indivíduos ou quando se julgam certas decisões e ações dos mesmos. Trata-se, por sua vez, de problemas cuja solução não concerne somente à pessoa que os propõe, mas também a outra ou outras pessoas que sofrerão as consequências da sua decisão e da sua ação. As consequências podem afetar somente um indivíduo […] em outros casos, trata-se de ações que atingem vários indivíduos ou grupos sociais […] Enfim, as consequências podem estender-se a uma comunidade inteira, como a nação (VÁZQUEZ, 2017,  p. 6).

Não é possível falar de ética sem se referir à moral. Por isso, apresentaremos inicialmente o conceito, a origem e o sentido da moral, e depois o conceito, a origem e a importância da ética. Tomamos como orientação para este artigo a orientação que Vázquez (2017) assumiu para elaborar o livro Ética, quando ele afirma que:

A ideia de que a ética deve ter suas raízes no fato da moral, como sistema de regulamentação das relações entre os indivíduos ou entre estes e a comunidade, orientou nosso estudo. Por ser a moral uma forma de comportamento humano que se encontra em todos os tempos e em todas as sociedades, partimos do critério de que é preciso considerá-la em toda a sua diversidade, fixando embora a nossa atenção, de maneira especial, em suas manifestações atuais. Podemos assim impugnar as tentativas especulativas de tratar a moral como um sistema normativo único, válido para todos os tempos e para todos os homens, assim como rejeitar a tendência de identificá-la com uma determinada forma histórico-concreta de comportamento moral (VÁZQUEZ, 2017, p. 9).

Procura, por exemplo, abordar a moral “como uma forma específica de comportamento humano, cujos agentes são os cujos agentes são os indivíduos concretos, indivíduos, porém, que só agem moralmente quando em sociedade, dado que a moral existe necessariamente para cumprir uma função social” (VÁZQUEZ, 2017, p. 10).

Iniciar o artigo com a distinção entre ética e moral é importante para não compreender a importância de ambas para a vida em sociedade e para o bem-estar das organizações, mas também para contribuir para desfazer a ideia do senso comum de que ética e moral são a mesma coisa. É comum nos depararmos com pessoas que se referem à moral como se fosse ética quando afirmam que “a pessoa X não tem moral”. Isso significa que a pessoa X é injusta, não é correta, nem ética. Então, o que é ética e o que é moral? Quais suas origens e contribuições?

1.1 Moral: a regulamentação da vida em sociedade

A moral (do latim mores) significa costumes. Mas podemos dizer que a moral também se refere às normas, aos valores e às leis aceitas, livres e, conscientemente, que regulam o comportamento individual e social das pessoas e regem a vida em sociedade.  A moral surgiu nos primórdios da humanidade, quando o homem deixou de ser apenas um ser natural, que vivia sozinho, em plena liberdade, sem se preocupar com regras e normas, e passou a ser um ser social, a conviver em grupo, a seguir normas, regras e leis: “De fato, o comportamento humano moral, ainda que sujeito a variação de uma época para outra e de uma sociedade para outra, remonta até as próprias origens do homem como ser social” (VÁZQUEZ, 2017, p. l7). É neste momento que surge a moral, inicialmente como conjunto de regras e normas e, mais tarde, como leis que passam a normatizar a vida em grupo e em sociedade. Assim, segundo Vázquez (2017), num determinado momento da história da humanidade,

os indivíduos se defrontam com a necessidade de pautar o seu com- portamento por normas que se julgam mais apropriadas ou mais dignas de ser cumpridas. Estas normas são aceitas intimamente e reconhecidas como obrigatórias: de acordo com elas, os indivíduos compreendem que têm o dever de agir desta ou daquela maneira. Nestes casos, dizemos que o homem age moralmente e que neste seu comportamento se evidenciam vários traços característicos que o diferenciam de outras formas de conduta humana (VÁZQUEZ, 2017, p. 16).

O autor ressalta que, na vida real, nos defrontamos com problemas práticos no cotidiano pessoal e profissional, dos quais ninguém pode se eximir. E, para resolvê-los de modo correto, os indivíduos recorrem às normas, leis e regras para fundamentar seus atos: “Tudo isto faz parte de um tipo de comportamento efetivo, tanto dos indivíduos quanto dos grupos sociais e tanto de ontem quanto de hoje” (VÁZQUEZ, 2017, p. l7).  Isso é a observância da moral, que é prescritiva, isto é, obrigatória. O seu não cumprimento pode acarretar sanções, penalidades. A moral efetiva compreende as normas ou regras de ação e os fatos que possuem relação com ela.  Ao se referir à moral, se está justamente se referindo a um sistema de regras e à sua efetivação no mundo prático, pois vivemos em sociedade. Vázquez (2017) ressalta que:

O comportamento moral é tanto comportamento de indivíduos quanto de grupos sociais humanos. Mesmo quando se trata da conduta de um indivíduo, a conduta tem consequências de uma ou outra maneira para os demais, sendo objeto de sua aprovação ou reprovação. Mas, os atos individuais que não tem consequência alguma para os demais indivíduos não podem ser objeto de uma qualificação moral (VÁZQUEZ, 2017, p. 52).

O homem é um ser essencialmente social. Por isso, é impossível de ser pensado fora do contexto da sociedade em que nasce e vive.

O processo de socialização passa por diferenças nas trocas intelectuais, diferenças de qualidade, quando mais evoluído for o sujeito mais autonomia ele terá. No entanto, longe de significar isolamento e impermeabilidade à cultura a qual o sujeito está inserido, autonomia significa ser capaz de estar consciente dos diversos pontos de vista e conflitos presentes numa sociedade. Relacionando as várias possibilidades de interação social e suas consequências para a vida dos indivíduos bem como a análise da atual cultura de valores que o mundo contemporâneo produz (SILVEIRA, 2012, p. 2).

Os autores Mendes e Battibugli (2014) salientam que:

o homem em sua existência no mundo, por carecer sempre de escolhas se depara em situações morais marcadas pela dualidade de sentimentos, e como dissemos que na falta de um manual entre certo e errado, bem e mal, as consequências são imprevisíveis. No entanto, as escolhas a serem tomadas devem envolver decisões que comportem responsabilidades (MENDES; BATTTIBUGLI, 2014, p. 30).

Para Piaget (1994, p. 23), “toda moral consiste num sistema de regras, e a essência de toda moralidade deve ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por essas regras”. Deste modo, é na interação e relação interpessoal, entre as pessoas, e institucional, entre as instituições e organizações, que a moral se forma e se estabelece. Sendo assim, não há moral sem o outro, seja a pessoa ou a instituição/organização.

Nesse contexto, agir moralmente, isto é, agir conforme as regras, normas e leis, é fundamental para a vida em sociedade e para vida no mundo do trabalho. Toda nossa vida é uma constante aprendizagem, portanto, agir moralmente é também uma aprendizagem. As regras existem e são necessárias para que haja relações interpessoais e relações no mundo das organizações mais justas e harmônicas, de forma que contribua para um bom convívio social e empresarial. Para Silveira,

A moral é parte fundamental da vida cotidiana, pois a reprodução das normas depende do “espontaneísmo” e da repetição para que elas se tornem hábitos e se transformem em costumes que respondem às necessidades de integração social.

A legitimação das prescrições morais implica uma aceitação subjetiva, pois, se não forem intimamente valorizadas elas não se reproduzem diante das situações cotidianas, em que a necessidade de escolha entre uma ou mais alternativa se faz presente. A partir do momento em que os indivíduos incorporam determinados papéis e comportamentos, reproduzem-se espontaneamente, donde a tendência à vida cotidiana, as escolhas nem sempre significam um exercício de liberdade e acabam por cristalizar-se (2012, p. 5).

1.2 Ética: a busca da excelência do agir humano

A ética (do grego ethos) significa bons costumes, modo de ser ou caráter de uma pessoa, mas também diz respeito à teoria de um certo tipo de experiência humana, a do comportamento moral das pessoas. Trata-se do agir humano justo, correto e humanizador. Para o filósofo espanhol Vázquez, a ética poderá dizer, em geral, no que consiste o fim do comportamento humano, se é um comportamento bom, justo, visado pelo comportamento moral, que fundamentou o agir humano. Isso significa que, para a ética, nem toda a lei, regra, norma e costume é ética. Determinada ação humana pode ter um amparo legal (moral), mas pode ser necessariamente ética. Assim, de acordo com Vázquez (2017), os problemas éticos são:

problemas que se apresentam nas relações efetivas, reais, entre indivíduos ou quando se julgam certas decisões e ações dos mesmos. Trata-se, por sua vez, de problemas cuja solução não concerne somente à pessoa que os propõe, mas também a outra ou outras. somente à pessoa que os propõe, mas também a outra ou outras pessoas que sofrerão as consequências da sua decisão e da sua ação. As consequências podem afetar somente um  […] em outros casos, trata-se de ações que atingem vários indivíduos ou grupos sociais […] Enfim, as consequências podem estender-se a uma comunidade inteira (VÁZQUEZ, 2017, p. 6).

Deste modo, o objeto de investigação da ética é a moral. Quando aparecem dúvidas sobre a validade dos costumes, valores, das leis e condutas, então há a necessidade de recorrer à contribuição da ética para compreender o seu sentido. Ela tem a função de nos indicar quando o comportamento é bom, justo e humano. Se a moral surgiu nos primórdios da humanidade, a ética apareceu com a filosofia, na Grécia. A filosofia surgiu no final do século VII a.C. e no início do século VI a.C. Foi o meio pelo qual os gregos encontraram para explicar o mundo, os fenômenos e os acontecimentos de maneira racional.  Depois, no século IV a. C., houve um contexto de intensa reflexão a respeito das regras de convívio social, e os gregos desenvolveram uma área da filosofia que procurava compreender o agir humano, que passou a ser chamada de ética. Essa reflexão teve início com Sócrates. Diferentemente dos filósofos que o precederam, os pré-socráticos, Sócrates tinha como objetivo a reflexão sobre o homem, deixando de lado a busca por conhecer o cosmos e a physis, como era a preocupação dos primeiros filósofos. Por isso, Sócrates foi considerado o pai da ética, pois foi o primeiro a se ocupar com esse assunto. Boa parte de sua filosofia se dedicou à reflexão sobre a construção do homem virtuoso para que pudesse atingir a plena felicidade. Para Sócrates, o homem deveria agir tendo como referência a areté (virtude), a excelência humana.

O ethos (ética) é a casa, a morada, a acolhida, o abrigo protetor e seguro da vida do homem em sociedade. A partir do ethos, o espaço do mundo humano (sociedade) torna-se habitável para o homem, espaço de afirmação. Para Vaz (1993),

Este sentido de um lugar de estada permanente e habitual, de um abrigo protetor, constitui a raiz semântica que dá origem à significação do ethos como costume, esquema praxiológico durável, estilo de vida e de ação. A metáfora da morada e do abrigo indica justamente que, a partir do ethos, o espaço do mundo torna-se habitável para o homem […] o espaço do ethos enquanto espaço humano, não é dado ao homem, mas por ele construído ou incessantemente reconstruído. Nunca a casa do ethos está pronta e acabada para o homem, e esse seu essencial inacabamento é o signo de uma presença a um tempo próxima e infinitamente distante, e que Platão designou como a presença exigente do Bem, que está além de todo ser (ousía) ou para além do que se mostra acabado e completo.

É, pois, no espaço do ethos que o logos torna-se compreensão e expressão do ser do homem como exigência radical de dever-ser ou do bem (VAZ, 1993, p. 12-13).

Dessa maneira, com o ethos, a solidariedade, a cooperação e a alteridade passam a ser as referências da vida em sociedade, contrapondo-se ao egoísmo, ao individualismo e à barbárie. Para essa concepção, a areté, a excelência do agir humano ou o conjunto dos valores que forma um ideal de convivência em sociedade, é a referência fundamental. As ações dos homens, no âmbito da economia, da cultura, da religião, do trabalho, da educação, do lazer e da família, deveriam ser orientadas pela ética, para que a sociedade fosse mais justa e humana. Assim também deve ser a ação do homem no âmbito da política. Por isso que, para Aristóteles, a vida humana é vida política (bios politikós) que constitui a finalidade essencial para o homem. Por isso, o homem é um zoon politikon por natureza porque só realiza sua humanidade em sociedade. Aristóteles, então, defende a sociabilidade do ser humano e nega a vida isolada. Para ele, aquele que vive isolado é um ser degradado (um animal) ou está acima da humanidade (um deus) (ARISTÓTELES, 1982, I, 2, 1253 a, 5, grifos do original). Logo, como a vida de uma sociedade também é a vida de uma empresa, deve ter como fundamento a areté, a virtude, a excelência, para que possa cumprir com suas metas e missão.

Desse modo, Santos et al. (2016) afirmam que:

A ideia de ser uma empresa comprometida com valores éticos e promover um desenvolvimento pautado por ações que gerem benefícios a toda uma sociedade vem sendo adotada por muitas organizações que compreendem que tal postura agrega valor a sua marca e os coloca no meio social como um elo entre empresa, indivíduos e governo.

Abarcar tais questões mostra que e necessário mais que obrigar-se a devolver a sociedade parte de seus lucros. A partir do momento que as corporações compreendem o seu papel social, surge então o termo responsabilidade social (SANTOS et al. 2016, p. 108).

2. A importância da observância do ordenamento jurídico: contribuições para a res pública

Res publica é uma expressão latina que significa “coisa do povo”, “coisa pública”, igualdade civil e governo voltado para o interesse coletivo, uma forma de governo, segundo Montesquieu, em que quem governa é o povo. Significa também um modo de governar, uma forma de tratamento daquilo que é coletivo. Cícero, filósofo e político romano, afirma que a res publica é a coisa pública, o bem coletivo, o que é comum a todos, se distinguindo da coisa privada, familiar, daquilo que se restringia ao ambiente doméstico (PEIXOTO, 2018).

A prática da apropriação privada daquilo que é público tem suas origens no séc. XI a. C., na Grécia, com o surgimento do déspota, despotês, no âmbito da política. O déspota é o chefe de família (oikos), o senhor absoluto, que estabelece as normas e regras do oikos. Na sua origem, o despotismo pertence ao espaço privado, à vida privada e à vida familiar (CHAUI, 2007). Quando o chefe familiar assumiu também o poder político, transferiu para a administração pública a prática de tomar como seu aquilo que é coletivo. Para Aristóteles, onde há poder déspota (despoteia) não pode haver res pública ou politeia (espaço público).

O déspota está presente no Império Romano. O imperador, ao se tornar senhor do Império (dominus), e o Império sua propriedade (dominium), se transforma num déspota, já que a res publica deixa de ser propriedade do populus romanus (população) para se tornar patrimônio do imperador. Este disporá, segundo a sua vontade, dos bens públicos. No período feudal, o direito público se privatizava numa rede de proteção (relação privada do protetor com o súdito) e de vassalagem (relação privada de obrigação), conforme a vontade do rei, que, por não ter sido colocado no poder pelo povo e nem por seus pares, é nemine judicatur (julgado por ninguém), absolutus, está acima de todos, é senhor e despotês (déspota), como demonstra Marilena Chauí (2007).

Desde a modernidade, com o surgimento do Estado de Direito – o Estado regido por leis, e não pela vontade do governante –, há um esforço de defesa da res publica. No Brasil ainda persiste a prática despótica, e exemplos disso são as inúmeras denúncias de corrupção divulgadas pela imprensa.

Uma das conquistas da modernidade foi a separação entre o que é público e o que é privado, com a criação do Estado de Direito, que surgiu como uma consequência das revoluções burguesas do século XVIII. A mais famosa destas é a Revolução Francesa, que marcou o fim do Absolutismo e da Monarquia na França. Durante o Absolutismo, o governante detinha poder máximo e, desta forma, não precisava respeitar nenhuma lei vigente. Com o Estado de Direito, essa realidade mudou. Quais são os principais pressupostos do Estado de Direito? São: ampla garantia legal do sujeito, o princípio da administração, do controle judicial e parlamentar e a separação entre estado e sociedade. Portanto, no Estado de Direito, todos estão submissos à legislação vigente.

Podemos dizer que o Estado de Direito é um conceito que define o que é um sistema institucional, ou seja, determina que, em uma nação, todos estejam submetidos ao que determina o Direito. Assim, os cidadãos, as instituições e empresas devem respeitar as normas estabelecidas pela sociedade na qual estão inseridos, bem como têm seus direitos fundamentais assegurados.  Como se percebe, o Estado de Direito é o oposto do autoritarismo, no qual um poder se sobrepõe aos outros e os dirigentes violam as normas, o contrato social, se colocando acima das regras que determinam o Estado de Direito.

Por isso, o Estado de Direito é um dos principais pilares de uma sociedade contra os abusos de poder e autoritarismo. Na segunda metade do século XX, em especial, o Estado de Direito passou a significar a base de uma democracia. Não há res publica sem o Estado de Direito.

3. O programa do Compliance em Goiás

Compliance é um termo inglês derivado do verbo to comply, que significa estar em conformidade com leis e regulamentos. Trata-se de uma orientação para que empresas e governos atuem conforme o regramento ao qual estão subordinados, bem como com atitude ética, para minimizar problemas judiciais, reduzir custos e consolidar a credibilidade. Desta forma, compliance se aplica a todos os tipos de organizações, tanto públicas quanto privadas (PEIXOTO, 2023).  Quando se refere a empresas ou órgãos governamentais, são orientações para a sua adequação às normas dos órgãos de regulamentação. Neste caso, temos o Programa de Compliance Público, que é um programa para orientar e acompanhar as ações dos serviços públicos para que estejam em conformidade com as leis e os regulamentos.  Assim, o estado e seus órgãos, quando têm como fundamento o Compliance, trabalham de acordo com suas obrigações legais, com os valores que propõem representar (compromisso, legalidade, transparência) e com sua missão institucional.

Por isso a importância do Compliance nos órgãos governamentais, pois propicia transparência, atitude republicana e garantia de que a gestão estará fundamentada na legislação. O Compliance contribui para identificar problemas, melhorar a eficiência e a qualidade dos serviços prestados, para que sejam de fato res publica, isto é, coisa pública. Dias (2004, p. 92) afirma que: “A coragem, a força dos valores mais altos, leva-nos a perseverar, a ir à procura daquilo que nos eleva e não daquilo que nos diminui”. 

É possível dizer que empresas e órgãos públicos que adotam o Programa de Compliance ganham credibilidade, aumentam a eficiência e a qualidade dos seus serviços prestados e possibilitam a criação de um ambiente de confiança, de colaboração e de humanização entre a direção e os colaboradores e entre colaboradores.  

No estado de Goiás, o autor do Programa Compliance nos serviços públicos foi Francisco Rodrigues Vale Júnior (Francisco Jr.) quando era deputado estadual.  O Projeto de Lei nº 660/18, que ele apresentou e foi aprovado pela Assembleia Legislativa de Goiás (ALEGO, 2018), determina que os órgãos da Administração Pública Estadual deverão criar programas de Compliance públicos, com o objetivo de avaliar, direcionar e monitorar a gestão pública.  Segundo a nova regulação, os programas de Compliance públicos visam avaliar, monitorar e orientar os gestores públicos para garantir a aplicação efetiva de códigos de conduta e atitude ética.  Esta lei passou, na Alego, por pequenas adequações que resultaram na Lei nº 20.489/2019 (ALEGO, 2019) e Lei nº 6.311/2019 (ALEGO, 2019).  Em função dessa iniciativa, as empresas públicas do estado de Goiás agora possuem mecanismos para garantir uma gestão mais transparente e ética.

4. A Companhia de Desenvolvimento Econômico de Goiás (Codego): origem e missão

A Codego foi criada, como informa seu site (CODEGO, 2024), pela Lei nº 19.064, de 14 de outubro de 2015, a partir da alteração da denominação social da Companhia de Distritos Industriais de Goiás (Goiás Industrial), criada pela Lei nº 7.766, de 20 de novembro de 1973, além dos ativos remanescentes da empresa Metais de Goiás S/A (Metago).

A Companhia tem como missão promover o desenvolvimento sustentável de Goiás com atividades de fomento para incremento da economia, diminuição da desigualdade regional e geração de emprego e renda. Sua visão é ser referência na atração de investimentos, oportunizando ambientes de negócios favoráveis e promovendo soluções criativas e inovadoras com excelência para contribuir com a diminuição da desigualdade regional em Goiás. Seus valores são: ética, transparência, confiança, empatia, lealdade, respeito, diálogo, sustentabilidade, comprometimento, trabalho em equipe e competências.

A Companhia, empresa de economia mista sob controle acionário do estado, jurisdicionada à Secretaria de Estado de Infraestrutura (Seinfra), tem por objeto a promoção do desenvolvimento econômico mediante o desempenho de atividades de fomento para incremento da economia, geração de emprego e renda e preservação do meio ambiente, mediante incentivo. Cabe-lhe, assim, exercer as atribuições especificadas em seu estatuto social e, especificamente: I – Contratação, execução e administração de projeto, obra, serviço ou empreendimento, em imóveis de sua propriedade ou de terceiros, que atendam ao objetivo de desenvolvimento do Estado; II – Implantação e manutenção, em suas áreas ou empreendimentos administrados, de serviços de apoio e de logística necessários ao funcionamento das atividades, mediante contrapartida financeira; III – Exploração dos serviços de abastecimento de água bruta e potável, e de esgotamento sanitário, restritos às áreas ou empreendimentos sob sua administração, objeto de regulamentação própria; IV – Implantação, manutenção e administração de serviços urbanos em seus empreendimentos, em imóveis de sua propriedade ou de terceiros, tais como iluminação pública, dentre outros, mediante contrapartida financeira; V – Promoção de atos de execução em desapropriação, constituição de servidões, aquisição, alienação, oneração, permuta, locação e arrendamento de bens móveis e imóveis destinados à implantação de atividades que atendam ao objetivo de desenvolvimento econômico do Estado; VI – Aquisição e alienação de bens móveis e imóveis, com ou sem valores agregados, incluindo os oriundos da retomada de propriedade resolúvel, sua oneração, locação, arrendamento, concessão, cessão ou concessão de direito real de uso ou outras que recaiam sobre o direito de propriedade ou posse, na forma do regulamento da companhia; VII – Participação em sociedades, associações, consórcios, contratos de programa, concessões e outras formas associativas previstas em lei com empresas estatais ou privadas e entes públicos; VIII – Delegação, subdelegação ou subconcessão de serviços nos termos da lei; IX – Definição, a partir de critérios técnicos, dos locais para desenvolvimento ou ampliação de suas áreas e de seus empreendimentos (CODEGO, 2024).

Dentre as indústrias instaladas nos distritos industriais, destacam-se as empresas de couro, gestão de resíduos, madeira, máquinas e equipamentos, material plástico, metal, químico, de alimentos, automobilísticas, construção, farmacêutica, minerais não metálicos, movelaria, papel e têxtil.

5. A Codego, a ética e o Compliance: em busca da excelência na administração pública

A ética e o compliance orientam a governança para que esta não seja conduzida apenas pela vontade dos seus gestores, mas observe as normas às quais está sujeita. Vários órgãos do governo estadual têm realizado discussões e se empenhando em colocar em prática a ética e o compliance. Um desses órgãos é a Codego, empresa importante para o desenvolvimento econômico do estado de Goiás.

Como já vimos, o estado e seus órgãos, quando referenciados à ética e ao Compliance, trabalham em conformidade com suas obrigações legais, com os valores que se propõem representar (compromisso, legalidade, transparência) e com sua missão institucional. No caso dos órgãos do estado, trata-se de promover o desenvolvimento social com ações diretas e articuladas com outros órgãos públicos e a sociedade, a defesa dos direitos humanos e o fomento da cultura de paz, além da transparência e publicidade das ações do estado e o desenvolvimento econômico e social de modo justo.

Nos órgãos governamentais, a ética e o Compliance propiciam enormes ganhos para a administração pública, podendo-se citar: a identificação de problemas e as respectivas soluções; a melhoria da eficiência e da qualidade dos serviços prestados; o compromisso em agir com transparência; o aumento da credibilidade, e a proatividade do conjunto dos colaboradores e segurança para realizar uma governança justa. Debater e propor que as ações tenham a ética e o Compliance como fundamentos é buscar a implantação da excelência na administração. Os ganhos não são apenas para os órgãos do governo ou das organizações (empresas), mas também para as pessoas que ali trabalham, pela possibilidade de se criar um ambiente de confiança, de colaboração e de humanização.

O Programa de Compliance Público, mais comumente chamado PCP, foi instituído na Codego pelo Termo de Compromisso nº 1/2020 GEAC – 05474, firmado pelo Secretário de Estado-Chefe da Controladoria-Geral do Estado (CGE), pela Procuradora-Geral do Estado e pelo Presidente da Companhia, no início do ano de 2020. No referido Termo, foram estabelecidas as obrigações da Codego, da CGE e da Procuradoria-Geral do Estado (PGE). Dentre as obrigações da Companhia, vale destacar a garantia do alcance dos resultados das políticas públicas e a satisfação dos cidadãos por uma melhor governança corporativa por meio de fomento à ética, à transparência, à responsabilização e à gestão de riscos, que são os quatro eixos definidos no art. 3º do Decreto nº 9.406, de 18 de fevereiro de 2019 (SECRETARIA DA CASA CIVIL DO ESTADO DE GOIÁS, 2019).

Desde a implantação do Compliance na Codego, foram empreendidas diversas ações para fomentar e internalizar a ética, dentre estas: a revisão do Código de Conduta e Integridade da Codego e duas palestras sobre ética com o professor Dr. Wilson Paiva (UFG), com pós-doutorado na University of Calgary (Canadá) e na Sorbonne Université (França). A transparência da Codego foi reconhecida no último ano, sendo inclusive premiada pela Controladoria-Geral do Estado (CGE), com o Selo Diamante, por ter alcançado 100% dos critérios definidos pelo regulamento do prêmio “Goiás + Transparente”. Já no âmbito da gestão de riscos, foram mapeados, conjuntamente com os gerentes: diretores e superintendências, popularmente chamados “proprietários de riscos”; os riscos de suas áreas, bem como os planos de ações para mitigá-los Depois disso, são realizadas diversas reuniões, no mínimo quadrimestrais, para acompanhamento da evolução ou regressão dos riscos e da efetividade dos planos de ações, por meio de planilhas.

Com a gestão de riscos, a alta gestão da Codego tem a possibilidade de utilizar as planilhas para melhor tomada de decisão, levando em conta os pontos vulneráveis da Companhia.

Conclusão 

É importante salientar que a efetividade das atividades do Compliance não depende apenas de quem gerencia o Programa, mas de todos os setores ou departamentos da empresa. Não é suficiente que os responsáveis pelo Programa identifiquem problemas e indiquem a necessidade de corrigi-los, mas é necessário que os departamentos solucionem estes problemas. O trabalho do Compliance é um trabalho de equipe, trabalho coletivo e, na Codego, temos procurado construir coletivamente esse esforço.

Nessa perspectiva, a regulação e o incentivo às boas práticas de governança e compliance são uma conquista da atualidade administrativa no Brasil e no mundo, já que são instrumentos fundamentais para a excelência administrativa. Deste modo, além de a empresa agir em conformidade com as normas, passa uma imagem positiva para o mercado, para seus investidores e clientes.

Em suma, as práticas de governança e compliance já estão consolidadas no mundo corporativo, e as empresas que ainda não as adotam precisam se adequar a essa nova e importante exigência.

Referências

ARISTÓTELES. La politique.Tradução de J. Tricot. Paris: Vrin, 1982.

ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE GOIÁS (ALEGO).O Projeto de Lei nº 660/18, Goiânia, 2018.

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1Advogado, especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Faculdade ATAME e Gerente do Compliance da Codego.