OS PLANOS DE SAÚDE E A COBERTURA DO HOME CARE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12193914


Débora Pelizari Labanca Coraiola1,
Patrícia Coêlho Aguiar Freitas2


RESUMO

A inquietação que gerou o presente estudo foi analisar o direito do atendimento domiciliar (home care) dos usuários dos planos de saúde, mesmo que haja uma vedação explícita desse tipo de tratamento. Este trabalho teve como finalidade analisar que tipo de benefícios o atendimento na modalidade domiciliar propicia ao paciente, assim como quais medidas deveriam ser adotadas, à luz da atual legislação e da jurisprudência pátria, na ocorrência de uma negativa de atendimento por parte da operadora do plano de saúde. Por meio de uma revisão sistemática de literatura sobre o tema proposto, averiguaram-se os serviços de saúde no atendimento domiciliar balizado pelas coberturas dos contratos dos planos de saúde. A pesquisa realizada buscou verificar as ofertas dos serviços de saúde domiciliares à luz das coberturas consideradas como obrigatórias, destacando os benefícios que o atendimento domiciliar traria aos pacientes. Concluiu-se que a negativa ou a supressão da cobertura de atendimento médico em domicílio (home care), pelos planos de saúde revela-se como abusiva, uma vez que reduz o direito essencial intrínseco a natureza básica do contrato que é a prestação de serviço médico ao usuário, tornando desse modo inexecutável a efetivação de seu objeto, colocando em perigo a saúde do consumidor que teve como direcionamento o atendimento domiciliar como a modalidade de tratamento que melhor atende a realidade e a enfermidade do paciente.

Palavras-chave: Planos de saúde; Direito do usuário; Atendimento domiciliar.

1 INTRODUÇÃO

O termo Home care, expressa a atenção domiciliar à saúde, que possibilita que o paciente seja atendido em sua casa, com atenção intensiva, equipe profissional e todo o aparato necessário, que compõe parte da estrutura hospitalar em seu domicílio.  É um tipo de atendimento que tem sido considerado eficaz e seguro, principalmente para quem tem doença aguda ou crônica (Fogaça. 2021).

Por diferentes razões, é possível afirmar que atualmente os serviços na área da saúde no Brasil são precários e escassos, incapazes de satisfazer integralmente as necessidades da população.  Este fato tão marcante estimulou, nos últimos anos, o aumento e a materialização do mercado da saúde suplementar, sendo possível assegurar que os planos de saúde cumprem um papel essencial, de fundamental importância, relacionado ao atendimento das necessidades da população brasileira no tangente à área da saúde (Fogaça, 2021).

Ao mesmo tempo, é verdade também, do lado oposto, que os planos de saúde privados constituem complexas relações jurídicas, que, apesar de se submeterem a uma imensidão de normas reguladoras, são compostos ainda por incontáveis pontos de vista ambíguos. Entre os diferentes questionamentos no quesito saúde suplementar, um ganha um grande destaque, refere-se à polêmica sobre o atendimento médico domiciliar (home care) (Fogaça, 2021).

Muitos autores afirmam que é um tema atual, pois nos últimos tempos, aumentaram os pedidos por atendimento de saúde para serem realizados em domicílios. É ainda um assunto delicado, diante das repercussões no âmbito econômico e social que dele decorrem, seja para a operadora do plano de saúde, bem como para a família e o paciente. Além disso, é também um assunto confuso e complexo, uma vez que sua análise tem um regime jurídico próprio, além de conceitos e termos ambíguos e imprecisos (Lima et al, 2020).

Para Felipe Peixoto Braga Neto (2020), não se pode desconhecer ou mesmo ignorar as questões referentes aos atendimentos em domicílio, seja no âmbito particular ou compartilhado pelos serviços de saúde público.

Os distintos aspectos analisados neste trabalho, como o Histórico dos Planos de Saúde no Brasil, as coberturas Obrigatórias nos Planos de Saúde, o Atendimento Domiciliar, o Histórico da Atenção Domiciliar, o Home Care e os Planos de Saúde e o Panorama Jurisprudencial, que nesta pesquisa teve o foco no Serviço Privado de Saúde, as mesmas informações também podem ser utilizadas ao serviço público.

Assim, o presente estudo, estruturado a partir da revisão sistemática de literatura, tem como propósito analisar o tema sobre o atendimento médico no âmbito de serviços domiciliares e sua obrigatoriedade, ou não; seu atendimento pelos planos particulares de saúde suplementar; verificando ainda a importância e contemporaneidade do tema e as terminologias que fazem parte dos contratos firmados pelas prestadoras de plano de saúde; finalizará o trabalho uma análise das normas aplicáveis e a legislação sobre o assunto; completando com o levantamento de dados onde será observado a jurisprudência sobre o objeto em questão.

2 OS PLANOS DE SAÚDE NO BRASIL

O plano de saúde ou contrato de assistência privada à saúde, significa na atual sociedade brasileira, uma ferramenta de grande importância para garantir o atendimento médico-hospitalar, haja vista a incapacidade do Estado em prover de modo satisfatório e suficiente, a procura social cada vez mais crescente pelos serviços da área da saúde em razão, sobretudo, da falta de políticas públicas eficientes. Desta forma, constitui local apropriado para ação de órgãos privados na esfera da assistência à saúde, o que, está pronunciado na Constituição vigente (art. 199 da CF/1988), o que consequentemente, majora os contratos de plano de saúde, elevando à classe de mecanismo para proteção e promoção do direito essencial à saúde (Brasil, 1988).

O contrato de um plano de saúde constitui um negócio jurídico onde a operadora deve garantir ou providenciar serviços médico-hospitalar em favor do segurado, incumbindo a este estar adimplente as contraprestações pecuniárias mensais, cujo valor é estipulado em conformidade a cobertura contratual firmada. Portanto, é um contrato de consumo, sendo normatizado no conceito do consumidor (arts. 2º, 17 e 19, do Código de Defesa do Consumidor -CDC) e a operadora dos planos de saúde, enquadra-se no conceito de fornecedor (art. 3º, caput, do CDC), constituindo como elemento contratual a cobertura da oferta de serviços e produtos de caráter médico-hospitalar (Souza, et al. 2019).

E assim o contrato de plano de saúde, formaliza-se diante de um contrato de adesão, pois se distingue pela elaboração de modo unilateral e as cláusulas contratuais previamente estabelecidas pela operadora, e cabe apenas ao segurado a escolha ou não de aderir a contratação do referido plano, o que o deixa em uma posição de absoluta vulnerabilidade contratual.

Para os autores Silva. Batista. Campos (2023), o contrato do plano de saúde é caracterizado pela essência de interesses existenciais e patrimoniais. De um lado o segurado que entende o vínculo contratual como garantia de um atendimento médico-hospitalar ideal para sua necessidade e sua saúde. Do outro lado, existe as operadoras de planos de saúde que concebe o referido contrato como um mecanismo para alcance de lucros, compondo assim, uma peculiar relação contratual, pois esse mecanismo é uma característica atividade do mercado de consumo, de um lado um vislumbrando o lucro e do outro uma expectativa de garantia da saúde resguardada. Essa situação, ocasiona a obrigação de que se apresente o controle dos conteúdos dos contratos dos planos de saúde, de modo, a garantir a consolidação do objetivo do contrato firmado pela estabilidade do interesse dos contratantes (Silva, Batista, Campos, 2023).

A Lei nº 9.656/1998 (Brasil, 1998) ocorre com o desiderato de normatizar o contrato dos planos de saúde, sendo responsável apor a regulamentação específica para esta área – ordenando sobre as áreas de: rede credenciada, abrangência dos planos, cobertura assistencial, procedimentos e eventos cobertura reduzida, doenças, lesões pré-existentes e carências, bem como, normatizar ainda sobre a entrada e saída das operadoras no mercado e ainda resolver sobre a solvência e liquidez das operadoras. Em complementação a esta lei, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), emite diversas Resoluções Normativas, buscando coibir as práticas danosas aos segurados e garantir a estabilidade do setor (Brasil, 1998).

A instituição de um aporte normativo especial para as relações jurídicas na área da saúde particular é responsável pela relativização da sua complexidade, na forma em que solidifica um corte demarcado das práticas possíveis a serem realizadas pelas operadoras de planos de saúde e consequentemente o torna mais ao alcance do objetivo essencial dessas contratações que é a garantia do direito à saúde (Gomes, 2020).

Ao lado da Lei nº 9.656/1998 (Brasil, 1998) e das Resoluções-Normativas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), acontecem nos contratos de planos de saúde, o que está previsto nas disposições do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor, sendo essas normas as responsáveis por garantir o cumprimento desta modalidade contratual e assegurar a proteção do usuário do plano de saúde (Pereira, 2020).

 Entretanto, mesmo como todas as regras já existentes, ainda na realidade atual, na área da saúde suplementar no Brasil é caracterizada por diversas práticas contraditórias aos paradigmas legais das relações contratuais de plano de saúde, muitas vezes levando ao impedimento da realização desiderato contratual. Desta forma, o Poder Judiciário, tem sido repetidas vezes procurado pelos beneficiários dos planos de saúde para solucionar os conflitos que emergem das negativas e das abusividades que integram o contrato e a utilização do mesmo. Neste contexto se destaca, a cobertura de internação na modalidade home care, cuja repetidas vezes tem sido negada a cobertura pela operadora de plano de saúde (Pereira,2020).

2.1 AS COBERTURAS OBRIGATÓRIAS NOS PLANOS DE SAÚDE  

Demarcar que tipo de serviços ou quais serviços devem obrigatoriamente ser garantidos pelos planos de saúde não é algo fácil. Existe, em primeiro lugar, a variável temporal, alusiva aos planos mais antigos, que foram feitos antes da Lei Federal nº 9.656/1998, conhecida como Lei dos Planos de Saúde (LPS).  Há muito tempo se analisa e se pondera se os referidos planos, seriam ou estariam balizados pela LPS, principalmente por conter cláusulas, limitações que são incompatíveis com o que a referida Lei determina (Brasil, 1998).

Com o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1931 de fevereiro de 2018 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a questão recebeu mais um capítulo. O STF, determinou que é impossível aplicar a Lei Federal nº 9.656/1998 aos planos antigos, firmados anteriormente a promulgação da Lei (Chianca. Catena ,2020).

Resolvida a variante temporal, as garantias assistenciais asseguradas obrigatoriamente pelos planos privados, derivam da referida Lei dos Planos de Saúde e das normas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), e evidentemente das cláusulas contratuais. Certo é afirmar que adverso ao que pensa ou imagina, a autonomia contratual das operadoras dos planos de saúde, referente às coberturas assistenciais, é ínfima (Chianca. Catena. 2020).

Atualmente, as cláusulas contratuais dos planos de saúde, precisam estar em harmonia com a LPS e com as normas peculiares do setor. Apesar de que, se possam acrescentar novos itens a serem cobertos pelos planos, mas nunca podem extinguir aquilo que já foi rotulado como obrigatório. Diante disso, os planos de saúde, no marco legal do artigo 54 do CDC, é um contrato por adesão por excelência (Terra, Reis, 2020).

Na realidade, as garantias assistenciais obrigatórias, surgem, incialmente, do artigo 10, caput, da LPS, que estabelece que são obrigatoriamente asseguradas todas as doenças e enfermidades relacionadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID), promulgada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) (Terra, Reis, 2020).

Um segundo tópico relacionado à cobertura assistencial, é o artigo 12 da LPS, que cataloga, ainda que de modo superficial, os serviços que são de assistência obrigatória de acordo com os diferentes segmentos relacionados a saúde (hospitalar, odontológica, ambulatorial, obstetrícia). O inciso I determina que no segmento ambulatorial, é garantido cobrir nas diferentes especialidades, a consulta médica, que são reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e no inciso II, recomenda que na área da segmentação hospitalar deve ser garantido as internações, inclusive na terapia intensiva, sem limite de dias (Gregori, 2021).

O artigo 12 da LPS não encerra o assunto da cobertura do plano de saúde, necessitando considerar também as normas da ANS, de modo especial a Resolução Normativa (RN) nº 428/2017, notória por conduzir o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde (RPES) atualmente em vigor. Esta normativa ratifica as disposições dos artigos 10 e 12 da LPS, completando-os e detalhando. No intuito de ilustrar, observe que na esfera da segmentação ambulatorial, a supra resolução, acrescenta, por exemplo, a cobertura de atendimento por fonoaudiólogo, nutricionista, psicólogo e terapeuta ocupacional (Gregori, 2021).

A garantia de oferta dos planos de saúde, encontra sua resposta no rol de procedimentos obrigatórios, tratado no artigo 10, parágrafo 4°, da LPS, a magnitude ou amplidão das coberturas são definidas pelas normas editadas pela ANS. Desde de o princípio de sua instituição, cabe a agência reguladora, artigo 4, inciso III da Lei Federal nº 9.961/2000, é responsabilidade da agência periodicamente editar e atualizar o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, publicamente denominado como o rol de procedimentos obrigatórios. É uma vasta lista, atualizada a cada dois anos, que cataloga os procedimentos de cobertura obrigatória (Gomes, 2020).

Assim, a identificação sobre a obrigatoriedade das coberturas de um ou outro procedimento médico, relacionados aos contratos de plano de saúde, implica, além da busca à LPS, a RN nº 428/2017 (ou a que vier a suceder) ainda as cláusulas contratuais e finamente o rol de procedimentos obrigatórios (Gomes, 2020).

3 ATENDIMENTO DOMICILAR – O HOME CARE

Atualmente home care é um tipo diferenciado de oferta de atendimento de saúde.  Ao ofertar ou ao contratar um plano de saúde, é visível que a proposta é que o plano promova cuidados, atendimentos, tratamentos, serviços, produtos e equipamentos necessários para um atendimento em um espaço fora do ambiente hospitalar (Coutinho, 2020).

Insuficientes atendimentos de saúde, tem a característica do home care, onde a natureza da condição clínica ou o estado de saúde do paciente, é parte de um tratamento integrado e amplo, onde a intenção maior é restabelecer, por meio de ação preventiva ou paliativa a saúde do paciente (Coutinho, 2020).

A especificidade deste tipo de atendimento se baseia na metodologia do tratamento ofertado ao paciente, onde o procedimento deve englobar os fatores que possibilitam a recuperação da saúde integral do paciente, seja psicológica, física, social e familiar, pois esta opção se baseia nas melhores situações para concentrar todo tempo e atenção ao paciente (Rajão, 2020).

O tratamento home care acolhe todos esses fatores e ainda emprega uma técnica adequada de suporte de avaliação, implementação, acompanhamento, questionamento, planejamento e finalização de uma série de ações relacionadas, com foco específico por um conjunto de profissionais. A escolha pelo atendimento ou internação no modo home care, só acontecerá se for por recomendação médica e aceite do paciente e família (Rajão 2020).

A Lei nº 8.080/90, que regula o Sistema Único de Saúde, alterada pela Lei nº 10.424/2002, dispõe acerca dos requisitos necessários para a proteção, promoção e recuperação da saúde:

19-I: São estabelecidos, no âmbito do Sistema Único de Saúde, o atendimento domiciliar e a internação domiciliar. (Incluído pela Lei nº 10.424, de 2002);

§ 1º Na modalidade de assistência de atendimento e internação domiciliares, incluem-se, principalmente, os procedimentos médicos, de enfermagem, fisioterapêuticos, psicológicos e de assistência social, entre outros necessários ao cuidado integral dos pacientes em seu domicílio. (Incluído pela Lei nº 10.424, de 2002);

§ 2º O atendimento e a internação domiciliares serão realizados por equipes multidisciplinares que atuarão nos níveis da medicina preventiva, terapêutica e reabilitadora. (Incluído pela Lei nº 10.424, de 2002);

§ 3º O atendimento e a internação domiciliares só poderão ser realizados por indicação médica, com expressa concordância do paciente e de sua família. (Incluído pela Lei nº 10.424, de 2002).

Não obstante aos imensos benefícios apresentados no atendimento domiciliar, mesmo com a indicação médica, a vontade do paciente e a necessidade do tratamento, quando o beneficiário entra com a solicitação do tratamento junto ao prestador do plano de saúde para o home care, a autorização na grande maioria dos pedidos, é negada sem justificativas plausíveis (Rajão, 2020).

3.1 HISTÓRICO DA ATENÇÃO DOMICILIAR   

Com a evolução da medicina atualmente, aumenta o número de pacientes que alcançam uma sobrevida maior em doenças consideradas terminais, incuráveis ou ainda que deixam grandes sequelas, neste contexto o atendimento em domicílio, conhecido como home care, vem se destacando cada vez mais e a sendo mais utilizado, seja de modo custeado pelos planos de saúde ou particular (Coutinho, 2020).

Toda ação direcionada para a preservação, reabilitação ou promoção da saúde e no cuidado com as doenças que são realizadas na residência da pessoa é considerada atenção domiciliar (Coutinho, 2020).

A assistência domiciliar traz muitas discussões para administradores e profissionais envolvidos no atendimento aos pacientes. A modalidade home care (do inglês” cuidado no lar”), pode ser definida como um conjunto de procedimentos possíveis de serem realizados na casa do paciente, e abrangem ações de saúde desenvolvidas por equipes multiprofissionais. Visando à promoção da reabilitação e manutenção da mesma, melhorando a saúde desse usuário (Figueiredo, 2020).

Para Gomes (2020), toda modalidade de serviço na área de assistência à saúde, visando atingir a continuidade do atendimento prestado nos hospitais, ao portador de uma enfermidade, que é ofertada em seu ambiente familiar, é entendida como home care. Verifica-se que essa modalidade de tratamento tem sido cada vez mais requerida por médicos e é essencial para a qualidade de vida dos usuários.

Para a ANVISA (Brasil, 2013) o atendimento domiciliar é uma série atividades programadas e continuadas, que são efetuadas em domicílio, abarcando ações focadas na manutenção da saúde e na prevenção de agravos, como mecanismo de fortalecer os pontos que são benéficos à manutenção da saúde do indivíduo. Para a mesma agência reguladora da Saúde, a internação domiciliar é entendida como uma série de atividades que são proporcionadas na casa do paciente que tenha exigência de ações mais complexas de atenção, com o emprego de recursos humanos, tecnológicos (equipamentos), medicamentos e materiais (Brasil, 2013).

Tanto a internação como o atendimento domiciliar, são ações que buscam a substituição ou a continuidade da permanência do paciente em hospitais, visando oferecer maior conforto e segurança ao paciente, bem como, diminuir os riscos de uma infeção hospitalar, precavendo e minimizando as possíveis sequelas de uma internação hospitalar (Gonçalves, 2022).

No ano de 1997, o Ministério da Saúde (MS), publicou a portaria nº 2.416, que deliberou sobre quais os requisitos necessários para o credenciamento dos hospitais e quais os critérios necessários para a modalidade de internação hospitalar.  Essa portaria foi a abertura de discussões e análises para que as políticas públicas retomassem a atenção necessária no domicílio do paciente, como mecanismo de assistência a ser incorporado, regulamentado e financiado pelo setor (BRASIL, 1997).

Com o crescimento da atenção domiciliar, foi publicada a Lei nº 10.424, em 2002, que modifica a Lei Orgânica da Saúde n. 8.080, normatizando a assistência domiciliar no SUS (Brasil, 2002).

No ano de 2013, a Agência Nacional de Vigilância em Saúde (ANVISA), publicou a Resolução da Diretora Colegiada (RDC) nº 11, que determina as condições mínimas necessárias para o funcionamento da atenção domiciliar (ANVISA, 2013). No ano de 2011, o Ministério da Saúde, criou o Programa Melhor em Casa (PMC), por meio de um grupo de trabalho, com o foco em expandir e qualificar a atenção domiciliar (Brasil, 2013).

Atualmente, a Portaria que regulamenta a oferta do Serviço de Atenção Domiciliar no SUS, é a Portaria nº 825/2016/GM/MS, que trata a Atenção Domiciliar como um tipo de atenção à saúde conectada as Redes de Atenção à Saúde, valorizando as ações de tratamento preventivo, reabilitação e promoção da saúde como uma ação continua de assistência em domicílio. O serviço de Atenção Domiciliar é classificado como integrante e complementar as ações necessárias para os cuidados que devem ser realizados na atenção básica, como mecanismo de substituir à internação hospitalar (Brasil, 2016).

A Atenção Domiciliar é uma opção à internação hospitalar, possibilitando deste modo, a diminuição da demanda e do tempo de duração da permanência do paciente no hospital, atenuando os riscos de infecção ao paciente e os custos em ambientes hospitalares. A atenção domiciliar tem sido conhecida e reconhecida como local apropriado para um cuidado humanitário e singular em saúde, potencializando uma assistência voltada para as necessidades do paciente (Braga, 2022).

Hoje em dia, a sociedade passa por um período onde é possível verificar o envelhecimento da população e logicamente a cronificação das doenças. Essas perspectivas (de envelhecimento e de cronificação das doenças) fazem com que a assistência à saúde seja cada vez mais procurada.

A atenção domiciliar vem se destacando como um mecanismo que possibilita um atendimento mais humanizado e personalizado ao paciente. Neste contexto, para Savassi (2023) cita que a internação em hospitais, assume uma tendência de que ocorra apenas em casos mais complexos. Apesar das patologias dos doentes terminais estarem fora da possibilidade de cura, muito pode ser feito, para aliviar a dor do paciente e é onde entram os tratamentos do home care. 

Segundo Gomes (2020) as operadoras de Planos de Saúde, perante as peculiaridades do atendimento home care, bem como com o aumento de custos que essa modalidade exige, tem escolhido excluí-la dos contratos de plano de saúde.

Na Resolução Normativa nº 211/20105, determina em seu artigo 13, que para os casos tratamento em domicílio em substituição ao atendimento hospitalar o plano de saúde deve arcar com todas as despesas, recordando que com a oferta da internação domiciliar, independente do fato de ter ou não previsão contratual, a referida operadora deve obedecer às cláusulas previstas na normativa da Agência Nacional da Vigilância Sanitária – ANVISA (Brasil, 2010).

Segundo a Agência Nacional de Saúde ANS (2013) os planos de saúde não podem se negar a prestar determinado tratamento ao paciente, principalmente quando se trata de idoso, possuidor de legislação específica que o resguarda. O rol de doenças que devem, minimamente, ser cobertas pelos planos de saúde é estabelecida pela referida Agência.

Os contratos de Planos de Saúde, são reconhecidos como contratos de adesão, onde deve estar presente a solidariedade e não só a mutualidade. Para Benjamim et al (2021): “está aqui presente o elemento moral, imposto ex vi lege pelo princípio da boa-fé, pois a solidariedade envolve a ideia da confiança e cooperação”.  Assim não existe a conveniência ou mesmo a probabilidade de o consumidor argumentar sobre as condições ou os termos dos contratos dos planos de saúde, cabendo ao mesmo apenas aceitar os dispositivos previstos nos contratos que são, via de regra, unilateral e uniformemente preparados pelas prestadoras de serviço de plano de saúde.

Em muitas situações o consumidor não é informado e tão pouco conhece que o contrato que está assinando exclui o Programa de Atenção Domiciliar, pois não há a obrigatoriedade da empresa em entregar previamente as condições gerais do contrato para os consumidores. Além disso, a cobertura do programa de atenção domiciliar é considerada bastante polêmica, onde de um lado as operadoras se negam a este tipo de atendimento e do outro o consumidor aciona juridicamente os órgãos responsáveis para ter seus direitos garantidos (Figueiredo, 2020).

É possível verificar que no Código de Defesa do Consumidor art. nº 51, § 1º, inc. II, aplicável ao contrato de plano de saúde, está previsto a realização dos Programa de Atenção Domiciliar, garantindo a teoria da qualidade na prestação de serviço ao usuário do plano de saúde, uma vez que abrange evidente relação de consumo. O cerne está contido nas ações que abarcam o princípio básico da integralidade na saúde, garantida na Resolução Normativa 167 do referido código, bem como nos alicerces constitucionais (Braga, 2020).

É essencial que os consumidores entendam efetivamente o que estão comprando ou negociando, embora o artigo 54 § 4º combinado com o artigo 46 do CDC, determinem que é dever do contratado oferecer a possibilidade de o consumidor conhecer a essência das cláusulas contratuais que estão sendo negociadas, nem sempre isso acontece (Figueiredo, 2020).

Diante do exposto é responsabilidade do fornecedor auxiliar o consumidor no contrato que está sendo firmado visando garantir a autonomia da vontade e o equilíbrio contratual. Caso o consumidor não compreenda, não tenha tido a possibilidade de analisar e discutir os pontos das cláusulas contratuais, bem como ter a negativa da cobertura do tratamento domiciliar, ele deve entrar na esfera judicial para pleitear no sistema de tutela reforçada do consumidor – paciente ou usuário, buscando deste modo, garantir a aplicação do seu direito à saúde e da proteção dos direitos do consumidor previstos na Constituição Federal (Figueiredo, 2020).

3.2 O HOME CARE E OS PLANOS DE SAÚDE

Com o constitucionalismo moderno, na categoria dos direitos sociais, surgiu o direito à saúde, com o início do século XX, a relação dos direitos fundamentais, começou a abranger os denominados direitos sociais que se configuram em cauções do Estado (Tavares, 2020).

Consciente da relevância deste direito, a lei edificou os atos e serviços de saúde como ação de importância máxima de caráter público, sendo estes essenciais para garantir os princípios da Carta Magna, que é o da dignidade humana (Tavares, 2020).

A Lei Orgânica da Saúde (LOS) nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, garante em seu artigo segundo, que é um direito fundamental a saúde do ser humano, sendo obrigação do Estado fornecer as condições imprescindíveis ao seu completo exercício.  Determina em seu princípio básico, a garantia de acesso a saúde, em todos os serviços, níveis de assistência, em sua ampla integralidade (Brasil, 1990).

O plano privado de assistência à saúde, nasceu como mecanismo de manutenção dos riscos de assistência médica a seus usuários. Numa relação onde o segurado assume o pagamento mensal, do outro lado, a operadora, garante as condições para que o beneficiário tenha acesso as terapêuticas necessárias e aos acompanhamentos apropriados para manutenção ou recuperação de sua saúde (Terra; Reis, 2020).

Desta forma, as cláusulas contratuais necessitam ser analisadas e interpretadas no sentido de garantirem e expandirem os direitos nelas subjacentes, destacando que em se abordando sobre os planos de saúde – que é um direito fundamental do indivíduo e um dos requisitos para o exercício dos demais direitos, deve-se procurar aferir máxima garantia aos acompanhamentos e tratamentos que sejam necessários e que estejam garantidos pelo contrato do plano de saúde. (Terra; Reis, 2020).

Além do fato de que as cláusulas necessitam ser decodificadas de acordo com o ordenamento jurídico, que estabelece que os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal compõem a essência mínima a ser assegurado, é lícito uma hermenêutica contratual que busque garantir maior eficácia, amplitude e concretude nestes aspectos (Terra; Reis, 2020).

Solenizado o contrato com a operadora do plano de saúde, surge uma situação de boa-fé a ser resguardada, estabelecida pela crença do beneficiário de que, contrato implementado, terá direito ao tratamento necessário sempre que precisar e todas as custas serão de responsabilidade da empresa seguradora (Terra; Reis, 2020).

A obrigatoriedade do provimento do home care em lugar à internação hospitalar, independe de uma específica previsão contratual, esta decisão está prevista na Resolução Normativa ANS nº 211/2010, em seu artigo 13, que determina que esse serviço deve ser ofertado pela seguradora sempre que for solicitado, in verbis:

Art. 13. Caso a operadora ofereça a internação domiciliar em substituição à internação hospitalar, com ou sem previsão contratual, deverá obedecer às exigências previstas nos normativos vigentes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA e nas alíneas “c”, “d” e “e” do inciso II do artigo 12 da Lei nº 9.656, de 1998.

Parágrafo único. Nos casos em que a assistência domiciliar não se dê em substituição à internação hospitalar, esta deverá obedecer à previsão contratual ou à negociação entre as partes. (Brasil, 2010) 

No cumprimento de suas atribuições de regular o setor e precaver desavenças, a ANS, estabeleceu que o serviço de home care, quando acontece no lugar da internação hospitalar, necessita ser ofertado independentemente de uma previsão contratual. Não deve ser visto como imposição, mas uma interpretação do contrato, visando garantir a dignidade do ser humano e o cumprimento do Código de Defesa do Consumidor (Brasil, 2020).

A saúde e a vida são os direitos primários, básicos e de elementar grandeza para o ser humano, ajustando-se na casta de direitos individuais inegociáveis, fazem jus ao merecimento de atenção especial, principalmente quando decorre de uma recusa de disponibilizar as condições necessárias e a manutenção do atendimento médico quando solicitado (Lima, Sangaleti, 2020).

Perante a negativa dos planos de saúde para os pacientes receberem o atendimento domiciliar, não resta outra opção a não ser a busca ao Poder Judiciário para solucionar a demanda e conceder o direito ao paciente para que seja oferecido o tratamento que melhor atenda às suas necessidades (Lima, Sangaleti 2020).

Analisando a Jurisprudência pátria, é possível constatar que os Tribunais Superiores têm entendido que é necessário aplicar aos contratos dos Planos de Saúde as normas e determinações garantidas no Código de Defesa do Consumidor, como modo de proteger a parte hipossuficiente, que automaticamente, abrange a assistência no processo de atendimento domiciliar, devidamente prescrito pelo médico.

 Há pouco tempo, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) assegurou a concepção de que o home care – tratamento domiciliar prescrito pelo médico, deve ser totalmente custeado pelo plano de saúde, independentemente de ter previsão contratual:

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que é vedado ao plano de saúde reduzir o atendimento hospitalar em domicílio, conhecido como home care, sem indicação médica. Para o colegiado, a repentina e significativa redução da assistência à saúde durante tratamento de doença grave e contrariando a indicação médica viola os princípios da boa-fé objetiva, da função social do contrato e da dignidade da pessoa humana. (STJ, 2023, relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi)

Esse benefício dos pacientes dos planos privados de saúde, já está materializado na jurisprudência de algumas turmas do Tribunal Especializado do Direito Privado, como é possível verificar na afirmação da Ministra Nancy Andrighi, (STJ, 2023) que diz:

que a prestação deficiente do serviço de home care ou a sua interrupção sem prévia aprovação ou recomendação médica, ou, ainda, sem a disponibilização da reinternação em hospital gera dano moral, pois “submete o usuário em condições precárias de saúde à situação de grande aflição psicológica e tormento interior, que ultrapassa o mero dissabor Nancy Andrighi, (STJ, 2023).

Nesta conjuntura, negar o pedido de tratamento na modalidade home care quando existe demonstrada recomendação médica é, fundamentalmente, negar a retidão do contrato firmado, apontada sua finalidade e peculiaridade. Ainda que exista uma cláusula contratual explicita suprimindo esse tipo de tratamento, argumenta-se que o direito fundamental à vida e à saúde, inerentes ao contrato, são lesionados com essa afirmação.

4 PANORAMA JURISPRUDENCIAL 

Do ponto de vista legal, as prestadoras de serviço de plano de saúde são obrigadas a garantir o tratamento no ambiente domiciliar, os medicamentos antineoplásicos e as bolsas coletoras, excetuando-se esses serviços, dos demais atendimento domiciliar (Silva, Batista., Campos, 2023).

Como norma básica, as operadoras de planos de saúde no Brasil, não querem e não concordam em cobrir a assistência médica prestada em ambiente domiciliar, independentemente do tipo de serviço a ser prestado, portanto tendem a considerar esse tipo de cobertura como suprimidos na oferta do contrato. Diante desta situação, os pedidos de autorização para atendimento domiciliar, hoje em dia, têm se tornado cada vez mais comum, mas como norma geral são negados (Silva, Batista, Campos, 2023).

 Uma primeira análise do panorama jurisprudencial relacionado a cobertura contratual para atendimento home care, é possível verificar que tais pedidos, na sua maioria, dividem a realidade ordinária nos litígios que decorrem sobre as coberturas assistenciais e as limitações dos planos de saúde, que pela invocação ao direito, ou princípio da constitucionalidade, seja também pela alegação que as operadoras de planos de saúde, não deveriam e não poderiam rejeitar um tratamento solicitado por um médico (Silva, Batista, Campos, 2023).

A luta das operadoras reside quase que exclusivamente em demonstrar diante do legislador, que as solicitações de atendimento domiciliares, não são de fato indispensáveis, busca mostrar que o paciente precisa apenas de cuidados básicos e oferta de medicamentos e que isso é responsabilidade da família ou um cuidador, uma vez que tal método não tem a necessidade de cuidado médico continuo (Gomes, 2020).

A concessão da substituição da internação hospital para a domiciliar, deve ser vista como vantajosa à operadora, benéfica ao paciente e essencial para o hospital, a operadora por desospitalizar um paciente significa reduzir custos, para o hospital significa liberar leitos e para o paciente lhe permite deixar o ambiente hospital, diminuir os perigos de uma infecção hospitalar, ficar próximo a família, possibilitando deste modo o significativo aumento das chances de recuperação (Gomes, 2020).

A Lei nº 9.656/98, que regulariza os planos de saúde no Brasil, estabelece em seu artigo 35- C, I, que: “nos atendimentos de emergência ou urgência, como estabelecidos que geram risco à vida ou danos irreparáveis para o paciente é obrigatória a cobertura”. Deste modo, o home care, como modalidade de internação domiciliar não está subordinado à comodidade ou desejo do paciente, mas diretamente relacionado a indicação médica visando a recuperação rápida e ao atendimento da necessidade especial do usuário do plano de saúde, especificamente atendendo a uma indicação médica (Figueiredo, 2020).

Diante da negativa dos planos de saúde, em atender ao pedido de tratamento domiciliar, com a alegação de falta de previsão contratual que envolva essa modalidade de tratamento ou ainda alegando a existência de uma cláusula que exclua essa modalidade de tratamento do rol de benefícios, a jurisprudência pátria, tem consolidado a compreensão no sentido contrário a estas afirmações feitas pelos planos de saúde (Figueiredo, 2020).

O Tribunal de Justiça de São Paulo, para determinar esse entendimento, publicou a Súmula 90, que apregoa: “havendo expressa indicação médica para a utilização dos serviços de home care, revela-se abusiva a cláusula de exclusão inserida na avença, que não pode prevalecer.”  (TJSP, 2012).

Como encaminhamento jurisprudencial do STJ trata que:

Os contratos de plano de saúde podem determinar que tipo de doenças serão garantidas em seus contratos, mas não podem delimitar que tipo de tratamento será utilizado em cada paciente, caso contrário será reconhecido como abusiva a cláusula que exclui o acompanhamento home care quando o médico determinar que é essencial para a vida ou garantia de saúde do segurado (TJSP, 2012).

O entendimento de que é abusiva toda cláusula que aborde sobre a supressão de um tipo de atendimento médico, como por exemplo, o atendimento domiciliar, tem sido a compreensão dos Tribunais de Justiça no Brasil que vêm padronizando o sua concepção de cláusula abusiva, uma vez que a modalidade de tratamento é responsabilidade médica e não da prestadora de serviço É possível afirmar que a Justiça tem sido a principal aliada do segurado, diante das negativas dos planos de saúde, especialmente no tocante aos serviços de home care  (Silva, Batista, Campos, 2023).

No mesmo entendimento de que a supressão do atendimento domiciliar mesmo que prevista em contrato, não exclui o direito ao tratamento, como também já decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, conforme julgados conferidos recentemente em relatório TJMG, Processo nº 1.0024.06.276692-8/007, Des. Rel. Elpídio Donizetti, julg. 27.03.2012, publ. 03.04.2012: “Se existe previsão contratual para o tratamento da enfermidade, a técnica utilizada para se chegar ao resultado final, sem sombra de dúvida, deve ser a que cause menor risco e torne mais efetiva a recuperação do paciente, à escolha do médico responsável”, ou ainda no TJMG, Processo nº 1.0024.12.1440291/001, julg. 19/07/2012, publ. 25/07/2012: “A existência de expressa exclusão contratual se apresenta irrelevante para o deslinde da controvérsia, tendo em vista a jurisprudência que se firmou perante o STJ, no sentido de que revela-se abusiva a negativa de cobertura de tratamento na modalidade ‘‘home care’’ A existência de expressa exclusão contratual se apresenta irrelevante para o deslinde da controvérsia, tendo em vista a jurisprudência que se firmou perante o STJ, no sentido de que revela-se abusiva a negativa de cobertura de tratamento na modalidade ‘‘home care’, entre tantos outros já julgados na mesma linha de entendimento.

Na mesma linha de ação, o Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, em decisões proferidas no tocante ao assunto em pauta, emitiu pareceres favoráveis aos pacientes de planos de saúde, com recursos providos:  TJTO, Agravo de Instrumento, 0001007-14.2024.8.27.2700, Rel. ANGELA ISSA HAONAT, julgado em 08/05/2024: “De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), reputa-se abusiva a cláusula contratual que veda a internação domiciliar (“home care”) como alternativa à internação hospitalar.”. TJTO, Apelação Cível, 0008322-45.2020.8.27.2729, Rel. JOCY GOMES DE ALMEIDA, julgado em 25/04/2023: “segundo jurisprudência dominante do STJ, o plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de tratamento utilizado para a cura de cada uma, sendo considerada abusiva a cláusula contratual que exclui tratamento domiciliar (HOME CARE)”, TJTO, Agravo de Instrumento, 0011655-58.2021.8.27.2700, Rel. JOSÉ RIBAMAR MENDES JÚNIOR, Relator – JOSÉ RIBAMAR MENDES JÚNIOR, julgado em 23/03/2022: “O serviço de “home care” (tratamento domiciliar) constitui desdobramento do tratamento hospitalar contratualmente previsto que não pode ser limitado pela operadora do plano de saúde”, na mesma linha de conduta é possível localizar 194 acórdãos proclamados sobre home care (TJTO, 2023).

A saúde privada não pode e não deve ser entendida como uma mera mercadoria que é vendida para qualquer pessoa interessada, pois sua essência visa resguardar o interesse público intrínseco a essa atividade.  Essa modalidade de prestação de serviço não pode se sujeitar apenas às leis de mercado, precisam atender a regulamentação específica do setor que visa assegurar o cumprimento legal do direito à saúde (Basan, 2020).

A finalidade do contrato de assistência médica deve estar diretamente ligada com a obrigatoriedade de garantir ou buscar assegurar a saúde do segurado, através de todos os meios disponíveis. Deste modo, qualquer ato de restrição contratual que suprima a modalidade de tratamento solicitada pelo médico do paciente, desobedece aos princípios legais (Basan, 2020).

Deste modo, se atribui aos planos de saúde, inteira responsabilidade pelas ofertas de tratamento aos seus usuários, independentemente da modalidade. Nesta lógica de entendimento, a negativa por parte das operadoras dos planos de saúde, trará consequências legais desnecessárias.

Mesmo diante da evidente compreensão jurisprudencial, de modo geral, infelizmente, as operadoras de planos de saúde têm se manifestado por diversas vezes de modo negativo a oferecer essa modalidade de tratamento considerado positivo e digno aos seus usuários, deste modo, a restando aos assegurados procurar a orientação judicial para ter seus direitos assegurados.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisar os planos de saúde e a prestação de serviços em ambiente familiar, é uma atividade delicada e muito complexa, uma vez que conglomera muitas variáveis sociais, econômicas e jurídicas. Como foi apresentado no presente trabalho, a simples constatação da existência ou não de uma cobertura contratual no plano de saúde o fato do home care, está interligado a particularidades de cada caso concretamente, de modo especial no que se refere a cláusula na qual o beneficiário está vinculado e ao serviço domiciliar solicitado.

Legalmente falando, considerando a LPS e as demais normas reguladoras decorrente da ANS, poucos serviços são considerados de cobertura obrigatória na modalidade domiciliar (urostomia, colostomia, ileostomia, sonda e coletor de urina), os demais serviços de saúde ofertados na modalidade home care, são possíveis de exclusão contratual, ou seja, não são de cobertura obrigatória.

Do ponto de vista Judicial, o cenário é mais complexo e delicado. Historicamente, os pedidos judiciais sobre o home care, são solucionados com os fundamentos utilizados nos litígios de coberturas assistências. Predominantemente utilizando as normas relacionadas a proteção do consumidor, tais pedidos habitualmente são solucionados em favor dos pacientes, independente, da existência ou não de cláusulas contratuais excludentes.

Sendo de extrema importância que as prestadoras de serviço, ao receberem os pedidos de serviço médico domiciliar, não fique presa aquilo que consta apenas nos contratos, mas levem em consideração as condições do paciente e o serviço solicitado.

Como pode ser visto no decorrer deste artigo, o entendimento do Poder Judiciário é que os planos de saúde cobrem a doença e não podem determinar o tipo de tratamento. Não havendo razão para negar o pedido de tratamento que o médico entender como melhor e mais adequado ao paciente. Podendo ser considerada ilícita, qualquer cláusula contratual que determine as formas de tratamento para os tipos de doença cobertos pelos planos.

Não resta nenhuma dúvida que o internamento está previsto e é coberto pelos planos de saúde, logo, o tratamento domiciliar, nada mais é que um tipo de internamento, inclusive sendo menos oneroso. Deste modo, nem o argumento de desequilíbrio econômico-financeiro se justifica para a negativa ao pedido feito.

Por todos os lados analisados, onde se avalia a restritividade ao pedido do home care, ela não se ampara no ordenamento jurídico nacional, sendo imprescindível que os planos custeiem o internamento domiciliar.

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1Aluna Concluinte do Curso de Direito da Universidade Luterana de Palmas – TO.

2Professora. Advogada. Mestra em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Tocantins em parceria com a Escola Superior da Magistratura Tocantinense. Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Cândido Mendes. Especialista em Direito Médico e Hospitalar pela Faculdade Escola Paulista de Direito. Graduada na Pontifícia Universidade Católica de Goiás. E-mail: patriciacoelhoaguiar@gmail.com.